Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
874/06.1TBTNV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: COMPROPRIEDADE
DIVISÃO
PROPRIEDADE
ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
Data do Acordão: 05/07/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TORRES NOVAS – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 1412º E 1413º DO C. CIVIL; 1052º A 1057º DO CPC.
Sumário: 1. O art.1412º do Código Civil atribui a cada comproprietário o direito de exigir a divisão.

2. A cessação da situação de compropriedade implica, como é manifesto, o termo do concurso de vários direitos de propriedade pertencentes a pessoas diferentes, tendo por objecto a mesma coisa, tendo lugar a constituição de situações de propriedade singular sobre cada uma das parcelas da coisa dividida.

3. Sendo a acção de divisão de coisa comum um instrumento próprio - processual ou judicial – art.1413º, n.º 1 do Código Civil e arts. 1052º a 1057º do Código do Processo Civil - para reduzir a pluralidade de direitos à unidade, outros meios - actos - existem conducentes a esse efeito.

4. Podem os comproprietários harmonizar os seus interesses conflituantes no uso da coisa comum, mediante uma divisão material do gozo dela, por forma a, sem efectuarem uma divisão que ponha termo à compropriedade, acordarem em usar separadamente as dependências em que dividem a casa comum, ou os vários lotes de terreno em que repartem para o efeito o prédio rústico comum.

5. No entanto, o estado de facto criado pela divisão amigável efectuada pelos comproprietários sem ter sido precedida de escritura ou auto público, pode converter-se em estado de direito, através do instituto da usucapião, se cada um dos comproprietários tiver exercido posse exclusiva sobre o quinhão que ficou a pertencer-lhe na divisão e tal posse se revestir dos requisitos legais, sendo certo que, por ser possuidor em nome alheio, relativamente à parte da coisa que excede a sua quota, não pode adquirir, por usucapião, sem inverter o título de posse.

6. Para evitar todos os problemas associados a esta forma amigável de “divisão”, sem os problemas inerentes à prova das respectivas áreas e estremas das várias parcelas, os comproprietários podem lançar mão da acção de divisão de coisa comum ou divisão amigável através do necessário documento escrito – no caso dos imóveis através de escritura pública -, que, no caso dos autos foi feito pelas partes.

Decisão Texto Integral: 1.Relatório

Os AA R… e J…, em processo comum sob forma ordinária, pediram ao Tribunal Judicial de Torres Novas, sendo réus L…, M… e N…, que:

 1.Se declare que os AA. são donos do prédio urbano Descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o n.º ...

2.Que a estrema entre o dito prédio e o prédio Descrito na mesma Conservatória sob o n.º … é pelo exacto sítio representado na planta levantada à escala de um para quinhentos que faz parte integrante da escritura exarada de fols. 47 a fols. 49 v.° do l.° de Notas para Escrituras Diversas n.º … do Cartório Notarial de … e cuja fotocópia autenticada foi junta pelos AA. como doc. 2.

3.Que os RR. estão a ocupar a parcela de terreno com a área de 54,94 m2 e com a configuração e localização conforme tracejado a verde na planta junta como doc. 10, parcela esta que integra o prédio Descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o n.º … e se situa a Poente do 2º prédio supra Descrito e confinando com ele.

4.Condenando –se os RR. a restituir tal parcela de terreno com a área de 54,94 m2 aos AA., retirando o pilar de betão em que se apoia o portão e a parte do portão e, bem assim, a rede metálica e os tubos em que ela foi fixada que estão no referido prédio Descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...

Para tal alegam, em suma que:

São donos do prédio que identificam na petição cuja inscrição se encontrar registada a seu favor na correspondente C.R.Predial.

Acontece que os RR procederam à vedação do seu prédio - confinante com este dos autores - tendo efectuado tal delimitação ocupando um parcela de terreno, que faz parte do prédio dos AA, numa área de cerca de 54,94m2.

Citados os RR., vieram contestar, invocando a ineptidão da p.i. por ininteligibilidade - contradição de causas de pedir -.

Por outro lado impugnam a factualidade invocada, entendendo não assistir aos AA qualquer razão por não serem donos da parcela reivindicada.

Mais pedem em reconvenção sejam condenados os como litigantes de má fé, numa multa a arbitrar pelo Tribunal mas nunca inferior a 500€ e numa indemnização a apagar aos Réus, em montante nunca inferior a 2.500€, que anteriormente haviam intentado outras acções, tendo numa deles peticionado se declarasse a existência de uma servidão de passagem a favor do seu prédio no terreno ora reivindicado, não tendo tido provimento.

A Sr.ª Juiz do Círculo Judicial de Tomar proferiu a seguinte decisão:

“Pelo exposto decido o seguinte:

Julgar parcialmente procedente por parcialmente provada a acção e, consequentemente:

Declaro os AA. R… e J… donos e legítimos proprietários do prédio urbano Descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o n.º ... (tal direito não foi impugnado pelos RR).

Em tudo mais absolvendo os RR …

Julgar improcedente a reconvenção improcedente e, consequentemente, absolver os AA do pedido de condenação como litigantes de má-fé contra eles formulado pelos RR.

2.O Objecto da instância de recurso

Os apelantes R… e marido, J… apresentam as seguintes conclusões – são estas que balizam o trabalho do Tribunal da 2.ª instância nos termos das normas dos artigos 690.º e 690.º A:

..

A 1.ª instância fixou a seguinte matéria de facto:

São as seguintes as questões que importa resolver:

Da leitura das alegações apresentadas pelos Autores pretendem estes que, atendendo aos fundamentos da acção e da contestação, refletidos na Matéria de Facto Assente e na B.I., à perícia validada quanto à transposição da planta da escritura para o terreno, à resposta ao 4.º facto da B.I., deve este Tribunal, ao abrigo do disposto no art.º 712.º, n.º1, al. b) do C.P.C. alterar as respostas aos factos 4.º, 5.º, 6.º e 7.º da B.I. por forma a neles ficar consignado:

No art.º 4.º: Provado; no art.º 5.º: Provado que sem consentimento dos AA., os RR. estão a ocupar uma parcela de terreno do lote 2 com a área de 47,45 m2 como é representada na planta de fls. 248; no art.º 6.º: Provado; no art.º 7.º: Provado apenas que a planta de fls. 53 traduz a localização aproximada da estrema entre os lotes 2 e 3 tal como representada na planta de fls. 30.

Dizem, para fundamentar a sua tese, que: “A Sra. Juiza que já tinha explicitado na fundamentação da resposta à matéria de facto a sua inusitada solução para a acção, limitou-se a ser consequente e a julgar improcedentes os pedidos 2), 3) e 4).

Desde logo, desprezou a presunção derivada do registo invocada no art.º 6.º da P.I..

Entendeu a Sra. Juiza que os AA. não lograram provar terem exercido actos de posse exclusiva e na convicção de serem legítimos proprietários sobre a parcela ora reivindicada.

Ora os AA. nem sequer se propuseram fazer tal prova. Nem tinham que a fazer.

Os AA. tinham que alegar factos para provar: que eram donos do prédio correspondente ao lote 2; a localização da linha da estrema do lote 2 com o lote 3, no terreno tal como os lotes foram criados na escritura de divisão em que os autorgantes declararam: que as linhas divisórias entre os três lote, e a sua configuração e localização em relação ao todo, são as constantes da planta do local, levantada à escala de um para quinhentos, a qual fica a fazer parte integrante da presente escritura e que tem os lotes assinalados com os respectivos números”.

Que os RR. ocupam terreno dentro dos limites do lote 2.

Cabia aos RR. invocar, se fosse caso disso, que por usucapião ou por qualquer negócio tinham adquirido o terreno que estão a ocupar e integra os limites do lote 2, tendo em consideração a linha divisória estabelecida na divisão consagrada na escritura.

A Sra. Juiza não quis entender que em primeiro lugar, havia que estabelecer, no terreno, os limites dos lotes 2 e 3 face à escritura de divisão em cujo acto foram criados os 3 lotes.

Só depois de estar implementada no terreno a exacta localização da linha da estrema se podia averiguar se, houve alguma alteração a tal linha, designadamente, pela aquisição de terreno por via de usucapião ou de qualquer negócio, alteração esta a alegar

e provar pelos RR..

A Sra. Juiza concedeu que os AA. eram donos do prédio descrito na Conservatória sob o n.º …

E, não obstante, a nuance introduzida na resposta ao quesito 4.º utilizando a expressão projectado em substituição da expressão representado, a resposta a este quesito 4.º no raciocínio da boa aplicação do direito impõe também a procedência dos pedidos 2), 3) e 4).” – fim de citação -.

Entendem os AA. “…que o processo decisório assentou num percurso de raciocínio absolutamente errado, raciocínio errado esse que, condicionou e determinou mesmo, as respostas dadas à matéria de facto.

Pela fundamentação das respostas à matéria da B.I. é patente que a Sra. Juíza não percepcionou a relevância que deve ser dada ao acto de conceber os lotes consubstanciado na manifestação de vontade expressa na escritura de divisão.

Verificou-se, pois, deficiência na formação do processo decisório, desde logo, sobre a matéria da B.I. que ao Tribunal da Relação é licito sindicar (Ac. STJ de 07/10/69 – BMJ 190º – 266)”.

            Vejamos a (não) razão do invocado pelos apelantes.

Efectuado o julgamento da matéria de facto a Sr.ª Juíza da 1.ª instância respondeu assim aos factos:

Escreveu, assim, para fundamentar a sua decisão:

“Os factos dados como provados fundam-se numa apreciação global da prova produzida no seu conjunto e, em especial, na prova pericial (conf. já referido), bem como na inspecção ao local e prova testemunhal nos seguintes termos:

A questão fundamental nos autos prendia-se com o facto de apurar se o direito de propriedade dos AA sobre o seu prédio (B) de facto era exercido dentro e nos limites nos termos projectados na planta de fols 30, sobretudo na estrema com o prédio dos RR.

Porque, como é sobejamente sabido a presunção registal não abrange as áreas e confrontações do direito registado haveria que, neste caso, recorrer à produção de prova testemunhal, cujo ónus impedia sobre os AA. (art.º 342.º n.º 1 do C.Civil).

Da prova testemunhal trazida resultou, pelo depoimento do filho dos AA uma certa confusão entre o direito de propriedade exclusiva dos seus pais sobre tal parcela de terreno, referindo que a mesma teria ficado para uso comum, não havia marcos e o pai quando necessitava passava pelo espaço ora em causa a pé ou de tractor – sendo que o mesmo também não era suficiente sem ocupação de parte do prédio dos RR já que, conforme inspecção ao local e prova pericial na parte junto ao prédio urbano dos AA e o prédio urbano dos RR dista cerca de 2,40m (foto n. 2 da inspecção) e a distância entre a estrema projectada e a parede do prédio dos AA é apenas de cerca de 38 cm (planta de fols. 248).

Também as restantes testemunhas inquiridas só pontualmente viram o A passar pelo espaço ora em causa, desconhecendo a que título.

Ainda no que concerne a actos de posse e seus vestígios, verificou-se, pela inspecção ao local (bem como foto de fols 115) que os AA construíram um muro, delimitando o seu jardim, fora do espaço ora reivindicado conforme planta de fols. 248.

Ora se a convicção dos AA era a de que eram donos da parcela ora reivindicada porquê construir um muro a cerca de três metros da estrema, na sua parte inicial, que termina no enfiamento da parede da casa? Mais ainda, conforme inspecção ao local, verificamos que, contrariamente ao prédio urbano dos RR, nenhuma porta do prédio dos AA. existe nesta estrema.

Finalmente, ainda que os actos de posse se tivessem verificado seria ainda exigível a prova do animus de tal posse a qual, manifestamente resultou afastada nestes autos; desde logo pela prova documental junta na última audiência (cópia da petição inicial na qual os AA invocam a existência de uma servidão de passagem, no local ora em discussão), finalmente também pela inspecção ao local, e confrontação com a planta projectada de fols 30 se verificou que as projectadas estremas junto à estrada pública não correspondem ao projectado – o portão de entrada dos AA encontra-se implantado a meio dessa linha divisória (foto 3 e 4 e planta de fols. 248). (Igualmente as estremas poentes entre os lotes 1 e 2 são diferentes conforme confrontação da planta projectada de fols. 30 e o levantamento topográfico de fols. 248).

A mesma interpretação se pode retirar da fotografia de fols. 130 – verifica-se que a rede foi implantada na estrema de uma zona cimentada, não recente.

Ou seja, na prática as estremas projectadas não corresponderam às concretizadas.

No que concerne aos factos não provados, como inferido resultam da contradição com os ora dados como provado bem como na existência de prova concludente no sentido da sua positividade.”- fim de citação -.

Avançando.

Como é sabido, só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, nomeadamente se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas - artigo 712º n.º 1 al. b), do Código do Processo Civil -.

Ora os AA., no essencial alegaram:

Que, pela escritura pública de divisão exarada de fls. 47 a fls. 49-v do Livro de Notas para Escrituras Diversas n.º … do Cartório Notarial de …, o prédio rústico sito na …, foi dividido em 3 lotes – onde em cada um deles já existia uma casa -, o lote n.º 1, o lote n.º 2 que foi adjudicado aos AA. e o lote n.º 3 que foi adjudicado a M… e à sua mulher, L… (art.º 1.º da P.I.).

Em tal escritura ficou exarado “que as linhas divisórias entre os três lote, e a sua configuração e localização em relação ao todo, são as constantes da planta do local, levantada à escala de um para quinhentos, a qual fica a fazer parte integrante da presente escritura e que tem os lotes assinalados com os respectivos números”.

Os AA. juntaram certidão da planta mencionada e deram-na por reproduzida (art.º 2.º da P.I.).

Os Réus aceitam tal documento (confessam–no) no artigo 1.º da sua contestação -, afastando, por isso, a utilização de qualquer meio de prova para colocar em causa o seu teor.

Ou seja, “que as linhas divisórias entre os três lotes, e a sua configuração e localização em relação ao todo, são as constantes da planta do local, levantada à escala de um para quinhentos, a qual fica a fazer parte integrante da presente escritura e que tem os lotes assinalados com os respectivos números” – planta de fls. 30 devidamente assinada pelos intervenientes na dita escritura pública –( todos sabemos, que a escritura pública, como documento autêntico que é e nos termos dos artigos 369.º e seguintes do Código Civil, só prova os factos presenciados pelo oficial e as declarações efectuadas perante ele e nada mais, não tendo a virtualidade jurídica de, só por si e por mera afirmação dos contraentes, modificar a composição e descrição de um dado imóvel; no entanto, caberia aos réus impugnar tal documento, o que não fizeram).

Os réus, no seu articulado impugnativo, apenas afirmam que mandaram colocar a dita rede metálica, instalada no seu prédio e em toda a sua extensão, sempre junto aos marcos existentes, mas sempre no terreno que divide o lote n.º 3 – prédio dos réus – e o lote n.º 2 – prédio dos autores.

Concluem, que colocaram o pilar e o portão no seu prédio e não no dos autores.

Nada mais alegaram.

Ora, da perícia colegial efectuada resulta o seguinte:

1.ª – A rede metálica referida em I) da Matéria de Facto Assente está colocada a partir da esquina mais a nordeste do casario do prédio edificado no Lote 2 da planta de fls. 30?

R: Sim. No levantamento topográfico efectuado, em anexo, corresponde à linha definida na Legenda, como “Vedação Existente”, ou seja traço-circulo-traço.

2.ª – Face à planta de fls. 30, o pilar e parte do portão referidos na al. H) da Matéria de Facto Assente estão implantados em terrenos que na mencionada planta está compreendido dentro dos limites do lote 2 representado ainda na referida planta?

R: Sim. Tendo como referência o levantamento efectuado no local, verifica-se a existência do referido pilar, dentro do limite do terreno do AA. (Ver planta anexa).

3.ª – Face à planta de fls. 30, a rede metálica e os tubos em que se apoia e referidos na al. I) da Matéria de Facto Assente estão implantadas em terreno que na mencionada planta está compreendido dentro dos limites do lote 2 representado ainda na referida planta?

R: Sim. Constatou-se no terreno, e, é conferido pelo levantamento efectuado essa situação.

4.ª – Face à planta de fls. 30, os RR. estão a ocupar com os referidos rede metálica, pilar e parte do portão, uma parcela de terreno compreendida dentro dos limites do lote 2 representado ainda na referida planta?

R: Face ao levantamento efectuado e, transpondo, efectuando medição na folha 30, verifica-se a situação mencionada.

5.ª – A área de tal parcela é de 54,94 m2, tal como representada a fls. 53, com a configuração do tracejado a verde?

R: Não. A área não é de 54,94 m2. A configuração aproxima-se do projectado na folha 53 (Ver levantamento efectuado).

6.ª – Ou qual é a sua área e configuração?

R: No levantamento topográfico efectuado, e elaborado configuração pretendida, a área medida é de 47,45 m2.

7.ª – E qual é a largura, a sul, junto à estrada, dessa parcela?

R: A largura da parcela junto à estrada é de 3,03 m.

8.ª – A planta de fls. 53 teve em conta a localização da estrema entre os lotes 2 e 3, tal como é representada na planta de fls. 30?

R: Tendo em conta que uma escala de 1/500, o rigor da mesma não é tão exacto, logo é susceptível a existência de divergência na análise efectuada entre as duas plantas, Planta da folha 30 e folha 53, o mesmo ocorre com o levantamento agora apresentado.

A factualidade que, no âmbito da perícia e tendo em conta os especiais conhecimentos técnicos dos peritos, podia ser apreciada pelos mesmos, resumia-se, inevitavelmente, à actividade realizada na medição das áreas dos terrenos e delimitação dos Lotes 2 e 3, representadas na planta topográfica de fls. 30, que os réus não impugnaram.

Como referem os alegantes, “…não se pode olvidar que o julgamento da matéria de facto foi presidido pelo raciocínio de que a linha da estrema entre os lote 2 e 3 não era a que resulta da transposição para o terreno da respectiva linha divisória representada na planta da escritura de divisão, antes fazendo depender a linha da estrema do limite até ao qual os AA. lograssem provar exercer o seu direito de propriedade, estando tal raciocínio explicitado logo no parágrafo 2.º da fundamentação das respostas à matéria de facto. Tal raciocínio está errado porque o acto de divisão e de constituição dos três lotes consubstanciados na escritura de divisão, designadamente em que os outorgantes declararam que as linhas divisórias entre os três lotes, e a sua configuração e localização em relação ao todo, são as constantes da planta do local, levantada à escala de um para quinhentos, a qual fica a fazer parte integrante da presente escritura e que tem os lotes assinalados com os respectivos números é que define as estremas que se mantêm em vigor até que se prove que foram alteradas por força da aquisição de terreno pelo usucapião ou qualquer negócio válido. E foi tal errado raciocínio que presidiu, como se disse, à formação do processo decisório no julgamento da matéria de facto, tendo na laboração de tal erro a Sra. Juíza atribuído aos lotes constituídos na escritura de divisão a qualidade de lotes projectados que lhe deu respaldo para entender, erradamente, que era aos AA. que cabia o ónus de fazer prova que tinham adquirido por usucapião o prédio de que se arrogam donos e que sempre estenderam o seu domínio até ao limite da linha divisória da planta de escritura, uma vez transposta para o terreno.

E foi na laboração de tal erro que não tendo os AA. provado – nem sequer pretenderam provar – que estavam na posse do terreno sob litígio, ou seja, que estavam na posse do terreno até à, entendida pela Sra. Juíza, linha da estrema projectada, que logo a área que os AA. comprovadamente ocupam e que face à planta da escritura da criação dos lotes integra o lote 2, afinal não integra o lote 2, na perspectiva da Sra. Juíza.

E foi assim, só com tal erro de raciocínio na formação do processo decisório no que tange à matéria de facto, foi possível a Sra. Juíza responder, como respondeu, aos factos 4.º, 5.º, 6.º e 7.º da B.I., já que foi validada a perícia quanto à transposição para o terreno da planta da escritura. Na resposta ao 4.º introduziu a expressão “projectado” em vez de “representado”, uma nuance, mas de grande alcance; na resposta ao 5.º um rotundo não; na resposta ao 6.º este foi considerado prejudicado pela resposta ao 5.ª; a resposta ao 7.º, uma vez validada a perícia esta foi usada para sustentação do desígnio de lote projectado em detrimento do lote representado … - fim de citação -. 

Assim, ao contrário do raciocínio que ditou as respostas aos factos da Base Instrutória – com todo o respeito pela ilustre magistrada da 1.ª instância – deve entender-se que a linha divisória entre os lote 2 e 3 é a constante da planta do local que faz parte da escritura, transposta para o terreno, atenta a confissão do seu conteúdo por parte dos réus e o laudo pericial apresentado pelos senhores peritos.

Consequentemente, a matéria de facto – no tocante à base instrutória - ficará assim fixada:

3.Direito

Dizem os AA. que são donos do prédio urbano Descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o n.º …, sito na Estrada Nacional n.º 31, ….

2.Que a estrema entre o prédio Descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o n.º … e o prédio Descrito na mesma Conservatória sob o n.º … é pelo exacto sítio representado na planta levantada à escala de um para quinhentos que faz parte integrante da escritura exarada de fols. 47 a fols. 49 v.° do l.° de Notas para Escrituras Diversas n.º … e cuja fotocópia autenticada foi junta pelos AA. como doc. 2.

3.Que os RR. estão a ocupar a parcela de terreno com a área de 54,94 m2 e com a configuração e localização conforme tracejado a verde na planta junta como doc. 10, parcela esta que integra o prédio Descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o n.º … e se situa a Poente do prédio Descrito na mesma Conservatória sob o n.º … e confinando com ele.

4.Condenando –se os RR. a restituir tal parcela de terreno com a área de 54,94 m2 aos AA., retirando o pilar de betão em que se apoia o portão e a parte do portão e, bem assim, a rede metálica e os tubos em que ela foi fixada que estão no referido prédio Descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...

Parece-nos que podemos vislumbrar nos seus pedidos/causa de pedir a existência de uma tipicamente acção reivindicatória e uma outra de demarcação – esta não tem por objecto o reconhecimento do domínio, embora o pressuponha; o seu fim específico é o de fazer funcionar o direito, reconhecido ao proprietário pelo art. 1.353º do Código Civil, de obrigar os donos de prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas respectivas, seguindo, agora, a forma de processo comum de declaração, surgindo, a prova pericial como um dos meios probatórios utilizáveis.

Naturalmente que no confronto da demarcação com a reivindicação, há, quanto à prova, uma diferença sensível entre o que se passa na acção de demarcação e na acção de reivindicação.

Nesta, o reivindicante tem de fazer a prova da propriedade, ao passo que naquela basta provar que é possuidor, não tendo de provar a existência de qualquer outro título aquisitivo; - servir-lhe-á a simples prova pericial, testemunhal ou por presunções, acerca dos limites dos prédios e não dos títulos de aquisição -.

Aos AA. incumbia alegar factos para provar: que eram donos do prédio correspondente ao lote 2.

 Diferentemente do que entendeu a Sra. Juíza a questão fundamental não é saber até onde os AA. exerciam o seu direito de propriedade.

A questão fundamental é a localização da linha da estrema do lote 2 com o lote 3, no terreno tal como os lotes foram criados na escritura de divisão em que os autorgantes declararam: “que as linhas divisórias entre os três lote, e a sua configuração e localização em relação ao todo, são as constantes da planta do local, levantada à escala de um para quinhentos, a qual fica a fazer parte integrante da presente escritura e que tem os lotes assinalados com os respectivos números”.

Que os RR. ocupam terreno dentro dos limites do lote 2.

Cabia aos RR. invocar, se fosse caso disso, que por usucapião ou por qualquer negócio tinham adquirido o terreno que estão a ocupar e integra os limites do lote 2, tendo em consideração a linha divisória estabelecida na divisão consagrada na escritura.

E isto, porquê?

O art.1412º do Código Civil atribui a cada comproprietário o direito de exigir a divisão.

A cessação da situação de compropriedade implica, como é manifesto, o termo do concurso de vários direitos de propriedade pertencentes a pessoas diferentes, tendo por objecto a mesma coisa, tendo lugar a constituição de situações de propriedade singular sobre cada uma das parcelas da coisa dividida – sobre este assunto vimos, também, Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de direitos reais, pág.335 -.

Trata-se de um direito potestativo destinado a dissolver a relação de compropriedade.

A cessação da situação de compropriedade implica, como é manifesto, o termo do concurso de vários direitos de propriedade pertencentes a pessoas diferentes, tendo por objecto a mesma coisa.

Todavia, sendo a acção de divisão de coisa comum um instrumento próprio - processual ou judicial – art.1413ºn.º 1 do Código Civil e arts. 1052º a 1057º do Código do Processo Civil - para reduzir a pluralidade de direitos à unidade, outros meios  - actos - existem conducentes a esse efeito.

A comunhão pode cessar, com efeito, através de negócios entre vivos ou mortis causa, ou até através do instituto da usucapião.

Podem os comproprietários harmonizar os seus interesses conflituantes no uso da coisa comum, mediante uma divisão material do gozo dela, por forma a, sem efectuarem uma divisão que ponha termo à compropriedade, acordarem em usar separadamente as dependências em que dividem a casa comum, ou os vários lotes de terreno em que repartem para o efeito o prédio rústico comum.

O estado de facto criado pela divisão amigável efectuada pelos comproprietários sem ter sido precedida de escritura ou auto público, pode converter-se em estado de direito, através do instituto da usucapião, se cada um dos comproprietários tiver exercido posse exclusiva sobre o quinhão que ficou a pertencer-lhe na divisão e tal posse se revestir dos requisitos legais, sendo certo que, por ser possuidor em nome alheio, relativamente à parte da coisa que excede a sua quota, não pode adquirir, por usucapião, sem inverter o título de posse.

Assim, para evitar todos os problemas associados a esta forma amigável de “divisão”, sem os problemas inerentes à prova das respectivas áreas e estremas das várias parcelas, os comproprietários – a própria lei civil a isso obriga no seu artigo 1412.º – podem lançar mão da acção de divisão de coisa comum ou divisão amigável através do necessário documento escrito – no caso dos imóveis através de escritura pública -.

Foi o que as partes fizeram.

De facto, por escritura pública de divisão celebrada no dia 22 de Abril de 1983, no Cartório Notarial de …, dividiram o terreno que estava em compropriedade, em três lotes, com as áreas confrontações e destino seguintes, estando a representada do terceiro autorizada por seu marido:

Lote número um – Parcela de terreno, com área de …;

Lote número dois – Parcela de terreno, com área de mil …;

Lote número três – Parcela de terreno, com área de mil …;

 Que as linhas divisórias entre os três lotes e a sua configuração e localização em relação ao todo, são as constantes da planta do local, levantada à escala de um para quinhentos, a qual fica a fazer parte integrante da presente escritura e que tem os lotes assinalados com os respectivos números.

Que, aos primeiros outorgantes, M… e mulher L… é adjudicado o lote número três, no valor de mil novecentos e noventa e cinco escudos, levando a menos, bens, no valor de trinta e oito escudos e trinta e três centavos, que recebe de tornas;

Que, aos segundos outorgantes, R… e marido J…, é adjudicado o lote número dois, no valor de dois mil duzentos e cinco escudos, levando, a mais, bens, no valor de cento e setenta e um escudos e sessenta e sete centavos, que dão de tornas; e

Que, à representada do terceiro outorgante, M…, é adjudicado o lote número um, no valor de mil e novecentos escudos, levando, a menos, bens, no valor de cento e trinta e três escudos e trinta e três centavos, que recebe de tornas.

Estes os termos e que dão por concluída a dita divisão, dando-se os primeiros e representada do terceiro, por pagos do qual a título de tornas receberam dos demais.”, conforme teor da escritura a fls. 23 e 28 e da planta a fls. 29 e 30.

A propriedade singular dos autores do chamado lote 2 está apurada – os réus não a colocam em causa -.

Apenas rejeitam que as obras em causa nestes autos - o pilar de betão em que se apoia o portão e a parte do portão e, bem assim, a rede metálica e os tubos em que ela foi fixada que estão no referido prédio - tenham sido materializadas no terreno dos autores.

Ora, mostra-se provado que: O pilar, parte do portão, a rede metálica e os tubos em que esta se apoia estão implantados no Lote 2, representado na planta de fls. 30 - Quesito 4.º da B.I. –

Provado que sem consentimento dos AA., os RR. estão a ocupar uma parcela de terreno do lote 2 com a área de 47, 45 m2 – os autores peticionavam a área de como é representada na planta de fls. 248 - Quesito 5.º da B.I. -.

A parcela de terreno referida em 5 tem a sul, junto à estrada nacional, a largura de 3,03 metros - Quesito 6.º da B.I.-.

Provado apenas que a planta de fls. 53 traduz a localização aproximada da estrema entre os lotes 2 e 3 tal como representada na planta de fls. 30 - Quesito 7.º da B.I.-

Também sabemos, que a natureza absoluta do direito de propriedade, compreende a exclusividade reconhecida pelo art.º 1305º ao proprietário, a qual vale como afirmação de que tal direito é “jura excludendi omnes alios”.

Mostram os autos que os réus violaram o direito de propriedade dos AA. ao colocarem o pilar, parte do portão, a rede metálica e os tubos em que esta se apoia no Lote n.º 2, representado na planta de fls. 30, ocupando sem consentimento dos AA. uma parcela de terreno do lote 2 com a área de 47, 45 m2 como é representada na planta de fls. 248.

Assim, procede, parcialmente, a apelação – os autores não lograram fazer prova total da área do terreno ocupado pelos réus e peticionado por estes-.

Passemos ao sumário:

 1. O art.1412º do Código Civil atribui a cada comproprietário o direito de exigir a divisão.

2. A cessação da situação de compropriedade implica, como é manifesto, o termo do concurso de vários direitos de propriedade pertencentes a pessoas diferentes, tendo por objecto a mesma coisa, tendo lugar a constituição de situações de propriedade singular sobre cada uma das parcelas da coisa dividida.

3. Sendo a acção de divisão de coisa comum um instrumento próprio - processual ou judicial – art.1413ºn.º 1 do Código Civil e arts. 1052º a 1057º do Código do Processo Civil - para reduzir a pluralidade de direitos à unidade, outros meios  - actos - existem conducentes a esse efeito.

4. Podem os comproprietários harmonizar os seus interesses conflituantes no uso da coisa comum, mediante uma divisão material do gozo dela, por forma a, sem efectuarem uma divisão que ponha termo à compropriedade, acordarem em usar separadamente as dependências em que dividem a casa comum, ou os vários lotes de terreno em que repartem para o efeito o prédio rústico comum.

5. No entanto, o estado de facto criado pela divisão amigável efectuada pelos comproprietários sem ter sido precedida de escritura ou auto público, pode converter-se em estado de direito, através do instituto da usucapião, se cada um dos comproprietários tiver exercido posse exclusiva sobre o quinhão que ficou a pertencer-lhe na divisão e tal posse se revestir dos requisitos legais, sendo certo que, por ser possuidor em nome alheio, relativamente à parte da coisa que excede a sua quota, não pode adquirir, por usucapião, sem inverter o título de posse.

6. Para evitar todos os problemas associados a esta forma amigável de “divisão”, sem os problemas inerentes à prova das respectivas áreas e estremas das várias parcelas, os comproprietários podem lançar mão da acção de divisão de coisa comum ou divisão amigável através do necessário documento escrito – no caso dos imóveis através de escritura pública -, que, no caso dos autos foi feito pelas partes.

Assim, pelas razões expostas, damos provimento parcial ao recurso interposto, revogando-se a decisão proferidas pela 1.ª instância, no segmento em que absolve os réus do pedido, condenando-se estes a:

Que a estrema entre o prédio Descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o n.º … e o prédio Descrito na mesma Conservatória sob o n.º … é pelo exacto sítio representado na planta levantada à escala de um para quinhentos que faz parte integrante da escritura exarada de fols. 47 a fols. 49 v.° do l.° de Notas para Escrituras Diversas n.º … e cuja fotocópia autenticada foi junta pelos AA. como doc. 2.

Que os RR. estão a ocupar a parcela de terreno com a área de 47, 45 m2 – os autores peticionavam a área de 54,94 m2 - e com a configuração e localização conforme tracejado a verde na planta junta como doc. 10, parcela esta que integra o prédio Descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Novas sob o n.º … e se situa a Poente do prédio Descrito na mesma Conservatória sob o n.º … e confinando com ele.

Condenando–se os RR. a restituir tal parcela de terreno com a área de 47, 45 m2 aos AA., retirando o pilar de betão em que se apoia o portão e a parte do portão e, bem assim, a rede metálica e os tubos em que ela foi fixada que estão no referido prédio Descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...

Custas nesta instância, a cargo dos apelantes e apelados, fixando-as, respectivamente, em 1/7 e 6/7.

(José Avelino - Relator -)

(Regina Rosa)

(Artur Dias)