Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1797/10.5TXCBR-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
CONCESSÃO
DOIS TERÇOS DA PENA
Data do Acordão: 07/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TEP COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 61º CP
Sumário: 1.- A concessão da liberdade condicional quando se encontrar cumprida dois terços da pena depende do juízo que se puder fazer quanto à satisfação das finalidades preventivas da pena. Prevenção especial de socialização e prevenção geral de integração. E, não depende, tão só, do comportamento do arguido.

2.- Os relatórios e pareceres da DGRS, dos Serviços de Educação, do Director do Estabelecimento, do Ministério Público e do Conselho Técnico não são vinculativos, constituindo apenas informação auxiliar do juiz.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida decisão na qual se concluiu pela não concessão da liberdade condicional ao arguido/condenado.
Inconformado, o arguido S..., apresenta recurso para esta Relação.
Na sua motivação, apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o objecto do recurso:
1- O condenado, ora recorrente, encontra-se a cumprir uma pena de prisão única de cinco anos e seis meses, pela prática do crime de abuso sexual de menor dependente imposta por acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-10-2008.
2- O recorrente atingiu os 2/3 da pena em 19 de Outubro de 2010.
3- Foi proferida decisão negativa quer relativamente à concessão da liberdade condicional aos 2/3 da pena.
4- Entende o recorrente que houve incumprimento do dever de fundamentação inerente a qualquer acto decisório. Aliás, é por demais consabida a existência de um dever geral de fundamentação dos actos decisórios, tal como flui do n.º 4 do artigo 97, e do artigo 374, n.º 2, ambos do CPP, que constituem a refracção legal do inciso constitucional contido no artigo 205, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa:
"As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei".
5- Nos termos do nº 2 do artigo 374 do CPP "Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal". E assim sendo, se o Tribunal se refugiar em expressões despidas da necessária concretude esvaziará, de forma inexorável, o fim do preceito legal em causa.
6- In casu, verifica-se que, no que diz respeito aos pressupostos materiais constantes da alínea a) do n.º 2 do artigo 61 do Código Penal, a decisão recorrida conclui por um juízo de prognose desfavorável sobre o comportamento futuro do condenado, sem que para o efeito haja ponderado quaisquer circunstâncias fácticas, limitando-se a emitir considerações gerais e abstractas. Assim, referenciando terem sido emitidos os relatórios e parecer legalmente exigidos, sem qualquer alusão ao respectivo conteúdo, vem a concluir por um "juízo de prognose desfavorável à liberdade condicional, sem que se descortine nas considerações emitidas a propósito um qualquer esforço argumentativo de relação com o caso concreto que permita perceber os motivos da decisão.
7- Assim sendo, a decisão recorrida padece da nulidade que comina o vício de falta de fundamentação, previsto no artigo 379, n.º 1, alínea a) do CPP, porque violadora do disposto nos artigos 97, n.º 4 e 374, n.º 2 do CPP, bem como o disposto no artigo 205, n.º 1 da CRP.
8- Por outro lado, entende o recorrente que a douta decisão padece dos vícios de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável, previstos no artigo 410, n.º 2, alíneas a) e b) do CPP.
9- Após leitura da decisão imediatamente se questiona em que factos estribou o douto tribunal a afirmação da necessidade de reflexão e interiorização do ora recorrente do ilícito cometido e oportunamente julgado. Na verdade, uma vez que, o ora recorrente declarou na sessão de audição do recluso em sede dos presentes autos de processo gracioso de concessão de liberdade condicional, tanto o seu arrependimento da prática do ilícito, como a perspectiva de, uma vez em liberdade, prosseguir a sua formação, e não manter qualquer contacto ou aproximação com a vítima, não será este um forte indicador da interiorização do ilícito no condenado, ora recorrente, e um indiciador da verificação da finalidade especial do direito penal em concreto?
10- Assim sendo, não se vislumbra conjugação possível, ou pelo menos, plausível, dos sentimentos e atitudes referidos na decisão, pois se por um lado, na alínea I) da douta decisão pode ler-se que «No entanto, afirma-se arrependido, tendo tentado algumas vezes entrar em contacto com a vítima, através de cartas e telefonemas, mas a instituição que a acolheu tem acautelado a situação e impedido esses intentos, que entretanto cessaram» (sublinhado nosso), por outro lado, entendeu o douto tribunal que o recorrente demonstra arrependimento e apresenta um projecto de reestruturação de vida, tendo no entanto procurado, até momento próximo, contactar a vítima a quem atribui uma espécie de co-responsabilização pelos factos.
11- Não poderá deixar o recorrente de vincar o facto de considerar que tais sentimentos e comportamentos retratados não se coadunam, pois se se procurou valorizar e demonstra arrependimento, tal só poderá querer significar após o tempo de reclusão, já assumiu claramente um sentido crítico e uma maturação suficiente no que respeita ao crime cometido.
12- Aliás, tal ideia é corroborada com o facto de tais contactos terem cessado, não no entretanto, nem tão pouco num momento próximo, mas sim num passado mais remoto! O recorrente tentou, de facto, contactar a vítima no início do cumprimento da pena, e daí a alusão a algumas vezes, mas apenas e tão só com o intuito de se desculpar, e de tentar apurar o seu estado.
13- Mais a mais, baseia-se a douta decisão, fazendo mera referência à tentativa de contacto por parte do recorrente com a vítima, sem, contudo, lograr demonstrar concreta e cabalmente a veracidade de tais afirmações.
14- Salvo o devido respeito, que é efectivamente nutrido, considera o recorrente que tais asserções são manifestamente contraditórias, pois se por um lado se considera que o recorrente é capaz de cumprir as normas vigentes, por outro afirma-se que o mesmo não evidencia sentido crítico da sua conduta. Não se vê como alguém que tem capacidade para cumprir as normas vigentes, logo com capacidade para analisar criticamente e diferenciar os comportamentos lícitos dos ilícitos, não possua capacidade para analisar criticamente o seu comportamento.
15- Retira-se ainda da douta decisão uma incoerência inultrapassável entre o que está patente nos relatórios juntos aos autos e o efectivo percurso do recorrente durante o cumprimento da pena - percurso não só prisional, mas também no que às concretas exigências de prevenção especial concerne. Veramente, ainda em 2009 - aquando do processo de adaptação à liberdade condicional - o relatório social considerou que o recluso não evidenciava consciência crítica face ao crime cometido, bem como que o mesmo revelava desadequada interiorização das consequências dos factos, não obstante o arrependimento demonstrado. De acordo com o parecer do Director do Estabelecimento Prisional, o recluso apresenta um comportamento regular, aderindo de forma adequada às normas institucionais e mantendo um relacionamento equilibrado com os outros reclusos e ainda com os funcionários. Mais a mais, pertencia a um grupo de música e participou nas oficinas de trabalhos manuais. Ora, na perspectiva desta entidade, o recluso reunia, já na altura, "condições moderadamente favoráveis para a execução da antecipação à liberdade condicional".
16- Posteriormente, em sede do processo de concessão da liberdade condicional ora em apreço, o relatório do Estabelecimento Prisional entende que se verifica agora a interiorização dos crimes cometidos, considerando ainda que o recluso reconhece os efeitos da privação da liberdade no que toca à reflexão sobre os factos e circunstâncias em que os mesmos ocorreram. No entanto, incompreensivelmente, a final emite parecer desfavorável à colocação do ora recorrente em liberdade condicional!
17- Não pode assim o recorrente entender o alcance da compreensão do recorrente que fundamentaram tal parecer, pois não se verificou qualquer alteração na situação jurídico-processual do recorrente, a não ser a reflexão crítica e consequente interiorização dos factos por si cometidos.
18- Por conseguinte e nos termos do disposto no artigo 431 do CPP, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que conceda a liberdade condicional ao recorrente.
Por outro lado,
19- Considera o recorrente que os pressupostos de que depende a concessão da liberdade condicional aos 2/3 da pena, nos termos conjugados dos n.ºs 2 e 3 do artigo 61 do CP se encontram preenchidos, porquanto dos elementos constantes dos autos conclui-se, fundadamente e atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crime.
20- Veramente, o recorrente é considerado pelas pessoas que o conhecem como uma pessoa prestável e bem-educada, sendo respeitado e respeitador, tal como atestado na douta decisão, quando refere que «Na localidade de residência o condenado não regista problemas de inserção, é considerado um individuo prestável e trabalhador, com um correcto relacionamento com as pessoas, apesar de alguma censura pelo crime cometido». Daí se retira o facto de a sociedade, apesar de alguma censura pelo crime cometido, vê no recorrente uma pessoa trabalhadora, prestável, educada e respeitadora, depositando assim total confiança na sua reintegração e demonstrando que está preparada para o receber nos meandros da sociedade.
21- A postura de vida do recorrente, durante o período de privação de liberdade, tem-se demonstrado positiva, adaptando-se às normas institucionais e adoptando uma conduta quase sempre irrepreensível, conforme resulta sobejamente provado nos autos.
22- Por outro lado, o recorrente «manifesta o propósito de reorganizar a sua vida e assim que possível requerer a guarda dos filhos e reassumir as suas funções parentais», atestando uma vez mais a douta decisão a vontade do recorrente em reorganizar e conduzir a sua vida de modo socialmente responsável.
23- O recorrente tem um projecto de vida sólido e consistente, perspectivando, uma vez em liberdade, ir viver numa casa contígua com a da sua mãe e passar a trabalhar na empresa onde trabalhou anteriormente, pois aquando da saída jurisdicional concedida em Outubro de 2010, falou com a anterior entidade patronal que confirmou a disponibilidade em readmiti-lo, o que sem dúvida constitui um forte suporte para o sucesso da sua reinserção social.
24- Pretender auxiliar a sua mãe, pessoa de avançada idade, que se encontra a viver sozinha, com extremas dificuldades de locomoção e de fazer face às actividades quotidianas.
25- Ademais, beneficiou de uma saída jurisdicional em Outubro de 2010 sem registo de qualquer incidente, e para além da pena que cumpre não tem outras condenações.
26- Manifesta o recorrente sincero arrependimento dos actos que conduziram às suas condenações e verbaliza a firme intenção de não voltar a praticar actos da mesma espécie, contando com o apoio da sua família e amigos.
27- Assim sendo, dúvidas não sobejam, pois, uma vez em liberdade, o aqui recorrente integrar-se-á facilmente numa vida familiar, laboral e social, conduzida de modo responsável e isenta de censura.
28- Ao ter decidido como decidiu violou a Mma. Juiz a quo o disposto no artigo 61, n.º 2, alínea a) e n.º 4 do Código Penal.
29- Por conseguinte e nos termos do disposto no artigo 431 do CPP, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que conceda a liberdade condicional ao recorrente.
Na procedência do recurso, deverá ser proferido Acórdão revogando a decisão em recurso e que, consequentemente, conceda ao recorrente a liberdade condicional relativa ao cumprimento de 2/3 da pena.
Na resposta apresentada, a Magistrada do Mº Pº conclui pela improcedência do recurso.
­Nesta Relação, o Ex.mº P.G.A., em parecer emitido sustenta que o recurso não merece provimento.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
***
É do seguinte teor o despacho recorrido (no que ao recurso respeita):
Os factos e o direito
O instituto da liberdade condicional assume "um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica - que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente - assinalada - de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade. O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições - substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que vimos fazerem parte das penas de substituição da suspensão da execução da prisão e do regime de prova - que lhe são aplicadas.
Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento" - Figueiredo Dias, Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 528.
A aplicação da liberdade condicional assenta em vários pressupostos, de natureza formal e material.
São pressupostos de natureza formal de tal instituto os seguintes:
a) O consentimento do condenado (artigo 61, n° 1, do Código Penal (CP);
b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61, n° 2
c) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61, nºs 2, 3 e 4 e 63 nº 2 do CP).
A liberdade condicional quando referida a 1/2 ou a 2/3 da pena [liberdade condicional facultativa) consiste num poder-dever do tribunal vinculado à verificação de todos os pressupostos formais e materiais estipulados na lei, sendo que estes últimos são em número diferente consoante estejamos perante o final do primeiro ou do segundo dos supra referidos períodos de execução da pena de prisão.
São pressupostos de natureza material da aplicação de tal instituto a 1/2 da pena:
a) O supra referido juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (als. a) e b), do artigo 61, do CP), o qual assenta, de forma determinante, numa apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão (juízo atinente à prevenção especial positiva ou de ressocialização);
b) Um juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), ou seja, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social.
Estão aqui bem presentes na liberdade condicional as exigência de prevenção geral e especial a que já aludimos supra, devendo o julgador, para decidir pela concessão da liberdade condicional julgar que o condenado está preparado para se reintegrar na sociedade, sem cometer crimes (artigo 42, n° 1, do CP).
Quanto apreciada aos 2/3 a pena, os pressupostos são os elencados em a).
A liberdade condicional quando referida a 5/6 da pena (liberdade condicional obrigatória) trata-se já de um dever do tribunal não vinculado aos pressupostos materiais estipulados no artigo 61, n° 2, ais. a) e b). do CP, sendo concebida como uma fase de transição entre a reclusão e a liberdade de forma a obstar às dificuldades na reinserção social do condenado, o qual, designadamente quando estejam em causa penas maiores, e não obstante o trabalho de socialização levado a cabo no estabelecimento prisional, no regresso à sociedade sofre, regra geral, de uma grande desadaptação à vida em liberdade.
Tal liberdade condicional depende apenas e só do cumprimento de grande parte da pena de prisão, independentemente de o juízo de prognose quanto ao comportamento futuro do condenado (ou seja, a apreciação relativa à prevenção especial positiva) ser positivo ou negativo - Seguimos ainda aqui os ensinamentos de Figueiredo Dias, ob. cit.. p. 527 a 554.
O recluso cumpre a pena de 5 anos e 6 meses de prisão por abuso sexual de menor dependente, cujos 2/3 ocorreram em 2010.10.19, terminando a pena em 2012.08.19.
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No caso em apreço, tendo em conta o teor dos relatórios da DGRS e dos Serviços de Educação e Ensino de fls. 200-203 e 212-216, bem como das percepções manifestadas pelos elementos que compõem o Conselho Técnico, considera-se que:
A) O recluso cumpre uma pena de 5 anos e 6 meses de prisão, imposta por Acórdão do TRC de 2008.10.08 pela prática de um crime de abuso sexual de menor dependente, cujos 2/3 ocorreram em 2010.10.19, terminando a pena em 2012.08.19;
B) O condenado perspectiva residir sozinho, sendo que o pai faleceu e a mãe habita em casa contígua, existindo por isso convívio muito próximo com esta, e também com os irmãos residentes na localidade;
C) Mantinha desde 1997 relação marital com C…, mãe da vítima e que entretanto encetou novo relacionamento afectivo, tendo abandonado os filhos, que foram institucionalizados;
D) O condenado verbaliza querer manter afastamento da ex-companheira, porém nos contactos telefónicos que estabelece com os filhos questiona-os com muita insistência sobre a situação da mãe, sendo que manifesta o propósito de reorganizar a sua vida e assim que possível requerer a guarda dos filhos e reassumir as suas funções parentais, afirmando desconhecer a situação da filha que teve com a vítima, que supõe ter sido dada para adopção;
E) Na localidade de residência o condenado não regista problemas de inserção, é considerado um indivíduo prestável e trabalhador, com um correcto relacionamento com as pessoas, apesar de alguma censura pelo crime cometido;
F) Sempre foi considerado um bom trabalhador tendo desenvolvido, até à reclusão, a sua actividade no sector da construção civil, com regularidade e trabalhava também, sobretudo na época estival, com material pirotécnico em festas e eventos;
G) O condenado aproveitou a saída jurisdicional para falar com o seu anterior patrão que confirmou disponibilidade para readmiti-lo;
H) O condenado revela alguma consciência do crime, embora fraca ressonância da sua gravidade e das consequências para a enteada, a quem atribui responsabilidade pelo envolvimento sexual que mantiveram;
I) No entanto, afirma-se arrependido, tendo tentado algumas vezes entrar em contacto com a vítima, através de cartas e telefonemas, mas a Instituição que a acolheu tem acautelado a situação e impedido esses intentos, que entretanto cessaram;
J) Em reclusão completou um curso profissional de construção civil, que lhe deu habilitação de 60 ano e dedica-se a actividades manuais e música;
L) Tem registadas duas sanções disciplinares: - Abril de 2007, com 20 dias de internamento em cela disciplinar e Julho de 2008, com 10 dias de internamento em quarto individual, mantendo bom comportamento posterior;
M) Inicialmente beneficiou de consultas de psiquiatria, com alta médica após um ano de tratamento;
N) Beneficiou de uma saída jurisdicional em Outubro de 2010, que decorreu de acordo com as expectativas;
O) Para além da pena que cumpre não tem outras condenações.
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Ouvido pelo tribunal, após o Conselho Técnico, o condenado autorizou a colocação em liberdade condicional.
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Retendo os factos assentes temos que o condenado vem mantendo, após as incidências disciplinares, um comportamento adequado às normas institucionais. Procurou valorizar-se e denota hábitos de trabalho sendo que, no exterior, tem perspectivas de emprego e apoio familiar.
No entanto e face ao grave crime praticado, ainda não há uma maturação suficiente do sentido crítico, com alguma ambivalência, sendo que, se por um lado verbaliza arrependimento e projecta reestruturar a sua vida ultrapassando os factos praticados por outro procurou, até momento próximo, contacto com a vítima a quem atribui uma espécie de co-responsabilização pelo sucedido como se a vítima fosse dotada do discernimento e maturidade suficiente para compreender uma relação sexual consentida e com significado.
Pelo exposto, entendemos não ser oportuna a concessão antecipada de liberdade condicional.
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Decisão
Por todo o exposto, em conformidade com as disposições legais supra referidas, decide-se não conceder ao condenado S... a liberdade condicional.
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Cumpre decidir:
A questão a decidir no recurso é a de saber se se verificam, ou não, os pressupostos substanciais (materiais) para a concessão, ao recorrente, da liberdade condicional, na apreciação aos 2/3 da pena.
Os dois terços da pena ocorreram em 19-10-2010, pelo que até essa data se haviam de verificar os requisitos do art. 61 nº 3 para que a liberdade condicional fosse concedida.
De acordo com o disposto no n.° 2 do artigo 61 do Código Penal (ex vi nº 3), «o tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional… se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes».
Desta disposição resulta com clareza que a concessão da liberdade condicional quando se encontrar cumprida dois terços da pena depende da possibilidade de se formular um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado uma vez restituído à liberdade.
Ou seja, a concessão da liberdade, verificados os requisitos formais, depende do juízo que se puder fazer quanto à satisfação das finalidades preventivas da pena. Prevenção especial de socialização e prevenção geral de integração.
E, não depende, tão só, do comportamento do arguido. Neste sentido, a Exposição de Motivos da Lei nº 65/98, de 2-09, que alterou o CP: “Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do código, um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.”
Já assim entendia o Prof. Figueiredo Dias in, Direito Penal Português – Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 538 e 539, que no juízo de prognose para efeito de liberdade condicional “decisivo deveria ser, na verdade, não o «bom» comportamento prisional «em si» ─ no sentido da obediência aos (e do conformismo com) os regulamentos prisionais ─ mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re)socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade”.
E, como se refere no Ac. desta Relação, 8-08-2008, no Proc. 16482/02.3TXLSB-A.C1, “o juiz tem a obrigação de olhar criticamente para essa evolução sem olvidar a necessidade de valoração conjunta com os demais critérios legalmente estabelecidos e supra expostos. Não é qualquer evolução que justifica a libertação condicional e mesmo havendo evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão a libertação condicional só se justifica depois de devidamente ponderados os demais critérios legalmente consignados” e, “a existência de alguma evolução da personalidade durante a execução da pena pode não bastar para justificar a libertação condicional se a avaliação das circunstâncias concretas do caso, da vida anterior do agente e da sua personalidade impuserem um juízo de prognose desfavorável” (sublinhado nosso).
Por outro lado, O que tem de estar fundamentado é o despacho do juiz que concede ou nega a liberdade condicional.
Os demais elementos são apenas pareceres não vinculativos e que serão seguidos ou não, podendo até a decisão ser em sentido contrário desses pareceres. No Ac. desta Relação, citado, se refere que “afirmar que o Tribunal não pode chegar a conclusão diferente ou oposta da que é expressa nos pareceres dos vários técnicos que compõem o Conselho Técnico e do Digno Magistrado do Ministério Público (informações auxiliares do juiz) é esquecer que os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei (art. 203 da Constituição da República Portuguesa)”, por isso se concluiu que, “Os relatórios e pareceres da DGRS, dos Serviços de Educação, do Director do Estabelecimento, do Ministério Público e do Conselho Técnico não são vinculativos, constituindo apenas informação auxiliar do juiz. O juiz pode valorar livremente a prova resultante da audição do recluso nos termos do art. 94 nº 2 do Decreto-Lei 783/76” –actualmente art. 176 do CEPMPL.
No caso concreto verifica-se que a evolução positiva registada em relação ao comportamento do arguido é muito recente, como se nota na decisão recorrida, já que inicialmente houve “incidências disciplinares”, procurou contacto com a vítima a quem quer co-responsabilizar pelo sucedido (apesar da vítima ser menor dependente do arguido), pelo que, ainda é patente, a fragilidade das respectivas condições pessoais subjectivas, e, as exigências de prevenção geral e especial não se mostram, ainda satisfeitas, devendo o arguido interiorizar devidamente a censurabilidade da sua actuação criminosa, “é fraca a ressonância da sua (conduta) gravidade e das consequências para a enteada”, havendo que aguardar a consolidação do seu percurso.
Haver um mínimo de garantias acerca de um projecto de vida credível e com alguma solidez, é o que é necessário ficar demonstrado, e só podem consubstanciar-se em factos, se existirem, não existindo, não pode o julgador manifestá-los na decisão.
Apesar de decorrido mais de dois terços do prazo (pena aplicada), não é possível formular um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado/recorrente uma vez restituído à liberdade e de que se encontram satisfeitas as exigências de tutela do ordenamento jurídico – art. 61, nº 2, al. a), do CP. e, só se se verificar este requisito (sendo necessário verificar-se pela positiva) é que incide sobre o tribunal o poder-dever de colocar o condenado em liberdade condicional, um poder-dever ou um poder funcional dependente da verificação dos pressupostos formal e material fixados na lei.
Apesar de o arguido se mostrar mais responsável, menos agressivo e mais empenhado na preparação da sua liberdade condicional ainda, revela alguma fragilidade psicológica e falta de consolidação do seu processo de recuperação.
Assim que se tenham como improcedentes as conclusões do recurso e, consequentemente, se decida pela improcedência deste.
Do exposto se pode concluir que o despacho que negou a concessão da liberdade condicional se encontra fundamentado nos termos preceituados no art. 97 nº 4 para os actos decisórios, não tendo aqui aplicação o estatuído nos arts. 374 e 379 do CPP no que respeita à fundamentação e consequências da sua falta.
Assim como não tem aplicação o art. 410 nº 2 do mesmo CPP, no que respeita aos vícios, nomeadamente erro notório na apreciação da prova.
A decisão de conceder ou negar a liberdade condicional não tem de seguir qualquer dos pareceres que a lei impõe sejam emitidos.
O que tem de estar fundamentado é o despacho do juiz que concede ou nega a liberdade condicional.
Os demais elementos são apenas pareceres não vinculativos e que serão seguidos ou não, podendo até a decisão ser em sentido contrário desses pareceres. Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei (art. 203 da Constituição da República Portuguesa.
Os relatórios e pareceres da DGRS, dos Serviços de Educação, do Director do Estabelecimento, do Ministério Público e do Conselho Técnico não são vinculativos, constituindo apenas informação auxiliar do juiz.
E, no caso concreto e, como se refere na decisão recorrida, o Magistrado do Mº Pº emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional e o Conselho Técnico emitiu parecer maioritariamente desfavorável.
E, como já supra se referiu, os Magistrados do Mº Pº em ambas as instâncias são de parecer que o recurso não merece provimento.
Decisão:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam no Tribunal da Relação de Coimbra e Secção Criminal, em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido S…, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs.

Jorge Dias (Relator)
Brízida Martins