Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4319/15.8T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: DIREITO DE REGRESSO
ESTADO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
FUNCIONÁRIO
ESTADO
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – VISEU – INST. LOCAL – SEC. CÍVBEL – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 498º, Nº 2 DO C. CIVIL; AC.U.J. Nº 5/1997, DE 14/01/1997; DEC. LEI Nº 503/99, DE 20/11.
Sumário: I – O art.º 46º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, atribui ao Estado o direito a ser reembolsado dessas despesas pelo responsável pelo acidente, determinando:
1 - Os serviços e organismos que tenham pago aos trabalhadores ao seu serviço quaisquer prestações previstas no presente diploma têm direito de regresso, contra terceiro civilmente responsável pelo acidente ou doença profissional, incluindo seguradoras, relativamente às quantias pagas.

2 - O direito de regresso abrange, nomeadamente, as quantias pagas a título de assistência médica, remuneração, pensão e outras prestações de carácter remuneratório respeitantes ao período de incapacidade para o trabalho.~

II - Anteriormente à vigência deste diploma foi muito discutido na jurisprudência o direito a esse reembolso, tendo o Acórdão de Uniformização n.º 5/97, de 14 de Janeiro de 1997, posto termo a essa querela, estabelecendo que o Estado tem direito a ser reembolsado, por via de sub-rogação legal, do total despendido em vencimentos a um seu funcionário ausente de serviço e impossibilitado da prestação de contrapartida laboral por doença resultante de acidente de viação e simultaneamente de serviço causado por culpa de terceiro.

III - Na nova legislação aprovada sobre o tema em 1999 impôs que esse meio deveria ser antes a atribuição de um direito de regresso ao Estado. Não sendo isenta de dúvidas, no plano teórico, a categorização deste direito ao reembolso, face aos riscos de uma fácil prescrição deste direito, o legislador optou por classificá-lo como um direito de regresso, não sendo permitido ao julgador alterar tal opção.

IV - Sendo, pois, o direito de reembolso consagrado no artigo 46º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, um direito de regresso, por opção do legislador, o prazo de prescrição deste direito só se inicia com o pagamento ao lesado pelo Estado das despesas de saúde e vencimentos, nos termos previstos no artigo 498º, n.º 2, do Código Civil.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

O Autor intentou a presente acção declarativa com forma de processo comum, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 45.828,25, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal, devidos desde a data da citação até integral pagamento, como reparação de todos os danos patrimoniais sofridos.

Para fundamentar a sua pretensão invocou a ocorrência em 31 de agosto de 2010, de um acidente de viação em que foi interveniente um militar da GNR, acidente que terá ocorrido por culpa exclusiva da condutora do veículo automóvel, estando a responsabilidade dos danos emergentes pela sua circulação transferida para a Ré.

Alegou ainda que tal acidente ocorreu quando o militar se dirigia para o trabalho, que este sofreu lesões que determinaram a sua incapacidade permanente para o trabalho, período durante o qual despendeu em pagamentos de tratamentos e remunerações a quantia objecto do pedido.

A Ré contestou, invocando, além do mais a excepção de prescrição.

Concluiu, pugnando pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.

O Autor pronunciou-se quanto à excepção de prescrição, pugnando pela sua improcedência.

Veio a ser proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos:

Por tudo o exposto, julga-se a presente acção procedente por provada e em consequência condena-se a ré Companhia de Seguros A..., S.A. a pagar ao Estado Português a quantia de € 45.828,25 (quarenta e cinco mil oitocentos e vinte e oito euros e vinte e cinco cêntimos), acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação até efectivo e integral pagamento.

A Ré interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:

...

O Autor apresentou resposta, defendendo a confirmação da decisão recorrida.

1. Do objecto do recurso

Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas cumpre apreciar a seguinte questão

O direito reclamado pelo Autor está prescrito?

2. Os factos

Os factos julgados provados são:

1 – No dia 31 de agosto de 2010, pelas 9 horas e 15 minutos, na Estrada Nacional, n º 16, ao Km 80,600, no lugar de Gumiei, freguesia de Ribafeita, concelho de Viseu, J..., Cabo n º ... da Guarda Nacional Republicana, conduzia o motociclo com a matrícula ..., propriedade do mesmo.

2 – J... circulava no sentido S. Pedro do Sul-Viseu, na referida estrada.

3 – Circulava o mesmo a velocidade aproximada de 70 Km/h, na hemi-faixa de rodagem do lado direito, atento o seu sentido de marcha.

4 – No mesmo local, e no sentido de marcha inverso ao que circulava o veículo ..., à mesma hora e no mesmo dia, circulava o veículo ligeiro de passageiros de marca Fiat, modelo Punto, com a matrícula ..., conduzido por A..., sendo naquela data, proprietária do veículo mencionado.

5 – A estrada naquele local, apresentava uma curva com inclinação ascendente (atento o sentido de marcha do veiculo ...) encontrando-se as faixas de rodagem separadas por uma linha longitudinal contínua (marca longitudinal M1).

6 – O veículo ... seguia na direcção Viseu- S. Pedro do Sul e ao Km 80,600 da Estrada Nacional n º 16, com o intuito de ultrapassar uma viatura ligeira de mercadorias que seguia à sua frente, invadiu a faixa de rodagem destinada ao veiculo ..., passando por cima da linha longitudinal contínua, pelo que, veio a embater violentamente na parte esquerda do veiculo ..., conduzido pelo J... que circulava dentro da hemi-faixa de rodagem a ele destinada.

7 – O condutor do motociclo ... não conseguiu evitar o embate, atenta a manobra inesperada da condutora do veículo ..., tanto mais que o veículo ... seguia a sua marcha atrás de uma outra viatura, o que impedia que fosse avistado na sua totalidade pelo condutor do ..., pois que o embate se deu numa curva do traçado.

8 – O veículo ... circulava em velocidade não inferior a 90 Km/h, quando embateu no veículo ...

9 – O veiculo ... invadiu em não menos de um metro a hemi-faixa de rodagem destinada ao veiculo ..., atento o se sentido de marcha e viria a embater na lateral esquerda do veiculo ..., com a sua lateral esquerda.

10 – O J..., na sequência do embate, foi projectado para fora da via tendo sofrido diversos ferimentos.

11 – A largura da faixa de rodagem no local do embate é de 6 metros.

12 – O acidente descrito ocorreu durante o dia, numa curva, sendo bom o estado do tempo e do piso betuminoso.

13 – O embate acima aludido ficou a dever-se ao comportamento da condutora do veiculo ... que, ao circular a velocidade manifestamente excessiva, totalmente desatenta e distraída, transpondo a linha longitudinal continua que separava as faixas de rodagem invadiu a hemi-faixa de rodagem em que circulava a viatura conduzida por J... e destinada à sua circulação, atento o seu sentido de marcha, vindo a embater no mesmo.

14 – Actuando com imprudência, imperícia, falta de cuidado e desrespeito pelas mais elementares regras estradais, omitindo os deveres de cuidado adequados a evitar o evento produzido, que pela mesma deveria ter sido previsto e que segundo as circunstâncias do caso e as suas capacidades pessoais, era capaz de prever e evitar.

15 – Em consequência directa e necessária do acidente o J... sofreu fractura exposta do 1/3 distal do fémur esquerdo, fractura com esfacelo do 3º e 4º dedos da mão esquerda, com desaparecimento do tendão extensor, fractura diafásica do perónio esquerdo, fractura da tacícula radial esquerda e instabilidade postero-lateral do joelho esquerdo, para além de escoriações e hematomas diversos.

16 – E por via desses ferimentos, foi conduzido para as urgências do Hospital de São Teotónio Viseu, E.P.E, onde foi sujeito a diversas cirurgias.

17 – Na sequência dos ferimentos sofridos e dos diversos tratamentos a que teve de se ir sujeitando ao longo do tempo para curar ou minorar as lesões, J... manteve-se em situação de incapacidade para o trabalho, tendo estado ausente ao serviço por convalescença, de 31/08/2010 a 10/10/2012 num total de 771 dias.

18 – O que lhe determinou que tivesse estado impossibilitado de prestar serviço à Guarda Nacional Republicana desde o dia do acidente até 10/10/2012.

19 – Para tratamento das lesões causadas pelo acidente e no período de inactividade referido, o Cabo J... recebeu acompanhamento médico e foi encaminhado para tratamentos, consultas e prescrições médicas que implicaram no dispêndio, pelo autor, de diversas verbas a saber:

a) despesas suportadas pela Direcção de Saúde e Assistência na doença da Guarda Nacional Republicana, com assistência médica prestada ao J... no valor total de € 162,44;

b) despesas de saúde adiantadas pelo J... e reembolsadas posteriormente no valor total de € 999,56;

c) despesas de transporte pagas a J..., com deslocações ao Hospital de São Teotónio em Viseu e Hospitais da Universidade de Coimbra, no valor total de € 646,10.

20 – As despesas aludidas em 19) foram reembolsadas pelo autor a J... em 04/04/2014, conforme documento de fls. 56 e 93 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

21 – Acresce ainda que durante esse período de inactividade foram processados pelo Estado (Guarda Nacional Republicana – Direcção de Recursos Humanos Divisão de Abonos) ao Cabo J... vencimentos, suplementos e subsídios no montante global de € 44.020,15 (Vencimento Base, cód 001: € 29.165,25; Ac. SSFS cód 002: € 2.306,03; SFS cód 100: € 4.733,28; suplemento de escala cód 144: € 2.893,01; Suplemento Especial de Serviço cód 204: € 3.142,15; subsidio refeição cód 327: € 1.497,11; subsídio fardamento cód 331: € 283,32).

22 – As quantias aludidas em 21) foram pagas nas respectivas data de vencimento, ou seja mensalmente, conforme consta do mapa de fls. 96 a 98 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo o primeiro pagamento tido início em Setembro de 2010 e o último em Outubro de 2012.

23 – As quantias supra referidas, num total de € 45.828,25, representam um prejuízo patrimonial sofrido pelo autor, que não beneficiou de contrapartida funcional por parte daquele seu servidor.

24 – Do teor da participação de fls. 14/15 dos autos resulta que J... nas circunstâncias acima descritas se deslocava da sua residência para o seu local de trabalho.

25 – Os pagamentos acima aludidos foram efectuados pelo autor na decorrência de uma obrigação legal, designadamente face ao disposto nos artigos 14º e 15º do DL 503/99 de 20/11.

26 – A conduta de A..., condutora do ... foi considerada susceptível de integrar a prática de um crime de ofensa à integridade física negligente, previsto e punível pelo artigo 148º, n º 1 do Código Penal, no âmbito do processo de inquérito com o NUIPC 85/11.4TAVIS, deste Tribunal, o qual veio a ser arquivado na sequência do cumprimento das condições fixadas numa suspensão provisória do processo, nos termos do artigo 282º, n º 3 do Código de Processo Penal, conforme documento de fls. 99 a 105 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

27 – Por força do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice n º ..., na data do acidente encontrava-se transferida para a ré a responsabilidade civil decorrente da circulação terrestre do veiculo ..., conforme documento de fls. 116 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

28 – Os presentes autos foram instaurados em 08/07/2015, tendo sido requerida a citação urgente, a qual foi efectivada em 10/07/2015, conforme fls. 111 verso.

Na presente acção, o Estado Português, ao abrigo do disposto no art.º 46º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, veio demandar a Companhia de Seguros A..., reclamando o pagamento das despesas de saúde e dos vencimentos, suplementos e subsídios, pagos durante o período de inactividade do Cabo da GNR J..., o qual foi vítima de um acidente de viação quando se deslocava para o seu posto de trabalho, imputável à condutora de veículo segurado na Ré,

A Ré Seguradora invocou a prescrição do direito invocado pelo Autor, alegando ter já decorrido o prazo imposto no art.º 498º, n.º 1, do Código Civil.

A sentença recorrida, apesar de considerar que estávamos perante um fenómeno de sub-rogação, julgou aplicável à contagem do prazo de prescrição o disposto no art.º 498º, n.º 2, do C. Civil, pelo que, tendo os últimos pagamentos efectuados pelo Autor, relativos a despesas de saúde e a vencimentos ocorrido, respectivamente, em 4 de Abril de 2014 e em Outubro de 2012, quando a Ré foi citada para a presente acção ainda não tinham decorrido 3 anos sobre esses pagamentos, pelo que o seu direito não estava prescrito.

A Ré Seguradora recorreu, alegando que nos casos de sub-rogação o prazo de prescrição inicia a sua contagem com o facto lesivo, uma vez que o credor sub- rogado fica na posição do credor originário, pelo que tendo o acidente ocorrido em 2010, quando a Ré foi citada já havia decorrido o prazo de 3 anos referido no art.º 498º, n.º 1, do C. Civil.

Subsidiariamente, para a hipótese de se entender que é aplicável a regra do art.º 498º, n.º 2, do C. Civil, a Recorrente vem alegar que o prazo de prescrição corre autonomamente para cada pagamento efectuado, pelo que alguns dos pagamentos alegados pelo Autor estão prescritos, uma vez que ocorreram há mais de 3 anos antes da sua citação para a presente acção.

Provou-se que em 31 de Agosto de 2010 o Cabo da G.N.R. J..., quando se deslocava para o seu posto de trabalho, foi vítima de um acidente de viação, imputável à condutora de veículo seguro na Ré, tendo sofrido ferimentos que o obrigaram a recorrer a tratamentos de saúde e a estar inactivo durante um determinado período de tempo.

Dado estarmos simultaneamente perante um acidente de viação e de serviço, o Estado, ao abrigo do disposto no artigo do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro assegurou à vítima os referidos tratamentos e pagou-lhe os vencimentos, suplementos e subsídios, durante o tempo de inactividade.

Na verdade, o artigo 4º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, dispõe:

1 - Os trabalhadores têm direito, independentemente do respectivo tempo de serviço, à reparação, em espécie e em dinheiro, dos danos resultantes de acidentes em serviço…, nos termos previstos neste diploma.

3 - O direito à reparação em espécie compreende, nomeadamente:

a) Prestações de natureza médica, cirúrgica, de enfermagem, hospitalar, medicamentosa e quaisquer outras, incluindo tratamentos termais, fisioterapia e o fornecimento de próteses e ortóteses, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao diagnóstico ou ao restabelecimento do estado de saúde físico ou mental e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa;

4 - O direito à reparação em dinheiro compreende:

a) Remuneração, no período das faltas ao serviço motivadas por acidente em serviço …”

Por sua vez, o art.º 46º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, atribui ao Estado o direito a ser reembolsado dessas despesas pelo responsável pelo acidente, determinando:

1 - Os serviços e organismos que tenham pago aos trabalhadores ao seu serviço quaisquer prestações previstas no presente diploma têm direito de regresso, contra terceiro civilmente responsável pelo acidente ou doença profissional, incluindo seguradoras, relativamente às quantias pagas.

2 - O direito de regresso abrange, nomeadamente, as quantias pagas a título de assistência médica, remuneração, pensão e outras prestações de carácter remuneratório respeitantes ao período de incapacidade para o trabalho.

Anteriormente à vigência deste diploma foi muito discutido na jurisprudência o direito a esse reembolso, tendo o Acórdão de Uniformização n.º 5/97, de 14 de Janeiro de 1997[1], posto termo a essa querela, estabelecendo que o Estado tem direito a ser reembolsado, por via de sub-rogação legal, do total despendido em vencimentos a um seu funcionário ausente de serviço e impossibilitado da prestação de contrapartida laboral por doença resultante de acidente de viação e simultaneamente de serviço causado por culpa de terceiro.

Apesar de nesse aresto se ter chegado à conclusão, face à ausência de previsão legal, que o meio pelo qual o direito do Estado ao reembolso das quantias gastas com o servidor sinistrado se deve efectivar é a sub-rogação legal, não foi essa a via que o legislador veio a adoptar quando, após ter sido proferido este acórdão uniformizador, na nova legislação aprovada sobre o tema em 1999, impôs que esse meio deveria ser antes a atribuição de um direito de regresso ao Estado. Não sendo isenta de dúvidas, no plano teórico, a categorização deste direito ao reembolso, face aos riscos de uma fácil prescrição deste direito [2], o legislador optou por classificá-lo como um direito de regresso [3], não sendo permitido ao julgador alterar tal opção [4] .

Sendo, pois, o direito de reembolso consagrado no artigo 46º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro, um direito de regresso, por opção do legislador, o prazo de prescrição deste direito só se inicia com o pagamento ao lesado pelo Estado das despesas de saúde e vencimentos, nos termos previstos no artigo 498º, n.º 2, do Código Civil.

Provou-se que as despesas de saúde foram pagas pelo Estado ao lesado em 4 de Abril de 2014, pelo que quanto a estas não está em causa a prescrição do respectivo direito ao reembolso.

Já quanto às despesas com vencimentos, suplementos e subsídios, as mesmas foram pagas mensalmente nas respectivas datas de vencimento, tendo o primeiro pagamento tido início em Setembro de 2010 e o último em Outubro de 2012.

Tendo a Ré sido citada para esta acção em Julho de 2015, coloca-se o problema de saber qual a data ou datas que devem ser consideradas como a de pagamento para efeitos de determinar o decurso do prazo prescricional estabelecido no art.º 498º, n.º 2, do C. Civil.

Como tem ultimamente afirmado a jurisprudência[5], não parece aceitável a autonomização do início de prazos prescricionais, aplicáveis ao direito de regresso do Estado, ligadas apenas ao momento em que foi paga determinada verba. Apenas se afigura justificável tal autonomização quando ela tenha subjacente um critério funcional, ligado à natureza da indemnização e ao tipo de bens jurídicos lesados, com o consequente ónus do credor exercitar o direito de regresso referentemente a cada núcleo indemnizatório autónomo e juridicamente diferenciado, de modo a não diferir excessivamente o contraditório com o demandado, relativamente à causalidade e dinâmica do acidente, em função da pendência do apuramento e liquidação de outros núcleos indemnizatórios, claramente cindíveis do primeiro.

Daí que, relativamente ao pagamento dos salários do lesado, se deva ter em consideração para efeitos de início de contagem do prazo de prescrição apenas o dia do pagamento do último salário, por todas estas quantias mensalmente pagas integrarem o mesmo núcleo indemnizatório. Tendo o último salário pago pelo Estado durante o período de incapacidade do lesado ocorrido em Outubro de 2012, o respectivo direito de regresso não se mostra prescrito.

Por estas razões o direito de regresso do Autor não prescreveu pelo que o recurso deve ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente

Coimbra, 15 de Dezembro de 2016.

Relatora: Sílvia Pires

Adjuntos: Jorge Manuel Loureiro

  Maria Domingas Simões


***


 [1] Publicado no Diário da República n.º 73/97, Série I-A, de 27 de Março de 1997.

[2] Seguindo-se a tese clássica que qualifica a sub-rogação como uma transmissão legal do crédito baseada num acto jurídico não negocial que é o cumprimento, o devedor continua a poder opor ao subrogado os meios de defesa que podia opor ao credor originário, designadamente a prescrição do crédito, sendo aplicável o disposto no artigo 308.º, n.º 1, do Código Civil. Não é esta, contudo, a posição que tem vindo a ser adoptada pela jurisprudência que aplica o disposto no artigo 498.º, n.º 2, do C. C. ao credor sub-rogado.

[3] Sobre as diferenças no nosso sistema jurídico entre direito de regresso e sub-rogação, Almeida Costa, em Direito das obrigações, pág. 826, da 11.ª ed., Almedina.     

               

 [4] Neste mesmo sentido, o Ac. da Relação de Coimbra de 24.1.2012, relatado por Henrique Antunes, acessível em www.dgsi.pt.

 [5] Cfr. os Acórdãos do S. T. J. de 7.4.2011, relatado por Lopes do Rego e de 19.5.2016, relatado por Graça Trigo;

do T. R. L. de 2.7.2015, relatado por Anabela Calafate e  de 19.12.2013, relatado por Gouveia Barros;

do T. R. C. de 18.12.2013, relatado por Maria José Guerra e de 24.1.2012, relatado por Henrique Antunes, todos acessíveis em www.dgsi.pt.