Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
263/07.0GTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: MORTE
INDEMNIZAÇÃO
VEÍCULO
PRIVAÇÃO DO USO
Data do Acordão: 12/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO DE PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 494º, 495º, 496º, 562º E 566º Nº 1 DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1.- Quanto ao dano morte, considerando que a vítima tinha à data do seu falecimento, 54 anos de idade, era de condição sócio cultural modesta e um homem feliz e, tendo ainda em conta as concretas circunstâncias do lesante, do lesado e do acidente ocorrido por culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel, considera-se justo e adequado o montante de € 60.000,00.
2.- Encontrando-se provado que em consequência direta e necessária do acidente, de que foi vítima o marido e pai dos demandantes, o veículo com a matrícula ... sofreu danos, é a seguradora do lesante quem deve encarregar-se da reparação, efetuando-a ela própria, ou mandando efetuá-la, pois é nisso que consiste a reconstituição natural. Assim , não tinham os demandantes que juntar aos autos qualquer orçamento para a reparação do veículo, nem que mandar reparar este.

3.- A mera privação do uso de um veículo, sem factos reveladores de dano específico

emergente ou na vertente de lucro cessante, é insuscetível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil.

Decisão Texto Integral: Pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Porto de Mós, sob pronúncia que recebeu o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente A..., foi submetido a julgamento em processo comum, com a intervenção do Tribunal Singular, o arguido

            B..., residente na … , Porto de Mós,

imputando-se-lhe a prática de factos susceptíveis de integrar, em autoria material e na forma consumada, um crime homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 137.º, n.º 1, do Código Penal.

A assistente A... e os demandantes civis C... e D..., deduziram pedido de indemnização civil, em conjunto, contra a Demandada “W...–Companhia de Seguro,S.A.”, requerendo o pagamento global de € 213.009,00, a título de danos não patrimoniais, patrimoniais futuros e patrimoniais, bem como ainda a condenação da demandada na reparação do motociclo ... por forma a que o mesmo fique em condições de circular e no estado em que se encontrava antes do acidente, e tudo acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação do pedido, contando-se os mesmos até ao integral pagamento.   

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 20 de Fevereiro de 2012, decidiu:

- Condenar o arguido B..., pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 137.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

- Suspender a execução da pena de prisão ora aplicada ao arguido, nos termos do artigo 50.º do Código Penal, pelo período de 1 (um) ano;

            Mais decidiu:

- Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por A..., C... e D... contra a Demandada “W...–Companhia de Seguro,S.A.” e, consequentemente, condenar a Demandada a pagar-lhes a quantia global de € 134.000,00 (cento e trinta e quatro mil euros), sendo:

- € 50.000,00 [cinquenta mil euros] a título de indemnização pela perda do direito à vida de  F...;

- € 7.000,00 [sete mil euros] a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por F...;

- € 37.000,00 [trinta e sete mil euros] a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos Demandantes – imputados à razão de € 17.000,00 [dezassete mil euros] para a demandante A... e os remanescentes € 20.000,00 [vinte mil euros] repartidos por C... e D..., e

- € 40.000,00 [quarenta mil euros] a título de indemnização pelos danos patrimoniais futuros, tudo acrescido de juros de mora, contados à taxa legal, desde a data da notificação da Demandada para contestar e até integral pagamento; e

- Absolver a Demandada do demais peticionado pelos Demandantes;

           Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido B..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1. Na matéria de facto destes autos encontram-se em oposição duas versões diferentes ( a versão das autoridades/GNR, que sustenta a do arguido e a versão da pronúncia, sustentada pelos assistentes);

2. O relatório que contém a versão das autoridades (GNR/Núcleo de Investigação de Acidentes de Viação) foi feito por agente que inspeccionou o local 2/3 dias após o acidente.

3. O relatório que suporta a versão da pronúncia/sufragada pelo Tribunal recorrido foi feito com cópias de elementos que lhe foram facultados, em 12-3-2010 ( tendo o presente acidente, ocorrido em 17-6-2007).  

4. No local do acidente, a via tem 10,40 metros ( 5,20 m as hemifaixas de rodagem).

5. Não resulta inequívoca da sentença, o porquê da escolha do Tribunal por uma destas versões ( e não a outra) a qual não pode pois ser “ casuística”.

6. A livre apreciação da prova não pode ser o livre arbítrio, tornando-se necessário a prova de que o agente ( o arguido) possa e seja capaz de , face às circunstâncias, conhecer e tomar as precauções para evitar o resultado, só assim podendo ser alvo de qualquer reprovação ético-social.

7. A fundamentação insuficiente da sentença recorrida, sem devida e concretamente tidos em consideração todos os factos, consubstancia nulidade de sentença.

8. Acresce que, no caso dos autos, estamos perante prova incerta ou factos incertos e, consequentemente, a decisão desta incerteza deve favorecer o arguido, por aplicação  do princípio “in dúbio pro reo” ( quer se entenda este como princípio de prova que vigora em geral, quer como princípio geral do processo penal).

9. Porque, apesar de toda a prova recolhida, os factos relevantes para a decisão, não são susceptíveis de ser subtraídos à “ dívida razoável” e, porque, a falta dessa mesma prova não pode, de modo algum, desfavorecer a posição do arguido.

10. O Tribunal recorrido não aplicou, como devia, este princípio, violando assim um preceito consagrado na Lei e na Constituição da República Portuguesa, tornando a decisão, para além de ilegal, inconstitucional.

11. Foram, pois, violados, entre outros, os artigos 2.º, 50.º e 137.º do C.P., 60.º, 61.º, 379.º, n.ºs 1, al. a) e n.º2 e 368.º C.P.P. e 32.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa.

12. Assim, deve ser revogada a sentença recorrida e a decisão nela decretada substituindo-a por outra que absolva o arguido e contemple as presentes conclusões. 

  

           Também inconformados com a douta sentença dela interpuseram recurso os demandantes A..., C... e D..., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

I- Os recorrentes restringem o objecto do seu recurso aos montantes indemnizatórios atribuídos pela douta sentença de que se recorre aos danos não patrimoniais, bem como à improcedência dos pedidos de reparação do motociclo e pedido indemnizatório pela paralisação do mesmo.

II- Assim, tendo por base que a vida é o bem mais supremo do Direito, e que jurisprudencialmente o dano morte tem sido indemnizado com valores situados entre os 50.000,00 Euros e os 80.000,00 Euros, tendo em conta que a vítima era saudável, era feliz, era activa, trabalhadora, com os seus 54 anos estava ainda longe de atingir o último patamar da sua esperança de vida, tinha gosto em sair com a família, aproveitava a vida, não parece desadequado compensar o dano morte com o valor de Euros: 75.000,00 peticionados.

IV-A vítima não teve morte imediata. Ainda enquanto o F...se encontrava deitado no asfalto do IC 2, conseguiu ainda, quando perguntado, dizer o seu nome e para onde se dirigia, não obstante ter fractura bilateral das costelas, contusão e perfurações pulmonares, contusão do saco pericárdico, laceração do fígado, infiltração sanguínea peri-renal, hemoperitoneu, fractura completa de D6 e D12, com secção completa da medula, infiltração dos tecidos moles circundantes, fractura do fémur esquerdo.

V- A vítima apercebeu-se perfeitamente da inevitável morte e sofreu dores profundas durante os mais de 30 minutos que permaneceu vivo; tal dano não deverá ser compensado com valor inferior a Euros: 12.500,00, valor pelo qual se pugna.

VI-A douta sentença de que se recorre considerou serem de grau elevado os danos morais vivenciados pela viúva e pelos seus dois filhos.

VII- A viúva chorou e chora a morte do marido, perdeu 10 quilos, entrou em profunda depressão, vai com frequência ao cemitério, esteve sem trabalhar quase um ano, tentou suicidar-se atirando-se de um veículo em andamento, perdeu a alegria de viver.

VIII- Ora, se atentássemos nos valores atribuídos pela tabela da Portaria 679/2009 de 25/06, encontrando-se a viúva casada há mais de 25 anos à data da morte do marido, tal dano seria compensado, extrajudicialmente e em sede de “proposta razoável” com Euros: 25.650,00 - para um dano médio e padronizado.

IX- Não se vislumbra assim, quando nesta situação concreta o dano é supremo e o sofrimento tem sido muito, porquê compensar tal dano com valor inferior a Euros: 27.500,00, valor que se requer.

X- Os filhos também sofreram muito com a morte do pai, sendo-lhe chegados e com ele convivendo diariamente.

XI- Assim, se a tabela inserida na Portaria já citada, para um dano médio e padronizado atribui um valor base de Euros: 10.260,00,

XIII- Não se vislumbra mais uma vez, e uma vez que no caso concreto o dano foi elevado, qual a não atribuir aos filhos valor inferior a Euros: 20.000,00 para cada filho, valor este que se considera adequado.

XIII- Ficou provado que o veiculo, motociclo conduzido pela vítima, sofreu danos.

XIV- A regra geral para a reparação dos danos é a sua reconstituição natural a ser feita pelo lesante.

XV- Tendo os Demandantes provado o dano e não tendo o lesante (ou quem o substitui contratualmente - seguradora) provado qualquer facto que obstasse à reparação (reconstituição natural) - nomeadamente a sua impossibilidade ou excessiva onerosidade deve a seguradora ser condenada à reparação do motociclo (enquanto prestação de facto), ainda que o dano não esteja contabilizado pecuniariamente.

XVI- Ainda que não se tivesse provado que o motociclo seria utilizado por qualquer um dos herdeiros, os mesmos, passando a ser os seus proprietários, não puderam dispor do mesmo na sua esfera patrimonial, retirando do mesmo quaisquer utilidades, nomeadamente vendê-lo no estado em que se encontrava antes do acidente.

XVII- Pelo que o dano existe.

XVIII- E não sendo exactamente contabilizável não se vê motivo para que equitativamente o mesmo não se compense com valor não inferior a 2.000,00 Euros, tendo em conta o tempo decorrido entre a data do acidente e a presente data.

XIX- Por tudo o que se referiu, violou a douta sentença o disposto nos arts. 562.º, 564.º n.º 1 e 2, 566.º n.º 3 e 1305 todos do Código Civil, nomeadamente quanto à valorização equitativa dos danos por se entender que subvalorizou os mesmos indemnizando-os por defeito, devendo assim essa valorização ser corrigida pela atribuição dos valores ora pugnados.

A demandada “W...–Companhia de Seguro,S.A.” respondeu ao recurso interposto pelos demandantes pugnando pela total improcedência do recurso por estes interposto e manutenção integral da decisão recorrida.

A assistente e demandantes civis responderam ao recurso interposto pelo arguido pugnando pela sua improcedência.

O Ministério Público na Comarca de Porto de Mós respondeu ao recurso interposto pelo arguido concluindo que deve negar-se provimento ao recurso por este interposto e manter-se inteiramente a decisão condenatória.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso interposto pelo arguido não merece provimento.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respectiva motivação constantes da sentença recorrida é  a seguinte:

            Factos provados

1. No dia 17 de Junho de 2007, pelas 15H30, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula … , na E.N. 1 / IC 2, no sentido Batalha/Leiria, na área desta comarca.

2. À sua frente, e no mesmo sentido de marcha, circulando junto à berma, seguia o motociclo de marca Yamaha XJ 600S, de matrícula … , conduzido por F… .

3. O arguido imprimia ao veículo que conduzia uma velocidade superior a 80 Km/h.

4. O veículo  … seguia a uma velocidade de 54 Km/h.

5. O arguido, ao chegar ao Km. 116,240, aproximou-se do veículo … , que seguia junto à berma, e sem abrandar a sua marcha ou travar, quando se encontrava a uma distância superior a 5 metros deste, desvia a trajectória do seu veículo ligeiramente para a esquerda, a fim de iniciar a ultrapassagem do veículo … , tentando utilizar o espaço disponível da hemi-faixa em que seguia entre este veículo e o duplo traço contínuo existente no eixo da via.

6. Quando se encontrava a 5 metros da traseira do veículo … , o arguido apercebe-se que não vai ter espaço suficiente para efectuar a ultrapassagem sem invadir a hemi-faixa contrária, accionando então o sistema de travagem do seu veículo.

7. Devido ao facto de se encontrar a apenas 5 metros do veículo ... e circular a uma velocidade superior a 80 Km/h, o arguido não consegue abrandar suficientemente a marcha do seu veículo, que embate, com o seu pára-choques do lado direito, na panela de escape do lado esquerdo do veículo ....

8. Em virtude do supra referido, o veículo ... perde estabilidade e desvia a sua trajectória para a esquerda, embatendo novamente o veículo conduzido pelo arguido, com o guarda lamas e capô do lado direito, em parte do motor e depósito de combustível do veículo
....

9. De seguida, o veículo ... tomba no pavimento da via, sobre o seu lado esquerdo, atendendo à posição de condução, derrapando sobre o mesmo vários metros, imobilizando-se na valeta, junto à berma da hemi-faixa onde seguia, alguns metros à frente do local onde se imobilizou o condutor (F...).

10. O condutor do veículo ... (F...), devido ao impacto do embate foi projectado para a esquerda e caiu no pavimento junto ao eixo da via, mas na hemifaixa do sentido onde seguia, cerca de 3 metros à frente onde se imobilizou o veículo conduzido pelo arguido, ficando com a cabeça na direcção do eixo da via e os pés na direcção da berma.

11. O veículo conduzido pelo arguido desviou a sua trajectória para a esquerda e imobilizou-se na hemi-faixa de rodagem contrária ao sentido em que seguia, ou seja, na hemifaixa no sentido Leiria/Batalha.

12. O veículo conduzido pelo arguido deixou um rasto de travagem no pavimento, com a roda esquerda, numa distância de 38 metros, e com a roda direita, numa distância de 17,30 metros.

13.A velocidade permitida para o local é de 80 Km/h, pela indicação do sinal vertical Cl 3 existente no local.

14. O local configura uma recta extensa, com duas faixas de trânsito, com duas vias no sentido Leiria/Batalha e uma via no sentido Batalha/Leiria, apresentando uma inclinação descendente de 5% no sentido Batalha/Leiria.

15. A via apresenta no local uma largura de 10,40 metros.

16. No local existem duas linhas longitudinais contínuas adjacentes a separar as hemifaixas de rodagem.

17.O tempo estava bom, o piso regular e a berma encontrava-se pavimentada.

18.Não existiam obstáculos na via.

19.O arguido, após o embate, apresentou uma TAS de 0,00 g/l de sangue.

20.F... apresentou, após o embate, uma TAS de 0,40 g/l de sangue.

21.Na sequência do embate supra referido, F... foi transportado para o Hospital de Santo André, em Leiria, onde faleceu nesse mesmo dia, pelas 16.25 horas.

22.Na sequência do embate supra referido F... sofreu:

     a) Feridas contusas na cabeça;

     b) Escoriações na cabeça, tórax, membros superiores e inferiores, mão e coxa direita;

     e) Esquimoses na coxa direita e esquerda e região ilíaca esquerda;

     d) Mobilidade anormal do membro inferior esquerda;

     e) Lesões traumáticas craneo-meningo-encefálicas: infiltração sanguínea do couro cabeludo;

     f) Lesões traumáticas torácicas: hemotórax bilateral, fractura bilateral de costelas, contusão e perfurações pulmonares, contusão do saco pericardico;

     g) Lesões traumáticas abdominais: laceração do figado, infiltração sanguínea peri-renal, hemoperitoneu;

     h) Lesões traumáticas vertebro-meningo-medulares: fractura completa de D6 e D12, com secção completa da medula, infiltração sanguínea dos tecidos moles circundantes;

     i) Lesões traumáticas dos membros: fractura do fémur esquerdo.

23. As lesões supra referidas, nomeadamente as lesões traumáticas vértebro-meningomedulares dorsais, toraco-abdominais e do membro inferior esquerdo foram a causa directa e necessária da morte do referido F...Silva Ascenso.

24. O arguido sabia que devia regular a velocidade para fazer parar o seu veículo no espaço livre e visível à sua frente.

25. O arguido sabia que não devia iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a faixa de rodagem se encontrava livre na largura necessária à realização da manobra com segurança e que a podia realizar sem perigo de colidir com o veículo que pretendia ultrapassar.

26. O arguido sabia que, ao não actuar com precaução, poderia embater no veículo que circulava no mesmo sentido, caso abortasse a manobra de ultrapassagem, por não manter a distância suficiente para o veículo que o precedia, nem a velocidade adequada para o efeito, precaução essa que lhe era exigível.

27. O embate ficou a dever-se ao facto de o arguido circular com velocidade não adequada, por não prestar a devida atenção ao que no espaço visível à sua frente acontecia e por imperícia por parte do arguido no acto de condução, não tendo, por isso, conseguido imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.

28. Agiu com acentuada falta de cautela, sabendo que punha em causa a segurança rodoviária, fazendo perigar a integridade física dos outros utentes da via e, concretamente, a do condutor do veículo ....

29. Conhecia ser proibida e punida por lei tal conduta.

Mais se provou que:

30. Nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas em 1. supra da matéria de facto provada, F... dirigia-se à sua residência, sita em Maceira de Liz, Leiria.

31. Aquando do embate, e em momento precedente ao do impacto no solo de F..., o capacete que este envergava soltou-se.

32. O franquelete do capacete que F... envergava nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas em 1. supra da matéria de facto provada, encontrava-se danificado, não apertando devidamente.

E que

33. O arguido é solteiro.

34. Mora com o pai em casa própria deste.

35. O pai do arguido encontra-se reformado, auferindo de pensão no valor de € 312,00 mensais.

36. O arguido é prensador de profissão, auferindo de um ordenado mensal de € 865,00.

37. O arguido não tem filhos.

38. O arguido tem por habilitações literárias o equivalente ao 9.º ano de escolaridade.

39. O arguido é bem considerado pelas pessoas que com ele convivem e tido por trabalhador e responsável.

Bem como:

40. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.

Com pertinência, para o apuramento da responsabilidade civil da Demandada W... – Companhia de Seguros, S.A., provou-se ainda que:

41. A..., C... e D... são, respectivamente, viúva e filhos de F..., seus únicos e universais herdeiros.

42. À data mencionada em 1. supra da matéria de facto provada, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo com a matrícula  … encontrava-se transferida para a W... – Companhia de Seguros, S.A., através da apólice n.º … .

43. Pelo menos até ao transporte mencionado em 21 supra da matéria de facto provada, F... manteve-se consciente, tendo ainda respondido no local do sinistro e perante quem lhe prestava assistência, sobre o seu nome e morada, 

44 …. sentiu dores,

45… apercebeu-se de que não se conseguia mexer e de que ia morrer.

46. F... contava com 54 anos à data da sua morte.

47. E até então era um homem feliz e saudável,

48. Nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas em 1. supra da matéria de facto provada, F... dirigia-se para casa onde a sua mulher e filha o esperavam para irem passear junto à praia.

49. F... tinha tido diversas profissões desde muito novo, sempre se tendo dedicado ao trabalho, não possuindo qualquer outra fonte de rendimento.

50. tendo trabalhado originariamente na lapidação do vidro para a montagem em candeeiros,

51… acabou por abrir o seu próprio negócio de candeeiros no qual construía, montava e comercializava candeeiros, sendo que o comércio destes era por si efectuado de norte a sul do país,

52… tendo mantido esta profissão ao longo de mais de 15 anos,

53… a qual veio a abandonar há, sensivelmente, cinco anos relativamente à data do sinistro, face às dificuldades financeiras sentidas no sector.

54 … dedicando-se, então, à exploração agrícola de algumas propriedades que possuía,

55 … nomeadamente cultivando batatas, milho, feijão, couves, cebolas, alfaces e espinafres, e cuidando também de um pomar que possuía,

56 … produtos estes que eram parcialmente destinados à alimentação do seu agregado familiar, mas que também vendia para vizinhos e amigos,

57… o mesmo acontecendo com a criação de animais domésticos, tais como galinhas, porcos, coelhos e patos, com o mesmo destino dos produtos hortícolas supra descritos,

58 … tratando ainda de um pinhal da família, de onde extraia lenha para o consumo familiar.

59. Para além desta actividade, F... efectuava trabalhos de construção civil, quer na sua própria casa,

60… quer, ao longo dos últimos dois anos da sua vida, na casa do seu filho D...- antes do casamento deste e enquanto este ainda fazia parte do seu agregado familiar.

61. Nas actividades mencionadas, F... despendia mais do que as 8 horas diárias, trabalhando também ao sábado e domingo.

62. Todo o rendimento de F... era canalizado para o seu agregado familiar, ou por entrega directa de bens (os produtos hortícolas, pecuários e, bem assim, lenha), ou pela prestação de serviços (trabalhos prestados na área da construção civil em sua casa e na casa do filho), quer pela entrega de dinheiro que lograva obter da vendas dos produtos hortícolas e pecuários e que era depositado em conta comum com a sua esposa, ou simplesmente integrando em espécie o fundo da maneio familiar.

63. A... e F... casaram em 25/10/1976.

64. Formavam um casal unido, amigo, com uma relação estável de confiança e amor, que tinha gerado dois filhos,

65. E que vivia feliz e unido juntamente com os seus filhos até à data da morte de F....

66. Era um casal que fazia da sua relação o centro nuclear da sua família,  

67. Com a morte de F..., A... entrou em colapso físico e psíquico,

68…gritou e chorou sem controlo.

69. Ainda chora a perda do marido.

70. Entrou numa profunda depressão, a qual perdurou numa primeira fase durante cerca de 9 meses, não tendo tido capacidade para trabalhar, conduzir e cozinhar.

71. Vai desde então, com frequência, ao cemitério.

72. Veste preto.

73. Perdeu 10 quilos.

74. Acompanhada desde os dias seguintes ao acidente pelo médico de família e por especialistas em psiquiatria e neurologia, foi-lhe diagnosticada uma profunda depressão, com estado confusional, ideias suicidas, insónias e cefaleias intensas, com incapacidade para o trabalho entre 06/07/2007 e Maio de 2008.

75. Esteve sem trabalhar desde 18/06/2007 até 18/03/2008 por baixa médica e licença por falecimento.

76. Tentou suicidar-se ao tentar atirar-se pela porta do veículo em andamento.

77. Durante um período não concretamente apurado não ligou a televisão em casa.

78. Perdeu a alegria de viver.

79. Também os filhos do casal choraram muito a perda do seu pai, sendo dele muito amigos e chegados.

80. C... tinha 30 anos à data da morte do pai.

81.O pai era o seu confessor, o seu profundo amigo.

82.Tinha um contacto diário com ele, sendo muito próximos.

83. Mercê dessa perda, C... padeceu de depressão,

84… tendo sido acompanhada clinicamente,

85 … e medicada.

86. Tinha graves e incontroláveis ataques de choro.

87. Emagreceu.

88. Sente a falta do pai.

89. D... D...contava com 28 anos à data da morte do pai.

90. Para além de ter sido sempre muito chegado ao seu pai, tinha sido companheiro diário deste nos últimos dois anos em que decorreu a construção da casa daquele e na qual foi em muito ajudado pelo seu pai.

91. Ficou triste com a morte do pai, chorando-a.

92. Como consequência directa e necessária do sinistro, o veículo com a matrícula ... sofreu danos.

93… e ficou paralisado desde o acidente e até à presente data.

Factos não provados

Provaram-se todos os factos com interesse para a decisão da causa no que diz respeito ao apuramento da responsabilidade criminal do arguido – precisando-se que, relativamente à data do sinistro, mencionada em sede de pronúncia como sendo no dia 17 de Julho de 2007, procedeu-se à rectificação da mesma para 17 de Junho de 2007, conquanto resulte manifesto dos autos tratar-se de mero lapso de escrita – cfr. artigo 249.º do Código Civil.

No que diz respeito ao apuramento da responsabilidade civil da Demandada W... – Companhia de Seguros, S.A., e com pertinência, não se provou:

1. Que logo após o acidente, enquanto se encontrava prostrado no chão da EN 1, F... respirava e cuspia sangue;

2. Que F... procedesse à venda da madeira existente no pinhal da família.

3. Que fosse F... quem, com as suas próprias mãos, realizou todos os trabalhos de remodelação dentro da sua própria casa, arranjo do chão, paredes, construção de um fogão de sala.

4. Que fosse F... quem construiu a quase totalidade da casa do seu filho Nelson.

5. Que fosse F... quem, nessa casa, levantou paredes, as rebocou, as pintou e ladrilhou o chão.

6. Que A...vá todos os dias ao cemitério.

7. Que A...tenha tentado suicidar-se num poço na sua propriedade.

8. Que A...durante dois anos não tenha ligado a televisão.

9. Que algumas colegas de trabalho fossem buscar A...a casa, sendo esta a única forma de dela sair.

10. Que a filha C..., ora Demandante, foi quem, tentando minorar o seu desgosto pela morte do pai, assumiu a missão de continuar a manter a união do agregado familiar, mantendo o funcionamento básico da casa de morada de família, atenta a incapacidade da sua mãe para o fazer.

11. Que a morte de F... tenha coincidido com a sua situação de desemprego de C....

12. Que a depressão de que padeceu C... tenha ocorrido cerca de um ano após a sua morte.

13. Que C... tenha sido acompanhada por médico psiquiatra, sendo que nos primeiros meses de tratamento psiquiátrico não esteve em condições de trabalhar.

14. Que a medicação prescrita a C... fosse Fluoxtina e Alprasolam.

15. Que C... tenha perdido cerca de 10 quilos, ficando a pesar apenas 48.

16. Que D... acompanhe imensas vezes as idas de sua mãe ao cemitério,

17… chegando a agarrar-se ao retrato do pai e chorando-o.

Motivação e análise crítica das provas

Conforme decorre da matéria de facto supra enunciada, entendeu o Tribunal, finda a discussão da causa, que os meios de prova produzidos e/ou examinados em sede de julgamento permitem concluir, além do mais, que o acidente ocorreu nos termos que se mostram descritos na pronúncia.

Os meios de prova produzidos e/ou examinados em julgamento, a este propósito, foram:

▪ Declarações do arguido, B..., o qual relatou a sequência de acontecimentos que vieram a culminar no sinistro sub judice, relato esse, todavia, divergente daquele que se acha plasmado no despacho de pronúncia. Com efeito, na versão que dos factos foi apresentada pelo arguido, nas circunstâncias de tempo e lugar mencionadas, este circularia, sensivelmente, a meio da sua hemi-faixa de rodagem, e o veículo FO na berma direita, atento o sentido de trânsito de ambos [Batalha/Leiria], quando, subitamente, e sem que nada o fizesse prever, o condutor do veículo FO “guinou” à esquerda, cortando a trajectória do veículo QZ, conduzido pelo arguido, o qual ainda logrou accionar os mecanismos de travagem e desviar à esquerda, mas não logrou evitar o embate, que veio a ocorrer junto ao duplo traço contínuo existente no local.

Com pertinência, declarou ainda o arguido que, aquando do embate, e antes de cair ao solo, o capacete que envergava F... “saltou logo, tendo sido projectado para a frente”.

No mais, foram tidas em consideração as declarações do arguido quanto à sua situação pessoal, económica e profissional, as quais se mostraram credíveis.

▪ Declarações do Perito  … [31 anos, casado, engenheiro mecânico]: o qual, com pertinência, corroborou o teor do relatório pericial que faz fls. 262 a 298 dos autos, esclarecendo o tribunal da forma como o mesmo foi elaborado e das conclusões nele vertidas.

▪ Declarações da demandante Civil C... [34 anos, solteira, professora, filha do falecido F...]: a qual, não tendo presenciado os factos, esclareceu, todavia, com pertinência, que era costume aos Domingos – como era o caso – a família realizar passeios junto ao mar, e que no dia em apreço, o [falecido] F... tinha ido beber café após o almoço – como era seu hábito – e que as circunstâncias de tempo e lugar mencionadas nos autos como sendo as do sinistro são compatíveis com o seu regresso a casa, onde era aguardado pela família para o passeio domingueiro.

Mais declarou, com pertinência, estar o seu irmão D... – co-demandante civil nestes autos – habilitado à condução de motociclos como o aqui sinistrado.

▪  Documentos juntos aos autos, mormente:

- Auto de notícia de fls. 66;

- Participação de acidente de fls. 64 a 65v.;

- Análises Toxicológicas de fls. 51, 67 e 69;

- Declaração do arguido de fls. 68;

- Informação e certificado de óbito de fls. 28 e 17, respectivamente;

- Boletim de informação clínica de fls. 14 a 15;

- Relatório de autópsia de fls. 46 a 50;

- Inquérito da G.N.R. – Brigada de Trânsito de Leiria/Núcleo de Investigação Criminal – de fls. 62 a 140, com especial realce:

- Relatório de Inspecção ao local de fls. 77 a 79;

- Elementos referentes aos veículos intervenientes no sinistro de fls. 81 a 87;

- Autos de exame directo aos veículos intervenientes no sinistro de fls. 88 a 91;

- Relatório do ripómetro e opacimetro respeitantes à inspecção periódica do veículo ... de fls. 103;

- Relatório final e respectivos anexos de fls. 116 a 140;

- Relatório pericial do IDMEC e respectivos anexos de fls. 262 a 298;

- Certidão de escritura de habilitação de herdeiros de fls. 376 a 378;

- Certidão de assento de óbito de fls. 379;

- Certidão de assento de nascimento de fls. 380;

- Atestado de doença de fls. 381;

- Declaração de entidade patronal de fls. 389;

- Cópias de documentos de identificação de fls. 390 a 391;

- Cópia certificada de escritura de fusão de fls. 423 a 434;

- Apólice de seguro de fls. 436;

- Cartas da Demandada Civil ao arguido de fls. 435 e 444, e

- Certificado de registo criminal de fls. 573 dos autos.

------- No que diz respeito ao apuramento da responsabilidade criminal do arguido: -------------

Face aos meios de prova supra mencionados, conjugados ainda com as regras da experiência comum, entende este Tribunal que foi produzida prova susceptível de corroborar – com o grau de certeza exigido – a versão que dos factos se acha plasmada no despacho de pronúncia.

A questão essencial suscitada nos autos, e à qual se impôs obter resposta – conquanto a demais factualidade constante da pronúncia tenha encontrado comprovação com relativamente evidente nos meios de prova enunciados – diz respeito às concretas circunstâncias que, ab initio, determinaram a produção do acidente. E isto porque em confronto duas versões distintas nesta matéria: a versão do arguido [sustentada pelo relatório que faz fls. 62 a 140 dos autos], e a versão da pronúncia [sustentada pelo relatório que faz fls. 262 a 298 dos autos].

A primeira de tais versões – já aqui a reproduzida aquando da referência supra às declarações do arguido – enuncia um sinistro despoletado pelo condutor do veículo com a matrícula ... [motociclo], que, seguindo pela berma direita da E:N. 1/IC 2, Km. 116,240, atendo o seu sentido de marcha [Batalha/Leiria], e com o alegado intuito de realizar manobra de inversão do sentido de marcha, inopinadamente, corta a trajectória do veículo com a matrícula ... [automóvel] que circulava, no mesmo sentido de trânsito, pela na hemi-faixa de rodagem direita, obrigando o mesmo a travagem e desvio à esquerda, não logrando, todavia, evitar o embate – do qual decorreram as consequências que supra se deram como provadas.

Já na versão da pronúncia, temos um sinistro despoletado pelo condutor do veículo com a matrícula ... [automóvel] que, circulando, efectivamente, pela na hemi-faixa de rodagem direita atento o seu sentido de marcha [Batalha/Leiria], efectua uma [mal calculada] manobra de ultrapassagem ao veículo com a matrícula ... [motociclo], que circulava no mesmo sentido e hemi-faixa de trânsito, porém, junto à berma direita daquela, e que, apercebendo-se da exiguidade espacial para efectuar a manobra pretendida, acciona ainda os mecanismos de travagem do veículo e corrige a sua trajectória à esquerda, não sendo, todavia, tais mecanismos de reacção suficientes para, atempadamente, evitar o embate – do qual decorreram as consequências que supra se deram como provadas.

Ora, não tendo qualquer das testemunhas inquiridas em sede de audiência de discussão e julgamento presenciado o sinistro, a prova que nesta matéria merece valoração – para além das declarações prestadas pelo próprio arguido – é aquela que resulta documentalmente dos autos, a saber: os relatórios que fazem fls. 62 a 140 e 262 a 298, na medida em que erigidos sobre a demais prova documental enunciada supra, defendidos em audiência pelos respectivos subscritores.

As conclusões vertidas nos relatórios referenciados, todavia, e pese embora partindo dos mesmos elementos objectivos colhidos nos autos, levam-nos, porém, a resultados diversos.

Ora, neste particular, não pode o Tribunal olvidar que o teor e respectivas conclusões do relatório apresentado a fls. 262 a 298, merece distinta valoração: a que é conferida à prova pericial. Assim é porquanto os juízos técnicos inerentes à prova pericial presumem-se subtraídos à livre apreciação do julgador, por força do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código de Processo Penal [como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2007 (citado no acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 2008 [n.º SJ20081001020353, disponível em www.dgsi.pt]), tal preceito estabelece uma excepção ao princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º do mesmo diploma, atribuindo um valor presuntivamente pleno ao juízo técnico, científico e artístico inerente à prova pericial, do que decorre que o julgador, face a prova pericial, terá de aceitar o juízo técnico, científico ou artístico a ela inerente, a menos que fundamente a sua divergência relativamente ao mesmo].

Dispõe, todavia, o n.º 2 do citado artigo 163º do Código de Processo Penal, que “Sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência” – [como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Novembro de 2007 (citado no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 2008 [n.º SJ20081001020353, disponível em www.dgsi.pt]), face ao regime vigente, se o julgador acatar o juízo técnico, científico ou artístico dos peritos, inerente à prova pericial, nada terá que dizer. Se o não acatar, e dele divergir, terá que fundamentar a sua divergência].

Ora, desde já se adianta que, in casu, o Tribunal acata o juízo técnico plasmado no relatório pericial em apreço.

E pese embora tal “acatamento” nos dispense de fundamentação adicional, sempre se dirá o seguinte: as razões que determinaram a posição assumida pelo Tribunal nesta matéria não se fundam na distinta natureza dos relatórios juntos a fls. 62 a 140 e 262 a 298, pois que, como supra se sublinhou, ao julgador é lícito dela divergir, sendo que com relação à matéria de facto em que e baseia a conclusão pericial, tal divergência sequer exige fundamentação cientifica, conquanto, nesse aspecto, não é posto em causa o juízo de carácter técnico-científico expendido pelo perito [cfr., entre outros, Acórdão do S.T.J., de 11 de Julho de 2007, processo 07P1416, disponível no sítio www.dgsi.pt]. Afigura-se-nos, outrossim, que a matéria de facto apurada nos autos, redunda consentânea com as conclusões extraídas no relatório pericial enunciado. Vejamos: na tese defendida pelo próprio arguido, o veículo com a matrícula ... circularia a uma velocidade aproximada dos 40 Km/h. [o que não é substancialmente diverso – para os efeitos que ora nos ocupam – do apurado no relatório pericial que faz fls. 262 a 298 – na ordem dos 50 Km/h.]. Continuando nessa versão, o condutor do veículo FO teria, inopinadamente, guinado à esquerda, cortando, desse modo, a trajectória do veículo com a matrícula ... [automóvel] que circulava no mesmo sentido de trânsito.

A factualidade descrita nos pontos 19 a 23, encontra-se comprovada pericialmente, nos autos – cfr. fls. 51, 67, 69 e 46 a 50.

A factualidade plasmada nos pontos 24 29 supra da matéria de facto provada, decorre da conjugação dos elementos probatórios produzidos e/ou examinados em sede de audiência de julgamento, à luz das regas da experiência comum.

            Quanto à demais factualidade apurada [pontos 49. a 93.], a mesma resultou da prova testemunhal produzida, a qual foi de molde a corroborar as correspondentes alegações das Demandantes, sendo os pontos de facto 74 e 75, ainda em conjugação com o teor dos documentos juntos aos autos a fls. 381 e 389.

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do arguido B... as  questões a decidir são as seguintes:

- a sentença recorrida é nula, nos termos do art.379.º, n.º1, alínea a), do C.P.P., por fundamentação insuficiente da matéria de facto relativa ao acidente que deu como provada; e

- o Tribunal recorrido não aplicou, como devia, o princípio in dubio pro reo , pois apesar de toda a prova recolhida, os factos relevantes para a decisão, não são susceptíveis de ser subtraídos à “ dívida razoável”, violando assim o disposto nos artigos 2.º, 50.º e 137.º do C.P., 60.º, 61.º e 368.º do C.P.P. e 32.º e 204.º da C.R.P..

Perante as conclusões da motivação dos demandantes A..., C... e D..., as questões objecto de recurso são:

- se o dano morte devia ter sido ressarcido com o valor peticionado de € 75.000,00;

- se os danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima antes de morrer deviam ser compensados com valor não inferior a € 12.500,00;

- se os danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes deviam ser compensados com o valor peticionado de € 27.500,00 para a viúva e € 20.000,00 para cada um dos filhos do falecido; e

- se deve ser atribuída aos demandantes uma indemnização, a título de danos patrimoniais, na quantia peticionada de € 2.000,00, pela paralisação ou dano pela imobilização do motociclo de matrícula ... e deve ainda a demandada ser condenada a reparar o mesmo veículo.


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Recurso do arguido B...

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            A primeira questão a decidir é se a sentença recorrida é nula, nos termos dos artigos 379.º, n.º1, alínea a), do C.P.P. e 204.º da Constituição da República Portuguesa.

O arguido B... sustenta que sentença recorrida é nula, por fundamentação insuficiente da matéria de facto relativa ao acidente que se deu como provada, alegando para este efeito o seguinte: na matéria de facto destes autos encontram-se em oposição duas versões diferentes ( a versão das autoridades/GNR, que sustenta a do arguido e a versão da pronúncia, sustentada pelos assistentes). O relatório que contém a versão das autoridades (GNR/Núcleo de Investigação de Acidentes de Viação) foi feito por agente que inspeccionou o local 2/3 dias após o acidente e o relatório que suporta a versão da pronúncia/sufragada pelo Tribunal recorrido foi feito com cópias de elementos que lhe foram facultados, em 12-3-2010 ( tendo o presente acidente, ocorrido em 17-6-2007).

Não resulta inequívoca da sentença, o porquê da escolha do Tribunal por uma destas versões, e não a outra. A livre apreciação da prova não pode ser o livre arbítrio, tornando-se necessário a prova de que o arguido possa e seja capaz de, face às circunstâncias, conhecer e tomar as precauções para evitar o resultado, só assim podendo ser alvo de qualquer reprovação ético-social.

Vejamos.

A necessidade de fundamentação das decisões dos tribunais, que não sejam de mero expediente, tem consagração no art.205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, inserindo-se nas garantias de defesa de processo criminal a que alude o art.32.º, n.º 1 do mesmo diploma fundamental.

A este respeito, observa o Prof. Germano Marques da Silva, que o objectivo do dever de fundamentação, imposto pelos sistemas democráticos, é permitir “ a sindicância da legalidade do acto , por uma parte , e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça , por outra parte , mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando  por isso  como meio de autodisciplina .”.[4]

Este princípio constitucional é extensivo a todos os ramos do direito, designadamente ao processo criminal.

A fundamentação da sentença, e a sua falta, tem tratamento específico na lei processual penal, estatuindo o art.379.º, alínea a), do Código de Processo Penal, que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no art.374.º, n.º 2 do mesmo Código.

O art.374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal estabelece que , na elaboração da sentença , ao relatório segue-se a fundamentação, «…que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa , ainda que concisa , dos motivos de facto e de direito , que fundamentam a decisão , com indicação e exame critico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.». 

Deste preceito resulta que a fundamentação da matéria de facto exige a indicação das provas.

A imposição de enumeração dos meios de prova possibilita o controlo da legalidade dos meios de prova produzidos em audiência.

É inequívoco, porém, que a fundamentação não se satisfaz com a simples indicação das provas; exige-se ainda o exame crítico das provas que formaram a convicção do tribunal.  
A exigência do exame crítico das provas é um aditamento levado a cabo pela Lei n.º 59/98 de 25 de Agosto, na sequência de jurisprudência que se vinha formando sobre essa necessidade, nomeadamente pelo STJ, que interpretou aquele dever de fundamentação no sentido de que a sentença - para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova - há-de conter também os elementos que , em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos , constituíram o substrato racional  que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, um exame critico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do Tribunal num determinado sentido. [5]

À falta de fundamentação, isto é, à total e absoluta ausência de fundamentação, deve equiparar-se a fundamentação insuficiente, posto que uma decisão parcialmente fundamentada tem de ser entendida como não fundamentada, pois que inexiste meia fundamentação.

No caso em apreciação, pese embora o recorrente B... invoque, relativamente à sentença, a insuficiência de fundamentação da decisão da matéria de facto, cremos ser medianamente claro que o mesmo entendeu o que levou o Tribunal a quo a dar como provada a versão contrária àquela por si pugnada.

O que acontece é que, no seu entender, a prova produzida e examinada criticamente na fundamentação da matéria de facto, deveria ter levado o Tribunal a concluir estar perante “ prova incerta” e decidir-se pela aplicação do princípio “in dúbio pro reo

Certamente por essa razão o recorrente B..., ao invocar a nulidade da sentença, não pede que em caso de reconhecimento pelo tribunal de recurso, seja devolvido o processo ao tribunal que emitiu a sentença a fim de suprir a nulidade através da prolação de nova decisão que desse integral observância ao disposto no art.374.º, n.º 2 do C.P.P., mas sim a sua absolvição.

De todo o modo, diremos que consta da sentença recorrida a enumeração dos factos provados e não provados, bem como a indicação dos meios prova, precisando-se os que lhe mereceram credibilidade e o seu exame critico, de modo a permitir seguir o substrato racional que conduziu o Tribunal a considerar uns factos provados e outros não provados.

Pode-se concordar ou não com o exame crítico da prova, designadamente se a versão da pronúncia (sustentada pelo relatório que faz fls. 262 a 298 dos autos), dada como provada viola ou não o princípio da livre apreciação da prova e o princípio “in dúbio pro reo” , mas o certo é que aquela versão foi confrontada, na motivação da matéria de facto da sentença, com a prova que sustenta a versão do arguido (sustentada pelo relatório que faz fls. 62 a 140 dos autos), e aí se explica , em termos racionais, a razão pela qual se teve como inverosímil a versão apresentada pelo arguido, ou seja, que o embate no motociclo teria ocorrido quando a vítima, inopinadamente, cortou a trajectória do veículo do arguido com o intuito de realizar uma manobra de inversão de marcha.

Pelo exposto, não se reconhecendo que a sentença recorrida padece da nulidade a que alude o art.379.º, n.º1, al.a) do Código de Processo Penal, improcede a primeira questão.

            Passemos à segunda questão objecto de recurso.

O arguido B... defende que, no caso dos autos, estamos perante prova incerta ou factos incertos e, consequentemente, a decisão desta incerteza deve favorecê-lo, por aplicação  do princípio “in dúbio pro reo

No seu entender, apesar de toda a prova recolhida, os factos relevantes para a decisão, não são susceptíveis de ser subtraídos à “ dívida razoável” e a falta dessa mesma prova não pode, de modo algum, desfavorecer a sua posição.

O Tribunal recorrido não aplicou, como devia, este princípio, violando assim um preceito consagrado na Lei e na Constituição da República Portuguesa ( art.32.º), tornando a decisão, para além de ilegal, inconstitucional.

Apreciemos a questão.

O objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos ( prova directa ), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem , com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este ( prova indirecta ou indiciária).

A prova indirecta “ … reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” . [6]

Como salienta o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996 , “ a inferência na decisão não é mais do que ilação , conclusão ou dedução , assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” [7]

O art. 127.º do Código de Processo Penal estabelece que “salvo quando a lei dispuser de modo diferente , a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.” .

As normas da experiência são, no dizer do Prof. Cavaleiro de Ferreira , «...definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico , independentes do caso concreto “sub judice” , assentes na experiência comum , e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam , mas para além dos quais têm validade.». O qual acrescenta, que a livre convicção

« é um meio de descoberta da verdade , não uma afirmação infundamentada da verdade . É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores [8]

Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é “... uma convicção pessoal -  até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais  -  , mas em todo o caso , também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros.”[9]. Efectivamente, a convicção do Tribunal a quo é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.

Deste modo, é na audiência de julgamento, realizada em 1.ª instância, que o princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância, encontrando  afloramento, nomeadamente , no art. 355.º do Código de Processo Penal . È ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.

Por isso se entende que em respeito a estes princípios se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.

A propósito da apreciação da prova, importa sempre realçar o princípio in dubio pro reo .

Este princípio estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.

O mesmo decorre do princípio da presunção da inocência, consagrado no art.32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa, que estatui que “ todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.

O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse principio se da decisão recorrida resultar que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido.[10]

A violação do princípio in dubio pro reo exige que o tribunal tenha exprimido, com um mínimo de clareza, que se encontrou num estado de dúvida quanto aos factos que devia dar por provados ou não provados. Como ensina o Prof. Roxin, “o princípio não se mostra atingido quando, segundo a opinião do condenado, o juiz deveria ter tido dúvidas, mas sim quando condenou apesar da existência real de uma dúvida”.[11]

Se na fundamentação da sentença oferecida pelo Tribunal, este não invoca qualquer dúvida insanável, ou, ao invés, se a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, com indicação clara e coerente das razões que fundaram a convicção do tribunal, inexiste lugar à aplicação do princípio in dubio pro reo.

No caso em apreciação, o Tribunal a quo, deixando bem claro que não existiam testemunhas do acidente, apreciou na motivação da matéria de facto a versão do arguido, que foi tida em conta no relatório da GNR, de folhas 62 a 140 dos autos, e a que resulta do relatório junto de folhas 262 a 298 dos autos, para decidir “ a questão essencial” que “diz respeito às concretas circunstâncias que ab initio , determinaram a produção do acidente”.   

O Tribunal a quo começa por anotar que o relatório apresentado a folhas 262 a 298 configura prova pericial, sujeita ao regime do art.163.º do Código de Processo Penal e que não tem razões para divergir das suas conclusões.

Mas não se ficou por aqui o mesmo Tribunal, pois passou seguidamente a explicar a razão pela qual entende dever ser afastada a versão apresentada pelo arguido relativamente às  circunstâncias em que ocorreu o acidente.

Independentemente da qualificação do Relatório Técnico Cientifico sobre o acidente, realizado pelo IDME/IST, junto de folhas 262 a 298 dos autos, poder ser qualificado tecnicamente como prova pericial, para efeitos do disposto no art.163.º do Código de Processo Penal – qualificação que nunca foi controvertida ao longo do processo – não podemos deixar de notar, que o Tribunal não se bastou com o simples acatamento desse juízo técnico e clarificou na motivação de facto da decisão recorrida as razões pelas quais não é  credível que o acidente tenha resultado de uma manobra inopinada da vítima para inverter a marcha do motociclo e considerou que a reconstituição dinâmica do acidente se mostra credível.

A reconstituição do acidente constante de folhas 262 a 298 dos autos, pese embora as limitações que resultam deste ser um facto complexo e dinâmico que parte do conhecimento das condições que o condicionaram, mostra-se efectuada em termos técnico-cientificos, e é uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum.

A este respeito, o Tribunal a quo é muito claro na afirmação de que a versão do acidente que consta daquela reconstituição, face aos meios produzidos, conjugados com as regras da experiência comum,  apresenta “o grau de certeza exigido” para a dar como provada.

A convicção a que o Tribunal a quo chegou na sentença mostra-se objecto de um procedimento lógico e coerente de valoração, com motivação bastante, onde não vislumbra assumo de arbítrio na apreciação da prova e, dela não se vislumbra que tenha chegado a qualquer estado de dúvida sobre a prática pelo arguido B... dos factos dados como provados.

O que resulta dessa fundamentação é um estado de certeza do Tribunal recorrido relativamente à prática pelo arguido/recorrente desses factos dados como provados.

Deste modo, não se mostra violado o princípio in dubio pro reo na valoração da prova produzida, nem violada qualquer outra das normas invocadas pelo recorrente nas conclusões da motivação.

Mantendo-se nos seus precisos termos a factualidade fixada pelo Tribunal a quo, subsiste a decisão impugnada, improcedendo, consequentemente, o recurso interposto pelo arguido B....


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Recurso dos demandantes A..., C... e D...

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Os demandantes cíveis defendem que a indemnização de € 50.000,00 que lhes foi atribuída a título de dano morte, peca por defeito, devendo ser corrigida para o valor, peticionado, de € 75.000,00.

Sustentam para o efeito que a vida é o bem mais supremo do Direito, e que jurisprudencialmente o dano morte tem sido indemnizado com valores situados entre os € 50.000,00 Euros e os € 80.000,00. Por outro lado, a vítima era saudável, feliz, activa e trabalhadora, com os seus 54 anos estava ainda longe de atingir o último patamar da sua esperança de vida; tinha gosto em sair com a família e aproveitava a vida.
Vejamos.
O problema da reparação, em caso de morte, é tratado global e especificamente pela lei civil como um caso especial de indemnização, nos artigos 495.º e 496.º do Código Civil, respectivamente, para os danos patrimoniais e não patrimoniais, atribuindo-se a determinadas pessoas um direito próprio a serem reparadas, abstraindo-se de quaisquer regras sucessórias.
Para decisão desta questão importa atender ao disposto no art.496.º, n.º 3, 1ª parte, do Código Civil, que estatui que o montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixado por critério de equidade, tendo em conta as circunstâncias referidas no art.494.º do mesmo Código, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem.
Na formação do juízo de equidade, devem ter-se em conta as regras da boa prudência, a justa medida das coisas, a criteriosa ponderação das realidades da vida, como se devem ter em atenção as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes.[12]
O direito à vida, como direito absoluto inerente à condição humana deve, em abstracto, obter a mesma valoração. Equivalendo-se todas as vidas, parte da jurisprudência defende que factores como a idade, a condição sócio-cultural ou o estado de saúde da vítima, não relevam na fixação da indemnização por perda do direito à vida - neste sentido decidiram, entre outros, o acórdão do STJ, de 14-7-2009 ( proc. n.º 1541/06.1TBSTS.S1, in www.dgsi.pt ).
Outros entendem que, pese embora o direito à vida seja um direito absoluto, tal não impede, que em concreto e por razões de equidade, possam ser ponderados factores como a idade, a condição sócio-cultural ou o estado de saúde da vítima, na determinação do montante da indemnização - neste sentido, o Desembargador Dário Martins de Almeida, in “ Manual de acidentes de viação”, Almedina, 1980, pág. 186 e, na jurisprudência, entre outros, o acórdão do STJ, de 11-12-2008 ( proc. n.º 08B2935), in www.dgsi.pt.
A partir de 2001 a jurisprudência passou a fixar, frequentemente, próximo dos € 50.000,00 a indemnização pela perda do direito à vida.
Nos últimos tempos, em regra, o STJ tem atribuído pela perda do direito à vida uma compensação entre os € 50.000,00 e os € 80.000,00 – cfr. acórdãos do STJ, de 31-05-2012, (proc. n.º 14143/07.6TBVNG.P1.S1), de 31/01/2012 (proc. n.º 875/05.7TBILH.C1.S1) e de 10-7-2008, (proc. n.º 08A1853), e o acórdão da Relação de Coimbra, de 25-3-2009 ( proc. n.º 205/07.3GTLRA.C1), todos in www.dgsi.pt ),
Pela nossa parte entendemos que, pese embora a vida seja um valor absoluto, não deverá deixar de se atender, na fixação da respectiva indemnização, por razões de equidade, ao caso concreto e, em especial á idade da vítima, atribuindo-se um especial valor compensatório à vida perdida até por volta dos 25 anos de idade.
No presente caso, importa realçar que o F..., à data do seu falecimento, tinha 54 anos de idade, era de condição sócio-cultural modesta e um homem feliz e saudável.

Atenta a equidade, e tendo ainda em conta as concretas circunstâncias do lesante, do lesado e do acidente ocorrido por culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel, B..., consideramos que seria justo e adequado, atribuir aos demandantes uma compensação de € 60.000,00 pela perda do direito à vida da vítima F....

Tendo o Tribunal a quo fixado essa indemnização em € 50.000,00, procede assim, parcialmente, esta questão.

            A segunda questão respeita aos danos não patrimoniais sofridos pela própria vítima antes de morrer, que no entender dos recorrentes deviam ser compensados com valor não inferior a € 12.500,00;

Alegam para o efeito que a vítima não teve morte imediata. Ainda enquanto o F...se encontrava deitado no asfalto do IC 2, conseguiu ainda, quando perguntado, dizer o seu nome e para onde se dirigia, não obstante ter fractura bilateral das costelas, contusão e perfurações pulmonares, contusão do saco pericárdico, laceração do fígado, infiltração sanguínea peri-renal, hemoperitoneu, fractura completa de D6 e D12, com secção completa da medula, infiltração dos tecidos moles circundantes, fractura do fémur esquerdo. A vítima apercebeu-se perfeitamente da inevitável morte e sofreu dores profundas durante os mais de 30 minutos que permaneceu vivo.

A decisão desta questão, objecto de recurso, depende do sofrimento da vítima e da respectiva duração, da maior ou menor consciência da vítima sobre o seu estado e da aproximação da morte.”.[13] 

Não sendo imediata a morte da vítima após o acidente e sofrendo a mesma com o saber que  poderá estar iminente o fim da sua vida, é pacífico que se deverá atribuir uma indemnização pelo dano sofrido pela vítima antes de morrer.

No caso em apreciação, apurou-se que o acidente ocorreu pelas 15h30m, na sequência de um embate do veículo conduzido pelo arguido no motociclo conduzido pela vítima Álvaro. Na sequência do embate o F... foi transportado para o Hospital de Santo André, em Leiria, onde faleceu nesse mesmo dia, pelas 16.25 horas.

As lesões descritas no ponto 22 dos factos provados, nomeadamente as lesões traumáticas vértebro-meningomedulares dorsais, toraco-abdominais e do membro inferior esquerdo foram a causa directa e necessária da morte do F....

Pelo menos até ao transporte para o Hospital, o F... manteve-se consciente, tendo ainda respondido no local do sinistro e perante quem lhe prestava assistência, sobre o seu nome e morada, sentiu dores e apercebeu-se de que não se conseguia mexer e de que ia morrer.
Considerando, por um lado, que a vítima sentiu dores após o acidente, se apercebeu que não conseguia mexer-se e teve consciência da morte eminente e, por outro, que esta se veio a verificar menos de 1 hora após o acidente, cremos que a fixação em € 7000,00 de compensação deste dano de carácter imaterial, pelo Tribunal a quo, é equitativa e, por isso, deve manter-se.

A questão seguinte é se os danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes deviam ser compensados com o valor peticionado de € 27.500,00 para a viúva e € 20.000,00 para cada um dos filhos do falecido.

Os recorrentes consideram o Tribunal a quo subvalorizou este tipo de danos, alegando para o efeito, essencialmente, o seguinte: a douta sentença de que se recorre considerou serem de grau elevado os danos morais vivenciados pela viúva e pelos seus dois filhos.

A viúva, A..., chorou e chora a morte do marido, perdeu 10 quilos, entrou em profunda depressão, vai com frequência ao cemitério, esteve sem trabalhar quase um ano, tentou suicidar-se atirando-se de um veículo em andamento, perdeu a alegria de viver. Se atentássemos nos valores atribuídos pela tabela da Portaria 679/2009 de 25/06, encontrando-se a viúva casada há mais de 25 anos à data da morte do marido, tal dano seria compensado, extrajudicialmente e em sede de “proposta razoável” com € 25.650,00 - para um dano médio e padronizado. Não se vislumbra assim, quando nesta situação concreta o dano é supremo e o sofrimento tem sido muito, porquê compensar tal dano com valor inferior a € 27.500,00.

Os filhos, C... e D..., também sofreram muito com a morte do pai, sendo-lhe chegados e com ele convivendo diariamente. Assim, se a tabela inserida na Portaria já citada, para um dano médio e padronizado atribui um valor base de € 10.260,00, não se vislumbra, uma vez que no caso concreto o dano foi elevado, a razão para atribuir a cada um dos filhos da vítima valor inferior a € 20.000,00.
No que concerne a esta questão, o Tribunal da Relação começa por vincar que o critério fundamental para a determinação judicial das indemnizações por danos é fixado pelo Código Civil.

Os danos , patrimoniais e não patrimoniais, definidos pela Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se a aplicação extra-judicial e, se podem ser ponderados pelo julgador, não se sobrepõem ao estabelecido no Código Civil.
A indemnização dos danos não patrimoniais, prevista no art.496.º do Código Civil, reveste uma natureza acentuadamente mista; por um lado, visa a compensação de algum modo, mais do que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com meios próprios do direito privado , a conduta do agente.[14]

Neste tipo de indemnização “há que considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, enfim, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não. É que a indemnização por estes danos traduz o “preço” da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou”.[15]
A jurisprudência dos Tribunais Superiores, em matéria de danos não patrimoniais, tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização ou compensação deve constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista.

Neste âmbito, e sem prejuízo do caso concreto, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, na atribuição à viúva por danos por este sofridos, já chegou a atribuir valores até os € 30.000,00. Já para os filhos, e também sem prejuízo do caso concreto, a jurisprudência tem fixado valores que vão até os € 25.000,00.[16]

No caso em apreciação, relativamente à viúva, importa ter presentes os factos dados como provados essencialmente nos pontos n.ºs 63 a 78 da sentença recorrida, dos quais resulta que , designadamente, que casou com a vítima em 25 de Outubro de 1976, formando um casal unido, amigo, com uma relação estável de confiança e amor, que vivia feliz e unido juntamente com os seus filhos .Era um casal que fazia da sua relação o centro nuclear da sua família,  e com a morte de F... a demandante A...entrou em colapso físico e psíquico, gritando e chorando sem controlo. Ainda chora a perda do marido. Entrou numa profunda depressão, a qual perdurou numa primeira fase durante cerca de 9 meses, não tendo tido capacidade para trabalhar, conduzir e cozinhar. Vai desde então, com frequência, ao cemitério. Veste preto. Perdeu 10 quilos. Acompanhada desde os dias seguintes ao acidente pelo médico de família e por especialistas em psiquiatria e neurologia, foi-lhe diagnosticada uma profunda depressão, com estado confusional, ideias suicidas, insónias e cefaleias intensas, com incapacidade para o trabalho entre 06/07/2007 e Maio de 2008. Esteve sem trabalhar desde 18/06/2007 até 18/03/2008 por baixa médica e licença por falecimento. Tentou suicidar-se ao tentar atirar-se pela porta do veículo em andamento. Durante um período não concretamente apurado não ligou a televisão em casa, perdendo a alegria de viver.

Não tendo a vítima contribuído culposamente para a sua morte, sendo profundo e prolongado o prejuízo para a demandante A..., resultante da morte do F...,  cremos que o montante que lhe foi arbitrado pela 1.ª instância, de € 17.000,00, por danos não patrimoniais próprios, encontra-se abaixo dos montantes que nos tribunais superiores, nomeadamente no STJ, têm sido arbitrados em situações paralelas, como se dá conta nos acórdãos atrás mencionados. Por mais conforme aos danos sofridos pela demandante A...entendemos que os mesmos devem ser compensados com o montante indemnizatório de € 25.000,00.

Relativamente aos danos não patrimoniais causados pelo arguido aos demandantes C... e D..., resultou provado que estes choraram muito a perda do seu pai, sendo dele muito amigos e chegados.

A C... tinha 30 anos à data da morte do pai; o pai era o seu confessor, o seu profundo amigo; tinha um contacto diário com ele, sendo muito próximos; mercê dessa perda, C... padeceu de depressão, tendo sido acompanhada clinicamente e medicada. Tinha graves e incontroláveis ataques de choro; emagreceu e sente a falta do pai.

O D... D...contava com 28 anos à data da morte do pai. Para além de ter sido sempre muito chegado ao seu pai, tinha sido companheiro diário deste nos últimos dois anos em que decorreu a construção da casa daquele e na qual foi em muito ajudado pelo seu pai. Ficou triste com a morte do pai, chorando-a.

Considerando os critérios mencionados para a atribuição deste tipo de indemnização, o Tribunal da Relação entende fixar em € 17.500,00 a indemnização por danos não patrimoniais, a cada um dos filhos da vítima.

A última questão a decidir é se deve ser atribuída aos demandantes uma indemnização, a título de danos patrimoniais, na quantia peticionada de € 2.000,00, pela paralisação ou dano pela imobilização do motociclo de matrícula ... e se deve ainda a demandada ser condenada a reparar o mesmo veículo.

Alegam para o efeito os recorrentes, e, síntese, que ficou provado que o veiculo ..., motociclo conduzido pela vítima, sofreu danos.

A regra geral para a reparação dos danos é a sua reconstituição natural a ser feita pelo lesante.

Tendo os Demandantes provado o dano e não tendo o lesante (ou quem o substitui contratualmente - seguradora) provado qualquer facto que obstasse à reparação (reconstituição natural) - nomeadamente a sua impossibilidade ou excessiva onerosidade deve a seguradora ser condenada à reparação do motociclo (enquanto prestação de facto), ainda que o dano não esteja contabilizado pecuniariamente.

Ainda que não se tivesse provado que o motociclo seria utilizado por qualquer um dos herdeiros, os mesmos, passando a ser os seus proprietários, não puderam dispor do mesmo na sua esfera patrimonial, retirando do mesmo quaisquer utilidades, nomeadamente vendê-lo no estado em que se encontrava antes do acidente. O dano existe e não sendo exactamente contabilizável não se vê motivo para que equitativamente o mesmo não se compense com valor não inferior a € 2.000,00, tendo em conta o tempo decorrido entre a data do acidente e a presente data.

Vejamos.

Dispõe o artigo 562.º do Código Civil, que «Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.»

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 566.º do mesmo Código estabelece que «A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.».

Da conjugação destes preceitos cremos ser pacífico que a lei dá prioridade à reconstituição natural entre outras formas de indemnização.

O Prof. Antunes Varela observa, a este respeito, que a lei estabelece, como princípio geral, o dever de reconstituir a situação anterior à lesão, isto é, o dever de reposição das coisas no estado em que estariam se não se tivesse produzido o dano. A indemnização em dinheiro tem carácter subsidiário, tendo lugar apenas nas situações excepcionalmente previstas no n.º 1 do artigo 566.º, isto é, quando seja inviável a reconstituição da situação anterior à lesão, quando não repare integralmente o dano ou quando seja excessivamente onerosa para o devedor. [17]
Ainda sobre esta problemática escrevem os Profs. Pires de Lima e A. Varela que “ Quando a indemnização deva ter lugar sob a forma de reconstituição da situação material anterior à prática do facto lesivo (restauração ou reposição natural), é ao lesante, e não ao lesado, que incumbe promover a reparação dos danos causados ( se por ex., A danifica um automóvel de B, culposamente ou em circunstâncias que o fazem incorrer em responsabilidade pelo risco, é A, e não B, quem deve mandar fazer as reparações necessárias …) …” .[18]  
Por sua vez, o Prof. Almeida Costa ensina que “É no interesse de ambas as partes e como modo normal de indemnização que a restauração natural se encontra estabelecida. (…) Portanto: se o credor reclama a restauração natural, o devedor só pode contrapor-lhe a indemnização pecuniária se aquela for impossível ou resultar excessivamente onerosa para ele, devedor; e, da mesma sorte, se o devedor pretende efectuar a restauração natural, também o credor apenas poderá opor-se com fundamento na referida impossibilidade fáctica ou na circunstância da reconstituição “in natura” não reparar todos os danos.[19]
Neste sentido o acórdão do STJ, de 30.05.2006, decidiu que “
Da articulação dos arts. 562º e 566º, nº 1 do CC, resulta a primazia da chamada reconstituição natural sobre a indemnização em dinheiro. A ideia de restauração natural é estabelecida tanto no interesse do credor como no interesse do devedor da obrigação. As limitações recíprocas fixadas no nº 1 do art. 566º citado, a favor de ambas as partes, pressupõem que tanto o credor tem a faculdade de exigir a restauração natural contra a vontade do devedor, como, inversamente, pode este prestá-la mesmo em oposição à vontade daquele. Trata-se de um princípio que podeser afastado pelo acordo dos interessados.[20]
Está dado como provado que em consequência directa e necessária do acidente, de que foi vítima o marido e pai dos demandantes, o veículo com a matrícula ... sofreu danos.
É a seguradora do lesante quem deve encarregar-se da reparação, efectuando-a ela própria, ou mandando efectuá-la, pois é nisso que consiste a reconstituição natural. Assim , não tinham os demandantes que juntar aos autos qualquer orçamento para a reparação do veículo, nem que mandar reparar este.
A demandada “W...–Companhia de Seguro,S.A.”, não reparou o veículo, pelo que é perfeitamente legitimo o pedido da sua condenação da demandada na reparação do motociclo com a matrícula ....
Não existe, assim, qualquer fundamento para a absolvição da demandada pelo facto dos demandantes não terem indicado o valor do dano do motociclo.
Para além da reparação, pedem os demandantes a quantia de € 2.000,00 a título de danos patrimoniais resultantes da paralisação do veículo com a matrícula .... Os demandantes cíveis encontraram este valor indemnizatório através de “um juízo equitativo” que “ tenha em conta um custo diário de 1,00 Euro/dia para o aluguer de um veículo com características semelhantes”.
Sobre esta problemática dizemos ser consensual que a privação do proprietário do uso da sua viatura se traduz num acto ilícito, porque violador do direito de propriedade, já que impede o dono de gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso e fruição da coisa que lhe pertence, nos termos do art.1305.º do Código Civil.
Já quanto à questão da indemnização pela privação do uso de veículo, são evidentes as divergências da jurisprudência, entendendo parte dela que a indemnização pela privação do uso de certo bem, designadamente de veículo automóvel, dependerá da prova do dano concreto, isto é, da prova da existência de prejuízos decorrentes directamente da não utilização do bem, enquanto outra parte defende que a simples privação do uso, só por si, constitui um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça ou não faça do bem em causa, durante o período da privação.

Pela nossa parte seguimos a primeira orientação, ou seja que a mera privação do uso de um veículo, sem factos reveladores de dano específico emergente ou na vertente de lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil.

É a posição seguida neste Tribunal da Relação de Coimbra, no acórdão, de 06-03-2012 ( proc. n.º 86/10.0T2SVV.C1): «Para o proprietário ter direito a indemnização pela privação do uso do veículo, nos termos do n.º 1 do artigo 483.º e 562.º e seguinte do Código Civil, não basta a verificação em abstracto da privação, sendo ainda necessário que a privação do veículo cause uma diminuição ao nível da satisfação das necessidades do proprietário consideradas na sua globalidade.», como no acórdão do STJ de 16-3-2011 ( proc. n.º 3922/07.4TBVCT.G1.S1), mencionado na douta sentença recorrida, entre outros.

No caso em apreciação, o motociclo acidentado era pertença da vítima mortal, e quanto à privação do seu uso, apenas se apurou que o veículo “ ficou paralisado desde o acidente a até à presente data.”.
Não tendo sido alegada e provada a frustração de um propósito real, concreto e efectivo, dos demandantes procederem à utilização do motociclo não fora a circunstância deste se mostrar danificado, designadamente que aqueles o utilizariam e dele retirariam as normais utilidades, entendemos não existir, no presente caso, um prejuízo indemnizável resultante da paralisação do motociclo.
Assim, procede parcialmente esta questão, bem como o recurso interposto pelos demandantes cíveis.

            Decisão

           Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em:

           - Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido B...; e

             - Conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos demandantes A..., C... e D... e, revogando-se parcialmente a douta sentença recorrida, decide-se:

- alterar a indemnização, relativamente à perda do direito à vida de F..., que se fixa em € 60.000,00 ( sessenta mil euros) e aos danos não patrimoniais sofridos pela demandante A..., que se fixa em € 25.000,00 ( vinte e cinco mil euros) e aos sofridos pelos demandantes C... e D..., que se fixam, para cada um destes, em 17.500,00 ( dezassete mil e quinhentos euros);

- condenar a demandada “W... - Companhia de Seguros, S.A.”, na reparação do motociclo de matrícula ..., por forma a que o mesmo fique em condições de circular e no estado em que se encontrava antes do acidente; e,

- manter no mais a douta sentença recorrida.

           Custas pelo recorrente B..., fixando em 5 Ucs a taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.

           Custas pelos demandantes A..., C... e D...e pela demandada “W... - Companhia de Seguros, S.A.”, na proporção do decaimento.


*


(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                                                 *

                                                                                        Coimbra,


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4] - Cfr. Curso de Processo Penal” , Vol. III, 2ª ed. , pág. 294.

[5] - cfr. entre outros, o acórdão do STJ , de 13 de Fevereiro de 1992 ( CJ, ano XVII , 1º , pág. 36).

[6] cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “ Curso de Processo Penal”, Vol. II , pág. 289. 

[7] cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6.º, tomo 4.º, pág. 555. No mesmo sentido, o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 51.

[8] cfr. “Curso de Processo Penal”, Vol. II , páginas 298 a 300.  

[9] cfr. “Direito Processual Penal”, 1º Vol. ,  Coimbra  Ed. , 1974, páginas 203 a 205. 

[10] Cfr. entre outros , o acórdão do S.T.J. de 2 e Maio de 1996 , in C.J. , ASTJ , ano IV , 1º, pág. 177  .

[11] “Derecho Procesal Penal”, Editores del Puerto, Buenos Aires, pág. 111.
 
[12]  – cfr. acórdãos do STJ, de 25 de Junho de 2002 ( C.J., ASTJ, ano X, tomo 2.º, pág. 128) e de 4 de Novembro de 2004 ( C.J., n.º 179, pág. 223).

[13] Cfr. Cons. Sousa Dinis, “Dano corporal e acidentes de viação”, CJ, ASTJ, ano IX, tomo I, pág. 5.
[14] - cfr. Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 8.ª edição, Almedina , pág. 611 e seguintes e acórdão do STJ, de 26 de Junho de 1991, in BMJ, n.º 408.º, pág. 538.
[15] [15] Cfr. Cons. Sousa Dinis, “Dano corporal e acidentes de viação”, CJ, ASTJ, ano IX, tomo I, pág. 5.

[16] « III - Provando-se que a vítima, na altura do acidente, tinha 51 anos de idade, era um profissional prestigiado e com boa situação económica, socialmente respeitado e disponível, com grande alegria de viver, carinhoso e afectuoso na sua vida familiar, tendo a sua morte resultado exclusivamente da conduta imprevidente do Réu, afigura-se adequado fixar a indemnização por danos não patrimoniais próprios (desgosto com a morte) em 25.000 € para a viúva e 20.000 € para os filhos.» – acórdão de 05-06-2008 - Revista n.º 1177/08 - 1.ª Secção - Mário Mendes (Relator).

« IV - O condutor do ciclomotor, que veio a falecer, tinha então 44 anos de idade, era casado, alegre, saudável e trabalhador, auferindo um rendimento  líquido mensal de 1.080,00 €; a título de compensação pela perda do direito à vida fixa-se a quantia de 60.000,00 €.  V - Os autores, mulher e dois filhos menores, sofreram e sofrem profunda dor e desgosto com a perda do seu marido e pai; a título de danos não patrimoniais fixa-se o montante de 30.000,00 € para a mulher e 20.000,00 € para cada um dos filhos.»  – acórdão de 18-11-2008 - Revista n.º 3422/08 - 2.ª Secção - Oliveira Vasconcelos (Relator).

« I - Provando-se que o falecido pai da Autora contribuía para a formação profissional da sua filha, então com 21 anos de idade, (….) no que concerne à compensação pelos danos  não patrimoniais (desgosto, sofrimento psíquico) pela morte do pai, não merece censura a compensação de 25.000 € fixada no acórdão recorrido. – acórdão de 14-05-2009 - Revista n.º 1240/07.TBVCT.S1 - 6.ª Secção - Fonseca Ramos (Relator).

«V - A cada um dos Autores, viúva e filhos, deverá ser atribuída a indemnização de 25.000€ a título de danos não patrimoniais sofridos (desgosto pela perda do ente querido). – acórdão do STJ, de 21-05-2009 - Revista n.º 114/04.8TBSVV.C1.S1 - 1.ª Secção - Urbano Dias (Relator).[16]

« 2. Essas mesmas circunstâncias justificam a manutenção da indemnização pelos danos não patrimoniais de € 25.000,00 a cada um dos autores, pais da vítima. – acórdão do STJ de 31-05-2012 proc. n.º 14143/07.6TBVNG.P1.S1



[17] “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, Almedina,  8.ª edição, pág. 920 e segs.
[18] “Código Civil anotado”, Vol. I, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 501.
[19] “ Direito das Obrigações”, 4.ª edição, pág. 525.
[20] Processo n.º 06A1363, in www.dgsi.pt