Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
602/08.7TBOBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: CONTRATO DE FORNECIMENTO
ENERGIA ELÉCTRICA
NÃO PAGAMENTO
CADUCIDADE
Data do Acordão: 09/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA – JUÍZO DE GRANDE INSTÂNCIA CÍVEL DE ANADIA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 10º LEI Nº 23/96 DE 26/07 E 331º Nº 2 DO CC
Sumário: I – A boa fé, enquanto princípio geral e norma de conduta que releva para a apreciação do abuso de direito, implica a adopção de uma conduta pautada pela honestidade e lealdade e que não defraude a confiança e as expectativas de outrem e, implicando também o dever de informar e esclarecer quando tal se justifique, impõe que o devedor alerte o credor para o erro em que este labora, sempre que tenha a percepção que o não exercício do seu direito (no todo ou em parte) decorre de erro do credor; mas já não se justifica impor ao devedor – enquanto regra de conduta inerente ao princípio da boa fé e lealdade para com a outra parte – qualquer dever de cuidado ou diligência na detecção de eventuais erros de credor.

II – Assim, estando em causa um crédito emergente de fornecimento de energia eléctrica que não foi cobrado oportunamente por erro de medição e facturação do prestador do serviço, não actua com abuso de direito o devedor que, desconhecendo (ou não se provando que conhecesse) esse erro, vem invocar a caducidade daquele direito, ainda que pudesse ter tido a percepção do erro se actuasse com alguma diligência.

III – Para efeitos de aplicação da Lei nº 23/96 de 26/07, considera-se utente dos serviços públicos essenciais por ela abrangidos, toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva, a quem o prestador do serviço se obriga a prestá-lo, independentemente da sua dimensão e poder económico, não deixando de gozar da protecção concedida pela citada Lei a empresa que, além de utente do serviço de fornecimento de energia eléctrica, é também produtora de energia eléctrica, vendendo à “rede” a energia que produz.

IV – O nº 3 (actual nº 5) do art. 10º da citada Lei, ao excluir o fornecimento de energia eléctrica em alta tensão do regime de prescrição e caducidade que aí se encontra previsto, abrange apenas a alta tensão e não o fornecimento de energia eléctrica em média tensão e daí não decorre qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade.

V – Não obstante o carácter injuntivo dos direitos atribuídos pela citada Lei nº 23/96 (o que determina a nulidade – que apenas pode ser invocada pelo utente – da disposição ou convenção que exclua ou limite esses direitos), tais direitos não são, em rigor, indisponíveis e, portanto, o reconhecimento, por parte do utente, do direito do prestador do serviço impede a caducidade, em conformidade com o disposto no art. 331º, nº 2, do C.C.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A..., SA, com sede na Rua (...)Lisboa, intentou a presente acção, com processo ordinário, contra B..., SA, com sede na (...), (...), Oliveira do Bairro, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €1.410.048,21 (um milhão, quatrocentos e dez mil e quarenta e oito euros e vinte e um cêntimos) acrescida de juros de mora vencidos até 31/08/2008, no valor de €16.508,39 (dezasseis mil, quinhentos e oito euros e trinta e nove cêntimos) e vincendos até integral pagamento.

Fundamenta a sua pretensão num contrato de fornecimento de energia eléctrica celebrado entre a Ré e a A... e num erro de facturação – cuja natureza e características descreve na petição inicial – do qual resultou que a Ré não pagou toda a energia que consumia, ascendendo ao valor de 1.410.048,21€ o valor que não foi facturado e não foi pago pela Ré, mais alegando que a Ré, apesar de ter detectado imediatamente aquele erro, não alertou a A... para a referida anomalia, pretendendo, de forma premeditada, consumir energia sem pagar o respectivo preço, colocando-se em situação de vantagem no mercado e enriquecendo-se à custa da A....

A Ré contestou, invocando a caducidade do direito da Autora ao recebimento das referidas quantias, por força do disposto no art. 10º, nº 2, da Lei 23/96 de 26/07, mais alegando que, ainda que se assim não fosse, sempre teria ocorrido a prescrição do direito ao recebimento do preço por conta dos serviços prestados até 10/03/2008, ao abrigo do disposto no art. 10º, nº 1, da citada Lei e considerando que apenas foi citada em 11/09/2008. Impugnando alguns dos factos vertidos na petição inicial, alega ainda que o eventual erro de facturação apenas se deveu a erros acumulados pela própria Autora, sendo que a Ré sempre liquidou a energia que consumiu contra a apresentação da facturação por parte da Autora.

Conclui pedindo a procedência da excepção de caducidade ou, caso assim não se entenda, a procedência da excepção de prescrição e, se assim não se entender, pede a sua absolvição do pedido.

A Autora respondeu pugnando pela improcedência das excepções invocadas. Sustenta que o fornecimento de energia eléctrica à Ré foi efectuado em Alta Tensão, razão pela qual não é aplicável o art. 10º da Lei n.º 23/96, mais alegando que essa Lei não tem aplicação ao presente caso, dado destinar-se a utentes de serviços públicos essenciais, não sendo esse o caso da Ré, já que é produtora de energia. Reafirma que a Ré detectou imediatamente que não estava a pagar toda a energia que consumia, pelo que ao não alertar Autora desse facto, pretendia, de forma premeditada, consumir energia sem pagar o respectivo preço, sendo que o não pagamento de parte da energia consumida constitui uma inadmissível e ilegítima vantagem competitiva relativamente aos concorrentes, pelo que a invocação da prescrição ou caducidade, ainda que aplicáveis, traduzir-se-iam num manifesto abuso de direito, quer porque a Ré ultrapassou os limites razoáveis da boa fé e dos bons costumes, quer porque e a sua procedência ultrapassaria em muito o fim económico desse mesmo direito, uma vez que o intuito deste é proteger o utente de serviços públicos essenciais, enquanto a Ré é uma grande empresa que não tem a fragilidade própria do utente tipo desses serviços úteis essenciais, pelo que a aplicação desses institutos à Ré conduz à inconstitucionalidade dessas disposições legais. Alega, por último, que apenas tomou conhecimento do seu direito de crédito em Abril de 2008, pelo que qualquer prazo de prescrição ou caducidade não pode iniciar-se antes de tal data.  

Conclui pela improcedência das excepções invocadas.

A Ré veio pedir a condenação da Autora, como litigante de má fé, alegando que esta veio alegar factos que sabe não corresponderem à verdade, porquanto o fornecimento de energia eléctrica à Ré nunca foi efectuado em alta tensão, mas sim em média tensão.

A Autora respondeu, fazendo alusão ao conceito amplo de alta tensão e referindo que basta atentar à legislação e à jurisprudência para verificar a manifesta falta de razão da Ré.

Foi realizada a audiência preliminar e foi proferido despacho saneador, onde se relegou para final a apreciação das excepções invocadas.

Foi elaborada a selecção da matéria de facto assente e base instrutória.

Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção procedente, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de €1.410.048,21 (um milhão, quatrocentos e dez mil e quarenta e oito euros, e vinte e um cêntimos), acrescida da quantia de juros de mora vencidos e vincendos, contados desde 18/05/2008, até integral pagamento, calculados às taxas de juros previstas para transacções comerciais, sucessivamente em vigor e que, até à presente data são, em 2008, no 1.º semestre, 11,20%; no 2.º semestre 11,07%; em 2009, no 1.º semestre, 9,5% e no 2.º semestre 8%; em 2010, nos 1.º e 2.º semestre, 8%; em 2011, no 1.º semestre 8% e no 2.º semestre 8,25%; em 2012, nos 1.º e 2.º semestres, 8% e em 2013, no 1.º semestre, 7,75%.

Inconformada com essa decisão, a Ré veio interpor o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

1º. A Recorrente quando passou para o novo sistema de facturação instalou novo equipamento de medição telemática.

2º. Por qualquer razão (eventualmente, negligência) a Recorrida continuou a facturar de acordo com leituras retiradas do equipamento de leitura inicial.

3º. A Recorrente em nada contribuiu para o erro da Recorrida.

4º. A douta sentença recorrida decidiu que se tinha operado a caducidade do direito da Recorrida ao recebimento da diferença não facturada.

5º. Mas, entendeu, também, que fazer operar tal caducidade constituiria abuso de direito, por exceder os limites impostos pela boa-fé e, assim, “desconsiderou” a caducidade e julgou a acção procedente.

6º. É com este entendimento que a Recorrente se não conforma.

7º. A Recorrente em nada contribuiu, objectiva ou subjectivamente, para a incorrecta facturação elaborada pela Recorrida. De facto,

8º. Demonstram os autos que a Recorrente adquiriu e montou dois contadores electrónicos que permitem a medição dos fluxos de energia eléctrica no sentido Rede-PRE e Invers.

9º. Estes equipamentos foram vistoriados e lacrados pela Recorrida e permitiam-lhe a leitura telemática do consumo e de produção.

10º. Não obstante isso a Recorrida continuou a facturar de acordo com o inicial equipamento de medição por, exclusiva, negligência sua. Ou porque tenha existido deficiente comunicação entre os seus serviços ou por pura negligência destes.

11º. Estava a Recorrente obrigada a suprir as “insuficiências” da Recorrida? É, para nós, evidente que não.

12º. A entender-se como o fez a sentença nunca os institutos da prescrição e da caducidade poderiam ser invocados.

13º. Mais gritante é o caso dos autos em que a caducidade foi estabelecida para defesa dos consumidores e pela necessidade de prevenir acumulação de dívidas que, se acumuladas, seriam de difícil satisfação.

14º. Assim, objectivamente, nada mais era exigível à Recorrente cumprir com as imposições da Recorrida e a esta, e só a esta, ser diligente na utilização dos meios por ela impostos.

15º. Subjectivamente avultam três factos:

- Não se provou que a Recorrente tenha detectado imediatamente que não estava a pagar toda a energia que consumia sem pagar o respectivo preço. Não se sabe se detectou e, se sim, quando.

- Não se provou que a Recorrente pretendesse, de forma premeditada, consumir sem pagar.

- Não se provou que só a Recorrente soubesse quanto consumia de energia.

16º. Do supra exposto resulta que se não evidencia nenhum comportamento concreto e nenhuma consciência ou intuito de prejudicar.

17º. Tal significa inexistir sustentação bastante para concluir, como se concluiu, que a Recorrente tenha omitido comportamentos que, não sendo de boa-fé, possam afastar o seu direito de invocar a caducidade, nos termos legalmente previstos.

18º. Ao entender o contrário a douta sentença recorrida fez errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 334º do Código Civil.

19º. A aplicação de tal normativo teria de ser afastada face à inexigibilidade legal ou contratual de qualquer comportamento pro-activo, para além do que estava estabelecido e a Recorrente cumpriu.

20º. E porque o erro era facilmente evitável se a Recorrida tivesse agido com a diligência com que podia e devia ter agido.

Conclui pedindo a revogação da sentença recorrida, por errónea aplicação do disposto no artigo 334º do Código Civil,

A Autora/Apelada apresentou contra-alegações, onde também requer a ampliação do objecto do recurso, nos termos do art. 684º-A do C.P.C., formulando as seguintes conclusões:

1. Deve negar-se provimento ao recurso.

2. Discorda-se da sentença quanto à decisão sobre a aplicabilidade ao caso dos autos dos prazos de prescrição e caducidade previstos no art.º 10º da lei 23/96, de 23 de Junho.

3. Mantém-se o entendimento de que, considerando a matéria de facto dada como provada, não é aplicável a mencionada legislação e disposição.

4. Conforme resulta da matéria de facto dada como provada, não pode considerar-se a R. uma utente de serviços públicos essenciais.

5. A R. é, pelo contrário, uma profissional do sector energético que faz disso o seu negócio e a sua arte.

6. A Lei 23/96 não se destina a profissionais do sector de produção e venda de energia eléctrica.

7. Acresce que, ainda que assim não fosse, mas que é, sempre a aplicabilidade dos nºs 1 e 2 do art.º 10º da lei de serviços públicos essenciais estaria excluída por força do disposto no nº 3 da mesma disposição.

8. Não obstante ser uma instalação abastecida de média tensão, apresenta-se a instalação com as características técnicas de uma instalação abastecida em alta tensão – vd alíneas J), L), M), N), W), CC), MM) da matéria assente e respostas aos nºs 15), 18) e 21) da base instrutória.

9. Se se analisar a matéria dada como provada verificamos que estamos na presença de uma instalação idêntica ou semelhante a uma instalação abastecida em alta tensão.

10. Assim se compreende o teor da matéria assente na alínea NN) que refere:

“ A instalação de consumo da R. pode ser alimentada a 15 kV ou a 45kV, cuja opção assenta em critérios de tarifário”.

11. Por outro lado se compreende o teor do contrato mencionado nas alíneas M) e N) da matéria assente que se reportam a alta tensão quando abordam o fornecimento de energia eléctrica às instalações da A.

12. Considerando a dimensão das instalações da R. e o facto de ela ser uma das maiores empresas nacionais – cfr. alínea H) da matéria assente – não há motivos para não excluir o regime previsto nos nºs 1 e 2 do art.º 10º da Lei 23/96 por via da aplicação do nº3 da mesma disposição.

13. Só o recurso a um conceito amplo de alta tensão, que inclua as situações como as dos autos, permite uma interpretação do nº3 do art.º 10º em conformidade com o princípio da igualdade e proporcionalidade.

14. Não se aplicando o nº3 do art.º 10º à situação dos autos, está-se a fazer uma interpretação inconstitucional de tal disposição por violadora dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, previstos nos art.ºs 12º e 13º da CRP.

15. Efectivamente, exclui-se da aplicação dessa disposição uma situação como a dos autos em tudo semelhante àquelas que podem ser abrangidas pelo âmbito de tal disposição, discriminando negativamente a situação dos autos.

16. Essa discriminação e complexidade é manifestamente desajustada e desproporcionada considerando que as instalações abastecidas mostram ser, nomeadamente em termos de dimensão, em tudo semelhantes às de alta tensão.

17. Assim, deve revogar-se a sentença na parte em que aprecia a questão agora tratada, o que se requer.

18. Também se discorda da sentença na parte em que aprecia o início do prazo de prescrição e a sua interrupção, razão porque se requer a sua revogação nesta matéria.

19. Em nenhuma circunstância se pode considerar prescrito ou caduco o crédito da A., conforme resulta da carta de fls. 439, datada de 18/04/2008, consignada na alínea OO) da matéria assente, a R. propôs o pagamento faseado do crédito da A.

20. Ora, esse pagamento faseado consubstancia o reconhecimento da existência do crédito que obsta à verificação da prescrição e da caducidade quando na disponibilidade das partes.

21. Por outro lado, encontra-se assente a matéria de facto constante das alíneas O) e P).

22. Ora, a dívida controvertida foi gerada no quadro do contrato de fls. 37 a 55.

23. A cláusula 17ª do contrato prevê a possibilidade da rectificação do erro de facturação no prazo de 3 anos a contar do conhecimento do erro.

24. Ora, da matéria constante das respostas aos quesitos 9 e 10, constata-se que só após Março de 2008 a A. tomou conhecimento do erro.

25. Tendo a presente acção dado entrada ainda no ano de 2008, constata-se que o crédito se encontra ainda actual.

26. Face ao exposto, deve revogar-se a sentença, considerando-se o crédito não prescrito e não caduco.

Assim, conclui, deve negar-se provimento ao recurso interposto pela R. e dar-se provimento ao presente recurso, em conformidade com as presentes conclusões.

Embora não o tenha referido nas conclusões das suas contra-alegações, a Autora/Apelada sustenta – no corpo das alegações – que a Apelante deverá ser condenada, como litigante de má fé, em multa e indemnização a seu favor e respondendo a essa questão, bem como à ampliação do objecto do recurso, diz a Apelante que não existem razões para a sua condenação por litigância de má fé e, sustentando não assistir razão à Apelada nas questões que suscita em ampliação do objecto do recurso, conclui dizendo que a sentença recorrida se deve manter quanto a essas questões, devendo apenas ser revogada nos termos peticionados no recurso por si interposto.


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II.

Questões a apreciar:

♦ Atendendo às conclusões das alegações da Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se, ao invocar a caducidade do direito da Autora, a Ré/Apelante actua ou não com abuso de direito.

♦ Caso o recurso seja julgado procedente, importará, então, analisar as seguintes questões que são suscitadas pela Apelada em ampliação do objecto do recurso:

• Saber se a Ré deve ou não ser considerada como utente de serviços públicos essenciais para o efeito de lhe ser aplicável a Lei nº 23/96 de 26/07;

• Saber se a aplicabilidade dos prazos de caducidade e prescrição, previstos no art. 10º da citada Lei, está ou não excluída na situação sub júdice por efeito do nº 3 da referida norma e por se dever considerar que o fornecimento de energia eléctrica à Ré era feito em alta tensão ou se, apesar de feito em média tensão, também se engloba no âmbito de previsão daquele nº 3;

• Saber se a interpretação da norma citada no sentido de aqueles prazos serem aqui aplicáveis viola ou não os princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade;

• Saber se a caducidade do direito da Autora (eventualmente decorrente da norma acima citada) está afastada por convenção das partes constante do contrato ou por reconhecimento do direito que haja sido feito pela Ré.


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III.

Na 1ª instância, foi considerada provada a seguinte matéria de facto:

1. A Autora é titular de uma licença de comercializador de último recurso de energia eléctrica, dedicando-se, no uso da referida licença, à compra e venda de energia eléctrica – alínea A) da matéria assente.

2. A A... Serviço Universal, S.A. foi constituída pela A... Distribuição Energia, SA para prosseguir a sua actividade de comercializador de energia eléctrica, enquanto comercializador de último recurso – alínea B) da matéria assente.

3. A A... Distribuição Energia, SA é operadora de rede de distribuição de energia eléctrica, concessionária da distribuição de energia eléctrica da Rede Nacional de Distribuição – alínea C) da matéria assente.

4. No quadro da cisão/fusão da A... Distribuição Energia, SA, a A... Serviço Universal sucedeu à A... Distribuição nos direitos desta nos contratos de compra de energia eléctrica e nos contratos de fornecimento de energia eléctrica por si outorgados – alínea D) da matéria assente.

5. No contrato de compra de energia eléctrica e no contrato de fornecimento de energia eléctrica outorgado pela Ré, foi efectuada a cessão da posição contratual da A... Distribuição Energia, SA para a A... Serviço Universal, SA, comunicada à Ré por carta, cessão que esta aceitou, passando a lidar com a Autora quanto a tais contratos – alínea E) da matéria assente.

6. É a Autora que cobra junto do consumidor os encargos de uso de rede devidos pelo cliente final ao operador de Rede de Distribuição, no caso A... Distribuição, entregando-os posteriormente a esta – alínea F) da matéria assente.

7. A A... Distribuição Energia, S.A., enquanto operadora de rede, solicitou à A... Serviço Universal, SA, enquanto comercializador escolhido pelo cliente/consumidor à data da detecção da anomalia, a cobrança dos encargos de uso de rede devidos pela Ré relativos à instalação de (...) a partir de 1 de Janeiro de 2006, solicitação que a Autora aceitou, cfr. doc. de fls. 346 a 360 (aqui dado por reproduzido) – alínea G) da matéria assente.

8. A Ré é uma das maiores empresas nacionais, com vários estabelecimentos fabris, dedicando-se ao fabrico e comercialização de revestimentos cerâmicos – alínea H) da matéria assente.

9. A Ré é igualmente produtora de energia eléctrica em regime especial, dedicando-se à co-geração – alínea I) da matéria assente.

10. Na sua fábrica de revestimentos cerâmicos de (...), a Ré construiu e mantém em exploração, enquanto produtor de energia eléctrica, uma central de co-geração termoeléctrica constituída por um gerador de 3.720 kW (4 650 kVA), accionado por uma turbina a gás, consumindo gás natural – alínea J) da matéria assente.

11. As instalações da Ré em (...), Oliveira do Bairro, encontram-se ligadas à Rede Eléctrica de Serviço Público à tensão de 15 kV – alínea K) da matéria assente.

12. Tais instalações encontram-se dotadas de um Posto de Seccionamento (PS) composto por:

- uma cela de chegada da linha de 15 kV;

- uma cela de protecção da interligação e contagem de energia;

- uma cela de chegada do grupo de co-geração com a potência de 4650 kVA;

- uma cela de tensões de barramento;

- uma cela de saída para o posto de transformação 1 (PT1 a 1.500 kVA);

- uma cela de saída para o posto de transformação 2 (PT2 a 3.000 kVA);

tudo conforme diagrama unifilar de fls. 27, aqui dado por reproduzido – alínea L) da matéria assente.

13. Em Agosto de 1978 a Ré outorgou com a A... Electricidade de Portugal, EP contrato de fornecimento de energia eléctrica para a sua fábrica de (...), Oliveira do Bairro, à tensão de 15.000 volts, conforme documento de fls. 28 a 36 (aqui dado por reproduzido) – alínea M) da matéria assente.

14. Nesse contrato constam designadamente os seguintes dizeres:

Artigo 6º.: - A medição de energia será feita em alta tensão com aparelhos de medida fornecidos, aferidos, instalados e selados pela “ A...” no posto de transformação do Cliente.

(…)

“Art. 9º.: - O Cliente permitirá sempre a visita às instalações de alta tensão aos empregados da “ A...” e bem assim permitirá que no seu posto de transformação seja cortado o fornecimento e selado o seccionador de entrada, quando a “ A...” tenha necessidade de efectuar qualquer manobra. § único: - O direito de inspecção pela “ A...” às instalações de alta tensão do cliente manter-se-á durante a vigência deste contrato; (…) – alínea N) da matéria assente.

15. Em Dezembro de 2000 a Ré outorgou com a A... Distribuição Energia, SA contrato denominado de compra e venda de energia eléctrica a produtores em regime especial, conforme documento de fls. 37 a 55 (aqui dado por reproduzido) – alínea O) da matéria assente.

16. Desse contrato constam designadamente os seguintes dizeres:

Cláusula 7ª

1. O Produtor obriga-se, ainda, perante a A... Distribuição, a adoptar os seguintes procedimentos:

(…)

c) Comunicar qualquer anomalia que se verifique nas suas instalações ou no equipamento da rede receptora, em particular a ruptura de qualquer selo ou a violação de qualquer fecho ou fechadura, logo que dela tenha conhecimento;

(…)

“Cláusula 10ª

1 A energia eléctrica recebida da rede receptora será medida através de aparelhos adequados, designadamente contadores, indicadores de potência e acessórios, os quais são fornecidos e instalados pelo Produtor, devendo ser análogos aos usados na rede pública de distribuição e estarem devidamente calibrados e selados. Será efectuada a recolha dos dados de contagem pela interrogação automática do equipamento.

2. A A... Distribuição pode instalar, por sua conta, um segundo equipamento de medida de características idênticas às do equipamento do Produtor que esteja devidamente calibrado e selado.

(…)

“Cláusula 11ª

1 A leitura dos aparelhos de medida é feita mensalmente pelo Produtor.

2 A A... Distribuição tem livre acesso aos equipamentos de medida.

(…)

“Cláusula 17ª

1 Os erros de medição da energia e da potência resultantes de qualquer anomalia verificada no equipamento de medida e contagem serão corrigidos tendo em conta todos os elementos com relevância para a determinação do fornecimento real verificado durante o período em que a avaria se manteve e, designadamente, as características da instalação de produção, o seu regime de funcionamento, o diagrama de fornecimento e as leituras antecedentes à data da verificação da anomalia.

2 A importância apurada não produz juros e será paga no prazo de 30 dias, quando a favor do Produtor, e compensada no pagamento da factura ou facturas seguintes, quando a favor da A... Distribuição.

3 O direito à rectificação da importância apurada nos termos o nº 1 prescreve no prazo de três anos a contar do conhecimento do erro.

“Cláusula 18ª

Aos erros de leitura ou de facturação, designadamente os resultantes da aplicação incorrecta dos factores que afectam a leitura dos contadores, é aplicável, com as necessárias adaptações, o estabelecido na cláusula anterior – alínea P) da matéria assente.

17. Na sua Cláusula 5ª, este contrato remete para o “Guia Técnico das Instalações de Produção Independente de Energia Eléctrica”, que consta a fls. 56 a 107 (aqui dado por reproduzido) – alínea Q) da matéria assente.

18. O contrato de fornecimento de energia outorgado pela Ré em 1978 manteve-se até Dezembro de 2005, altura em que a Ré optou pelo regime não vinculado, tendo escolhido como comercializador a A... Comercial, com quem outorgou o contrato de fornecimento de energia respectivo – alínea R) da matéria assente.

19. Em 24 de Outubro de 2006 a Ré voltou ao regime vinculado, tendo outorgado com a A... Distribuição Energia, SA o contrato que consta a fls. 108 a 119 (aqui dado por reproduzido) – alínea S) da matéria assente.

20. A Ré consome e produz energia – alínea T) da matéria assente.

21. A Ré compra e vende energia eléctrica “à rede” – alínea U) da matéria assente.

22. Inicialmente a Ré vendia e facturava ao SEP a energia eléctrica excedente, isto é, a Ré vendia “à rede” a energia eléctrica produzida por si que não consumia e apenas adquiria “à rede” a energia eléctrica que consumia e não produzia – alínea V) da matéria assente.

23. Os dois contadores electrónicos, para contagem de energia (produção e consumos), um para cada sentido, associados a um concentrador, o qual, ligado a uma linha telefónica, permite a recolha remota dos dados memorizados, encontravam-se ligados, através de transformadores de medição, à cela de protecção e contagem do PS – alínea W) da matéria assente.

24. Esta equipa de contagem entrou em funcionamento em Janeiro de 2001, com a entrada em exploração e funcionamento da co-geração – alínea X) da matéria assente.

25. Após a entrada em exploração da co-geração, os consumos de energia eléctrica da Ré desceram significativamente, para valores completamente diferentes, conforme o documento de fls. 345 (aqui dado por reproduzido) – alínea Y) da matéria assente.

26. Em 22 de Dezembro de 2005 a A... e a Ré subscreveram o documento de fls. 120 a 122 (aqui dado por reproduzido) – alínea Z) da matéria assente.

27. As modificações foram concluídas pela Ré em Dezembro de 2005 e a Ré obteve a Licença de Exploração que lhe permitia o início da valorização total em fins de 2005, conforme o documento de fls. 123 (aqui dado por reproduzido) – alínea AA) da matéria assente.

28. Em e-mail dirigido à A... em Dezembro de 2005, referem os técnicos da Ré: “Mais uma vez realçamos o facto de nesta instalação, devido a condicionalismos de ordem técnica, e de acordo com o projecto aprovado e já posto em prática (ver esquema em anexo), existirão dois pontos de medida para a fábrica (um grupo de TIS em cada uma das saídas para a fábrica – fábrica 1 e fábrica 2), que deverão dar origem a uma factura única. Uma vez que a passagem à Portaria nº 399/02 obriga a que os dois processos – nova venda e nova compra – caminhem em simultâneo, e desejamos arrancar o novo ano de 2006 sob o novo regime, em nome da B... solicitamos a maior brevidade possível na análise a estas questões.” – alínea BB) da matéria assente.

29. Em e-mail dirigido à A... em Dezembro de 2005, referem ainda os técnicos da Ré: “Fomos informados pelo Gabinete de Compra de Energia que para efeitos de facturação, a B... entrará na nova configuração às 0 horas do dia seguinte ao da realização da vistoria pela DRE, pelo que desde já informamos que o tarifário de compra da B... a partir desse momento será o seguinte:

- ciclo semanal+feriados

- longas utilizações

- tarifa tetra-horária.” – alínea CC) da matéria assente.

30. A A... Distribuição e a Autora elaboraram e subscreveram conjuntamente auto de colocação em exploração da instalação da Ré com a nova configuração, conforme documento de fls. 124 (aqui dado por reproduzido), auto este que passou a constituir o Anexo III ao contrato referido em 15. e 16., tendo substituído o anterior Anexo III – alínea DD) da matéria assente.

31. A partir de Janeiro de 2006, a Ré procedeu à valorização total da energia produzida, facturando à A... toda a energia por si produzida – alínea EE) da matéria assente.

32. Assim, em Dezembro de 2005, o valor pago pela A... à Ré por energia por esta produzida foi o de €98.305,34, a que acresce IVA – alínea FF) da matéria assente.

33. Em Janeiro de 2006, após a aplicação do regime de valorização total da energia produzida, o montante subiu para € 241.630,46, a que acresce o IVA – alínea GG) da matéria assente.

34. A evolução da energia paga pela A... à Ré é a que consta do documento de fls. 125 e 126 (aqui dado por reproduzido), tendo a Ré neste contexto emitido as facturas e notas de débito de fls. 127 a 253 (aqui dadas por reproduzidas) – alínea HH) da matéria assente.

35. Relativamente ao período posterior a 1.10.2006 e até Fevereiro de 2008, a Autora emitiu a facturação de fls. 255 a 295 (aqui dados por reproduzidos), que respeita a valores atempadamente pagos pela Ré – alínea II) da matéria assente.

36. A Autora emitiu e enviou à Ré as notas de débito e facturas de fls. 298 a 337 (aqui dadas por reproduzidas), num total de €1.410.048,21 (um milhão, quatrocentos e dez mil e quarenta e oito euros, e vinte e um cêntimos) – alínea JJ) da matéria assente.

37. A Ré explora as instalações abastecidas, bem sabendo da sua potência e utilização, quer global, quer discriminadamente por cada máquina – alínea KK) da matéria assente.

38. A Autora abastece centenas de clientes como a Ré, a qual explora apenas algumas instalações – alínea LL) da matéria assente.

39. A instalação de consumo da Ré carece de um complexo processo prévio de licenciamento – alínea MM) da matéria assente.

40. A instalação de consumo da Ré pode ser alimentada a 15kV ou a 45kV, cuja opção assenta em critérios de tarifário – alínea NN) da matéria assente.

41. A Autora enviou à Ré a carta de fls. 439 (aqui dada por reproduzida), datada de 18.04.2008, da qual constam nomeadamente os seguintes dizeres:

“(…)

Na sequência da aplicação da portaria 399/2002 com efeito a partir de 1 de Janeiro de 2006, ocorreram alterações significativas na configuração da contagem da energia eléctrica nas vossas instalações (…)

Essas alterações não foram repercutidas nos nossos sistemas, pelo que a facturação desde aquela data tem vindo a ser processada com erro. Com a actualização dos referidos sistemas foi possível proceder agora à rectificação dos valores facturados no período de 1 de Janeiro de 2006 a 23 de Janeiro de 2008.

Nessa conformidade, e na sequência dos contactos havidos com V.Exas., para rectificação da facturação do período mencionado, junto remetemos um conjunto de Notas de Débito no valor total de 1.410.048,21 Euros (inc. IVA à taxa de 5%).

Desses documentos, destacamos a Nota de Débito nº 030 002 954 258, no valor de 167.704,64 Euros (inc. IVA àtaxa de 5%), que se refere ao período de 1 de Janeiro a 30 de Setembro de 2006, período no qual o fornecimento de energia foi titulado no mercado liberalizado, pelo que a facturação deste documento foi processada a preços de uso de rede para o período em causa, conforme mapa explicativo que se anexa.

(…)”– alínea OO) da matéria assente.

42. A Ré respondeu à Autora nos termos constantes da carta de fls. 444 a 448 (aqui dada por reproduzida), da qual constam designadamente os seguintes dizeres:

(…)

20. Em conclusão, face ao exposto, verifica-se, salvo melhor opinião, a prescrição/caducidade de parte do crédito reclamado pela A....

21. Não obstante o supra exposto, o montante do crédito reclamado pela A..., considerando já a prescrição/caducidade parcial da dívida, é ainda assim bastante elevado, o que levanta sérios problemas de liquidez por parte da B....

22. Nessa medida, no que se refere ao crédito não prescrito/caducado, a B... requer o pagamento faseado, no maior número de prestações possível, de forma a garantir o pagamento dos créditos efectivamente em dívida, sem prescindir da real quantificação deste último.

(…)”– alínea PP) da matéria assente.

43. A Ré foi citada nesta acção no dia 11 de Setembro de 2008 (cfr. fls. 366 a 370, aqui dadas por reproduzidas) – alínea QQ) da matéria assente.

44. A Ré conhecia o equipamento de medida, dado que foi ela própria que o adquiriu, instalou, montou no local e pôs a funcionar – resposta ao ponto 1º da base instrutória.

45. Pese embora o novo regime, a partir de Janeiro de 2006, a facturação da A... à Ré continuou a ser emitida de acordo com os valores registados na equipa de medida instalada desde o início, não tendo sido debitada a energia produzida pela Ré valorizada a crédito (considerando que a Ré facturava à A... toda a energia por si produzida) – resposta ao ponto 2º da base instrutória.

46. A facturação da A... ignorou efectivamente os valores registados pela nova equipa de contagem montada pela Ré expressamente para a valorização total da energia produzida, dado que o sistema informático da A... não recebeu, por telemetria (sistema de telecontagem instalado na equipa de contagem de energia), a informação proveniente dessa nova equipa de contagem – resposta ao ponto 3º da base instrutória.

47. O sistema informático da A... manteve-se, pois, a receber por telemetria os dados registados na equipa de medida inicialmente instalada – resposta ao ponto 4º da base instrutória.

48. Assim, a Ré não pagou a energia eléctrica por si produzida e que era por si consumida, dado que não passava e não era contada pela equipa de contagem inicial – resposta ao ponto 5º da base instrutória.

49. Consequentemente, a Ré não pagou igualmente todas as componentes da tarifa relativas à energia não facturada todos os meses, designadamente as relativas aos usos de rede – resposta ao ponto 6º da base instrutória.

50. A energia paga mensalmente pela Ré à A... é a que consta do documento 137 de fls. 254 (aqui dado por reproduzido), figurando a cinzento o período anterior à anomalia, a azul o período da anomalia em que a Ré se manteve no mercado liberalizado e a branco após o regresso ao mercado regulado, sendo que a partir de 24.02.2008 os consumos registados correspondem aos consumos reais, o que deu origem às facturas referidas em 36 – resposta ao ponto 7º da base instrutória.

51. A energia paga pela Ré à A... em Janeiro de 2006 e nos meses subsequentes não sofreu nenhuma correcção decorrente da valorização total da energia produzida pela Ré, não tendo sofrido o acréscimo correspondente – resposta ao ponto 8º da base instrutória.

52. Esta situação manteve-se até Março de 2008, dado que em finais deste mês uma empresa de produção e comercialização de revestimentos, concorrente da Ré, lamentou-se à A... haver concorrentes seus que não pagavam a energia por eles produzida, não obstante lhes ser creditado o seu valor enquanto PREs no âmbito do sistema de valorização total da energia produzida – resposta ao ponto 9º da base instrutória.

53. Alertada, a Autora detectou então a situação descrita – resposta ao ponto 10º da base instrutória.

54. Analisados os registos da equipa de contagem instalada em 2005, foi possível determinar com rigor os valores da energia não paga, incluindo encargos de uso de rede, em conformidade com os documentos de fls. 296 e 297 (aqui dados por reproduzidos), o que levou à emissão e envio à Ré das notas de débito e facturas referidas em 36., correspondentes a valores antes não facturados e não pagos – resposta ao ponto 11º da base instrutória.

55. A Ré soube a partir de que momento se iniciou a facturação considerando a valorização total da energia eléctrica por si produzida – resposta ao ponto 12º da base instrutória.

56. Efectivamente, o consumo da energia eléctrica da instalação fabril facturada correspondia a cerca de 1/3 da energia realmente consumida – resposta ao ponto 14º da base instrutória.

57. A Ré socorre-se de técnicos com formação especializada que acompanham a evolução dos consumos de energia eléctrica da sua fábrica, os controlam e verificam, e para os quais a situação descrita em 56. constituía facto notório – resposta ao ponto 15º da base instrutória.

58. As facturas que foram sendo enviadas à Ré discriminavam de forma exaustiva os valores de consumo registados e os respectivos preços unitários e tais valores não coincidiam com aqueles que a Ré lia todos os meses – resposta ao ponto 16º da base instrutória.

59. A Ré socorreu-se de técnico responsável quer para a instalação de consumo, quer para a instalação de produção de energia e ainda para os PTs. – resposta ao ponto 18º da base instrutória.

60. Os serviços técnicos da Autora impuseram que em ordem a que se pudesse efectuar a contagem de energia – produção e consumos – a Ré adquirisse e montasse dois contadores electrónicos que permitissem a medição dos fluxos de energia eléctrica no sentido rede-PRE e inverso – resposta ao ponto 22º da base instrutória.

61. Tal opção técnica permitiria a leitura telemétrica do consumo e da produção – resposta ao ponto 23º da base instrutória.

62. A Ré, em finais de 2004/princípios de 2005, optou pelo processo de valorização total da energia produzida, pelo que, e em colaboração técnica com os serviços da Autora, encetou um processo de licenciamento junto da DGEG – resposta ao ponto 25ºº da base instrutória.

63. A execução das modificações por parte da Ré e que envolviam alterações na equipa de contagem, foi feita em consonância e com a anuência dos serviços técnicos da Autora, consubstanciada designadamente na vistoria e consequente lacragem dos preditos contadores por parte da Autora, em conformidade com o documento de fls. 397 a 401 (aqui dado por reproduzido) – resposta ao ponto 26º da base instrutória.

64. A presente acção deu entrada em juízo em 04/09/2008.


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IV.

Apreciemos, então, o objecto do recurso.

Refira-se, em primeiro lugar, que a existência do crédito da Autora, no valor de 1.410.048,21€ e respectivos juros, não está em causa no presente recurso. Tal crédito foi reconhecido na sentença recorrida e essa questão não foi incluída no objecto do recurso que dela foi interposto e que estamos a analisar.

Considerou também a sentença recorrida que já haviam decorrido os prazos de caducidade previstos nos nºs 2 e 4 da Lei 23/96 de 26/07 (Lei que considerou aplicável à situação dos autos). A Apelante também não incluiu esta questão no objecto do recurso que interpôs (sendo certo que, relativamente à mesma obteve vencimento), importando, todavia, referir que a Apelada veio introduzir essa questão no objecto do recurso – mediante o exercício da faculdade que lhe é concedida pelo art. 684º-A do C.P.C. – sustentando a inaplicabilidade daquele diploma ao caso sub júdice (questão que será analisada oportunamente, se for caso disso).

Mas, não obstante reconhecer o decurso do aludido prazo de caducidade, considerou a sentença recorrida que a invocação dessa caducidade, por parte da Ré, constituía abuso de direito e, como tal, julgou improcedente aquela excepção e condenou a Ré a pagar a quantia supra mencionada.

E é esta a questão que constitui o objecto do recurso, já que, na perspectiva da Apelante, a invocação da caducidade não constitui abuso de direito e, portanto, tal excepção deveria ter sido julgada procedente.

Iremos, para já, analisar esta questão, na medida em que as questões introduzidas pela Apelada, mediante ampliação do objecto do recurso, apenas deverão ser apreciadas, caso procedam os argumentos da Apelante (com efeito, se estes argumentos improcederem, a sentença permanecerá inalterada e, portanto, a Apelada – na qualidade de vencedora – não terá real interesse em ver apreciados os demais fundamentos que poderiam sustentar a sua pretensão)[1].

Dispõe o art. 334º do C.C. que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Tal como referem Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., pág. 297, “o abuso de direito pressupõe logicamente a existência de um direito (direito subjectivo ou mero poder legal), embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes” e, continuam os mesmos autores, “a nota típica do abuso de direito reside…na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido”.

Embora tenha reconhecido que a invocação da caducidade pela Ré não excedia os limites impostos pelo fim social ou económico do direito, considerou a sentença recorrida que tal invocação excedia manifestamente os limites impostos pela boa fé e, para assim concluir, considerou que o dever geral de boa fé impunha que a Ré tivesse alertado a Autora para a subfacturação referente à energia consumida, sendo certo que a facturação correspondia a 1/3 da energia consumida e esta circunstância era notória para a Ré, já que, além de ter técnicos especializados a acompanhar e controlar a evolução dos consumos, não era expectável que, com o novo sistema de facturação (em Janeiro de 2006) e com a valorização total da energia que produzia e vendia à Autora, mantivesse uma facturação idêntica àquela que existia antes de 2006.

Contrapõe a Apelante que em nada contribuiu para o erro de facturação (que é imputável à Apelada) e que não adoptou qualquer comportamento contrário à boa fé, sendo certo que não ficou demonstrado que tivesse detectado imediatamente que não estava a pagar toda a energia que consumia (não se sabe sequer se detectou) e não ficou demonstrado que pretendesse, de forma premeditada, consumir energia sem pagar.

Refira-se, desde já, que, na nossa perspectiva, a razão está com a Apelante.

Vejamos porquê.

O nosso ordenamento jurídico alude à boa fé em diferentes perspectivas, acolhendo, em diversas situações, a noção de boa fé como um estado ou situação que corresponde à consciência ou convicção de se ter um comportamento conforme ao direito[2] ou ao convencimento da licitude de certo comportamento ou ignorância da sua ilicitude[3] e acolhendo, noutras situações, a noção de boa fé enquanto principio geral de direito e como norma de conduta, cujo conteúdo não está concretamente determinado na lei.

À figura do abuso de direito interessa, naturalmente, esta última noção de boa fé, ou seja, a boa fé, enquanto princípio normativo e enquanto princípio geral de direito que, utilizando as palavras de Coutinho de Abreu[4], significa que “…as pessoas devem ter um comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros”, sendo que, na aplicação desse princípio, o juiz “…deverá partir das exigências fundamentais da ética jurídica, que se exprimem na virtude de manter a palavra e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do círculo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos[5].

O que releva, pois, para efeitos de abuso de direito é saber se o exercício do direito corresponde ou não a uma conduta que, naquelas circunstâncias e, eventualmente, em função de comportamentos anteriores, não se pauta pela honestidade e lealdade para com a outra parte, defraudando, de algum modo, a confiança e a expectativa desta.

Mas, para que se possa falar em abuso de direito será ainda necessário que essa conduta desonesta, incorrecta, desleal ou lesiva da confiança legitimamente criada na outra parte seja manifesta, clara e notória, de tal forma que ela possa ser considerada como clamorosamente ofensiva da justiça ou sentimento jurídico socialmente dominante, embora não se exija a consciência de estarem a ser excedidos os limites impostos pela boa fé[6]. É isso que decorre do disposto no art. 334º quando determina que, para a existência de abuso de direito, é necessário que o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé.

Concordamos com a ideia – sustentada na sentença recorrida – de que a Ré, caso tivesse detectado a existência de subfacturação e estando ciente de que estava a consumir energia sem que a mesma lhe fosse facturada, por erro de medição, ainda que imputável à Autora, tinha o dever de alertar a Autora para esse facto. Era esse o comportamento que legitimamente seria esperado pela pessoa com quem contratou, no âmbito e na execução de um contrato que se deve pautar pela lisura e honestidade de comportamento de uma das partes relativamente à outra e sendo certo que o princípio da boa fé também impõe condutas positivas dos contraentes de cooperação e colaboração no sentido de informarem e esclarecerem a outra parte sempre que tal se justifique, como se justificará, seguramente, quando uma das partes tem a percepção do erro em que a outra labora. E, portanto, sabendo a Ré que a não facturação de parte da energia que consumia decorria de um erro da Autora (e não de mera inércia), seria manifestamente desleal para com a outra parte se, ao invés de a alertar para esse erro, aguardasse passivamente o decurso do prazo de caducidade para vir depois a aproveitar-se desse erro, libertando-se do pagamento da energia que havia consumido, mediante a invocação de tal caducidade. Parece-nos, portanto, que numa situação dessas, a invocação da caducidade corresponderia efectivamente a uma conduta que, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa fé, teria que ser considerada abusiva e, por isso, ilegítima. Com efeito, para efeitos de invocação de caducidade, a situação do devedor que, apesar de saber que deve, apenas se aproveita da inércia do credor não pode ser equiparada à situação do devedor que, ao invocar a caducidade, se aproveita de um erro do credor que sabia existir, nada tendo feito para o esclarecer. Ao contrário do que acontece no primeiro caso – em que o devedor está convicto de que o credor tem pleno conhecimento do seu direito e, por isso, as regras da boa fé não lhe impõem qualquer comportamento específico – no segundo caso, o devedor cuja conduta se paute pela lisura, honestidade, lealdade e correcção para com a outra parte, não deixará de a alertar para o erro em que labora no que toca ao seu direito e às circunstâncias em que o está a exercer.

Vejamos o que acontece no caso sub júdice.

Como decorre da matéria de facto, a partir de Janeiro de 2006, a Ré passou a facturar à Autora toda a energia que produzia, o que implicaria, naturalmente, que a Autora também facturasse à Ré toda a energia que esta consumia e, portanto, seria de esperar que a facturação que lhe era enviada sofresse um acréscimo relativamente à situação anterior (em que apenas lhe era facturada a energia que consumia e não produzia). Resulta também da matéria de facto: que a Ré soube a partir de que momento se iniciou a facturação considerando a valorização total da energia eléctrica por si produzida; que o consumo da energia eléctrica da instalação fabril facturada correspondia a cerca de 1/3 da energia realmente consumida e que a Ré se socorre de técnicos com formação especializada que acompanham a evolução dos consumos de energia eléctrica da sua fábrica, os controlam e verificam, e para os quais constituía facto notório a circunstância de a energia facturada corresponder apenas a cerca de 1/3 da energia consumida.

Poder-se-ia até admitir, com base nesses factos, uma elevada probabilidade de a Ré estar efectivamente ciente da subfacturação e do erro de medição da Autora. Mas poderemos afirmar que assim foi efectivamente?

Não nos parece.

Refira-se, desde logo, que os pontos 13º e 17º da base instrutória – onde se perguntava se a Ré havia detectado imediatamente que não estava a pagar toda a energia que consumia e se, ao não alertar a A... para a anomalia que conhecia, a Ré pretendia, de forma premeditada, consumir energia sem pagar o respectivo preço – mereceram resposta negativa, ou seja, esses factos não se provaram.

E, se esses factos não se provaram, não poderemos argumentar como se estivessem provados. O que resulta dessas respostas (e a decisão da matéria de facto não foi objecto de impugnação) é que não se apurou se e quando a Ré detectou aquele facto.

Atendendo exclusivamente à matéria de facto provada, dela resulta que a circunstância de a energia facturada corresponder apenas a cerca de 1/3 da energia consumida constituía um facto notório para os técnicos com formação especializada dos quais a Ré se socorre e que acompanham a evolução dos consumos de energia eléctrica da sua fábrica.

Mas isso significa o quê? Significa que aquela circunstância foi efectivamente detectada pelos referidos técnicos? Parece que não (caso contrário, o ponto 13º da base instrutória teria sido considerado provado, pelo menos em parte).

Na realidade, a afirmação de que aquela circunstância era um facto notório é uma afirmação dúbia e equívoca que não nos diz claramente se a Ré detectou ou não aquela situação e em que momento (refira-se, aliás, que pouco adiantaria saber que a Ré detectou aquele facto se não soubermos quando isso aconteceu, sendo certo que a consciência do erro em que laborava a Autora apenas interferia com a boa fé da Ré a partir desse momento e, como tal, não afectaria o seu direito a invocar a caducidade que, eventualmente, já se tivesse consumado relativamente a fornecimentos anteriores).

O que temos como certo – perante a matéria de facto e atendendo à notoriedade daquela situação, ao facto de os valores facturados serem reduzidos e não terem sofrido alteração substancial com a alteração da situação em 2006 – é que a Ré estava em condições de detectar o erro e que, se o não detectou, tal apenas se deve a total falta de diligência da sua parte, podendo mesmo dizer-se que o eventual desconhecimento dessa situação apenas poderá dever-se a negligência grosseira e a um total desleixo da sua parte.

Mas, não se podendo afirmar que a Ré tivesse efectivamente detectado esse erro e não se sabendo, sequer, quando o teria detectado (porque a matéria de facto não o permite), poderemos afirmar que a mera circunstância de não ter actuado com a diligência que lhe permitiria detectar o erro é bastante para paralisar o direito de invocar a caducidade, por estar em causa um comportamento que excede manifestamente os limites impostos pela boa fé?

Parece-nos que não.

De facto, se é certo que a Ré podia detectar o erro de medição e tomar consciência do erro em que laborava a Autora, caso actuasse com alguma diligência (e nem precisaria muita), não será menos verdade que a Autora também o poderia fazer (como veio, efectivamente, a acontecer) e, portanto, se a Ré actuou de forma pouco diligente, o mesmo aconteceu com a Autora que, ao que parece, terá ignorado as alterações na configuração da contagem que ocorreram em 2006, não as tendo repercutido nos seus sistemas. Não ignoramos que, em situações destas, o consumidor estará em melhores condições do que o fornecedor de energia para detectar os sinais que evidenciam uma subfacturação, mas isso não implica que o consumidor tenha a obrigação ou o dever de estar atento a esses sinais e que o fornecedor se deva abster de tomar as necessárias precauções para que tais erros não aconteçam, sendo certo que é ele quem tem a obrigação de medir, contabilizar e facturar a energia fornecida.

Ora, não encontramos razões para exigir e impor ao devedor –enquanto regra de conduta inerente ao princípio da boa fé e lealdade para com a outra parte – qualquer dever de cuidado ou diligência na detecção de eventuais erros do credor, ao ponto de paralisar (por efeito dessa falta de diligência) o direito do devedor – consagrado na lei – de invocar a caducidade do direito de exigir o crédito, ignorando e premiando, por essa via, a falta de diligência do credor. Importa notar que era a Autora, enquanto credora, que tinha interesse em apurar o valor do seu crédito e, portanto, era sobre ela que recaía o dever de diligenciar para que tal apuramento fosse efectuado correctamente, sendo que, por regra, apenas se exige ao devedor que não obste ou dificulte tal apuramento.

Concluimos, portanto, que, se o devedor toma efectiva consciência do erro do credor tem o dever de, pautando a sua conduta pela boa fé, pela honestidade, lisura e lealdade, alertar o credor para o erro em que labora quando não exige o crédito ou quando exige um valor inferior ao devido. Mas, se não chega a tomar consciência desse erro – ainda que tal se deva a puro desleixo – não poderemos falar em qualquer comportamento que exceda, de forma manifesta, os limites impostos pela boa fé.

 Assim, não estando provado que a Ré tivesse efectivo conhecimento do erro da facturação e não lhe podendo ser exigido – enquanto regra de conduta inerente à boa fé – qualquer dever de actuar diligentemente no sentido de apurar eventuais erros da Autora na medição e facturação da energia, não é possível detectar, na sua actuação, qualquer comportamento que, por evidenciar alguma incorrecção, desonestidade ou deslealdade relativamente à Autora, seja idóneo para considerar que, ao invocar a caducidade, a Ré não se limita a usar um normal direito que a lei lhe concede e que, ao contrário, excede, de forma manifesta, os limites impostos pela boa fé, defraudando a confiança e as legítimas expectativas da Autora, de tal forma que a invocação da caducidade possa ser considerada como clamorosamente ofensiva da justiça ou sentimento jurídico socialmente dominante.

Parece-nos, pois, em face do exposto, não ser possível concluir que, ao invocar a caducidade, a Ré actue com abuso de direito.

E, sendo legítima a invocação dessa excepção, ela teria que ser julgada procedente, com a consequente absolvição da Ré do pedido.

 

Mas, procedendo a argumentação da Apelante – que conduziria à revogação da sentença – resta agora saber se a sentença deve, ainda assim, ser confirmada com base nos fundamentos que são invocados pela Apelada por via da ampliação do objecto do recurso.

É o que passamos a fazer.

Na perspectiva da Apelada – e ao contrário do que se considerou na sentença recorrida – o seu direito não caducou, por não ser aqui aplicável a Lei nº 23/96.

E, para o efeito, começa por sustentar que a Ré não pode ser considerada como utente de serviços públicos essenciais, sendo, pelo contrário, uma profissional do sector energético que faz disso o seu negócio e a sua arte, não estando, por isso abrangida pela referida legislação, que não se destina a profissionais do sector de produção e venda de energia eléctrica.

É claro, porém, que não lhe assiste razão.

Em primeiro lugar, a Ré não é, propriamente, profissional do sector energético e não é esse o seu negócio e a sua arte.

A Ré tem como objecto o fabrico e comercialização de revestimentos cerâmicos, sendo esse, portanto, o seu negócio e a sua arte, embora seja certo que também é produtora de energia eléctrica em regime especial, dedicando-se à co-geração e vendendo à “rede” a energia que produz.

Mas, independentemente dessa questão, a verdade é que o art. 1º, nº 3, da citada Lei 23/96 define claramente o utente de serviços públicos essenciais (cuja protecção visa assegurar), dispondo que o utente, para os efeitos nela previstos, é “…a pessoa singular ou colectiva a quem o prestador do serviço se obriga a prestá-lo”. Ora, sendo claro que o fornecimento de energia eléctrica está abrangido na citada Lei (cfr. art. 1º, nº 1) e sendo certo que a Autora se obrigou a prestar esse serviço à Ré, fornecendo-lhe energia eléctrica, parece claro que a Ré é utente desse serviço e, portanto, está abrangida pelo referido diploma, gozando, por isso, da protecção que aí se encontra prevista.

Embora se reconheça que quem tem maior necessidade de protecção é o consumidor final, tal como vem definido no art. 2º da Lei 24/96 de 31/07 (aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios), é indiscutível que a Lei nº 23/96 não restringiu a protecção que visa conceder ao consumidor em sentido restrito, tal como vem definido na Lei 24/96, alargando essa protecção a todo e qualquer utente – seja ele pessoa singular ou pessoa colectiva – dos ditos serviços públicos.

Como refere Calvão da Silva[7], “…a tutela normalmente e justificadamente reservada a consumidores - pessoas singulares que em situação de fraqueza contratam com empresas ou outros profissionais o fornecimento de bens ou a prestação de serviços para fins não pertencentes ao âmbito da sua actividade profissional - aparece estendida pela Lei nº. 23/96 aos demais utilizadores de bens ou serviços públicos essenciais nela indicados: a água, a electricidade, o gás e o telefone”.

Assim e sem necessidade de maiores considerações, confirma-se o que, a este propósito, se considerou na sentença recorrida.

Sustenta ainda a Apelante que a aplicabilidade dos nºs 1 e 2 do art. 10º da citada Lei está excluída por força do nº 3 da mesma norma, já que:

- Apesar de estar em causa uma instalação abastecida de média tensão, a instalação – como decorre da matéria de facto provada – tem as características técnicas de uma instalação abastecida em alta tensão;

- Considerando a dimensão das instalações da Ré e o facto de ela ser uma das maiores empresas nacionais, não há motivo para não excluir o regime previsto nos citados nºs 1 e 2, por força do nº 3;

- Só o recurso a um conceito amplo de alta tensão, que inclua as situações como a dos autos, permite uma interpretação do nº 3 do art. 10º em conformidade com os princípios da igualdade e proporcionalidade;

- Sendo que qualquer outra interpretação será inconstitucional por violar os aludidos princípios consagrados nos arts. 12º e 13º da CRP.

Analisemos, então, essas questões[8].

O art. 10º da Lei nº 23/96 de 26/07, sua redacção inicial dispunha que:

1. O direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.

2. Se, por erro do prestador de serviço, foi paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito ao recebimento da diferença de preço caduca dentro de seis meses após aquele pagamento.

3. O disposto no presente artigo não se aplica ao fornecimento de energia eléctrica em alta tensão”.

Não obstante as alterações que lhe foram introduzidas pelas Leis 12/2008 e 24/2008 de 26/02 e 02/06, a actual redacção da norma citada continua a corresponder, em termos gerais e no que toca à matéria aqui em causa, à redacção inicial, sendo que ao nº 3 corresponde agora o nº 5, tendo sido introduzido o nº 4, onde se dispõe que “o prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos”.

Sendo indiscutível que o fornecimento de energia eléctrica em alta tensão não está submetido ao regime de prescrição e caducidade previsto na norma citada, sustenta a Apelante que esse regime não é aplicável à situação dos autos, na medida em que, apesar de estar em causa uma instalação abastecida de média tensão, tal instalação tem as características técnicas de uma instalação abastecida em alta tensão, chamando, em abono da sua tese, o teor das alíneas J), L), M), N), W), CC), MM), NN) da matéria assente e as respostas aos pontos 15º, 18º e 21º da base instrutória.

O que resulta, porém, da matéria de facto (alínea K) e M) da matéria assente) é que as instalações da Ré estão ligadas à Rede Eléctrica à tensão de 15kv, tendo sido nesses termos que foi celebrado o contrato, e, portanto, está claramente em causa um fornecimento de energia eléctrica em média tensão e, ainda que se considere – como pretende a Apelada – que a instalação da Ré pode ser alimentada a 15kv ou a 45kv (como consta da alínea NN), a verdade é que a tensão de 45kv ainda é média tensão, já que a alta tensão é apenas a que é superior a 45kv (como decorre dos diplomas legais a que, mais adiante, faremos referência).

Estamos, portanto, perante um fornecimento de energia eléctrica em média tensão, não merecendo qualquer reparo a sentença recorrida, quando assim o considerou.

Mas, fazendo apelo a um conceito amplo de alta tensão e à dimensão económica da Ré, sustenta a Apelante que a aplicabilidade do regime de caducidade supra citado deverá considerar-se excluído por aplicação do nº 3 do citado art. 10º, onde se dispõe (recorde-se) que esse regime não se aplica ao fornecimento de energia eléctrica em alta tensão.

Coloca-se, pois, a questão – que não é nova e já foi amplamente discutida e decidida na nossa jurisprudência – de interpretar e determinar o conceito de “alta tensão” que é utilizado pelo nº 3 do citado art. 10º (actualmente, nº 5) o que se reconduz a saber se, para esse efeito, a energia eléctrica em média tensão é equiparável ou deve ser considerada como “alta tensão”.

 A sentença recorrida considerou que a excepção prevista no nº 3 apenas se reporta à “alta tensão”, pelo que o fornecimento de energia em causa nos autos (média tensão) não está abrangido pela referida excepção e, como tal, está submetido aos prazos de prescrição e caducidade fixados na citada norma.

E, a nosso ver, assim é efectivamente.

Vejamos.

O citado diploma legal, apesar de se referir a “energia eléctrica em alta tensão”, não contém qualquer definição desse conceito, impondo-se, por isso, concluir que o legislador terá adoptado, para este efeito, as definições que já constavam de outros diplomas.

Quando surgiu a Lei 23/96, já se encontrava afastada a noção ampla de “alta tensão” que era utilizada em diplomas anteriores a 1995, sendo que os conceitos de baixa, média, alta e muito alta tensão já se encontravam definidos nos Decretos-Leis nºs 182/95, 184/95, 185/95 e 186/95 (todos de 27/07/1995) nos seguintes termos:

Baixa tensão – tensão até 1 kv;

Média tensão – tensão superior a 1 kv e igual ou inferior a 45 kv;

Alta tensão – tensão superior a 45 kv e igual ou inferior a 110 kv;

Muito alta tensão – tensão superior a 110 kv.

Esses diplomas foram, posteriormente, revogados pelos Decretos-Leis 29/2006 de 15/02/2006 e 172/2006 de 23/08/2006, diplomas estes que adoptaram uma definição idêntica daqueles conceitos.

Atendendo às definições que já constavam dos citados diplomas legais e porque, ao redigir o citado art. 10º da Lei nº 23/96, o legislador não sentiu qualquer necessidade de clarificar e definir esse conceito em termos diversos, importa concluir que, quando ali se referiu à energia eléctrica em alta tensão, o legislador não pretendeu referir-se à média tensão (pois que, se fosse essa a sua intenção, não deixaria de o dizer).

  Dispõe o art. 9º do Código Civil:

1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Ora, a interpretação do citado art. 10º, de modo a considerar que, quando ali se referiu a “alta tensão”, o legislador teria pretendido também referir-se à “média tensão”, não tem o mínimo de correspondência com a letra da lei e, a fazer-se essa interpretação, ter-se-ia que admitir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, o que contraria abertamente as regras de interpretação da lei que estão consignadas no citado art. 9º.

Com efeito, se considerarmos que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (como devemos presumir, face ao nº 3 do citado art. 9º), não podemos deixar de concluir que, quando se referiu à energia em alta tensão, o legislador não pretendeu referir-se também à média tensão; se fosse essa a sua intenção e tendo conhecimento desses conceitos que já se encontravam definidos noutros diplomas legais, certamente que o teria dito, referindo-se, expressamente, à média e alta tensão, ao invés de se referir apenas à alta.

E, ainda que se aceite que a classificação dos níveis de tensão – feita pelos diplomas acima mencionados – visa, essencialmente fins tarifários, a verdade é que o legislador não definiu o que era “alta tensão” para fins do disposto no Lei 23/96 e, porque não o fez, impõe-se concluir que aceitou e adoptou as definições que já constavam desses diplomas legais, não sendo legítimo pensar que o legislador, conhecendo a definição dos conceitos que constavam de diversos diplomas legais, tenha utilizado um conceito que estava definido nesses diplomas para se referir – sem que o tivesse dito expressamente – a uma realidade diversa (mais ampla), designadamente, a um conceito amplo de “alta tensão” que, à data, já não era utilizado pelos diversos diplomas que regulavam essa matéria.

Mas será que poderemos encontrar – nas razões subjacentes à não aplicabilidade daquele regime ao fornecimento de energia em alta tensão – algum argumento que aponte para a intenção de excluir desse regime todos os consumidores cuja dimensão e poder económico não justifique a protecção concedida, como seria o caso da Ré, na perspectiva da Apelada?

Já vimos que a Lei 23/96 não visa apenas proteger o consumidor final (tal como vem definido na Lei 24/96) mais carecido de protecção; a citada lei visa proteger todo e qualquer utente dos serviços que nela são mencionados, independentemente do tipo de utente e independentemente da utilização (comercial ou não) dos serviços recebidos.

Mas, apesar de a protecção concedida pelo citado diploma se destinar a todos os utentes, independentemente da sua qualidade, dimensão e poder económico, não poderemos deixar de considerar que, ao excluir os utentes de energia eléctrica em alta tensão, o legislador terá visado aqueles utentes que, pelo seu poder económico e estrutura financeira, não fossem especialmente afectados pela cobrança de quantias que, podendo ser substancialmente elevadas, se reportavam a consumos efectuados a períodos temporais mais afastados e dilatados, considerando que para esses utentes não se justificaria a protecção decorrente dos curtos prazos de caducidade e prescrição que ali se encontram previstos.

Mas, se é certo que o fornecimento de energia eléctrica em alta tensão pode ser associado e indicia uma forte estrutura financeira e uma grande dimensão empresarial e económica do respectivo utente, o mesmo não acontece com o fornecimento de energia eléctrica em média tensão, na medida em que esta tem como destinatários a generalidade das empresas do sector produtivo, sejam elas de pequena, média ou grande dimensão.

Naturalmente que o fornecimento de energia eléctrica em média tensão também poderá estar associado a algumas empresas de grande dimensão e poder económico, mas não terá sido uma qualquer dimensão ou poder económico do utente (carecido de menos protecção) a justificar a excepção, no que respeita ao regime de prazos de prescrição e caducidade, porque, se assim fosse, não faria sentido que o legislador não excepcionasse também os “grandes” utentes ou clientes dos demais serviços públicos a que se reporta o citado diploma, fazendo-o apenas relativamente à electricidade.

O que o legislador pretendeu foi apenas não conceder aquela protecção nos casos em que ela surgia como manifestamente desadequada e desproporcionada (fazendo-o por referência a um tipo de consumo que, de forma evidente, evidencia uma elevada estrutura financeira e económica) e, sendo assim, não faria sentido que o legislador também tivesse pretendido excepcionar os utentes de energia eléctrica em média tensão, porque, se o fizesse, iria deixar desprotegidas as inúmeras empresas de pequena e média dimensão que poderiam ver a sua actividade comprometida ou paralisada com a cobrança de quantias que, respeitando a fornecimentos efectuados durante um período de tempo muito alargado, poderiam atingir valores substancialmente elevados e incomportáveis para a sua estrutura financeira.

Ou seja, o legislador, ao estabelecer a referida excepção, terá visado os utentes com uma forte estrutura financeira, empresarial e económica (relativamente aos quais a protecção concedida era manifestamente desadequada e desproporcionada) e, face à dificuldade de aplicar um critério assim definido, terá considerado que a exclusão do fornecimento de energia eléctrica em alta tensão era, pelas razões acima mencionadas, um critério adequado para atingir aqueles objectivos (porque abarcava, seguramente, os utentes com maior estrutura financeira e económica, sem correr o risco de deixar desprotegidos os inúmeros utentes que, não se incluindo naquele grupo, poderiam facilmente ser atingidos se fosse adoptado um qualquer outro critério).

Veja-se, a propósito, o Ac. do STJ de 09/10/2007[9], onde se lê: “Assim, da conjugação da extensão de tal protecção legal relativamente a todos os utentes dos referidos serviços com o conteúdo do n.º 3 do art. 10º da Lei n.º 23/96, pode concluir-se, que a razão de ser que presidiu à formulação do n.º 2 do mesmo normativo - evitar o protelamento temporal da situação de incerteza dos consumidores sobre a dívida relativa aos quantitativos pecuniários a despender nos respectivos consumos – apenas não colhia qualquer justificação quando tais consumos correspondessem à energia eléctrica fornecida em alta tensão, uma vez que, nestas situações seria reduzida a relevância que a cobrança das diferenças entre os pagamentos efectuados e os consumos efectivamente realizados produziriam na estrutura financeira dos respectivos consumidores, atendendo a que estes, pela dimensão da potência eléctrica que lhes é fornecida, assumem-se como entidades dotadas de meios económicos susceptíveis de suportar, sem qualquer grave rombo na respectiva tesouraria, pagamentos, que, embora não devidamente orçamentados por força da imprevisibilidade da sua ocorrência, em qualquer momento temporal lhes pudessem vir a ser exigidos”.

De qualquer forma, e ainda que a intenção do legislador tenha sido a de excluir os utentes com maior poder económico, a verdade é que a concretizou mediante a exclusão de um determinado tipo de fornecimento eléctrica (a alta tensão), não sendo legítimo estender essa excepção a situações que o legislador nela não incluiu e em função do maior ou menor poder económico do utente em questão, o que, aliás, sempre seria de difícil aplicação (por inexistência de qualquer critério pré-definido), além de potenciar desigualdades de tratamento de utentes em condições semelhantes.

Concluímos, pois, que, independentemente da dimensão ou poder económico do utente em causa, o regime de prescrição e caducidade previsto no referido diploma é aplicável aos utentes de fornecimento de eléctrica em baixa e média tensão, apenas não sendo aplicável ao fornecimento de energia eléctrica em alta tensão.

Note-se, por último, que, caso não tivesse sido essa a sua intenção, o legislador, ciente da controvérsia que já se desenrolava à volta da interpretação da citada norma e do sentido a dar à expressão “alta tensão”, teria, seguramente, aproveitado as alterações em 2008, para clarificar que estava ali em causa a “alta” e a “média” tensão. Não o tendo feito, fica reforçada a ideia de que, quando ali se referiu à “alta tensão”, queria mesmo referir-se a esse tipo de fornecimento de energia e não também à “média tensão”.

Mas, será que uma tal interpretação briga com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade, como defende a Apelada?

Não nos parece.

Aquela excepção e a diferença de tratamento que, por via dela, é dada a um determinado tipo de utentes radica na circunstância de o legislador ter considerado que a protecção concedida pela citada Lei era manifestamente desadequada e desproporcionada – constituindo, por isso, em excesso de protecção – para um determinado grupo de utentes que possuem, manifestamente, uma grande estrutura financeira e económica.

Afigurando-se-nos evidente que os utentes de energia em alta tensão são empresas ou entidades com uma elevada estrutura financeira e económica e com grande poder económico, também se nos afigura certo que os utentes de energia em baixa tensão são os que, sendo mais fracos, carecem de maior protecção.

Os utentes de energia em média tensão configuram uma categoria intermédia onde se incluem inúmeras empresas que, em regra (mas, não necessariamente) são detentoras de uma estrutura financeira e económica inferior às que caracterizam os utentes da alta tensão e superior à dos utentes de baixa tensão. E, naturalmente, dentro desta categoria (média tensão) existirão alguns utentes que, em termos de poder e capacidade económica, se aproximam dos utentes de energia em alta tensão, mas existirão muitos também (e provavelmente a maioria) que mais se aproximam do consumidor doméstico (baixa tensão).

Ora, a admitir-se que os consumidores de energia em média tensão sejam tratados da mesma forma que os consumidores de energia em alta tensão, isso não poderia também configurar uma violação do princípio da igualdade? É que, a ser assim, também se corria o risco de estar a tratar de forma igual situações manifestamente desiguais, porquanto, como se disse, um grande número de utentes de energia em média tensão aproxima-se mais, em termos económicos e financeiros, do consumidor doméstico do que das grandes empresas consumidoras de energia em alta e muito alta tensão.

Tal como já se assinalou, a protecção concedida pelo diploma a que vimos fazendo referência destina-se a todos os utentes dos serviços públicos ali mencionados, independentemente das suas características e do seu poder económico e a excepção consignada no art. 10º, nº 3 (apenas respeitante aos prazos de caducidade e prescrição) não pretendeu abranger todas as situações em que o poder económico do utente não justificasse protecção, pretendendo apenas abranger aquelas situações em que essa protecção era, de forma manifesta, clamorosamente injustificada por estarem em causa utentes, cuja estrutura e poder económico (manifestamente elevados) era inconciliável com qualquer necessidade de protecção e o critério escolhido e adoptado pelo legislador para determinar essas situações baseou-se na tensão da energia fornecida, por ter considerado, eventualmente, que tal critério tinha a aptidão necessária para alcançar os fins pretendidos.

Aliás, a entender-se que a não inclusão dos consumidores de média tensão na excepção prevista no art. 10º, nº 3, configura uma violação do princípio da proporcionalidade, por configurar um excesso de protecção, tal significaria que todo o diploma seria inconstitucional, na medida em que todo ele concede protecção a qualquer utente, independentemente da sua qualidade ou seu poder económico, e, mesmo no que toca aos prazos de prescrição e caducidade, apenas excepciona um determinado grupo de utentes de energia eléctrica, permitindo que os utentes de todos os demais serviços ali mencionados usufruam dos curtos prazos de prescrição e caducidade ali fixados, ainda que sejam empresas ou entidades com grande poder económico que, como tal, não carecem de protecção.

O legislador pretendeu conferir protecção a todos os utentes dos serviços públicos ali mencionados, independentemente da sua capacidade económica, não podendo, por isso, afirmar-se que a protecção concedida a consumidores de energia eléctrica em média tensão configure um excesso de protecção que brigue com o princípio da proporcionalidade.

Pretendendo conferir protecção a todos os utentes, o legislador apenas entendeu excepcionar da protecção concedida (e apenas ao nível dos prazos de prescrição e caducidade) um determinado grupo de utentes, relativamente aos quais era possível afirmar, de forma segura, que essa protecção era manifestamente desmesurada e totalmente injustificada, por estarem em causa empresas ou entidades com elevada estrutura financeira e capacidade económica, como é o caso dos utentes de energia em alta tensão.

Para este efeito, um consumidor de energia eléctrica em média tensão não é equiparável (pelo menos em regra) ao consumidor de energia em alta tensão – não existindo entre ambas as situações a semelhança que seria necessária para que fosse exigível um tratamento igualitário, em conformidade com as normas e princípios constitucionais – e, portanto, não encontramos razões para considerar que a citada norma é inconstitucional por violação do princípio da igualdade, quando é certo que o princípio da igualdade não impõe apenas que situações iguais sejam tratadas de igual forma, impondo também que o tratamento seja desigual quando as situações são desiguais e sempre que as diferenças existentes justifiquem o seu tratamento diferenciado.

E, embora se possa dizer que os utentes de energia em média tensão também não são, em regra, equiparáveis aos utentes de energia em baixa tensão, a verdade é que a desigualdade dessas situações não assume relevância para os fins visados pelo legislador. O legislador pretendeu, inequivocamente, proteger a grande generalidade dos utentes de serviços públicos essenciais, independentemente do seu poder e capacidade económica, não se vislumbrando qualquer violação do princípio da igualdade decorrente do facto de essa protecção beneficiar os utentes mais fracos, ao mesmo tempo que beneficia utentes com maior poder financeiro e, consequentemente, mais fortes e menos carecidos de protecção. Todavia, reconhecendo a existência de um grupo de utentes (os consumidores de energia fornecida em alta tensão), cuja estrutura financeira e económica ultrapassa, de forma manifesta, a dos demais utentes, o legislador retirou-lhes a protecção concedida aos demais, porque era desmesurada e desproporcionada. E, ao tratar estes utentes, de forma diferenciada, o legislador não violou o princípio da igualdade, na medida em que a situação económica e financeira destes utentes é manifestamente diversa, justificando-se, como tal, um tratamento diferenciado.

Naturalmente que, na aplicação prática da norma em causa, poderão surgir algumas desigualdades, na medida em que existirão alguns utentes de energia em média tensão, cuja estrutura e capacidade financeira se aproxima da dos utentes de energia em alta tensão. Mas, não sendo essa, seguramente, a regra (já que no grupo de utentes de energia em média tensão estão incluídas inúmeras empresas de pequena ou média dimensão que, de modo algum, se encaixam no perfil da empresa ou entidade a quem é fornecida energia em alta tensão) as desigualdades ou injustiças que, pontualmente, possam resultar da aplicação da lei não são bastantes para concluir pela sua inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade.  

Afigura-se-nos, pois, em face do exposto, que a interpretação da citada norma no sentido que aqui defendemos não padece de qualquer constitucionalidade por violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade e, portanto, também neste ponto, carece de razão a Apelada, não merecendo censura a sentença recorrida

Concluímos, portanto, que o regime de prescrição e caducidade fixado na norma citada é aplicável à Ré, conforme se considerou – correctamente – na sentença recorrida.

Sustenta, por último, a Apelada que o seu crédito não caducou, porquanto:

- Conforme resulta da carta de 18/04/2008 (fls. 439) – consignada na alínea OO) – a Ré propôs o pagamento faseado do crédito, o que, correspondendo ao seu reconhecimento, obsta à verificação da prescrição e da caducidade;

- Nos termos do contrato celebrado entre as partes (no âmbito do qual foi gerada a dívida aqui em causa) – cláusula 17ª do contrato de fls. 37 a 55 – a rectificação poderia ser efectuada no prazo de três anos a contar do conhecimento do erro, sendo que a Autora tomou conhecimento do erro após Março de 2008 e ainda no mesmo ano deu entrada à presente acção.

Parece-nos, em primeiro lugar, que o contrato de fls. 37 a 55 (a que alude a Apelada) e a sua cláusula 17ª nada tem a ver com o crédito que está em causa nos autos, já que este crédito prende-se com o fornecimento de energia à Ré e, se bem percebemos, aquele é o contrato por via do qual a A... se obrigou a adquirir à Ré a energia que esta produzia e não o contrato por via do qual se obrigou a fornecer-lhe energia e, portanto, a referida cláusula apenas seria aplicável aos erros de medição da energia que a A... adquiria à Ré e não aos erros de medição da energia que a A... fornecia à Ré.

Além do mais, essa cláusula – se fosse aqui aplicável (e não é) – seria nula, face ao disposto no art. 13º da citada Lei nº 23/96 (que corresponde ao art. 11º na redacção inicial do referido diploma), embora seja uma nulidade que apenas pode ser invocada pelo utente.

Sustenta ainda a Apelada que, como resulta da carta de 18/04/2008 (fls. 439) – consignada na alínea OO) – a Ré propôs o pagamento faseado do crédito, o que, correspondendo ao seu reconhecimento, obsta à verificação da prescrição e da caducidade.

Importa dizer, em primeiro lugar, que a referida carta é uma carta subscrita pela própria Apelada e, portanto, nunca poderia conter qualquer reconhecimento do crédito por parte da Ré, importando ainda notar que, como decorre da resposta negativa ao ponto 20º da base instrutória, não se provou que o Presidente do Conselho de Administração da Ré se tenha disponibilizado perante a Autora a regularizar a dívida através de um plano de pagamento a negociar.

É verdade, porém, que, na carta referida na alínea PP) – supomos que era a esta carta que a Apelada se pretendia referir – a Ré/Apelante propôs, efectivamente, a regularização da dívida de forma faseada, mas – importa esclarecer – essa proposta não se referia à totalidade da dívida aqui reclamada (sendo certo que já nessa carta invocava a prescrição/caducidade de uma parte dela) mas apenas a uma parte da dívida que, nesse momento, ainda não teria prescrito/caducado.

Importa reter que o prazo em causa nos autos – previsto no art. 10º, nº 2, da citada Lei 23/96, já que está em causa o valor correspondente à diferença entre o valor correspondente ao consumo efectuado e o valor que efectivamente foi pago em consequência de erro de facturação – é claramente um prazo de caducidade que, por disposição expressa da lei, tem o seu início com o pagamento efectuado (de valor inferior ao devido).

De acordo com o disposto no art. 328º do C.C., o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o admite, sendo que, em conformidade com o disposto no art. 331º, nº 1, do mesmo diploma, só impede a caducidade a prática, dentro do prazo, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo, o que, no caso, correspondia à propositura da acção. A acção teria, portanto, que ser proposta no prazo de seis meses após aquele pagamento.   

Dispõe, todavia, o art. 331º, nº 2, que, estando em causa um prazo fixado relativamente a direitos disponíveis, também impede a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido.

Não obstante o carácter injuntivo dos direitos atribuídos aos utentes pela citada Lei nº 23/96 (cfr. art. 13º, a que correspondia, como já referimos, o art. 11º da sua versão original), tal não equivale, na nossa perspectiva, à afirmação de que estão em causa direitos indisponíveis, apenas se estabelecendo a nulidade (que só o utente pode invocar, podendo invocá-la ou não) da convenção que exclua ou limite esses direitos.

Portanto, nada obsta a que o utente possa reconhecer o direito do prestador do serviço, impedindo, por essa via, o funcionamento da caducidade que ali está estabelecida para sua protecção.

Há quem entenda que esse reconhecimento, para impedir a caducidade, tem que produzir o mesmo resultado que se alcançaria com a prática tempestiva do acto a que a lei ou convenção atribuem efeito impeditivo e, tratando-se de um prazo de proposição de uma acção judicial, o reconhecimento deve ser tal que torne o direito certo e faça as vezes da sentença, porque tem o mesmo efeito que a sentença pela qual o direito fosse reconhecido[10].

É evidente, desde logo, que o reconhecimento do direito – para ter a virtualidade de impedir a caducidade – terá, pelo menos, que ser expresso, concreto, preciso, inequívoco e sem qualquer ambiguidade, não podendo produzir aquele efeito um reconhecimento de carácter vago e genérico[11], mas, na nossa perspectiva, ele também terá que assumir a força e certeza bastantes para afirmar que o direito já é certo e incontroverso, de tal forma que a prática do acto que tem efeito impeditivo, designadamente a propositura da acção, surja aos olhos do titular do direito (de boa fé) como um acto totalmente inútil e desnecessário. Com efeito, se é certo que a caducidade visa evitar que a situação de incerteza e indefinição se protele por muito tempo, parece dever concluir-se que o reconhecimento do direito apenas impedirá a caducidade quando ele tem a necessária aptidão para esclarecer e definir a situação jurídica em causa, de molde a tornar desnecessária a prática de qualquer outro acto com essa finalidade.

Vejamos o que acontece com a carta que estamos a analisar.

É evidente, desde logo, que a Ré não reconhece a totalidade do crédito que era exigido pela Autora, invocando, claramente, a caducidade de uma parte dele, por ter decorrido o prazo de seis meses consignado na lei.

Reconhece, contudo, que uma parte do crédito não estava prescrito/caducado e, relativamente a este, solicita o seu pagamento faseado.

Temos como certo que o acordo ou proposta de pagamento faseado de um determinado crédito, envolve, de forma clara e expressa, o reconhecimento desse direito, assumindo a aptidão necessária para definir a situação e impedir a caducidade.

É certo que a Ré não alude a qualquer valor certo/determinado; mas esta circunstância não é, só por si, bastante para lhe retirar a eficácia impeditiva da caducidade. Com efeito, se é certo que o reconhecimento de um crédito de valor não determinado (ainda que determinável por simples cálculo aritmético) vale – quando efectuado em documento assinado pelo devedor – como título executivo (cfr. art. 46º, nº 1, alínea c) do C.P.C.), parece claro que esse reconhecimento (substituindo e dispensando a sentença) é idóneo para impedir a caducidade, ainda que se reporte a um valor que não está expressamente determinado e, portanto, não haverá razões que imponham outro entendimento relativamente a qualquer outro reconhecimento do crédito (ainda que não tenha valor de título executivo), para efeitos de impedir a caducidade.

Mas, para que o reconhecimento de um crédito reportado a valor não determinado tenha a clareza e segurança bastante para impedir a caducidade, substituindo a propositura da acção, será necessário que, dos termos em que foi reconhecido esse crédito, se possam retirar, com segurança, os elementos necessários para apurar o crédito que se pretendeu reconhecer.

Ora, parece-nos ser isso que acontece aqui (no que toca, como referimos, a parte do crédito reclamado).

De facto, na aludida carta, a Ré não questiona e não põe em causa o valor dos consumos e das facturas que lhe haviam sido enviadas pela Autora (importando esclarecer, aliás, que esses valores foram reconhecidos na sentença recorrida e a Ré/Apelante não incluiu no presente recurso qualquer questão relacionada à sua eventual incorrecção) e, portanto, parece-nos que reconhece claramente o valor das facturas relativamente às quais não havia decorrido (naquela data – 16/05/2008) o prazo de seis meses que está fixado na lei, solicitando/propondo o seu pagamento faseado e reconhecendo, portanto, o direito da Autora ao respectivo pagamento.

Quais são, então, essas facturas?

Como está determinado na lei, o aludido prazo de caducidade de seis meses inicia-se com o pagamento do valor facturado por valor inferior ao real.

Importa referir que não sabemos quando foi efectuado esse pagamento, mas sabemos que as facturas foram pagas pela Ré atempadamente, o que significará, naturalmente, que foram pagas dentro do prazo que nelas estava indicado para o respectivo pagamento.

A factura junta a fls. 335, no valor de 79.769,17€, reporta-se ao período de 24/01/2008 a 23/02/2008, correspondendo, portanto, aos valores que não haviam sido facturados na factura de fls. 293, que havia sido emitida em 23/02/2008 e cujo prazo de pagamento ia até 29/03/2008. Ainda que se admita que a Ré pagou esta factura logo no dia da emissão, é claro que, até à data da carta supra referida (16/05/2008), não havia decorrido o prazo de seis meses.

 A factura junta a fls. 333, no valor de 89.451,83€, reporta-se ao período de 24/12/2007 a 23/01/2008, correspondendo, portanto, aos valores que não haviam sido facturados na factura de fls. 290, que havia sido emitida em 23/01/2008 e cujo prazo de pagamento ia até 24/02/2008. Ainda que se admita que a Ré pagou esta factura logo no dia da emissão, é claro que, até à data da carta supra referida (16/05/2008), não havia decorrido o prazo de seis meses.

A factura junta a fls. 331, no valor de 88.142,45€, reporta-se ao período de 26/11/2007 a 23/12/2007, correspondendo, portanto, aos valores que não haviam sido facturados na factura de fls. 288, que havia sido emitida em 23/12/2007 e cujo prazo de pagamento ia até 27/01/2008. Ainda que se admita que a Ré pagou esta factura logo no dia da emissão, é claro que, até à data da carta supra referida (16/05/2008), não havia decorrido o prazo de seis meses.

A factura junta a fls. 329, no valor de 69.532,65€, reporta-se ao período de 26/10/2007 a 25/11/2007, correspondendo, portanto, aos valores que não haviam sido facturados na factura de fls. 286, que havia sido emitida em 25/11/2007 e cujo prazo de pagamento ia até 28/12/2007. Ainda que se admita que a Ré pagou esta factura logo no dia da emissão, é certo também que, até à data da carta supra referida (16/05/2008), não havia decorrido o prazo de seis meses.

O mesmo não acontece com as demais facturas, em relação às quais já havia decorrido o prazo de seis meses ou, como acontece com a factura de fls. 326, referente ao período de 26/09/2007 a 25/10/2007, não sabemos se decorreu ou não, porquanto a factura correspondente a esse período havia sido emitida em 01/11/2007 e devia ser paga até 15/12/2007 e não sabemos a data exacta em que foi efectuado o seu pagamento.

Em face do exposto, temos como certo que, na aludida carta, a Ré reconheceu o direito da Autora, no que toca, pelo menos, às quatro facturas supra referidas (valor que, manifestamente, ainda não estava abrangido pela caducidade de seis meses que ali invocava e em relação ao qual solicitava o respectivo pagamento de forma faseada).

Parece-nos, portanto, que esse reconhecimento obstou e impediu a caducidade no que toca àqueles valores, que perfazem o total de 326.896,10€ e, portanto, deverá a Ré ser condenada a pagar esse valor.

Assim, procedendo o recurso e procedendo, em parte, os fundamentos que, em ampliação do objecto do recurso, eram invocados pela Apelada e que, na sua perspectiva, conduziriam à confirmação da sentença (ainda que por diversos fundamentos), impõe-se revogar parcialmente a sentença, julgando improcedente a excepção de caducidade do direito da Autora, no que toca a uma parte do seu crédito, no valor de 326.896,10€, e julgando procedente essa excepção, no que toca ao restante valor que havia sido peticionado, condenando-se a Ré a pagar aquele valor e absolvendo-a do restante pedido.

A Apelada solicita ainda, nas suas alegações, a condenação da Ré/Apelante como litigante de má fé, já que, segundo alega, a Ré teria deduzido oposição cuja falta de fundamento não ignorava e alterou a verdade dos factos, quando pretendeu demonstrar, ao longo de todo o processo, que desconhecia o erro de facturação.

A Ré não foi condenada em 1ª instância por litigância de má fé e tal decisão não foi objecto de recurso.

De qualquer forma, não se evidencia nos autos qualquer litigância de má fé por parte da Ré.

A sua oposição procedeu em parte (como vimos) e, portanto, não era totalmente infundada e também não decorre da matéria de facto que tenha alegado factos que sabia não corresponderem à verdade, sendo certo que não resulta da matéria de facto que a Ré – ao contrário do que alegou – conhecesse o referido erro de facturação.


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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 713º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – A boa fé, enquanto princípio geral e norma de conduta que releva para a apreciação do abuso de direito, implica a adopção de uma conduta pautada pela honestidade e lealdade e que não defraude a confiança e as expectativas de outrem e, implicando também o dever de informar e esclarecer quando tal se justifique, impõe que o devedor alerte o credor para o erro em que este labora, sempre que tenha a percepção que o não exercício do seu direito (no todo ou em parte) decorre de erro do credor; mas já não se justifica impor ao devedor – enquanto regra de conduta inerente ao princípio da boa fé e lealdade para com a outra parte – qualquer dever de cuidado ou diligência na detecção de eventuais erros de credor.

II – Assim, estando em causa um crédito emergente de fornecimento de energia eléctrica que não foi cobrado oportunamente por erro de medição e facturação do prestador do serviço, não actua com abuso de direito o devedor que, desconhecendo (ou não se provando que conhecesse) esse erro, vem invocar a caducidade daquele direito, ainda que pudesse ter tido a percepção do erro se actuasse com alguma diligência. 

III – Para efeitos de aplicação da Lei nº 23/96 de 26/07, considera-se utente dos serviços públicos essenciais por ela abrangidos, toda e qualquer pessoa, singular ou colectiva, a quem o prestador do serviço se obriga a prestá-lo, independentemente da sua dimensão e poder económico, não deixando de gozar da protecção concedida pela citada Lei a empresa que, além de utente do serviço de fornecimento de energia eléctrica, é também produtora de energia eléctrica, vendendo à “rede” a energia que produz.

IV – O nº 3 (actual nº 5) do art. 10º da citada Lei, ao excluir o fornecimento de energia eléctrica em alta tensão do regime de prescrição e caducidade que aí se encontra previsto, abrange apenas a alta tensão e não o fornecimento de energia eléctrica em média tensão e daí não decorre qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade.

V – Não obstante o carácter injuntivo dos direitos atribuídos pela citada Lei nº 23/96 (o que determina a nulidade – que apenas pode ser invocada pelo utente – da disposição ou convenção que exclua ou limite esses direitos), tais direitos não são, em rigor, indisponíveis e, portanto, o reconhecimento, por parte do utente, do direito do prestador do serviço impede a caducidade, em conformidade com o disposto no art. 331º, nº 2, do C.C.


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V.

Pelo exposto, concede-se provimento ao presente recurso e, julgando-se parcialmente procedentes os fundamentos invocados pela Apelada, em ampliação do objecto do recurso, revoga-se parcialmente a sentença recorrida e, em consequência:

► Julga-se a acção procedente e improcedente a excepção de caducidade do direito da Autora, no que toca a uma parte do seu crédito, no valor de 326.896,10€ (trezentos e vinte seis mil, oitocentos e noventa e seis euros e dez cêntimos), condenando-se a Ré a pagar este valor, acrescido de juros, nos termos que constam da sentença recorrida (nesta parte, se confirmando a sentença);

► Julga-se procedente a excepção de caducidade, no que toca ao restante valor que havia sido peticionado, absolvendo-se a Ré do pedido referente a esse valor (nesta parte, se revogando a sentença recorrida).
Custas na proporção do decaimento.
Notifique.

Maria Catarina Gonçalves (Relatora)

Maria Domingas Simões

Nunes Ribeiro


[1] Veja-se, a propósito, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª ed. Revista e Actualizada, pág. 101, quando afirma que “o tribunal apenas terá de se pronunciar sobre as questões da ampliação se, acolhendo os argumentos suscitados pelo recorrente ou de que oficiosamente puder conhecer, tal se repercutir na modificação do resultado declarado na decisão impugnada em termos de prejudicar o recorrido”.
[2] Cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª ed., pág. 78.
[3] Cfr. Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, 1983, pág. 55.
[4] Ob. cit., pág. 55.
[5] Cfr. Almeida Costa, ob. cit., pág. 81.
[6] Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civ. Anotado, Vol. I, 3ª ed. Revista e Actualizada, págs. 296 e 297.

[7] R.L.J, Ano 132º, pág. 140.

[8] Na análise destas questões, seguiremos de perto – transcrevendo em parte – o Acórdão da Relação do Porto de 27/05/2010, proferido no processo nº 1381/08.3TBOVR.P1, igualmente relatado pela aqui relatora e disponível em http://www.dgsi.pt.

[9] Disponível em http://www.dgsi.pt. com o nº convencional 07A2120.
[10] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed. Revista e Actualizada, 294.
[11] Cfr. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V,  2011, pág. 225; Acórdão do STJ de 03/04/2008, processo nº 08B245 e Acórdãos da Relação do Porto de 09/06/2010 e 06/11/2008, processos nºs 6652/06.0TBMTS.P1 e 0834271, respectivamente, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.