Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3960/16.6T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: UNIÃO DE FACTO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
RECONHECIMENTO DO DIREITO
FIANÇA
SUBROGAÇÃO
NULIDADE DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
FACTOS ESSENCIAIS
FACTOS COMPLEMENTARES
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 09/24/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 306, 323, 325, 473, 482, 593, 644 CC, 5, 615, 640 CPC
Sumário: 1.- Quanto na c), do nº 1, do art. 615º do NCPC, se dispõe que a sentença será nula se os fundamentos estiverem em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, a 1ª parte refere-se à oposição entre a fundamentação jurídica exposta pelo julgador e depois a decisão que toma em sentido contrário ou divergente, e não a vício da decisão da matéria de facto, por contradição entre factos, que são duas situações distintas; a 2ª parte, por outro lado, reporta-se a ininteligibilidade, por ambiguidade ou obscuridade, do segmento decisório final.

2.- Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância, importância ou suficiência jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.

3.- Se os factos que se pretendem sejam dados por provados tiverem, a natureza de principais essenciais e não foram alegados pela parte respectiva não podem ser considerados em impugnação da decisão da matéria de facto, sob pena de violação do disposto no art. 5º, nº 1, do NCPC; se tiverem a natureza de factos principais concretizadores ou complementares e resultarem da instrução da causa e que as partes conheceram, só podem ser considerados, nos termos do art. 5º, nº 2, b), do NCPC, se o julgador avisar as partes que está disponível para os considerar factualmente ou as partes requereram que tal aconteça e assim possa haver lugar ao exercício do respectivo contraditório.

4.- A interrupção da prescrição pela citação presumida ao 5º dia (27.12.2016) posterior ao seu requerimento, nos termos do art. 323º, nº 2, do CC, não pode operar se o prazo legal da prescrição já tinha decorrido entretanto (em 23.12.2016).

5.- O reconhecimento tácito do direito, para efeitos de interrupção da prescrição, previsto no art. 325º, nº 2, do CC, tem de ser inequívoco - aquele que é patente, que é claro, que é isento de dúvidas.

6.- Se numa acção de enriquecimento sem causa, com base em união de facto, em que se averigua se o A. tem direito a ver-se restituído de importância com que contribuiu, parcialmente, para a aquisição de um lote de terreno a favor da R. esta diz num email ”Quanto ao lote,…, a ti não o vendo, pois se era um projeto nosso, não permitirei que nele faças o que entendes, a não ser que mandes alguém comprá-lo! E aí, paciência! Ainda vou pensar se o quero vender e por quanto.”, tal comunicação não implica inequivocamente que a mesma reconhece a existência de qualquer direito do A. a receber a dita contribuição.

7.- Também não pode operar um suposto reconhecimento tácito do direito, para efeito de interrupção da prescrição, a coberto do art. 325º, nº 2, do CC, se na data desse suposto reconhecimento já decorreu o aludido prazo de prescrição.

8. Decorrendo do art. 644º do CC que o fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos, o crédito sobre o devedor transferiu-se para ele, por efeito do seu cumprimento e na medida da satisfação dada (como resulta também do art. 593º, nº 1, do CC); havendo transmissão do crédito por sub-rogação, não há qualquer direito de regresso.

9.- Se A. e R. para viver em união de facto, juntaram fisicamente dois apartamentos, por acordo de ambos, cessada tal união e a fim de repor a situação anterior, com vista à entrega de um dos imóveis a terceiro, é preciso fazer obras de separação nos dois apartamentos, o A. terá de pagar metade do valor orçamentado para a realização das mesmas, sob pena de enriquecimento sem causa do A.

10. O não cumprimento pelo devedor do empréstimo que contraiu, com a consequente execução do fiador, principal pagador, não gera, em princípio, responsabilidade civil daquele em relação a este em termos de danos morais.

Decisão Texto Integral:

 

I – Relatório

1. A (…), residente em (...) , intentou acção declarativa contra C (…) residente em (...) , pedindo que:

1º. Reconhecimento de terem o A. e R. vivido em união de facto até 23 de Dezembro de 2013;

2º. Julgar que o A. emprestou à R. dinheiro e pagou por ela parte do preço de compra de um lote, o que configura a existência de um contrato de mútuo entre as partes, condenando-se a R. a restituir ao A. o que este lhe emprestou 49.015,08 €, acrescido de juros desde a citação e até efectivo e integral pagamento;

3º. Julgar que A. e R. contribuíram em conjunto para a vida que tiveram em comum, designadamente no pagamento de obras e bens para a casa que partilhavam;

4º. Julgar que nunca houve intenção do A. em doar à R. nenhuma das quantias ou bens com que contribuiu para a vida em comum, nem o inverso;

5º. Julgar que a intenção de A. e R. era dividir em partes iguais as despesas que tinham decorrentes da vida em comum; em consequência,

6º. Julgar que o A. pagou/gastou as quantias infra indicadas e que beneficiaram em exclusivo a R., condenando-se esta no respectivo reembolso ao A., acrescido de juros desde a citação e até efectivo e integral pagamento:

i. Pagou quantia não inferior a 15.000 €, em obras que apenas beneficiaram o apartamento que é a fracção AA do prédio urbano em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 1.080/ (...) ;

ii. Gastou quantia não inferior a 23.364 € na aquisição de utensílios, mobílias e electrodomésticos para a casa que partilhou com a R. e que lá ficaram e esta usa em seu proveito exclusivo;

7º. Julgar que desde 23 de Dezembro de 2013 e até esta data é a R. quem sozinha ou apenas com os seus filhos, mas nunca com o A. nem com o acesso deste, tem acesso e usa o apartamento que é a fracção Z do prédio urbano em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 1.080/ (...) e que, em consequência disso, o A. se encontra impossibilitado de o usar;

8º. Julgar que a R. não entregou ao A. o apartamento referido no precedente até à data de apresentação do presente;

9º. Julgar que o valor locativo do prédio a que se alude em 7º é, mensalmente, nunca inferior a 400 €, e que o R. se encontra impossibilitado de o receber por força da ocupação que a A. faz do mesmo imóvel contra a vontade do seu proprietário;

10º. Condenar, em consequência, a R. a pagar ao A. a quantia de 400 €/mês desde o mês seguinte àquele em que terminou a vivência em comum e até efectiva e integral restituição do mesmo ao A., o que perfaz na data de apresentação da presente a quantia de 14.400 €, acrescida de juros desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Alegou, em suma, responsabilidade contratual decorrente da falta de cumprimento de contrato de mútuo, vivência em união de facto e obrigação de restituição com fundamento no enriquecimento sem causa.

A R. contestou, alegando, em síntese, a prescrição do invocado enriquecimento sem causa, impugnou e deduziu reconvenção, formulando, contra o A., os seguintes pedidos: 

i. Pagar-lhe a quantia de 24.399,97 €, acrescida de juros desde a citação e até integral pagamento, relativo ao empréstimo pago pela R. na qualidade de fiadora.

ii. Pagar-lhe a quantia de 3.114,36 €, relativo às obras necessárias à separação e reparação das duas fracções.

iii. Entregar à Ré as peças de ouro descriminadas no artigo 134 deste articulado.

iv. Ser condenado a pagar à Ré uma indemnização não inferior a 20.000 €, por danos morais.

Para tanto, em suma, invocou responsabilidade civil decorrente de obrigação de restituição relativamente a pagamentos efectuados pela R. na qualidade de fiadora, necessidade de realização de obras, falta de cumprimento de contrato de depósito de peças em ouro a restituir e indemnização por danos morais.

Pediu, ainda, a condenação do A. como litigante de má fé.

O A. replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção. Também respondeu à prescrição invocada pela R.

*

A final foi proferida sentença que:

- julgou a acção parcialmente procedente, e condenou a R. a restituir ao A. a quantia de 40.000 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, absolvendo a R. dos restantes pedidos;

- julgou a reconvenção parcialmente procedente e condenou o A. a restituir à R. os objectos identificados no art. 134º, da contestação, assim como julgou improcedente o pedido de condenação do A. como litigante de má-fé.

*

2. A R. interpôs recurso, tendo apresentado as seguintes longuíssimas conclusões:

(…)

3. O A. não contra-alegou.

4. O A. também recorreu, concluindo que:

(…)

5. A R. contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

II - Factos Provados

1. Autor e Ré viveram em condições análogas às dos cônjuges, em união de facto, desde Julho de 2005 e até 23 de Dezembro de 2013 [1.º P.I.].

2. Partilhavam o mesmo quarto na mesma casa, que resultava da união física de dois apartamentos que eram e são fracções autónomas [2.º P.I.].

3. Vivendo com os dois filhos da R. e lá tendo quarto para os filhos do A. quando pernoitavam em casa do pai [3.º P.I.].

4. Tinham um círculo de amigos comuns, com quem conviviam [4.º P.I.].

5. Em 23 de Dezembro de 2013, o Autor saiu da casa que partilhava com a Ré para não mais lá voltar, nem mais lá fazer a sua vida [5.º P.I.].

6. Em 23 de Março de 2009 a R. prometeu comprar a J (…), tendo para o efeito celebrado contrato-promessa de compra e venda o seguinte prédio: Prédio urbano composto de parcela de terreno para construção urbana, sito em (...) , designada por Lote Sete, inscrito na matriz predial urbana da (entretanto extinta) freguesia de (...) sob o art. 2241 e registado na competente Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 779/ (...) [11.º P.I.].

7. O preço estabelecido foi de 65.000,00 € e acordado o seu pagamento em prestações [12.º P.I.].

8. Pelo que, o referido J (…) vendeu, em 31 de Março de 2009, à aqui R. o dito lote de terreno para construção, que ora se encontra registado a favor desta [13.º P.I.].

9. Na sequência do aludido contrato de compra e venda, o Autor entregou ao vendedor J (…) as seguintes quantias:

10. Em 11 de Maio de 2009 o aqui A. depositou na conta identificada pelo dito J (…) a quantia de 10.000,00 €, através de cheque sacado sobre conta bancária titulada por sociedade de que era gerente (DOC. 5), e endossado à sua pessoa [18.º P.I.];

11. Em 05 de Junho de 2009 o aqui A. depositou na conta identificada pelo dito J (…) a quantia de 20.000,00 €, através de cheque sacado sobre conta bancária titulada pela mesma sociedade de que o A. era gerente e a que já se aludiu [19.º P.I.];

12. Em 06 de Agosto de 2009 o aqui A. depositou em conta indicada a pedido do dito J (…), titulada por M(..), Lda., a quantia de 3.956,81 € [20.º P.I.];

13. Em 26 de Agosto de 2009 o aqui A. depositou na conta identificada pelo dito J (...) a quantia de 6.043,19 €, através de cheque sacado sobre a conta bancária a que já se aludiu [21.º P.I.];

14. No total de 40.000,00 € [22.º P.I.];

15. Na expectativa de construírem uma casa para ambos, mais tarde, ou serem feitas contas entre ambos e a R. restituísse ao A. o que este pagou, o que nunca sucedeu [27.º P.I.].

16. O A. nunca teve qualquer intenção de dar o dito dinheiro à R. [30.º P.I.].

17. Na data da celebração do contrato promessa a R. pagou a quantia de 25.000,00€ a título de sinal e princípio de pagamento e na data da transmissão a R. liquidou os respetivos impostos no valor de 4.477,85 € relativo a IMT e 551,12€ relativo a imposto de selo [39.º Cont.].

18. O A. comprou, em Novembro de 2010, o seguinte bem imóvel: Fração Autónoma designada pela letra “Z”, apartamento tipo T2, destinado a habitação, correspondente ao quinto andar esquerdo do prédio Urbano, sito em (...) da Rua (...) , nº4 com a Rua (...) , n’s 7, 7A, 7B, 7C e 7D, na união de freguesias de (...) e (...) e concelho de (...) , inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 2.145, que provem do artigo 2.576, da extinta freguesia de (...) , e descrito na competente Conservatória sob o número 1.080, para qual a Câmara Municipal de (...) emitiu a Licença de Utilização nº (...) /2009, em 22.10.2009 [33.º P.I.].

19. Na mesma data, a R. comprou o imóvel que ficava contiguo ao do A., e que é o seguinte: Fração Autónoma designada pelas letras “AA”, apartamento tipo T3, destinado a habitação, correspondente ao quinto andar esquerdo do prédio Urbano, sito em (...) da Rua (...) , nº4 com a Rua (...) , n’s 7, 7A, 7B, 7C e 7D, na união de freguesias de (...) e (...) e concelho de (...) , inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo 2.267, da extinta freguesia de (...) , e descrito na competente Conservatória sob o número 1.080, para qual a Câmara Municipal de (...) emitiu a Licença de Utilização nº (...) /2009, em 22.10.2009 [34.º P.I.].

20. As compras referidas foram feitas com recurso a crédito habitação, tendo cada um dos aqui partes comprado um e constituiu-se fiador do imóvel do outro, sendo que o A. contraiu um empréstimo no montante de 135.000€ e a R. de 175.000€, valor correspondente à totalidade do preço de cada um dos apartamentos [35.º P.I.].

21. A 20 de Setembro de 2010, aquando da assinatura dos contratos promessa relativos aos dois imóveis, a R. pagou a título de sinal e início de pagamento para cada um dos apartamentos a quantia de 30.000,00€, totalidade dos dois sinais relativos às duas frações, ou seja, 15.000€ do apartamento do A. e 15.000€ do apartamento da R. [57.º Cont.].

22. As prestações bancárias eram debitadas na mesma conta bancária, que era titulada por ambas as aqui partes, junto da Caixa (…) agência de (...) , com o número (…) [36.º P.I.].

23. As aqui partes acordaram entre si depositar dinheiro na dita conta em partes iguais para que aí fossem debitadas as prestações devidas por ambos os empréstimos, bem como os respectivos seguros de vida e multirriscos [37.º P.I.].

24. Só que, a prestação devida pelo empréstimo para aquisição do apartamento da R. era muito superior à do A., desde logo porque, por se tratar de um apartamento tipo T3 e o do A. do tipo T2, cujo valor financiado pelo banco foi superior ao do A. em 40.000,00 € [38.º P.I.].

25. Até 23 de Dezembro de 2013, as prestações bancárias devidas pela compra dos dois apartamentos identificados foram pagas em partes iguais por Autor e Ré [39.º P.I.].

26. Os dois apartamento que se vêm referindo são as duas únicas fracções autónomas existentes no 5º andar do prédio em que se encontram [41.º P.I.].

27. Por decisão de Autor e Ré, os dois apartamentos mantiveram-se juridicamente autónomos [42.º P.I.].

28. As mesmas fracções autónomas foram unidas entre si, por acordo entre A. e R., o que permitiu que passassem a ser usadas como uma única habitação e hoje assim continuam [43.º P.I.].

29. União que se fez pela eliminação das portas de entrada de cada um dos apartamentos, que foram substituídas por uma única porta comum para acesso a partir do exterior, colocada à frente da porta corta-fogo do prédio que dá acesso ao vão das escadas do bloco habitacional, sendo que a porta do apartamento da R. foi deslocada para zona de circulação comum situada em frente às portas dos elevadores, passando assim a constituir um hall, ao mesmo tempo que permitiu transformar a restante zona de circulação comum, num corredor que serve de acesso aos dois apartamentos, situando-se cada um deles na extremidade da mesma [44.º P.I.].

30. Os mesmos apartamentos mantiveram diferentes contadores de luz eléctrica, mas um único contador de água que a ambos abastece [45.º P.I.].

31. Com a intenção de melhorar a estética e condições de conforto dos mesmos apartamentos, desde logo criando uma suite e uma sala muito mais espaçosa que o comum nos apartamentos, Autor e Ré fizeram diversas obras [46.º P.I.].

32. No apartamento da Ré foram feitas as seguintes obras [48.º P.I.]:

33. 1) Alterado o uso dado a divisões existentes – o quarto principal passou a ser a sala de refeições, o que implicou o levantamento e posterior reposição do pavimento, a mudança do roupeiro existente para outro dos quartos do imóvel pertencente à R., a substituição da parede divisória existente do apartamento para a zona de circulação comum do edifício, que passou a ser em placas de gesso cartonado tipo Pladur e vidro laminado fosco, dando luz para o hall do elevador;

34. 2) Abertura de uma janela fixa da nova sala de refeições para o terraço exterior do prédio;

35. 3) Colocação de uma porta de vidro fosco e temperado no interior da casa de banho que dá para a esta nova sala de refeições;

36. 4) Colocação de mais um módulo superior de móveis na cozinha, com armário até ao pavimento, bem como ferragens para arrumos no móvel despenseiro existente;

37. 5) Instalados tectos falsos em gesso cartonado tipo Pladur na nova sala de refeições e na sala de estar já existente;

38. 6) Feitas as alterações da instalação eléctrica no tecto falso em ambas as divisões referidas no precedente, com colocação de iluminação directa e indirecta nas sancas entretanto feitas nos tectos;

39. 7) O interior do apartamento foi todo pintado de novo e colocado papel de parede em algumas das paredes interiores;

40. 8) Trabalhos vários de electricidade e pintura;

41. 9) Aplicação de um resguardo de vidro e alumínio na banheira de uma das casas de banho, para substituir o existente por ser pequeno; e

42. 10) Construção de uma arrecadação no espaço destinado a estacionamento situado na cave.

43. Comprados os apartamentos, A. e R. acordaram comprar diversos móveis e electrodomésticos, de valor total não apurado [52.º P.I.].

44. Os apartamentos foram comprados com móveis de cozinha mas, por negociação com a vendedora e em relação a ambos os apartamentos, sem electrodomésticos [55.º P.I.].

45. Entre os quais um frigorífico e arca congeladora tipo “combinado”, de marca Samsung e um esquentador inteligente ventilado de marca Vulcano [58.º P.I.].

46. Há mais televisores nos dois apartamentos, mas já pertenciam uma ao A. e outra à R., que lá ficaram depois do A. abandonar a casa que partilhava com a R. [70.º P.I.].

47. No dia 23.10.2013, a partir de Angola e através da R (…), o A. fez uma transferência bancária no montante de 3.468,00 €, para a conta da R. na agência de (...) da C (…) [74.º P.I.]

48. Em 31.10.2013; o A. transferiu 2.000,00 € da sua conta no M (…) para a dita conta da R. na C (…) [75.º P.I.].

49. Ainda a partir de Angola, através da West Union, o A. transferiu para a conta da R. o montante de 3.547,08€, com o Código 4902509715, cujo remetente foi M (...) e levantada pela R. numa das entidades correspondentes [76.º P.I.].

50. Até à data em que terminou a vivência em comum (23 de Dezembro de 2013) e desde a compra dos apartamentos que são as fracções Z e AA do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 1.080, Autor e Ré aí viveram [81.º e 82.º P.I.].

51. Por força da união dos apartamentos, pese embora constituírem duas fracções juridicamente autónomas, passaram a ser funcionalmente uma única casa, e são usados como uma única casa [83.º P.I.].

52. Para que o A. pudesse autonomizar o seu apartamento do da R., ainda que sem a colaboração/acordo/vontade desta, tal sempre implicaria tirar e colocar noutro ponto a porta de entrada da casa da mesma R. [84.º P.I.].

53. O A. saiu das ditas fracções e foi lá que a R. e os seus filhos continuaram a sua vida e haverão de ter os seus pertences e vida privada [87.º P.I.].

54. É certo que no que toca ao apartamento do A., para que voltasse a ter a mesma situação física que tinha aquando da construção do prédio habitacional, bastaria retirar a porta de acesso exterior e voltar a colocá-la na zona onde originalmente foi colocada [88.º P.I.].

55. Mas o mesmo não sucede com o apartamento da R., que sempre teria de sofrer outro tipo de obras para que, por exemplo, voltasse a ter os três quartos que tinha originalmente e hoje estão reduzidos a 1, que é a suite [89.º P.I.].

56. Acrescendo a isso o facto de os quartos dos filhos da R. se situarem, justamente, no apartamento do A. [90.º P.I.].

57. Na sequência de contrato de arrendamento celebrado entre A. e R., após o fim da união de facto, foi efectuada notificação judicial avulsa tendente à resolução do dito contrato de arrendamento [96.º P.I.].

58. Seguindo-se-lhe procedimento especial para despejo, que correu termos na Comarca de Leiria - (...) , Inst. Local, Sec. Cível - J2, sob o nº 3969/14.4YLPRT ao qual a R. veio a deduzir oposição na qual deixou claro que usava e continuaria a usar as duas fracções como uma só, desde logo, nas palavras da R. que se não aceitam, pelos elevados custos necessários à nova separação física das fracções [97.º P.I.].

59. Em Outubro e Novembro de 2013 A. e R. fizeram contas relativas a todas as despesas anteriores que se encontravam pendentes, excepto relativamente ao lote de terreno [48.º Cont.].

60. Dos valores apurados verificou-se que o A. devia à R. a quantia de €42.636,92 [49.º Cont.].

61. Estes valores foram pagos pelo A. à R. em Outubro e Novembro de 2013 através de transferência bancária para a conta da R. [50.º Cont.].

62. E ainda através dos cheques n.º (...) 5566, sacado sobre o Banco (…), no valor de €30.000,00 e nº (...) 5574, também do Banco (…), no valor de €3.621,84 [51.º Cont.].

63. Na sequência da elaboração dessas contas, o A. pagou à R. a quantia de 42.636,92€ [52.º Cont.].

64. Em face do incumprimento do A. das obrigações assumidas junto da CCAM, foi a R. executada juntamente com o A. na execução que corre termos na secção de execução de (...) , Tribunal da Comarca de Leiria sob o n.º87/14.2T8ACB [95.º Cont.].

65. Nessa execução o referido imóvel foi vendido, ao filho da Ré, pelo valor de 117.500,00€, tendo ficado ainda um remanescente de 24.399,87€ em dívida que a Ré pagou ao banco [96.º e 97.º Cont.].

66. A aludida ação especial de despejo (cfr. 97 da PI) foi julgada totalmente improcedente, por se considerar que contrato que servia de base ao pedido era um contrato simulado, logo nulo [106.º Cont.].

67. O Autor fez um testamento a favor da Ré, no qual declarou que “institui herdeira da sua quota disponível C (…) …”, mais dispôs que “… a quota disponível deverá começar a ser preenchida pela seguinte fração, bem como por todo o seu recheio: … Fracção autónoma designada pela letra “Z” …” [114.º a 116.º Cont.].

68. Para separar os apartamentos e restituir a situação como se encontrava anteriormente com vista à entrega do imóvel à CCAM de (...) é preciso fazer obras de separação e reparação nos dois apartamentos [128.º Cont.].

69. Tais obras encontram-se orçamentadas em 6.228,72€ [129.º Cont.].

70. Durante o período em que A. e R. viveram em união de facto, a R. entregou ao A. para que este guardasse no seu cofre na C(…) várias peças de ouro, pertencentes à Ré, ou seja as seguintes: 3 pares de brincos em ouro. 2 alianças (masculina e feminina) em ouro. chapa em ouro a formar a palavra “Cristina”. 3 anéis de senhora em ouro, com pedras semipreciosas. 1 anel de senhora em ouro, com diamantes. 1 anel em ouro e pedra semipreciosa do curso de Direito, de senhora. 1 aro com uma libra, tudo em ouro. 5 libras de ouro. 3 meias libras em ouro. 1 pulseira de senhora em ouro. 1 medalha em forma de chapa em ouro. 1 fio de homem com cerca de 40 cm em ouro. 1 cordão de ouro com cerca de 40 cm. 1 pulseira em malha de cordão com cerca de 20 cm. 1 pulseira em ouro de senhora formada por peças redondas com 20 cm. 2 fios de ouro com cerca de 50 cm. 2 anéis de criança em ouro, 2 pendentes em forma de coração, em ouro. 1 pendente em forma de bola de futebol, em ouro. 3 pulseiras de criança em ouro e 1 fio de homem em ouro com 50cm [134.º Cont.].

71. A Ré ficou abalada e incomodada porque o Autor saiu de casa e se sujeitou à instauração de acção executiva e à presente acção.

*

Factos Não Provados:

a) Que as obras realizadas nos apartamentos apenas beneficiaram o apartamento da Ré [46.º e 50.º P.I.].

b) Que nas obras no apartamento foram gastos não menos de 30.000,00 € [49.º P.I.].

c) Que o A. pagou metade do valor despendido com tais melhoramentos, ou seja, 15.000,00 € [51.º P.I.].

d) Que em móveis e electrodomésticos foi despendida quantia não inferior a 40.000€, da qual o A. pagou exactamente metade do valor despendido com tais bens [54.º P.I.].

e) Que em electrodomésticos pagos em partes iguais foram gastos 7,500,00 € - a R. pagou 750,00 € de electrodomésticos para o apartamento do A. e este pagou 2.500,00 € de electrodomésticos para o apartamento da R [64.º P.I.].

f) Que resultam em benefício da R. 1.750,00 €, resultantes do pagamento dos referidos electrodomésticos e que se fez à custa de um pagamento efectuado pelo A. [65.º P.I.]

g) Que no apartamento da R. foram instalados quatro sistemas de ar condicionado, no que foram gastos não menos de 2.000,00 € e nenhum foi instalado no do A., valor também ele pago em partes iguais [66.º P.I.].

h) Que foram comprados dois televisores, para o apartamento da R., que lá ficaram mas foram pagos por A. e R. em partes iguais, no que foram gastos 1.228,00 € [68.º P.I.].

(…)  

k) Que a quantia global de €40.000,00 que o A. entregou ao vendedor do lote de terreno foi com intenção de compensar a R. de todos os pagamentos que esta vinha fazendo sozinha ao longo dos anos de vida em comum [40.º Cont.].

(…)  

s) Que por causa da instauração de acção executiva pela CCAM de (...) contra a Ré, esta situação descredibiliza o seu bom nome, na medida em que foi posta em causa a sua seriedade e competência como profissional do direito, valores pelos quais sempre se pautou ao longo destes 28 anos de exercício profissional [147.º Cont.].

t) Que também o seu bom nome foi posto em causa no seio da família e circulo social onde se move, pois numa cidade pequena como é (...) , é por todos sabido que a sua casa está em litígio judicial [148.º Cont.].

(…)  

v) Que as constantes perguntas dos seus amigos e conhecidos, sobre a situação da sua casa, incomodam a R. e são perturbadores do seu dia-a-dia [150.º Cont.].

w) Que a referida ação judicial de execução, que correu termos durante três anos, que resultou no pagamento do remanescente da dívida, e [151.º Cont.].

x) Que a presente ação de condenação no pagamento das quantias pedidas têm causado à R. ansiedade, uma enorme revolta, angústia e tristeza [152.º e 153.º Cont.].

y) Que a R. sofre ainda de insónias desde a data em que foi citada, com afetação do seu desempenho pessoal e profissional [155.º Cont.].

z) Que o facto de se ver privada dos seus objetos de ouro, que tem grande valor estimativo e que grande parte foi comprada com o esforço do seu trabalho, lhe tem causado angustia e tristeza [154.º Cont.].

*

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas, pela sua ordem lógica de conhecimento.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

– Nulidade da sentença.

- Do mérito dos 3º, 5º e 6º pedidos do A.

- Prescrição do direito do A.

- Alteração da matéria de facto.

- Não restituição do valor de 40.000 € ao A.

- Do mérito dos 1º, 2º e 4º pedidos reconvencionais da R.

2. A R. arguiu a nulidade da sentença, por violação do art. 615º, nº 1, b) e c), do NCPC (cfr. conclusão de recurso 1.).

Naquela alínea estatui-se que a sentença é nula quando a mesma não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Na decisão sob recurso especificaram-se os factos, são os 1. a 71. factos provados e as a) a z) dos factos não provados, acima elencados, bem como se apresentou fundamentação jurídica para as questões postas pelas partes (pedidos, causas de pedir e excepções). Assim, é praticamente incompreensível tal arguição por parte da R.

Quanto à c), dispõe a lei que a sentença será nula se os fundamentos estiverem em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. A R., como se vê da sua mencionada conclusão de recurso, tanto fala em contradição como em ambiguidade, embora se reporte a contradição entre dois factos que aponta.

É evidente que não existe nenhuma nulidade da sentença. Por um lado, a contradição referida no preceito é entre a fundamentação jurídica exposta pelo julgador e depois a decisão que toma em sentido contrário ou divergente. Por outro lado, a ininteligibilidade referida é da decisão final. Do segmento decisório final não resulta nenhuma ambiguidade que torne a decisão ininteligível, pois o tribunal a quo condenou e absolveu A. e R. num modo legível e entendível. O que se passa é que a R. confunde a figura da nulidade da sentença com eventual vício da decisão da matéria de facto, por suposta contradição entre factos, que são duas situações bem distintas.

Inexistem, pois, as arguidas nulidades.       

3. O A. pretendia a condenação da R. a restituir àquele determinadas quantias, essencialmente com fundamento no enriquecimento sem causa desta no período em que viveram em união de facto, altura em que o A. contribuiu com determinadas quantias. Assim, formulou os pedidos que estão identificados sob:

3º. Julgar que A. e R. contribuíram em conjunto para a vida que tiveram em comum, designadamente no pagamento de obras e bens para a casa que partilhavam;

5º. Julgar que a intenção de A. e R. era dividir em partes iguais as despesas que tinham decorrentes da vida em comum; em consequência,

6º. Julgar que o A. pagou/gastou as quantias infra indicadas e que beneficiaram em exclusivo a R., condenando-se esta no respectivo reembolso ao A., acrescido de juros desde a citação e até efectivo e integral pagamento:

i. Pagou quantia não inferior a 15.000 €, no pagamento de obras que apenas beneficiaram o apartamento que é a fracção AA do prédio urbano em regime de propriedade horizontal descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 1.080/ (...) ;

ii. Gastou quantia não inferior a 23.364 € na aquisição de utensílios, mobílias e electrodomésticos para a casa que partilhou com a R. e que lá ficaram e esta usa em seu proveito exclusivo.

Como a sentença recorrida não lhe concedeu estes pedidos, pretende que em recurso isso aconteça (cfr. suas conclusões de recurso I. a VI.).

É de notar, porém, que os pedidos identificados pelo A./recorrente sob 3º e 5º são meramente instrumentais em relação ao peticionado sob 6º, sendo, portanto, este o pedido essencial que há que equacionar.

Por outro lado, também cabe salientar que o A. não deduziu impugnação da decisão da matéria de facto, a coberto do art. 640º do NCPC, pelo que a apreciação a fazer é apenas de direito.

Ora, da matéria provada resulta que A. e R. durante determinado período de tempo viveram em comum como se marido e mulher se tratasse, ou seja, em união de facto, e durante o referido período de tempo A. e R. fizeram diversas obras, concretamente no apartamento da R., assim com acordaram adquirir diversos móveis e electrodomésticos (factos 31. a 43. e 45.)

No entanto, o A. não conseguiu provar que pagou alguma quantia para as obras, designadamente não inferior a 15.000 €, que apenas beneficiaram o apartamento da R., que é a fracção AA, nem para móveis e electrodomésticos, designadamente quantia não inferior a 23.364 € para a casa que partilhou com a R. e que lá ficaram e esta usa em seu proveito exclusivo. É o que decorre dos factos não provados a), b), c), d), e), f), g) e h). Ora esta prova pertencia ao A. (art. 342º, nº 1, do CC), pelo que não a logrando a sua pretensão improcede.  

Além disso, ficou provado que a certo momento (Outubro, Novembro de 2013) A. e R. fizeram contas e o A. pagou à R. determinada quantia ainda em dívida, ficado nessa altura as contas saldadas em relação a despesas anteriores que se encontravam pendentes, excepto em relação ao lote de terreno (factos 59. a 63.).

Não procede, pois, o recurso do A.

4. Quanto à questão da prescrição, cabe conhecê-la agora dada a sua natureza preclusiva, pois a ocorrência da mesma dispensará a indagação sobre a existência do direito do A. a receber os aludidos 40.000 € (vide L. Freitas, em CPC Anotado, Vol. 2º, 2ª Ed., nota 5. ao anterior art. 510º do CPC [semelhante ao actual art. 595º do NCPC], pág. 402/403 e nota 2. ao anterior art. 660º do CPC [igual ao actual art. 608º do NCPC], pág. 679/680). 

Escreveu-se na decisão recorrida, a tal propósito, que:  

“A Ré invocou a prescrição do direito do Autor alegando para tal efeito, em síntese, que o Autor intentou a presente acção com base no suposto enriquecimento da Ré à custa do Autor, no entanto, o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento e se o prazo de prescrição começou a contar a 23/12/2013, data em que cessou a união de facto, considerando que o Autor intentou a presente acção contra a Ré em 22/12/2016, ou seja, 1 dia antes do termo do prazo prescricional que ocorreria em 23/12/2016, por isso prescreveu.

Mais alegou a Ré que nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 323, do Código Civil, “Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias” e porque sabia que a data em que interpôs a acção não era susceptível de fazer interromper o prazo prescricional, o Autor requereu na sua PI a citação urgente da Ré, no entanto, e apesar da citação urgente, a R. só viria a ser citada a 18/01/2017, através da agente de execução (…) e o direito que o A. pretendia fazer valer com a citação prévia só seria susceptível de produzir o efeito pretendido – interrupção da prescrição - caso lograsse citar a R. no dia 23/12/2016, o que não aconteceu.

A Ré alegou ainda que relativamente ao lote de terreno adquirido por si sempre este direito se encontra prescrito, porquanto o lote de terreno foi adquirido pela Ré em Março de 2009, e os pagamentos do Autor ocorreram em Maio, Junho e Agosto de 2009, por isso, pelo menos desde agosto de 2012 que prescreveu o direito do Autor reclamar estes valores com base no enriquecimento sem causa.

O Autor respondeu (fls. 120 e ss.) à invocada prescrição alegando essencialmente que a Ré reconheceu o direito invocado em comunicação de 27/12/2013 para efeitos do disposto no art. 325.º, do Código Civil, por isso em 22/12/2016 ainda não tinham decorrido três anos sobre a data do aludido reconhecimento. Vejamos.

Tal como referido pela Ré, o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento – cfr. art. 482.º, do Código Civil.

A Ré alega ainda que se o prazo de prescrição começou a contar a 23/12/2013, data em que cessou a união de facto, considerando que o Autor intentou a presente acção contra a Ré em 22/12/2016, ou seja, 1 dia antes do termo do prazo prescricional que ocorreria em 23/12/2016, já prescreveu.

Com efeito, apesar de ter requerido a citação urgente, o Autor intentou a acção um dia antes do decurso do prazo e a lei apenas presume a citação 5 dias depois da entrada da acção, por isso, no caso concreto, por essa via já estaria prescrito o direito do Autor – cfr. art. 323.º, do Código Civil.

No entanto, considera-se que a Ré reconheceu o direito invocado pelo Autor, na medida em que a 27/12/2013, por comunicação escrita enviada ao Autor, reconheceu haver a necessidade de dividir bens, ao abrigo do disposto no art. 325.º, do Código Civil.

Ora, tendo a presente acção dado entrada a 22/12/2016, significa que foi intentada com a antecedência de 5 dias do prazo de prescrição, ou seja, presume-se que a citação ocorreu precisamente a 27/12/2016 e por isso assim já é susceptível de interromper o prazo para efeitos do disposto no art. 323.º, do Código Civil, por ter sido requerida a citação urgente.

Termos em que não ocorreu a prescrição do direito do Autor.”.

A R. (cfr. conclusões de recurso da R. 31. a 53.) objecta a tal discurso basicamente com 3 motivos: que a prescrição se deu em Agosto de 2012, pois nessa altura decorreu o prazo legal de 3 anos já que o último pagamento pelo A. da aquisição do lote ocorreu em Agosto de 2009; ou que ocorreu em Novembro de 2013, data em que se perfez o período de 3 anos após a compra dos 2 apartamentos pelas partes; ou que ocorreu em 23.12.2016, pois a comunicação escrita da R., além de não constar dos factos provados, não implica reconhecimento do direito do A., para efeitos interruptivos da prescrição, nos termos do art. 325º do CC.

Mesmo com os factos apurados, tais como estão (não importando agora e para o efeito a impugnação da decisão da matéria de facto da R. em relação aos factos provados 15. e 16, nem o facto não provado k), não impugnado), a decisão sob recurso não está correcta e tem de ser revogada.

Do aludido art. 482º do CC resulta que o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável.

Se A. e R. viveram em condições análogas às dos cônjuges, em união de facto desde Julho de 2005 até 23.12.2013 (factos provados 1. a 5.), tendo o A. pago 40.000 € para aquisição de um lote de terreno a favor da R. (factos 6. a 14.), na expectativa de construírem uma casa para ambos, mais, tarde, ou serem feitas contas entre ambos e a R. restituísse ao A. o que este pagou, o que nunca sucedeu, pois o A. nunca quis dar o dito dinheiro à R. (factos 15. e 16.), torna-se evidente que só depois de cessada a união de facto entre A. e R., só a partir desta data, o direito à restituição pelo A. podia ser exercido (art. 306º, nº 1, 1ª parte do CC), e portanto só desde tal altura o A. teve conhecimento desse direito à restituição e que a responsável pela mesma era a R. Assim, nunca o prazo de prescrição poderia começar a correr em Agosto de 2009, com o último pagamento de tranche daquela quantia por parte do A., e terminar em Agosto de 2012, como a R. defende.

Também a prescrição não poderia ter ocorrido em Novembro de 2013, pois a compra de dois apartamentos contíguos pelo A. e pela R., em Novembro de 2010 (factos 18. e 19.), que foram unidos de facto mas não juridicamente, para passarem a única habitação do casal formado por A. e R. é um facto inócuo em relação à indicada contribuição monetária do A. para aquisição do lote de terreno pela R., ao dever de restituição do dinheiro pela mesma ao A. e aferição da verificação de prescrição quanto a tal disposição financeira do A.           

Quanto ao último argumento da R. que aqui entronca com a fundamentação jurídica da sentença recorrida, comecemos por dizer que o facto referido pelo julgador devia, no rigor legal, ter sido levado à matéria provada, o que não aconteceu, o que não é impeditivo, contudo, da tomada de decisão, pois o julgador também não deu por provado quando a acção foi proposta ou quando a R. foi citada, e todavia tais elementos são extraíveis dos autos.

Assim, a acção foi proposta em 22.12.2016 e a R. citada em 18.1.2017. Como o prazo de prescrição começou a contar a 23.12.2013, data em que cessou a união de facto, e considerando a apontada data de propositura da acção, 1 dia antes do termo do prazo prescricional de 3 anos, que ocorria em 23.12.2016, de nada valeu ao A. ter requerido a citação urgente, pois a presunção de citação 5 dias depois da entrada da acção, prevista no art. 323º, nº 2, do CC, apenas fazia esta operar em 27.12.2016, por isso, no caso concreto, em momento em que já estava prescrito o direito do A. – prescreveu em 23.12.2016.

Por conseguinte, verifica-se que o direito do A. à restituição dos 40.000 €, relativos ao aludido lote, estava prescrito, quando intentou a acção para esse efeito com base no enriquecimento sem causa. Procede, pois, o recurso da R., importando, pois, revogar a decisão recorrida.

O que vai, também, tornar desnecessário o conhecimento da subsequente questão posta no recurso da R., e acima elencada, atinente à não restituição do valor de 40.000 € ao A.

Acrescente-se, também, que mesmo que assim não fosse entendido não era de considerar haver reconhecimento do direito do A. pela R. à sombra do falado art. 325º do CC. Expliquemos porquê, embora em apreciação compreensivelmente sumária, dado a solução a que chegámos.

Para tanto, temos de trazer à colação a apontada comunicação de 27.12.2013. O A. referiu, na resposta à excepção de prescrição invocada pela R., que esta tinha reconhecido o seu direito, porquanto em email que lhe remeteu lhe disse que não lhe vendia o lote, porque era um projecto de ambos, não permitia que o A. nele fizesse o que entendesse, a não ser que mandasse alguém comprá-lo. Esse email - o teor é o seguinte: ”Quanto ao lote,…, a ti não o vendo, pois se era um projeto nosso, não permitirei que nele faças o que entendes, a não ser que mandes alguém comprá-lo! E aí, paciência! Ainda vou pensar se o quero vender e por quanto.” - foi junto aos autos pelo A. e a R. não o impugnou, antes até o aceita, como decorre das suas alegações de recurso. Esse email, que diz exactamente o que o A. alegou e provém da conta de email da R., estando por ela assinado, comprovaria o facto alegado pelo A. (art. 376º, nº 1 e 2, do CC), e que a R., aliás, aceita. Ora, na referida comunicação a R. não reconhece a existência de qualquer direito do A., apenas reconhece que é proprietária do lote, pelo que não havendo reconhecimento expresso do direito do A. à restituição do aludido valor de 40.000 € referente ao lote, também não se consegue descortinar que tal texto pudesse implicar que a R. estava a reconhecer tacitamente o direito do A. a tal restituição, em sentido inequívoco - aquele que é patente, que é claro, que é isento de dúvidas - como reza a lei no apontado nº 2 do art. 325º do CC. Não há na verdade qualquer reconhecimento, como se concluiu menos correctamente na sentença e como correctamente pugnava a R./recorrente.

De outro lado, também quedaria inaplicável o indicado art. 325º do CC, pois não se pode considerar interrompida uma prescrição - por reconhecimento da R. verificado em 27.12.2016 - que entretanto já tinha decorrido !

5. A R. impugnou a decisão da matéria de facto, relativamente aos factos provados 15., 16., 20., 28., 43., 51., 65. e 71., e referente aos factos não provados s), t), v), x) a z) – cfr. as suas conclusões de recurso 2. a 25.  

5.1. Face ao explanado nos pontos 3. e 4. que antecedem e ao que se vai decidir, queda inútil conhecer a impugnação da matéria de facto no respeitante aos pontos de facto provados respectivamente em 43. e em 15. e 16.

5.2. Relativamente à pretendida correcção do facto provado 20., de 175.000 € para 170.000 €, como esse facto, na economia do recurso e na da solução final do pleito não tem qualquer relevância, não iremos apreciar a indicada impugnação, já que a mesma queda inútil.

Efectivamente, a impugnação da matéria de facto consagrada no art. 640º do NCPC não é uma pura actividade gratuita ou diletante.

Se ela visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados, ela tem, em última instância, um objectivo bem marcado. Possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada ou não provada, para que, face à eventual nova realidade a que se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. Isto é, que o enquadramento jurídico dos factos tidos por provados ou não provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada.  

Assim, se por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for irrelevante ou insuficiente para a solução da questão de direito e para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois nesse caso mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo factual anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente destituído de eficácia, por não interferir com a solução de direito encontrada e com a decisão tomada.

Por isso, nestes casos de irrelevância ou insuficiência jurídica, a impugnação da matéria de facto não deve ser conhecida sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente (vide A. Geraldes, ob. cit., nota 11. ao art. 712º, pág. 298, e Ac. desta Relação de 12.6.2012, Proc.4541/08.3TBLRA, em www.dgsi.pt).

Isto porque, a alteração da matéria de facto, nos pontos precisos que forem impugnados será irrelevante ou insuficiente se nenhuma interferência tiver na dita solução de direito.

No nosso caso verifica-se que o mencionado facto, mesmo que alterado como a R. pretende, não soluciona juridicamente a causa, nem têm importância para o seu recurso e para a decisão do mesmo recurso.

Considerando todo o explicitado, e tendo em conta que a impugnação de facto deduzida pela recorrente visa facto que acaba por se tornar irrelevante, face à decisão a tomar, então a referida impugnação tem de ser não conhecida, relativamente à apontada factualidade.

5.3. Quanto aos factos provados 28. e 51. eles são o resultado da alegação do A. na p.i. (nos arts. 43º e 83º) e foram exactamente admitidos assim pela R. (no art. 18º da contestação). Daí que o julgador tenha referido na sua motivação que “Todos os factos alegados pelo Autor nos artigos … 43.º … 83.º … da petição inicial são incontroversos porque aceites pela Ré …”. O que está correcto, face ao disposto no art. 574º, nº 1 e 2, 1 ª parte do NCPC.

Mas a R. pretende agora os 2 acrescentos que indicou. Há que dividir a nossa apreciação sobre esses 2 pretendidos acrescentos, dada a sua diferente natureza jurídica.

No que que se refere à factualidade atinente às fracções já estarem separadas desde Dezembro de 2017, trata-se de facto que a R. não alegou na sua contestação/reconvenção (esta é datada de Fevereiro de 2017). Por conseguinte, trata-se de facto que devia ter sido alegado em alegado superveniente, como emerge do art. 588º do NCPC, o que nunca aconteceu, como facto eventualmente constitutivo do seu direito a ser indemnizada e que integra o seu pedido formulado sob ii. da sua reconvenção. Trata-se, por isso, de facto essencial ao seu direito e pedido formulado que devia ter sido alegado nos momentos e articulados próprios, o que não aconteceu, como se disse, pelo que sob pena de desrespeito do ónus de alegação da parte, previsto no art. 5º, nº 1, do NCPC, não pode ser agora alcançado em recurso.

E mesmo que pudesse ser visto como facto complementador ou concretizador do alegado pela R. e resultasse da instrução da causa, o certo é que as partes tinham de ter a possibilidade de sobre ele se pronunciar - mesmo artigo e número, b) –, para o juiz o poder considerar, o que não se revela ter acontecido. Na verdade, no caso concreto, o juiz não avisou as partes que estava disponível para o considerar factualmente nem as partes, designadamente a R., requereram que tal acontecesse (veja-se a acta de julgamento onde, sobre este aspecto, nada é dito pelo sr. Juíz ou pelas partes). E só neste circunstancialismo se poderia equacionar a aplicação de tal preceito, como defendemos e decidiu este colectivo recentemente no Acórdão proferido em 9.1.2018, no Proc.825/15.2TBLRA, consultável em www.dgsi. pt.

De maneira que tal matéria proposta pela recorrente não pode ser considerada, não procedendo a impugnação nesta parte.

Já no que respeita ao acordo das partes para a união física dos apartamentos o caso muda de figura, pois a R. tinha alegado na sua contestação (art. 130º) que a união resultou de decisão conjunta de ambas as partes. O julgador é que omitiu decisão de facto sobre esse ponto, pelo que em impugnação da decisão da matéria de facto pode trazer-se a terreiro a prova produzida sobre esse aspecto. A R. invocou apenas a confissão do R., produzida em depoimento de parte. E com toda a razão, pois ouvido o seu depoimento (gravado em CD), nesta parte, na realidade o R. admitiu exactamente tal circunstância. Embora o depoimento de parte do A. em nenhuma das suas passagens tenha sido reduzido a escrito, o que devia ter acontecido quanto a tal admissão, nos termos do art. 463º, nº 1, do NCPC, para assim ter força probatória plena, a coberto dos arts. 352º, 355º, nº 1 e 2, 356º, nº 2, e 358º, nº 1, verdade é que tal confissão judicial não escrita pode ser apreciada livremente pelo tribunal. Ora, perante a clara admissão do R., o referido facto deve ser considerado por provado, assim procedendo a impugnação deduzida, neste segmento, inserindo-se o acrescento a negrito, no apontado facto 28.              

5.4. Relativamente ao facto provado 65., a R. propõe que a resposta seja alterada nos termos que aponta. E que tem fundamento probatório, pois a redacção proposta é a que emerge dos docs. nº 16, a fls. 85 v. e nº 1. a fls. 149, não se percebendo de onde o julgador de facto foi extrair que a aquisição do imóvel foi feita pelo filho da R. e o indicado valor remanescente em dívida, pois o mesmo não motivou especificadamente tal facto, embora tenha dito que ponderou a prova documental junta aos autos.

 Assim, deferindo a impugnação apresentada, o facto 65. passará ter a seguinte redacção (a negrito, ficando o anterior em letra minúscula):

65. Nessa execução o referido imóvel foi vendido à exequente CCAM, pelo valor de 117.500,00€, tendo ficado ainda um remanescente de 20.815,92 € em dívida que a Ré pagou ao banco, encontrando-se o processo extinto [96.º e 97.º Cont.].

Consequentemente a segunda parte do facto não provado w), tem de ser eliminada, para salvaguardar a contradição que existia com o referido facto 65. (ficando em letra minúscula).

5.5. Finalmente resta conhecer a impugnação ao facto provado 71. e aos factos não provados já antes enunciados, que a R. pretende que passem a provados. O fundamento da impugnação é o depoimento das testemunhas (…)

O julgador exarou a motivação que se transcreve:

“Demais factos provados e não provados resultaram da análise dos seguintes meios de prova, à luz das regras de experiência e da lógica:

(…)

Foi valorado o depoimento das seguintes testemunhas:

1- C (…) (Bancária, irmã da Ré) esclareceu no essencial que …..; que a certo momento o Autor saiu de casa e a Ré arcou com as responsabilidades …..; que a Ré ficou fragilizada, mesmo profissionalmente, não dormia nem se sentia bem, o processo movido pelo banco abalou a Ré, bem como, a falta do ouro que o Autor não devolveu – o seu depoimento não mereceu a necessária credibilidade, atenta a relação familiar com a Ré.

2- F (…) (Administrativa, residente em (...) , amiga da Ré há mais de 20 anos) referiu essencialmente que …..; que a Ré ficou completamente desorientada quando o Autor saiu de casa porque aquela teve de pagar as prestações do empréstimo ao banco; ….. ; que a Ré ficou afectada – o seu depoimento mereceu credibilidade quanto aos factos do seu conhecimento pessoal.

(…)

Os factos relativos aos incómodos sentidos pela Ré resultaram do depoimento da testemunha F (…), acima referida.

(…) 

Os demais factos não provados resultaram da circunstância de não ter sido produzida prova sobre os mesmos ou prova suficientemente credível ou porque foram contrariados pela prova acima já analisada.”.

Ouvimos o depoimento das referidas testemunhas, que está gravado em CD, sobre a matéria em análise.

C (…), disse não falar com o A. Declarou que a irmã sentiu-se muito fragilizada e muito prejudicada profissionalmente, logo nos anos seguintes com o facto de o A. deixar de pagar a parte que lhe respeitava do apartamento e até à resolução dessas coisas, profissional/ profissionalmente, para quem já trabalha há trinta anos na praça, é um abalo muito grande. Estamos a falar de título bancário, não poder contrair, não poder ter opinião, é os clientes é o que se fala, muito abalo. Profissionalmente e pessoalmente também a vida da irmã não prosseguia, o não dormir, o não estar bem, o não conseguir estar num grupo de amigos, o não estar dentro da família. E profissionalmente também, basta ir dirigir-se ao banco onde ela sempre teve a credibilidade intacta e não poder ter nem usufruir de qualquer benefício enquanto isto não tivesse resolvido, porque os encargos caíram, recaíram todos sobre ela e não sobre ele. São trinta anos de praça. Perguntada sobre algum problema em concreto com o banco respondeu que teve a parte da resolução. O banco optou por ir pela parte que para eles era mais fácil, que era a dela, era ela que tinha dinheiro e era ela que ia pagando os encargos pelo menos de um apartamento, obrigando-a a resolver a parte do segundo apartamento, onde ela era fiadora. Isso abalou a credibilidade dela mal. Noites mal dormidas, muitas conversas falhadas, muito trabalho a correr menos bem. Entre o núcleo de amigos esta questão não era abertamente falada, mas depois acabou por ser colocada. Ele saiu no dia vinte e três de Dezembro, no dia trinta e um como grupo de amigos estávamos todos juntos a festejar e a minha irmã aparece sozinha. No dia toda a gente respeita, a seguir pergunta-se o que é que se passa. Relativamente à falta do ouro, ela ficou afectada tremendamente, porque ela confiou nele ao depositar o ouro num cofre que está em nome de uma empresa. É ouro que foi dado pelos meus pais, foi dado pelo ex-marido, é ouro dos meus sobrinhos, estão ofertas minhas lá aos meus sobrinhos. É tremendamente vergonhoso esta situação. E a sua irmã manifesta mal-estar constantemente pelo pesar de não conseguir encontrar uma solução e ser preciso esta forma de pressão para actuar e não conseguir responder perante os filhos porquê é que as coisas não são reavidas. Pelo meio do depoimento referiu que a irmã para efectuar as obras de separação dos doois apartamentos custavam à irmã 25.000 €.

F (…), disse que a única altura em que viu a C (…) desorientada foi na altura em que foi chamada à responsabilidade pelo banco. Ela era uma pessoa forte e determinada, e na altura falavam as duas até tarde porque ela tinha dificuldade em dormir, acordava a chorar, portanto ela atravessou uma fase muito má, porque ela estava-se a sentir encurralada sem saber como é que conseguia sair daquilo porque também não tinha dinheiro que desse para ficar com aquilo tudo. E então ela teve que arranjar outras alternativas para arranjar dinheiro para sair porque ela ficou desorientada. E aí nessa altura ela estava mesmo emocionalmente de rastos. Aí teve uma fase também complicada no trabalho porque depois também não conseguia ter a produtividade que era costume ter, não se conseguia concentrar. Portanto vi uma C (…)completamente diferente. Depois deu a volta e conseguiu realizar dinheiro para pronto resolver as coisas e pagar esse diferencial e ficar com o nome dela limpo que era a grande questão dela. Isso passou-se na altura da possibilidade da execução. Relativamente ao núcleo de amigos essas conversas eram faladas não directamente com ela, mas a C(…) tinha conhecimento disso e sentia-se envergonhada.

Analisando, diremos o seguinte.

O testemunho da irmã da R., dado o laço familiar, tenderia naturalmente a ser favorável à mesma e portanto teria de ser avaliado com o necessário distanciamento e rodeado das devidas cautelas. O que sai reforçado quando a mesma não mantém qualquer comunicação/contacto pessoal/relacionamento com o A. que, neste momento, está no lado oposto aos interesses da irmã. E, além disso, a sua credibilidade, para não passar de simples testemunho judicial igual a milhares que se produzem nas inúmeras audiências de julgamento, precisava de ser cimentado ou confirmado por outra prova credível. Ora, o que constatamos é que a testemunha refere, no ínterim do seu depoimento, que a irmã precisava de gastar/gastou nas obras de separação dos apartamentos cerca de 25.000 € quando a irmã R. vem alegar que o valor era de cerca de 6000 € !, o que desde logo deixa muito a desejar sobre a sua credibilidade. Por outro lado, o seu depoimento não é confirmado pela testemunha (…) salvo quanto à desorientação e abalo emocional e físico da R. quanto à questão da sua chamada de responsabilização pelo Banco para pagamento do débito do apartamento do A., enquanto fiadora, após o A. ter saído de casa. E aqui, sim, a testemunha F(…) revela essa circunstância, pois segundo ela, foi a única vez em que viu a R., pessoa confiante e determinada, apreensiva e desorientada, em sofrimento.

Daqui resulta, globalmente apreciados criticamente tais testemunhos, que relativamente ao facto 71. a R. tem parcial razão relativamente à redacção que propõe e que, aliás, vai de encontro ao que o próprio julgador exarou na sua motivação, acima transcrita.         

Respeitante ao facto não provado s), a impugnação improcede, já que inexistiu prova produzida suficiente demonstradora de que o bom nome da R. foi descredibilizado, na medida em que foi posta em causa a sua seriedade e competência como profissional de direito.

Quanto aos factos não provados t) e v) terá a impugnação de ser indeferida, porquanto o que estava em jogo era não a questão da casa da R., mas sim a possibilidade de execução/execução da casa do A., de que esta era fiadora, e foi sobre esta execução que as aludidas 2 testemunhas depuseram.

Relativamente aos factos não provados x) e y) nenhuma prova existe, por parte de tais 2 testemunhas, já que apenas se referem à possibilidade de execução/execução e não à presente acção declarativa de condenação, proposta pelo A.

Referente ao facto não provado z) só a testemunha C (…) o referiu. Dadas as características do seu depoimento, atrás sublinhadas, e a não confirmação pela testemunha F (…) ficam sérias dúvidas sobre o facto, que assim terá de manter-se, não procedendo a impugnação, pois, à sombra do art. 414º do NCPC, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita.

Assim, atento o exposto, o facto 71. passará a ter a seguinte redacção (a negrito, ficando o anterior em letra minúscula):

71. A Ré ficou abalada e incomodada quando o Autor saiu de casa e se sujeitou à instauração de acção executiva.

6. Em sede de reconvenção, a R. invoca o pagamento de determinada quantia relativa ao empréstimo que pagou na qualidade de fiadora. O tribunal negou essa pretensão, defendendo a R. que tem direito à restituição de tal quantia, nos termos do art. 644º do CC (cfr. conclusões de recurso 58. a 76.).  

E tem inteira razão, pois decorre do aludido art. 644º do CC que o fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos. Desta maneira, o crédito sobre o devedor transferiu-se para ele, por efeito do seu cumprimento e na medida da satisfação dada, como resulta também do art. 593º, nº 1, do CC. Havendo transmissão do crédito por sub-rogação, não há, por isso, qualquer direito próprio de regresso, por opção do legislador (não se podendo misturar as duas figuras jurídicas como a recorrente o faz) – Vide A. Varela, em CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 2. ao falado art. 644, pág. 630.   

Provado que a R./fiadora pagou a quantia de 20.815,92 € ao credor-exequente do A./devedor relativo ao empréstimo para aquisição da sua casa que lhe foi feito (factos provados 18., 20., 64. e 65.) o A. tem de ser condenado a pagar tal montante à R. A que acrescem os juros legais peticionados, a contar da notificação da reconvenção ao A. (ocorrida em 20.3.2017), até integral pagamento.
Procede, por isso, o recurso da R. nesta parte.

7. A R. invocou, ainda, em sede de reconvenção, que era necessário efectuar obras para restituir os dois apartamentos à situação física anterior, a fim de ser entregue o imóvel comprado pela C(…) a esta. Como o orçamento é de 6.228,72 €, o A. terá de pagar metade, ou seja 3.114,36 €.

O tribunal negou essa pretensão, defendendo a R. que tem direito à restituição dessa mesma quantia (cfr. conclusões de recurso 77. a 82.).

As ditas duas fracções foram unidas entre si por acordo das partes (facto provado 28.). Para separar os apartamentos e restituir a situação como se encontrava anteriormente com vista à entrega do imóvel à C(…) é preciso fazer obras de separação e reparação nos dois apartamentos, obras orçamentadas em 6.228,72 € (factos 68. e 69.).

Deste modo, para haver reconstituição natural repondo a situação que existia antes da união dos apartamentos, a respectiva responsabilidade recai forçosamente sobre os decisores e autores do acto praticado, isto é, A. e R. Pelo que, terá o A. de ser condenado a pagar à R. metade do valor orçamentado para a realização das indicadas obras de separação dos apartamentos, que corresponde a 3.114,36 €.

Sob pena de enriquecimento sem causa do A., nos termos do art. 473º do CC, onde se dispõe que:

1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.

- Se a causa justificativa nunca existiu, então a obrigação de restituir tem por objecto o que for indevidamente recebido (ausência total de causa justificativa);

- Se a causa justificativa existia inicialmente, então a obrigação de restituir tem por objecto o que for recebido por virtude de uma causa que entretanto deixou de existir (ausência superveniente de causa justificativa);

- Se a causa justificativa era a produção de um efeito, então a obrigação de restituir tem por objecto o que for recebido tendo em vista um efeito que afinal não se verificou (a ausência de causa justificativa por falta de verificação dos efeitos pretendidos).

No nosso caso, a união física dos dois apartamentos teve por base, essencialmente, uma causa justificativa perfeitamente clara: - a vida em união de facto existente entre A. e R., causa que com o fim dessa relação deixou de subsistir (ausência superveniente de causa justificativa). Ou seja, no momento em que foram praticados os actos físicos de união dos apartamentos a causa justificativa era a união de facto existente, o qual, em face da rotura/extinção dessa relação, originou a cessação da causa justificativa para tais obras. Com as necessárias obras de reposição da situação anterior, o A. a não suportar metade do seu custo enriqueceria ilegitimamente.  

É, pois, de deferir o recurso da R. nesta parte.

8. A R. pediu a condenação do A. a pagar-lhe quantia não inferior a 20.000 € devido a danos de natureza não patrimonial, que a decisão recorrida não concedeu. Nessa sentença escreveu-se que:

“A invocação de danos desta natureza implicam a prática pelo A. de facto ilícitos e culposos, danos e nexo de causalidade entre uns e outros, ao abrigo do disposto no art. 483.º, do Código Civil.

O Código Civil admite a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, mas limitando-se àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1, do CC).

Estes danos não patrimoniais, são prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, uma vez que atingem bens que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com uma obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.

Com efeito, está em causa a atribuição de uma soma pecuniária que proporcione ao lesado satisfações que, de algum modo, o façam esquecer a dor ou o desgosto. Ao lado desta, existe ainda a finalidade sancionatória, punindo-se a conduta do lesante.

A gravidade do dano, a que se refere o art. 496, n.º 1, CC, mede-se por um padrão objectivo, sem deixar de atender às circunstâncias do caso concreto.

No entanto, a este propósito não ficou provado que:

- Que por causa da instauração de acção executiva pela C(…)de (...) contra a Ré, esta situação descredibiliza o seu bom nome, na medida em que foi posta em causa a sua seriedade e competência como profissional do direito, valores pelos quais sempre se pautou ao longo destes 28 anos de exercício profissional [147.º Cont.].

- Que também o seu bom nome foi posto em causa no seio da família e circulo social onde se move, pois numa cidade pequena como é (...) , é por todos sabido que a sua casa está em litígio judicial [148.º Cont.].

(…)

- Que as constantes perguntas dos seus amigos e conhecidos, sobre a situação da sua casa, incomodam a R. e são perturbadores do seu dia-a-dia [150.º Cont.].

(…)

- Que a presente ação de condenação no pagamento das quantias pedidas têm causado à R. ansiedade, uma enorme revolta, angústia e tristeza [152.º e 153.º Cont.].

- Que a R. sofre ainda de insónias desde a data em que foi citada, com afetação do seu desempenho pessoal e profissional [155.º Cont.].

- Que o facto de se ver privada dos seus objetos de ouro, que tem grande valor estimativo e que grande parte foi comprada com o esforço do seu trabalho, lhe tem causado angustia e tristeza [154.º Cont.].

E apenas ficou provado que a Ré ficou abalada e incomodada porque o Autor saiu de casa e se sujeitou à instauração de acção executiva e à presente acção.

Ou seja, tais factos são o resultado misto entre o fim de uma relação de vida em comum e factos posteriores não sendo possível apurar um correcto nexo de causalidade entre eles.

Deste modo, não se verificam os necessários pressupostos da responsabilidade por factos ilícitos extracontratuais, impondo-se a absolvição do Autor deste pedido reconvencional.”

A R., porém, insiste nessa condenação (cfr. conclusões de recurso 83. a 89.). Parte do pressuposto de que os factos que impugnou iriam ser modificados, no sentido que pretendia, o que não se verificou quase na íntegra, salvo quanto ao facto provado 71., o que, à partida, nos indica que a sua pretensão indemnizatória estará votada ao insucesso. Vejamos, contudo, melhor.

Recorde-se que a R., na sua reconvenção, fez basear o pedido de danos morais em três núcleos de factos (arts. 140º a 157º de tal peça): incumprimento de empréstimo bancário ao A., para aquisição de casa pelo mesmo, em que foi fiadora, com consequente execução; a presente acção de condenação contra ela instaurada; privação pelo A. dos seus objectos em ouro.

No que respeita ao 2º e 3º núcleos, a R. não logrou provar os respectivos factos alegados e que estão espelhados nos factos não provados t), v), x), y) e z). Relativamente ao 1º núcleo, não comprovou o que consta do facto não provado s), mas apurou-se o assente no facto provado 71., isto é, que a R. ficou abalada e incomodada quando o A. saiu de casa e se sujeitou à instauração de acção executiva.   

O facto de o A. ter saído de casa é neutro. Previamente a saber-se se o referido abalo e incómodo são graves para merecer a tutela do direito, nos termos do art. 496º, nº 1, do CC, importa descobrir, pois é o que está verdadeiramente subjacente à apreciação de direito, se o não pagamento do empréstimo ao Banco credor e exequente, para compra da casa do A. por banda do mesmo, é um facto ilícito, pois a responsabilidade extracontratual prevista no art. 483º, nº 1, do CC pressupõe a prática de facto ilícito.

Prevê esta norma, em termos de ilicitude, duas modalidades: a) a violação do direito de outrem, ou seja, na infracção de um direito subjectivo; a violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios (sem atribuírem um direito subjectivo ao titular do interesse lesado).

Por outro lado, prevê o art. 627º, nº 1, do CC, que o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor, cobrindo as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor (art. 634º do CC) e podendo responder sozinho ou acompanhado do devedor em caso de ter assumido a obrigação de principal pagador (arts. 640º, a), e 641º, nº 1, do CC). No nosso caso, a R. assumiu ser fiadora do A. e também principal pagadora no empréstimo para aquisição do imóvel do A. (factos provados 18., 20. e teor da escritura, junta como doc. nº 12, com a p.i., a fls. 27/31 dos autos). Quando o Banco executou a R., face ao não pagamento do empréstimo, fê-lo licitamente, pois, não houve violação do direito subjectivo de outrem, a R., nem as normas que regulam a fiança se destinam a proteger interesses alheios (não subjectivos). De outro lado, o não cumprimento pelo A., relativamente a tal empréstimo estava coberto pela fiança dada pela R., e como principal pagadora até, característica jurídica que a R. não desconhecia, nem podia desconhecer, pois é advogada, não existindo qualquer conduta ilícita do A. versus a R. geradora de responsabilidade civil. A não ser que houvesse qualquer facto comprovativo da existência de um acto emulativo ou de eventual abuso de direito, por parte do A., susceptível de imputação ao mesmo de danos morais causados à R., o que, todavia, os autos não demonstram.

Não procede, por isso, o recurso, nesta parte.           

9. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Quanto na c), do nº 1, do art. 615º do NCPC, se dispõe que a sentença será nula se os fundamentos estiverem em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, a 1ª parte refere-se à oposição entre a fundamentação jurídica exposta pelo julgador e depois a decisão que toma em sentido contrário ou divergente, e não a vício da decisão da matéria de facto, por contradição entre factos, que são duas situações distintas; a 2ª parte, por outro lado, reporta-se a ininteligibilidade, por ambiguidade ou obscuridade, do segmento decisório final;

ii) Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância, importância ou suficiência jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente;

iii) Se os factos que se pretendem sejam dados por provados tiverem, a natureza de principais essenciais e não foram alegados pela parte respectiva não podem ser considerados em impugnação da decisão da matéria de facto, sob pena de violação do disposto no art. 5º, nº 1, do NCPC; se tiverem a natureza de factos principais concretizadores ou complementares e resultarem da instrução da causa e que as partes conheceram, só podem ser considerados, nos termos do art. 5º, nº 2, b), do NCPC, se o julgador avisar as partes que está disponível para os considerar factualmente ou as partes requereram que tal aconteça e assim possa haver lugar ao exercício do respectivo contraditório;

iv) A interrupção da prescrição pela citação presumida ao 5º dia (27.12.2016) posterior ao seu requerimento, nos termos do art. 323º, nº 2, do CC, não pode operar se o prazo legal da prescrição já tinha decorrido entretanto (em 23.12.2016);

v) O reconhecimento tácito do direito, para efeitos de interrupção da prescrição, previsto no art. 325º, nº 2, do CC, tem de ser inequívoco - aquele que é patente, que é claro, que é isento de dúvidas;

vi) Se numa acção de enriquecimento sem causa, com base em união de facto, em que se averigua se o A. tem direito a ver-se restituído de importância com que contribuiu, parcialmente, para a aquisição de um lote de terreno a favor da R. esta diz num email ”Quanto ao lote,…, a ti não o vendo, pois se era um projeto nosso, não permitirei que nele faças o que entendes, a não ser que mandes alguém comprá-lo! E aí, paciência! Ainda vou pensar se o quero vender e por quanto.”, tal comunicação não implica inequivocamente que a mesma reconhece a existência de qualquer direito do A. a receber a dita contribuição;

vii) Também não pode operar um suposto reconhecimento tácito do direito, para efeito de interrupção da prescrição, a coberto do art. 325º, nº 2, do CC, se na data desse suposto reconhecimento já decorreu o aludido prazo de prescrição;

viii) Decorrendo do art. 644º do CC que o fiador que cumprir a obrigação fica sub-rogado nos direitos do credor, na medida em que estes foram por ele satisfeitos, o crédito sobre o devedor transferiu-se para ele, por efeito do seu cumprimento e na medida da satisfação dada (como resulta também do art. 593º, nº 1, do CC); havendo transmissão do crédito por sub-rogação, não há qualquer direito de regresso;

ix) Se A. e R. para viver em união de facto, juntaram fisicamente dois apartamentos, por acordo de ambos, cessada tal união e a fim de repor a situação anterior, com vista à entrega de um dos imóveis a terceiro, é preciso fazer obras de separação nos dois apartamentos, o A. terá de pagar metade do valor orçamentado para a realização das mesmas, sob pena de enriquecimento sem causa do A.

x) O não cumprimento pelo devedor do empréstimo que contraiu, com a consequente execução do fiador, principal pagador, não gera, em princípio, responsabilidade civil daquele em relação a este em termos de danos morais.

  

IV – Decisão

 

Pelo exposto, julga-se o recurso do A. improcedente, e julga-se o recurso da R. procedente, parcialmente, assim se revogando a decisão recorrida, e, em consequência, absolve-se a R. dos pedidos formulados pelo A., e condena-se o A. a pagar à R. a quantia de 20.815,92 €, a que acrescem os juros legais peticionados, a contar da notificação da reconvenção ao A. (ocorrida em 20.3.2017), até integral pagamento, mais a quantia de 3.114,36 €, no demais se mantendo a sentença recorrida.

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Custas a cargo do A./recorrente e R./recorrente na proporção do decaimento/vencimento.

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 Coimbra, 24.9.2019

Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Maria João Areias ( com voto de vencido )(

Voto de vencido:

Não posso aderir ao decidido relativamente à invocada exceção da prescrição do direito do autor relativamente ao direito de o autor reaver o valor de 40.000 € que entregou para a aquisição de um lote de terreno a favor da Ré.

A união de facto cessou a 23 de dezembro de 2013.

Na sentença recorrida considerou-se que a comunicação escrita enviada pela Ré ao autor a 27 de dezembro de 2013 que reconheceu haver a necessidade de dividir os bens, constituiu um ato interruptivo do prazo prescricional, pelo que proposta a ação a 22 de dezembro de 2016, se presumiria que a citação ocorreu nos cinco dias seguintes, nos termos do art. 323º CPC.

No acórdão, negando-se o referido efeito interruptivo à comunicação da ré datada de 27 de dezembro de 2013 – por “a compra de dois apartamentos contíguos pelo A. e pela Ré (…) é um facto inócuo em relação à indicada contribuição monetária do autor para a aquisição do lote de terreno pela Ré”, julga-se a prescrição procedente.

A fls. 141v. consta um primeiro email do autor dirigido à Ré, datado de 27 de dezembro de 2013, no qual lhe comunica que pode ir buscar diversos bens, colocando-lhe várias questões, relativas a questões e contas pendentes entre ambos e, especificamente no que interessa à questão aqui em causa, perguntando-lhe “qual o valor mínimo pelo qual me vendes a tua metade no lote de terreno da (...) ”. A fls. 142 consta um email de resposta da Ré, nessa mesma data, 27.12.2013, no qual vai respondendo às várias questões, afirmando quanto ao lote em questão: “Quanto ao lote, (…) a ti não vendo, pois se o projeto era nosso, não permitirei que nele faças o que entenderes, a não ser que mandes alguém comprá-lo. E aí paciência! Mas ainda vou pensar se o quero vender e por quanto”.

Ou seja, não só essa troca de correspondência é reveladora da “confusão patrimonial” gerada pela união de facto – quer ao nível de bens móveis e imóveis, quer da entrega de quantias monetárias para aquisição ou pagamento de bens do outro –, bem como da necessidade de existirem ainda assuntos e contas por fazer relativamente ao período de vivência em comum.

E nessa troca de correspondência falam expressamente dos efeitos da contribuição do autor com a quantia de 40.000,00 € para a aquisição do lote de terreno que veio a ser adquirido apenas em nome da Ré: assumindo ser dono de “metade” do lote, perguntava à Ré quanto é que a Ré pretendia pela sua metade; e a Ré (não contestando sequer a afirmação de que o autor seria proprietário de metade) responde-lhe apenas que “a ti não vendo”.

Não vejo como negar efeito interruptivo a estas comunicações enquanto reveladores da necessidade de procederem a um acerto de contas na sequência das várias questões que se levantavam na sequência do fim da união de facto, independentemente de individualmente, cada uma das parcelas deste deve e haver poder ter por fundamento um distinto instituto jurídico (mútuo, enriquecimento sem causa, etc.).

De qualquer modo, ainda que assim não fosse e que se entendesse que o direito ao reembolso do valor que entregou à Ré para esta adquirir aquele lote, deve ser analisado não como uma mera verba desse “deve/haver” existente entre os ex-membros do casal, mas como um direito autónomo, nomeadamente para efeitos de prescrição, também nessa situação, em meu entender, o direito do autor não se encontraria prescrito.

Com efeito, é a partir desta troca de emails ocorrida a 27 de dezembro de 2013, que o autor fica a saber que, face à recusa da ré em vender “a sua metade”, a única hipótese que lhe resta é pedir a devolução do montante que entregou para a aquisição do lote a título de enriquecimento sem causa.

Ora, tendo em consideração o prazo especial e breve de três anos estabelecido no art. 482º CC, a obrigação de restituir o enriquecimento em causa não prescreve enquanto o empobrecido tiver outro meio de ser restituído ou outra forma de ser indemnizado pelo seu prejuízo[1]

Considerando que o prazo se interrompeu, ou só se iniciou, a 27 de dezembro, julgaria improcedente a invocada exceção de prescrição.

                                                                                        

Maria João Areias


[1] Menezes Cordeiro, “Direito das Obrigações”, 2ª ed., p.69, e Acórdão do STJ de 02.12.2004, relatado por Oliveira Barros, disponível in www.dgsi.pt.