Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
17012/17.8YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: PRESCRIÇÃO: PRESCRIÇÃO DE 5 ANOS
Data do Acordão: 06/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO COMP. GENÉRICA DE MONTEMOR O VELHO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTº 310º, AL. E) DO C.CIVIL
Sumário: Resolvido extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo um contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no art. 310º, e) do Código Civil – prescrição de cinco anos – porque o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como dívida (global) proveniente da “relação de liquidação”.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I - RELATÓRIO
1.1.- A Autora – A... Limited, com sede em ..., Inglaterra, requereu procedimento de injunção contra os Réus:
F..., Lda, com sede na Rua ...; e
C..., residente na Rua ...
Alegou, em resumo:
Por contrato de cessão de créditos, o Banco B..., S.A. cedeu à Autora A... um crédito que detinha sobre os Réus, em virtude da celebração daquele com estes de um contrato de financiamento/mútuo, mediante o qual a Ré se comprometeu ao pagamento de prestações mensais e sucessivas à cedente, tendo, contudo, a Ré deixado de efectuar o pagamento mensal das prestações, nada tendo pago à Autora após a cessão do crédito à mesma, tendo-se verificado em 26/12/2011 o incumprimento definitivo do contrato, pois a Ré deixou de efectuar o pagamento mensal das prestações, foram enviadas cartas de interpelação a ambos os Réus, na qualidade de devedora e fiador, a resolver o contrato.
Pediu condenação dos Réus a pagar-lhe a quantia de €8.628,59 acrescida de juros vincendos até efectivo e integral pagamento, bem como todas as custas de parte, a apurar a final.
Contestou apenas o Réu C... defendendo-se com a excepção dilatória de ilegitimidade passiva e a excepção peremptória de prescrição do crédito da Autora, alegando para o efeito que o crédito da Autora se encontra sujeito ao prazo de prescrição previsto no disposto no artigo 310, alínea e), do CC, sendo que, atento o decurso do tempo superior aos cinco anos previstos, o crédito da Autora prescreveu. Por impugnação, nada deve.
A Autora respondeu.
1.2. Realizada audiência de julgamento foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção, decidiu:
a)Condenar solidariamente os Réus a pagar à Autora a quantia de €7.210,52 (sete mil duzentos e dez euros e cinquenta e dois cêntimos), a título de capital, que acresce juros de mora sobre o valor do referido capital desde 16/03/2012, às taxas legais para as obrigações civis, até efectivo até efectivo e integral pagamento, liquidando-se os juros vencidos desde o referido dia até à presente data (31/01/2018) no montante de €1.696,55 (mil seiscentos e noventa e seus euros e cinquenta e cinco cêntimos), absolvendo-se os Réus do demais peticionado;
b)Julgar a excepção peremptória de prescrição do crédito, a título de capital, da Autora A... improcedente;
c) Julgar a excepção peremptória de prescrição dos juros moratórios parcialmente procedente, em consequência absolver os Réus F..., Lda. e C... do pedido de pagamento dos mesmos à Autora A... Limited no que respeita aos juros peticionados até ao dia 15/03/2012;
d)Condenar ambas as partes no pagamento das custas processuais, na proporção dos respectivos decaimentos, isto é, na proporção de 98% pelos Réus F..., Lda e C..., e na proporção de 2% pela Autora A... Limited.
1.3. Inconformado, o Réu C... recorreu de apelação, com as seguintes conclusões:
...
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1.- O objecto do recurso
A questão essencial submetida a recurso, delimitado pelas conclusões, contende com a prescrição do crédito.
2.2.- Os factos provados:
1)Por documento particular, em 27-02-2008, foi celebrado entre o Banco B..., S.A. e F..., Lda. um acordo escrito, ao qual foi atribuído o nº..., mediante o qual o primeiro se comprometeu a financiar à segunda uma quantia em dinheiro, e a segunda se comprometeu a restituir tal quantia, acrescida de juros, em prestações mensais e sucessivas (a primeira com vencimento em 10-04-2008 e a última em 10-03-2013), tendo o Réu C...garantido o pagamento por parte da F..., Lda, outorgando o referido acordo na qualidade de fiador;
1.1)Do qual consta, nas suas condições específicas, que “Ao subscrever este contrato o(s) Fiador(es) assume(m)-se perante o Banco como fiador(es) e principal(ais) pagador(es) de todas e quaisquer obrigações que para o(s) Mutuário(s) resultem da assinatura deste contrato.”;
1.2)Do qual consta no ponto 8 alínea b) das suas condições gerais que “A falta de pagamento de uma prestação na data do respectivo vencimento implica o imediato vencimento de todas as restantes.”;
1.3)Do qual consta no ponto 10 das suas condições gerais que “Sem prejuízo de outros casos previstos na lei ou neste Contrato, o Banco poderá considerar o presente contrato rescindido, sendo consideradas então imediatamente vencidas todas as obrigações decorrentes para o(s) Mutuário(s) do mesmo, exigindo o cumprimento imediato de todos os valores em dívida sempre se verifique alguma das seguintes situações: a) Falta de pagamento pontual de qualquer prestação de capital, juros ou outros encargos previstos neste contrato;”
2)A F..., Lda deixou de efectuar o pagamento mensal das prestações;
3)Banco B..., S.A. enviou cartas de interpelação, datadas de 02-09-2010, a F..., Lda, e a C..., enquanto fiador, concedendo “…um prazo adicional de 8 dias para que proceda à regularização da situação, findo o qual entregaremos o processo ao nosso advogado para que, de imediato e sem qualquer outra comunicação, promova o competente procedimento judicial.”, uma das quais se inicia referindo “Apesar de todas as diligências e insistentes contactos já ocorridos continua V.ª Exa. sem efectuar o pagamento das prestações em mora no contrato em referência,…” e outra se inicia referindo “Vimos por este meio enviar a V. Exa. cópia da mais recente carta que remetemos…”;
4)Em 26/12/2011 nada tinha sido regularizado, sendo que nessa data o crédito passou a ser exigível;
5)Por Contrato de Cessão de Créditos, o Banco B..., S.A. cedeu o referido crédito à A... Limited;
6)À data da cessão do crédito encontrava-se por pagar o montante de 7.210,52 Euros;
7)Após a cessão do crédito não foi efectuado qualquer pagamento.
2.3. A prescrição do crédito
Em 27/2/2008 o Banco B... SA celebrou com F..., Lda um contrato de mútuo de € 21.789,22, à taxa de juro de 12,252%, a pagar em 60 prestações mensais, e simultaneamente um contrato de fiança, sendo fiador C... ( cf. doc. fls.38 e 39).
O Banco mutuante cedeu o crédito à Autora, que face ao incumprimento dos Réus resolveu o contrato e considerou vencidas as prestações, reclamando o valor global em dívida de € 7.210,52, e juros de mora.
A sentença recorrida, depois de afirmar a existência do crédito de €7.210,52 e a responsabilidade solidária dos Réus, julgou improcedente a excepção peremptória da prescrição arguida pelo Réu C... justificando ser aplicável o prazo geral de 20 anos (art.309 CC) e não o prazo de 5 anos (art.310, e) CC).
Argumentou-se, em síntese:
“Face a todo o exposto, e volvendo novamente ao caso concreto, resulta demonstrado, por acordo das Partes, que o crédito se tornou exigível a partir de 26-12-2011, sendo que tal crédito corresponde à totalidade das prestações vencidas em virtude do não pagamento de uma delas, pelo que o capital que é peticionado na presente acção corresponde à totalidade do capital em dívida, que de acordo com a factualidade que se teve por provada é de 7.210,52 Euros. Ocorreu, assim, no presente caso concreto, a perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações, pelo que os valores em dívida voltaram a assumir a sua natureza original de capital e de juros e, assim sendo, o capital no valor de 7.210,52 Euros encontra-se sujeito ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos.”
O Réu/Apelante sustenta ser aplicável o prazo de prescrição de 5 anos (art.310, e) CC), por a prestação fraccionada englobar os juros.
O art.310 do CC consagra situações especiais de prescrição extintiva de curto prazo (prescrição de cinco anos), cuja razão de ser radica na protecção do devedor, pela acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital susceptível o arruinar, se o pagamento lhe pudesse ser exigido de um golpe ao cabo de um número demasiado de anos ( cf. Vaz Serra, “Prescrição Extintiva e Caducidade”, BMJ nº 106, pág.107), evitando-se, assim, que o credor retarde a exigência de créditos periodicamente renováveis.
O art.310, e) CC abrange as hipóteses de obrigações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas fracções distintas: uma de capital e, outra, de juros em proporção variável, a pagar conjuntamente.
Tem-se discutido da sua repercussão ao mútuo bancário em que há um plano de pagamento em prestações do capital e dos juros, com posições jurisprudenciais divergentes.
Na situação dos autos é verdade que no contrato de mútuo com fiança as partes acordaram num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas (60), que englobavam o pagamento de parte do capital e dos juros.
Contudo, considerando o teor da carta de fls.46, conjugada com a a cláusula resolutiva (ponto 10) aposta no contrato, verifica-se que o contrato foi resolvido com base no incumprimento definitivo, estipulando-se a perda do benefício do prazo, pelo que a Autora reclamou o montante da dívida global.
Sendo assim, a resolução dá origem a uma “relação de liquidação”, por força do princípio da retroactividade, que intervém em termos relativos (art.434, nº2 CC). A propósito da “relação de liquidação”, elucida Brandão Proença “ O exercício fundado do direito de resolução, origina, à luz de certos dados normativos gerais (arts.433, 289 e 344 nº1 (1ª parte) do CC ), uma eficácia retroactiva entre as partes contratantes (e atingindo eventualmente terceiros), consubstanciada (sobretudo quando a resolução assume uma finalidade recuperatória) numa “relação de liquidação” (…). A resolução, apesar da sua carga etimológica, não é um instrumento puramente negativo, concretizado numa retroactividade mais ou menos arbitrária, mas visa (máxime quando houve um princípio de execução contratual) uma “liquidação” adequada à própria finalidade normal (ou funcionalidade) do direito: o “regresso”(não necessariamente retroactivo) ao estado económico-jurídico anterior à frustração ou à alteração contratual e numa base, quanto possível, igualitária entre ambas as partes” (A Resolução do Contrato No Direito Civil, 1982, pág.173, 178).
Portanto, o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como a dívida (global) proveniente da “relação de liquidação”, correspondente ao valor do capital em dívida, à data do incumprimento.
Para Menezes Cordeiro, “a prescrição quinquenal apenas se irá aplicando escalonadamente, na medida do plano de pagamento inicial, pois é este o combinado e que as partes têm como referência; podemos acrescentar que na eventualidade do vencimento antecipado, já não se trata de quotas de amortização“ (Tratado de Direito Civil, V, pág.175, 176).
Também Ana Filipa Antunes, anotando o art.310, refere que o prazo curto de prescrição se justifica por estarem em causa prestações periódicas, mas “este prazo vale para cada uma das prestações que se vai vencendo e não para a obrigação no seu todo” (Prescrição e Caducidade, pág.79).
No plano jurisprudencial, cf., por ex., Ac RC de 26/4/2016 (proc. nº 525/14), Ac RG de 16/3/2017 ( proc. nº 589/15), Ac RE de 10/5/2018 ( proc. nº 627/16), disponíveis em www dgsi.pt ).
Por isso, não tem aplicação o regime especial da prescrição do art.310, e) CC, mas o prazo geral da prescrição de 20 anos (art.309 CC), como se justificou na sentença.
2.4. Síntese conclusiva
Resolvido extrajudicialmente com base no incumprimento definitivo um contrato de mútuo em que as partes haviam acordado num plano de pagamento em prestações mensais e sucessivas, que englobava o pagamento de parte do capital e dos juros, e reclamando a credora o montante da dívida, não tem aplicação o disposto no art. 310º, e) do Código Civil – prescrição de cinco anos – porque o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como dívida (global) proveniente da “relação de liquidação”.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença.
2)
Condenar o Apelante nas custas.
Coimbra, 12 de Junho de 2018.
( Jorge Arcanjo)
( Isaías Pádua )
( Manuel Capelo )