Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
736/08.8TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO COSTA
Descritores: GRAVAÇÃO DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
EMPREITADA
Data do Acordão: 11/30/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.522-B, 685 Nº7, 712 Nº1 CPC, 1207, 1208, 1211 CC
Sumário: 1 - Pode ocorrer a gravação das audiências finais, para além dos casos especialmente previstos na lei, por iniciativa de alguma das partes ou do próprio tribunal.

2 - Tendo-se procedido à gravação da audiência, sem que nenhuma das partes tivesse requerido essa gravação e sem que o tribunal a tivesse ordenado de forma expressa, as partes podem impugnar a decisão da matéria de facto, socorrendo-se da efectuada gravação.

3 - A efectuada gravação não é nula, já que se traduz num acto que a lei admite, mesmo por iniciativa do tribunal, e cuja prática não prejudica nenhuma das partes.

4 - Entre nós vigora o princípio da livre apreciação da prova e o juiz responde aos quesitos segundo a convicção que formar acerca de cada facto quesitado.

5 - A Relação só deve fazer uso dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto quando exista flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos da matéria de facto impugnada.

6 - No âmbito do contrato de empreitada, de entre os deveres que cabem ao dono da obra, situa-se aquele que constitui a sua principal obrigação – o de prestar o preço acordado, constituindo este dever um dos elementos integrantes da noção legal de empreitada – art.º 1211º, nº2, do C. Civil).

7 - Sobre o dono da obra recai a obrigação de pagar o preço referente a trabalhos realizados a mais pelo empreiteiro, a pedido e no interesse daquele.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

J (…), S.A., intentou, no Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco, a presente acção com processo ordinário contra:

- S (…), L.da, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 47.663,76, acrescida de juros de mora vencidos, que, à data da propositura da acção, se contabilizaram em € 1.473,09 e, ainda, nos vincendos, desde a data da propositura da acção e até integral pagamento.

Alegou, para tanto, em resumo, que, no exercício da sua actividade de construção civil, celebrou com a Ré um contrato de empreitada denominado X..., sendo que, por via da execução dos respectivos trabalhos, a Ré ainda deve à Autora a quantia de € 48.590,18; de acordo com o contrato de empreitada, deve ser retido o valor correspondente a 5% da factura, a título de garantia de boa execução, pelo que, por ora, apenas é exigível da Ré o pagamento da importância de € 46.160,67, quantia que deveria ter sido paga nos 30 dias seguintes à data emissão da factura, no escritório e sede da Autora.

Contestou a Ré, alegando, também em resumo, que é verdade ter celebrado um contrato de empreitada com a Autora, mas que foi surpreendida pelo envio da factura que esta diz não ter sido paga; que teve lugar uma reunião de obra onde ficou acordado que o auto de medição seria o último auto da empreitada, sendo que a factura antes referida não se refere aos trabalhos a que se reporta tal auto de medição n° 13.

Na réplica, a Autora defendeu que o auto de medição n° 13 se referia apenas a trabalhos inicialmente contratados e não aos trabalhos extra, efectuados a pedido da Ré, no seu interesse; certo é que ficou acordado que o auto de medição n° 13 seria o último mas o último reportando-se a trabalhos inicialmente contratados, sendo que a factura que ora se pretende cobrar se refere a trabalhos efectuados a pedido da Ré e não constantes do contrato de empreitada.

Proferiu-se o despacho saneador, consignaram-se os factos tidos como assentes e organizou-se a base instrutória, de que reclamou, ao invés do que se afirma na sentença, a Ré (fls. 94 e 95), mas sem êxito.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, finda a qual se respondeu à matéria da base instrutória, sem reclamações.

Finalmente, verteu-se nos autos sentença que, julgando a acção totalmente procedente, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 46.160,67, acrescida de juros de mora, à taxa legal.

Inconformada com o assim decidido, interpôs a Ré recurso para este Tribunal, o qual foi admitido como de apelação e efeito meramente devolutivo.

Alegou, oportunamente, a apelante, a qual finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

1ª – “O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida nos autos, em 22.04.2010, que julgou ... a acção procedente e provada ..., decidindo por isso, a) Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de 46.160,67 €, acrescida de juros de mora ...;

2ª - Decisão, com a qual a Recorrente não pode conformar-se, uma vez que, a discussão da matéria dos autos ficou circunscrita à emissão de uma factura em 17.12.2007, no valor de 48.590,18 € e ao facto de a mesma não ter sido paga, não tendo o Tribunal, apesar do alegado pela Recorrente, averiguado, como lhe competia, todos os aspectos da causa;

3ª - De facto, impunha-se que o Tribunal se debruçasse e se pronunciasse sobre todas as questões e sobre toda a prova produzida em audiência de julgamento, pois, certamente, ter-se-ia a uma decisão bem diferente;

4ª - Por essa razão, o presente recurso versa também sobre a impugnação da matéria de facto;

5ª - Com efeito, da prova produzida e gravada resulta suficientemente demonstrado que os presentes autos não se cingem à simples emissão de uma factura e ao seu não pagamento no prazo de vencimento;

6ª - Na perspectiva vista na decisão em recurso, teria sido desnecessário proceder a julgamento na medida em que, a Recorrente admitiu em sede de contestação que efectivamente não liquidou a factura dos autos;

7ª - Ora, são as testemunhas da Autora / Recorrida, (…) - respectivamente, engenheiro responsável pela obra e encarregado da obra, - quem admite perante o Tribunal que todas as facturas tinham subjacente um auto de medição previamente aprovado pelo Dono de Obra e que só após aprovação tinha lugar a emissão da factura;

8ª - Sendo os autos de medição a causa da emissão das facturas, tal como melhor consta da cláusula nona do contrato de empreitada junto aos autos;

9ª - Donde, as facturas referentes a esta empreitada, não sendo a factura emitida em 17 de Dezembro de 2007 excepção, tinham sempre subjacente um auto de medição previamente aprovado pelo Dono de Obra, sendo por isso relevante para a decisão, averiguar se o auto subjacente à referida factura, tinha ou não sido previamente aprovado pelo Dono de Obra, a aqui Recorrente (…);

10ª - Tal resulta ainda do depoimento das testemunhas da Recorrida, supra transcrito e para o qual se remete;

11ª - Resultando ainda desse mesmo depoimento que o referido auto n.º 14 não foi aprovado pelo Dono de Obra e, nessas condições, face ao contratado, não poderia ser emitida qualquer factura;

12ª - Ora, competia à Recorrida o ónus de provar que a emissão da factura cujo pagamento reclamou tinha subjacente um auto de medição aprovado pelo dono de obra, o que, salvo outra opinião, não cumpriu;

13ª - Aliás, as testemunhas da Recorrida, nomeadamente o Eng. (…), cujo depoimento se encontra gravado em suporte áudio, com início às 15h20 e termo às 15h39 que, como resulta da transcrição acima, para a qual se remete assumiu claramente que este auto é discutido, o que apenas pode significar, não foi aprovado;

14ª - Aliás, no mesmo sentido, veja-se o depoimento da testemunha (…)com depoimento gravado em suporte áudio com início às 14h38 e termo às 14h50, como resulta da transcrição acima, para a qual se remete, quando questionado sobre a aprovação do auto se limitou a declarar que não sabia;

15ª - Pugna assim a Recorrente pela alteração da resposta ao artigo 2.º, da Base Instrutória que, ao invés de 2.º: Provado que tal quantia devia ter sido paga pela ré nos 30 dias seguintes à data de emissão da factura, atenta a factualidade apurada, deveria ser, Provado que tal quantia devia ser paga pela ré nos 30 dias seguintes à data da emissão da factura, desde que o auto subjacente à mesma tivesse sido aprovado pelo dono de obra, o que, neste caso não aconteceu;

16ª - Entende assim a Recorrente, verificam-se no caso presente razões e fundamentos suficientes para, face à prova gravada, ao abrigo do art. 712.º, do CPC, haver lugar à reapreciação da prova e consequentemente à alteração da resposta dada ao artigo 2.º da Base Instrutória;

17ª - Por outro lado, sendo a selecção da matéria de facto realizada no saneador meramente instrumental ou provisória, está sujeita às alterações que vierem a justificar-se, nos termos conjugados dos artigos 650.º, 2, f) e 264.º, ambos do C.P.C.;

18ª - Nessa medida, restando alguma dúvida, sempre a Meritíssima Juiz a quo, poderia ter providenciado pelo alargamento da base instrutória de modo a que esta abrangesse todos os aspectos pertinentes à boa decisão da causa, ainda que se tratasse de factos instrumentais;

19ª - De todo o modo, o ónus da prova da existência da factura em apreciação, como estando em dívida, – implicando essa prova, a prova de a mesma ter sido emitida em conformidade com o contratado – competia à Recorrida, prova essa que esta não logrou fazer ou, mais exactamente, não se propôs fazer;

20ª - Mas mais, resulta documentalmente provado que a factura dos autos foi tempestivamente impugnada pela Recorrente, nomeadamente quando a mesma foi devolvida à Recorrida com a justificação vista na carta que acompanhou a mesma devolução e que se encontra junta aos autos;

21ª - Por outro lado ainda, nos autos foram alegados factos e juntos documentos, nomeadamente com referência à impugnação da factura em apreço, que justificavam, no mínimo, o ampliação da matéria de facto levada à Base Instrutória, o que, ao abrigo do art. 712.º, n.º 4, do CPC, poderá mesmo determinar a anulação do julgamento para ampliação da matéria de facto, e, no entendimento da Recorrente, se justifica para uma boa decisão da causa;

22ª - Versa ainda o presente recurso a impugnação do despacho que indeferiu a reclamação apresentada nos termos do art. 511.º, n.º 2, do C.P.C., contra a selecção da Matéria Assente e da Base Instrutória, que não foi atendida pela Meritíssima Juiz a quo, porque em seu entender, A matéria que interessa à decisão da causa mostra-se inserta no despacho saneador elaborado;

23ª - Entende a Recorrente e os autos demonstram suficientemente a necessidade da ampliação da matéria de facto;

24ª - Como supra transcritos, as alterações e aditamentos sugeridos pela Recorrente interessavam à boa decisão da causa;

25ª - Por isso a Recorrente não aceita a conclusão da Meritíssima Juiz a quo, ... que apenas precisou o alegado pela Ré sem introduzir qualquer alteração no seu sentido., nem aceita que os aditamentos propostos, quer quanto à Matéria Assente, quer quanto à Base Instrutória, sejam considerados matéria conclusiva;

26ª - Impugnando-se, por isso, o despacho que indeferiu a reclamação apresentada pela Recorrente ao abrigo do art. 511.º, n.º 3, do C.P.C.;

27ª - Na mesma senda surge a aplicação do direito ao caso concreto que, tendo o Tribunal balizado os presentes à emissão de uma factura e ao não cumprimento do prazo de pagamento, não considerando nem apreciando todos os elementos constantes do processo, surge desajustada do caso concreto;

28ª - Refere-se na sentença sob recurso: Tendo presente que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, devendo as partes proceder de boa-fé quer no cumprimento das obrigações, quer no exercício do direito correspondente (cf. artigos 406.º/1 e 762.º/2 do Código Civil) e tendo presente que o réu não logrou provar, como lhe competia (art. 342.º/2), o integral pagamento, dúvidas não restam que este se encontra em dívida para com a autora, no que concerne à empreitada, no montante de € 46.160,67;

29ª - A exigência da actuação de boa fé no cumprimento dos contratos deve ser recíproca e, como resulta dos autos, a actuação da Recorrida ficou aquém do que lhe era exigível;

30ª - Segundo a boa fé, tanto a actuação do credor no exercício do seu crédito como a actividade do devedor no cumprimento da obrigação devem ser presididos pelos ditames da lealdade e da probidade. O conteúdo exacto do dever de boa fé terá de ser determinado em face das várias situações concretas. (Almeida Costa, in Obrigações, 3. 715);

31ª - Daí que, o mesmo principio da boa fé invocado na douta sentença para fundamentar a condenação da Recorrente no pagamento do valor constante da factura, deverá também fundamentar o seu não pagamento em virtude do não cumprimento pela Recorrida dos termos do contrato de empreitada que celebrou com a Recorrente;

32ª - Repete-se, a Recorrida emitiu uma factura para a qual não curou de fazer aprovar o respectivo auto de medição, imprescindível nos termos contratuais;

33ª - Mas, a Recorrida limitou-se a peticionar o pagamento de uma factura, sem tão pouco alegar a existência desse auto e, muito menos a existência de um auto aprovado;

34ª - Desta sorte, a análise dos artigos 1207.º, 1208.º, 406.º e 762.º, n.º 2, do CC, vista na douta sentença, surge desajustada do caso presente;

35ª - Pelo que, conclui-se a Meritíssima Juiz a quo não curou de avaliar o caso concreto, em todas as suas perspectivas e vertentes, o que se impunha, concluindo-se também que esteve mal ao decidir a presente acção da forma como o fez, impondo-se assim a revogação da sentença recorrida de acordo com o alegado”.

Contra-alegou a apelada, suscitando, como questão prévia, a ilegalidade da gravação da prova levada a cabo nos autos e, por conseguinte, a inadmissibilidade da impugnação da matéria de facto e da intempestividade do recurso, por não poder aproveitar à apelante o prazo suplementar de dez dias legalmente concedido a quem impugna a matéria de facto; no mais, pugnou pela improcedência da apelação, concluindo que deve manter-se o julgado.


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ÂMBITO DO RECURSO

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artºs 684º, n.º 3, e 685º-A, n.º 1, do C. de Proc. Civil, na versão introduzida pelo Dec. Lei nº 303/2007, de 24/8.

De acordo com as apresentadas conclusões, as questões a decidir por este Tribunal são as de saber:

- Se procede a suscitada questão prévia;

- Se deve ser ampliada a matéria de facto;

- Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto; e

- Se deve a apelante ser condenada no pagamento da peticionada quantia.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.


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OS FACTOS

Na sentença recorrida, foram dados com provados os seguintes factos:

1º - A autora é uma sociedade comercial que tem como objecto social a construção civil e obras públicas;

2º - No exercício da actividade da autora, entre esta e a ré foi celebrado, em 12 de Maio de 2005, um acordo denominado contrato de empreitada, e esta, por sua vez, denominada “(…)”;

3º - Nos termos da cláusula décima primeira do referido acordo, as partes ajustaram, além do mais, que em cada factura será retido o valor de 5%, o qual no final dos trabalhos, constituirá a garantia de boa execução, válida durante o respectivo período;

4º - O contrato supra referido teve por objecto a realização de todos os trabalhos conforme o Projecto constante do Anexo I a esse contrato, identificados e descritos no Anexo II do mesmo contrato, nas quantidades aí previstas e com a qualidade adequada ao tipo de construção contratada;

5º - A factura dos autos, cujo pagamento é reclamado pela autora, é referente ao Auto n.° 14, ao Auto de trabalhos efectuados em alterações de electricidade, ao Auto de trabalhos efectuados em alterações de vãos envidraçados e ao Auto de trabalhos efectuados em alterações diversas;

6º - Por via da execução dos trabalhos realizados pela autora a ré ainda não procedeu ao pagamento da quantia de € 48.590,18, a que respeita a factura n.° 3420, datada de 17.12.2007, de fls. 9, junta com a P.I.;

7º - Tal quantia devia ter sido paga pela ré nos 30 dias seguintes à data da emissão da factura;

8º - Apesar das diligências efectuadas pela autora no sentido de obter o pagamento da quantia de € 46.160,67, sempre a ré se tem escusado a efectuá-lo;

9º - Em 18 de Abril de 2007, realizou-se uma reunião de obra;

10º - Consta da acta da reunião efectuada em 18-04-2007 que o auto de medição n.° 13 seria o último auto de trabalhos contratuais;

11º - A factura cujo pagamento a autora reclama refere-se a trabalhos executados a pedido e no interesse da ré e que dizem respeito a alterações de electricidade, vãos envidraçados e alterações diversas, descritas no doc. n.° 11, de fls. 58 e seguintes, junto à contestação;

12º - A referência ao auto de medição n.° 13 diz respeito ao acordo referido em 2º e aos trabalhos constantes dos Anexos I e II referidos em 4º;

13º - Os trabalhos constantes do auto de medição n.° 14, são trabalhos cuja espécie ou quantidade não estavam previstos ou incluídos no acordo referido em 2º.


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O DIREITO

1 - A questão prévia suscitada pela apelada

Na sua contra-alegação, a apelada suscitou a questão da ilegalidade da gravação da prova produzida em audiência de julgamento, por a mesma não ter sido requerida por qualquer das partes ou sido ordenada por despacho do Tribunal “a quo”, donde decorreria que a apelante não podia impugnar a decisão da matéria de facto, com base na efectuada gravação, nem aproveitar-se do prazo de dez dias concedido pelo artº 685º, nº 7, do C. de Proc. Civil, sempre que se impugne aquela decisão.

O Tribunal “a quo” pronunciou-se sobre a invocada ilegalidade e sobre a intempestividade do recurso e considerou que a apelante podia validamente recorrer da matéria de facto, socorrendo-se da gravação da prova efectuada, sendo, por isso, o recurso tempestivo (vide despacho de fls. 212 a 216).

Nos termos do artº 522º-B do C. de Proc. Civil, «as audiências finais e os depoimentos, informações e esclarecimentos nelas prestados são gravados sempre que alguma das partes o requeira, por não prescindir da documentação da prova nelas produzida, quando o tribunal oficiosamente determinar a gravação e nos casos especialmente previstos na lei».

Pode, assim, ocorrer a gravação das audiências finais, para além dos casos especialmente previstos na lei, por iniciativa de alguma das partes ou do próprio tribunal.

No caso presente, nenhuma das partes requereu, oportunamente, a gravação da audiência. Não obstante, veio a proceder-se à gravação da prova aí produzida, como decorre da respectiva acta (vide fls. 146 a 150). A acta não dá conta de qualquer despacho a determinar a gravação da prova, pelo que tudo leva a supor que a prova foi gravada por evidente excesso de zelo ou mero lapso.

Seja como for, mostrando-se a prova gravada por iniciativa do próprio tribunal recorrido, ainda que não expressamente ordenada, a mesma tem de ser considerada válida, uma vez que ao tribunal sempre cabe o direito de oficiosamente ordenar a gravação. E se a gravação foi efectuada, ainda que por excesso de zelo ou por lapso, não se vê razão válida para a recorrente não poder lançar mão da efectuada gravação.

Nem pode, no caso presente, configurar-se o caso como nulidade, já que a efectuada gravação da prova é um acto que a lei admite e cuja prática não prejudica nenhuma das partes. Mas ainda que a gravação se traduzisse numa nulidade, a mesma estaria, como se diz no despacho de fls. 212, sanada, já que teria sido cometida durante a audiência e aí não foi arguida.

Nulidade existiria no caso inverso, ou seja, quando se requer a gravação da prova e ela não vem a ser efectuada.  

Mas tem sido entendido pelos nossos tribunais superiores que a falta de gravação dos depoimentos das testemunhas na audiência de julgamento, que oportunamente havia sido requerida, constitui nulidade processual que foi praticada na presença da parte que a requereu e seu mandatário, pelo que podia e devia ser arguida até ao termo dessa audiência (nºs 1 e 2 do artº 205º do C.P.C.). A reacção contra tal nulidade é a reclamação perante o juiz da causa e não o recurso (vide, neste sentido, o Ac. da R. de Évora de 23/2/2005, Proc. 9977/2004-4, in dgsi.pt, e BTE, 2ª série, nºs 7-8-9/2006, pág. 926, citado por Abílio Neto, C.P.C. Anotado, 20ª ed., 775).

Não estando, pois, a apelante impedida de impugnar a decisão da matéria de facto da 1ª instância, lançando mão da efectuada gravação da prova produzida na audiência de julgamento, o recurso é tempestivo, já que a apelante beneficia do prazo suplementar de dez dias para apresentar a sua alegação recursiva (nº 7 do artº 685º).

Improcede, assim, a suscitada questão prévia, pelo que passa a conhecer-se do interposto recurso.

2 - Se deve ser ampliada a matéria de facto

A apelante defende a ampliação da matéria de facto, aduzindo que a sua reclamação contra a selecção da matéria de facto não foi atendida, devendo tê-lo sido.

Deixando de lado as críticas que a ora apelante teceu, no seu requerimento de fls. 94/95, em relação à matéria de facto tida como assente, já que essa não importa para a ampliação da base instrutória e os factos provados por documentos poderem ser tomados em conta na sentença (artº 659º, nº 3, do C.P.C.), a mesma defendeu que devia ser aditado à base instrutória um novo quesito «do qual constasse o seguinte: Os trabalhos constantes da factura dos autos são trabalhos previstos no orçamento ou não foram previamente orçamentados e aprovados pela R.? – Artigo 10º da Contestação».

Sobre o requerido aditamento, veio a recair o despacho de fls. 104/105, no qual se afirmou: “A matéria que interessa à decisão da causa mostra-se inserta no despacho saneador elaborado. Finalmente, sempre se dirá que a pretensão apresentada pela Ré, tal como se mostra enunciada, conduziria à introdução de matéria conclusiva na base instrutória o que se mostra legalmente vedado”.

No artº 10º da contestação, verteu a Ré a seguinte matéria: “Assim, na carta datada de 31.12.2007, ora junta como documento n.º 3, justificou essa devolução, ou seja, a R. devolveu a referida factura uma vez que, havia sido acordado na reunião de obra de 18 de Abril de 2007 que o Auto de Medição n.º 13 seria o último auto da empreitada; porque alguns trabalhos facturados respeitavam a trabalhos previstos no orçamento e quanto a outros porque não tinham sido previamente orçamentados e aprovados pela ora R., mais referindo nesta mesma comunicação que Se este assunto não foi resolvido oportunamente, deve-se apenas à Vossa falta de comparência às reuniões agendadas para o efeito e à Vossa recusa de aceitar a proposta de pagamento que vos foi feita (vd. doc. n.º 3)”.

A matéria aqui alegada é basicamente a justificação da Ré dada à Autora, através da carta de 31/12/2007, para devolver a factura em causa nos autos. E tal alegação vem na sequência do alegado anteriormente nos artºs 7º a 9º do mesmo articulado, em que se alega a realização de uma reunião de obra, onde foi discutido o Auto de Medição nº 13. Esta matéria foi incluída na base instrutória (vide respectivos artºs 4º e 5º).

Além disso, os quesitos 6º, 7º e 8º da base instrutória incluem matéria sobre os trabalhos a que se refere a factura em causa.

 Não se vê, assim, necessidade de proceder à pretendida ampliação da matéria de facto, já que os quesitos formulados contêm, no essencial, os factos controvertidos que interessam para a boa decisão do pleito.

3 - A alteração da decisão da matéria de facto

A apelante pugna pela alteração da decisão da matéria de facto da 1ª instância. Em seu entender, deve esta Relação alterar a resposta ao quesito 2º da base instrutória.

Para melhor entendimento do que está em discussão, transcreve-se aquele quesito e a resposta que obteve:

2º - Tal quantia devia ter sido paga pela R. nos 30 dias seguintes à emissão da factura, no escritório e sede da A.?

Resposta: Provado que tal quantia devia ter sido paga pela ré nos 30 dias seguintes à data da emissão da factura.

A apelante defende que a resposta a este quesito deve ser alterada para: «Provado que tal quantia devia ser paga pela ré nos 30 dias seguintes à data da emissão da factura, desde que o auto subjacente à mesma tivesse sido aprovado pelo dono da obra, o que, neste caso não aconteceu».

Não procede, como é evidente, a pretensão da apelante. Desde logo, pela simples razão de que a pretendida resposta extravasaria a matéria do quesito. Aquele quesito 2º encerra dois factos distintos. Em primeiro lugar, questiona-se se a quantia aludida no quesito 1º (€ 48.590,18) devia ter sido paga pela Ré nos 30 dias seguintes à data da emissão da factura. E, em segundo lugar, se o pagamento devia ter lugar no escritório e sede da Autora. Só o primeiro facto foi considerado provado, aliás, em conformidade com a cláusula 9ª do contrato celebrado entre as partes, segundo a qual «As facturas serão emitidas mensalmente e consideram-se vencidas no prazo de trinta dias de calendário, após a sua data de emissão».

Perante esta cláusula, a matéria que foi vertida no aludido quesito 2º não carecia, por se considerar assente por documento, de ser incluída na base instrutória, salvo quanto ao lugar do pagamento, que é irrelevante e foi dado como não provado. Mas a pretendida alteração da resposta ao apontado quesito 2º também não encontra conforto na prova produzida em audiência.  

Como é sabido, entre nós vigora o princípio da livre apreciação da prova e o juiz responde aos quesitos segundo a convicção que formar acerca de cada facto quesitado (artº 655º, n.º 1, do C.P.C.).

Daí que a Relação não possa, em princípio, alterar as respostas dadas aos quesitos ou os factos considerados provados e não provados pela 1ª instância, quando a causa não comporte base instrutória.

Só o pode fazer dentro dos apertados limites previstos no artº 712º, n.º 1, do citado diploma legal, e se ocorrerem as seguintes situações:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º-B, a decisão com base neles proferida;

b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; e

c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

No caso em apreço, como já se deixou dito supra, mostram-se gravados os depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento.

Estamos, por isso, em presença da hipótese prevista na última parte da al. a) do n.º 1 do citado art.º 712.º, o qual tem de ser conjugado com o art.º 685º-B do mesmo diploma legal.

Prescreve este artigo o seguinte:

1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.

Como decorre da acta da audiência de discussão e julgamento, foram aí inquiridas as testemunhas (…) as três primeiras arroladas pela Autora e as duas últimas pela Ré.

A apelante funda a pretendida alteração da resposta ao apontado quesito da base instrutória nos depoimentos das testemunhas (…).

Esta Relação, não obstante, procedeu à audição fonográfica dos depoimentos de todas as testemunhas inquiridas em audiência, muito embora as testemunhas arroladas pela Ré/apelante nem sequer tenham sido oferecidas à matéria do quesito 2º, como se infere de fls. 149, pelo que não se podia justificar a alteração da resposta àquele quesito com depoimentos que nem sequer visaram a respectiva matéria.

A testemunha (….), encarregado da construção civil, trabalhador da Autora, disse ter trabalhado na obra objecto da empreitada nos autos, onde desempenhou o cargo de encarregado. Disse que todos os trabalhos a mais foram feitos e não foram pagos pela dona da obra. Disse também que houve alterações do projecto e que os trabalhos a mais foram sendo realizados ao longo da obra.

A testemunha (…) escriturário, trabalhador da Autora há 29 anos, foi quem elaborou a factura em causa. Disse que o engenheiro da obra chegava com o auto aprovado e ele tinha de acreditar naquele.

A testemunha (…), engenheiro civil, disse trabalhar para a Autora há dez anos e ser ele quem procedia à orçamentação e controle da obra a que os autos se referem. Descreveu os trabalhos a mais realizados na obra, explicando que a factura ajuizada corresponde ao fecho dos trabalhos.

A testemunha (…), arquitecto, foi quem elaborou o projecto da obra a que os autos se reportam, referindo que, em fase de obra, houve pequenos acertos.

A testemunha (…), funcionária pública aposentada, referiu ser amiga de uma tal (…) e que esta andava muito nervosa com a obra, por as coisas não darem certo; mas que não acompanhou a obra nem lá foi vez alguma.

Não obstante o legislador ter afirmado peremptoriamente no preâmbulo do DL nº 39/95, de 15/2, que o registo da prova produzida em audiência de julgamento visava assegurar “um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto”, a realidade é (como assinala Abílio Neto, in C. P. C. Anotado, 20ª ed., 1015) bem distinta porquanto, consoante o mesmo legislador logo acrescentou, essa garantia – disse – “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento (itálico nosso), incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.

A partir destes pressupostos estava, e está, continua aquele autor, aberto o caminho para transformar esse segundo grau de jurisdição sobre a matéria de facto numa incontornável realidade virtual, uma vez que a primeira operação ablativa a que o tribunal de recurso procede é, naturalmente, a de saber os pontos concretos indicados pelo recorrente como sendo aqueles em que se impunha decisão diversa, podem ser qualificados como configurativos daqueles “pontuais, concretos e excepcionais erros” de julgador que são o fundamento da impugnação da matéria de facto.

E, de acordo como o acórdão desta Relação de 9/3/2010 (disponível em www.dgsi.pt, Proc. 1041/07.2TBCNT.C1), “o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados”.

Desconformidade que não se verifica, à luz da prova testemunhal produzida, no caso presente.

De resto, cumpre acrescentar que a recorrente também não apresentou documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

Não procede, assim, a impugnação da matéria de facto feita pela apelante.



4 - O enquadramento jurídico dos factos provados

Embora não questionando a bondade da aplicação do direito ao elenco dos factos provados, defende a apelante a improcedência da acção. Mas, salvo o devido respeito, sem convencer.

Não vem questionada a qualificação jurídica feita na sentença do contrato celebrado entre as partes, que é, sem sombra de dúvida, um contrato de empreitada.

O artº 1207º do Código Civil diz que a “empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.

Ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (C.C. Anotado, vol. 2º, 3ª ed., 787), que, na empreitada, “não há um vínculo de subordinação do empreiteiro em relação ao dono da obra como há no contrato de trabalho, em que o trabalhador põe às ordens ou sob a direcção da entidade patronal a sua energia ou capacidade de criação, independentemente do resultado que se venha a alcançar. O empreiteiro age sob sua própria direcção, com autonomia, não sob as ordens ou instruções do comitente, estando apenas sujeito à fiscalização do dono da obra (...) o empreiteiro deve não só obedecer, na realização da obra, às prescrições do contrato, mas respeitar também as regras da arte ou profissão (arquitectura, engenharia, etc.) em cujo âmbito se integre a execução dessa obra (...) não há que distinguir entre a empreitada propriamente dita, também designada por contrato de empresa, em que a obra fica a cargo de uma organização (empresa) que reúne e orienta por sua conta os factores da produção (incluindo o capital) e suporta os seus riscos, e o trabalho autónomo, ou contrato de obra (cfr. Prof. Vaz Serra, Empreitada, 1965, 13), em que o trabalho é predominantemente próprio do empreiteiro (artesão). A empreitada abrange no nosso direito as duas modalidades, visto ter-se entendido que não há diferenças fundamentais de regime entre elas, que justifiquem a distinção feita no direito civil italiano (...) essencial para que haja empreitada é que o contrato tenha por objecto a realização de uma obra (...) não um serviço pessoal. Se se trata dum serviço pessoal, o contrato continua a ser de prestação de serviço, como a empreitada, mas não é um contrato de empreitada, estando sujeito às regras do mandato, nos termos do artº 1156º (...)”.

A esta espécie contratual (empreitada) respeita toda a detalhada regulamentação inserta do artº 1207º a 1230º do C. Civil.

Pedro Romano Martinez (Contrato de Empreitada, 1994, 66/67) sublinha que a empreitada se identifica “como sendo um contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual”, acrescentando que, “é um contrato sinalagmático na medida em que dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes; a obrigação de realizar uma obra tem, como contrapartida, o dever de pagar o preço. Por outro lado, o contrato apresenta-se como oneroso, porque o esforço económico é suportado pelas duas partes e há vantagens correlativas para ambas; de entre os contratos onerosos, classifica-se como sendo comutativo – por oposição a aleatório – na medida em que as vantagens patrimoniais dele emergentes são conhecidas das partes no momento do ajuste. Por último, trata-se de um contrato consensual, pois não tendo sido estabelecida nenhuma norma cominadora de forma especial para a sua celebração, a validade das declarações negociais dependem do mero consenso”.

Desta característica de ser um contrato sinalagmático, resulta para o empreiteiro a obrigação de realizar a obra, dispondo-se no artigo 1208º do C. Civil que esta deve ser executada em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.

Sobre o empreiteiro recaem, ainda, certos deveres laterais que derivam da boa fé, tais como o dever de esclarecimento, cuidado, conselho, segurança, etc. Por último, dir-se-á que cabem ao empreiteiro os direitos correlativos aos deveres do dono da obra.

Por seu turno, ao dono da obra é conferido o direito à obtenção de um resultado nos moldes convencionados (trata-se do seu principal direito e que se retira do disposto no artº 1208º do C. Civil).

No seio dos deveres que cabem ao dono da obra, situa-se aquele que constitui a sua principal obrigação – o de prestar o preço acordado (é este dever um dos elementos integrantes da noção legal de empreitada – cfr. art. 1211º, nº2, do referido diploma).

Ora, como bem refere a sentença recorrida, a factura cujo pagamento é reclamado pela ora apelada é referente ao Auto n.° 14, ao Auto de trabalhos efectuados em alterações de electricidade, ao Auto de trabalhos efectuados em alterações de vãos envidraçados e ao Auto de trabalhos efectuados em alterações diversas.

E sendo certo que, em 18 de Abril de 2007, se realizou uma reunião de obra, de cuja acta consta que o auto de medição n.° 13 seria o último auto de trabalhos contratuais, logrou a apelada provar que tal factura refere-se a trabalhos executados a pedido e no interesse da apelante e que dizem respeito a alterações de electricidade, vãos envidraçados e alterações diversas, reportando-se a trabalhos cuja espécie ou quantidade não estavam previstos ou incluídos no acordo inicial, celebrado entre as partes.

Mas a apelante ainda não procedeu ao pagamento da quantia de € 48.590,18 (sujeita, nos termos contratuais, a uma redução de 5%), a qual devia ter sido paga nos 30 dias seguintes à data da emissão da factura, sendo certo que apesar das diligências efectuadas pela apelada no sentido de obter o pagamento da quantia de € 46.160,67, a apelante sempre se tem escusado a efectuá-lo.

Não se levantam, por isso, dúvidas quanto ao êxito da acção, pelo que a douta sentença recorrida não merece censura.



Sumário:

1 - Pode ocorrer a gravação das audiências finais, para além dos casos especialmente previstos na lei, por iniciativa de alguma das partes ou do próprio tribunal;

2 - Tendo-se procedido à gravação da audiência, sem que nenhuma das partes tivesse requerido essa gravação e sem que o tribunal a tivesse ordenado de forma expressa, as partes podem impugnar a decisão da matéria de facto, socorrendo-se da efectuada gravação;

3 - A efectuada gravação não é nula, já que se traduz num acto que a lei admite, mesmo por iniciativa do tribunal, e cuja prática não prejudica nenhuma das partes;

4 - Entre nós vigora o princípio da livre apreciação da prova e o juiz responde aos quesitos segundo a convicção que formar acerca de cada facto quesitado;

5 - A Relação só deve fazer uso dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto quando exista flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos da matéria de facto impugnada;

6 - No âmbito do contrato de empreitada, de entre os deveres que cabem ao dono da obra, situa-se aquele que constitui a sua principal obrigação – o de prestar o preço acordado, constituindo este dever um dos elementos integrantes da noção legal de empreitada – art.º 1211º, nº2, do C. Civil);

7 - Sobre o dono da obra recai a obrigação de pagar o preço referente a trabalhos realizados a mais pelo empreiteiro, a pedido e no interesse daquele.


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DECISÃO

Nos termos expostos, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.

Custas pela apelante, ficando a cargo da apelada as correspondentes ao incidente relativo à questão prévia por ela levantada.


EMÍDIO COSTA (RELATOR)
GONÇALVES FERREIRA
VIRGÍLIO MATEUS