Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
10033-A/1999.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CATARINA GONÇALVES
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
ALTERAÇÃO
PRESTAÇÃO
NECESSIDADES DO MENOR
Data do Acordão: 02/11/2014
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: 4º JUÍZO CÍVEL DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 2º, Nº 2, DA LEI Nº 75/98, DE 19/11
Sumário: I – Na fixação da prestação devida pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, ao abrigo da Lei nº 75/98, de 19/11, importa atender, além dos demais factores a que alude o art. 2º, nº 2, da citada Lei, às actuais necessidades do menor.

II – Assim, ainda que se deva considerar que, por regra, o valor da prestação de alimentos que foi judicialmente fixada ao devedor, cujo incumprimento deu origem à intervenção do Fundo, é o que se adequa às necessidades do menor, nada obsta – e nada na lei o impede – que a prestação do Fundo seja fixada em valor superior ao da prestação do obrigado nas situações em que tenha existido alteração dos pressupostos que determinaram a fixação desta prestação e, portanto, quando se constate que as actuais necessidades do menor são superiores àquelas que existiam e foram consideradas no momento em que foi proferida a decisão que fixou a obrigação do devedor de alimentos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

O Ministério Público, em representação da menor, A... , deduziu incidente de incumprimento de regulação do exercício do poder paternal contra B..., residente na Rua (....), Leiria, alegando, em suma, que: a menor é filha da Requerida e de C.... e reside com o pai; por sentença de 02/06/2000, que regulou o exercício do poder paternal, a Requerida ficou obrigada a pagar, a título de alimentos, a quantia de 12.000$00 mensais, a actualizar no mês de Janeiro de cada ano e a partir de 2001 na proporção do aumento do salário mínimo nacional; a Requerida não paga a aludida pensão desde Março de 2011, encontrando-se em dívida – até Janeiro de 2013 – a quantia de 2.101,74€.

Foi realizada a conferência de pais, onde a Requerida declarou estar desempregada e auferir apenas o subsídio de desemprego no valor de 200,00€, mais declarando que tem pago o valor de 20,00€ por conta do montante em atraso e que não tem possibilidades de pagar a pensão de alimentos.

Nessa conferência, os progenitores acordaram que a quantia em dívida era de 2.375,88€, valor que a Requerida se comprometia a pagar em prestações mensais de vinte euros, acordo que foi judicialmente homologado.

Foi elaborado relatório social pela Segurança Social e o Ministério Público veio requerer que fosse determinado o pagamento de prestação de alimentos, de valor não inferior a 120,00€, a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores.

Tal pedido veio a ser parcialmente deferido por decisão proferida em 13/09/2013, onde se determinou que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pagasse, a título de alimentos devidos à menor, a quantia mensal de 91,38€.

Discordando dessa decisão, o Ministério Público interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

1. Foi fixada, pela douta sentença recorrida, proferida a 13/09/2013, prestação de alimentos, a suportar pelo “Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores”, no valor de € 91,38 (noventa e um euros e trinta e oito cêntimos), e na sequência de ter sido requerido, pelo Ministério Público, a fixação de prestação em valor não inferior a € 120,00 (cento e vinte euros);

2. Porém, veio a ser indeferido tal requerimento, tendo sido decidido, apenas, e nessa parte, que: “(…) No que concerne ao aumento da pensão de alimentos a suportar pelo FGADM requerido pelo Ministério Público, importa referir como se anota no Ac. da RC de 25/05/04 in www.dgci.pt que o Fundo é apenas um substituto do devedor de alimentos, pelo que a sua prestação não pode exceder a fixada para a progenitora (o montante da prestação de alimentos fixado ao devedor dos alimentos funciona como limite máximo para a prestação a cargo do FGADM). Neste mesmo sentido vide ainda Ac. da RC de 19/02/13.Deste modo, vai indeferido o aumento da prestação a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos (…);

3. O Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM) assegura as condições de subsistência, alimentícias, imediatas, do menor, quando a pessoa judicialmente obrigada não possa prestá-las, e este ou seu agregado familiar não disponham de rendimento líquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), nos termos do disposto do disposto no artigo 1º., nº. 1, da Lei n.º 75/98, de 19/11, e no artigo 3º., nº. 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13/05, ambos, na redação atual;

4. A prestação de alimentos fixada, ao abrigo dos mencionados diplomas legais, é independente ou autónoma da pensão de alimentos, anteriormente fixada ao devedor dos mesmos alimentos;

5. Ora, apesar do teor da decisão de indeferimento, em parte alguma da lei aplicável, consta que o valor da prestação a assegurar pelo FGADM não pode exceder o valor fixado ao devedor, e que tal valor funciona como limite máximo para a prestação a cargo do mesmo Fundo;

6. Aliás, não consta do Decreto-Lei nº. 164/99, de 13/05 (incluindo o preâmbulo) nem da Lei n.º 75/98, de 19/11, nem existe qualquer outro diploma ou disposição legal que preveja a limitação do valor da prestação de alimentos, a suportar pelo FGADM, que fixe, como limite máximo desta, o valor da pensão de alimentos fixada ao obrigado;

7. Daí que, na sequência da recente alteração legislativa, não foi alterado o referido preceito legal, nessa parte (e sendo certo que foi dada nova redação aos artigo 1º., nº. 2, da referida Lei nº. 75/98, e 3º., do Decreto-Lei nº. 164/99, de 13/05, tendo sido legislado, relativamente à maioridade, capitação, prestações vencidas, entre outras), mas tal não sucedeu, continuando a ler-se, no artigo 2º., nº. 2, da Lei nº. 75/98 e, agora, no nº. 5, do artigo 3º., deste último diploma legal, que o tribunal deve atender, na fixação do montante a assegurar pelo FGADM, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor;

8. Acresce, por outro lado, que a seguir-se entendimento contrário, poderia defender-se que, por carência absoluta de meios ou “ausência” dos progenitores, não poderia ser fixada qualquer prestação a pagar ao filho, pois seria impossível fixar uma prestação substitutiva, a cargo do FGADM, sendo que tal seria completamente contrário aos princípios aplicáveis, que levaram à criação do mesmo instituto e ao superior interesse do menor;

9. O FGADM não existe para garantir o cumprimento da obrigação do devedor dos alimentos nem, tão pouco, para garantir que o IGFSS irá receber, na certa, do obrigado, o que despendeu com os alimentos prestados ao menor, no caso, a menor;

10. O FGADM existe, sim, para garantir o pagamento de uma prestação de alimentos (como obrigação sua), substitutiva daquela, com vista a garantir ao menor em causa, um mínimo de subsistência, pelo que os critérios legais serão sempre, as necessidades do menor e a garantia do mínimo de subsistência do mesmo, no caso, a A....;

11. É que a sub-rogação legal não visa uma mera substituição de devedor, mas sim uma substituição no pagamento de uma prestação que terá de garantir as satisfações mínimas da criança;

12. O apuramento do montante a assegurar pelo FGADM, em substituição do devedor de alimentos, tem de ter em conta, não só o valor fixado ao mesmo devedor, como, também, as condições económicas, atuais, do agregado familiar onde se insere o menor e as necessidades específicas deste, atuais, nos termos do disposto nas normas legais, imperativas, constantes do disposto nos artigos 2.º, nº. 2, da Lei n.º 75/98, de 19/11, e 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13/05, e como aí consta, clara e expressamente;

13. A prestação alimentar, assegurada pelo FGADM, é uma prestação nova e diferente da devida pelo progenitor incumpridor, devendo ser encarada como uma “prestação social”, a ser fixada de acordo com os critérios estabelecidos pelo artigo 2º. da Lei nº. 75/98, de 19/11” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 26/06/2012, dísponivel em www.dgsi.pt);

14. Sempre que tal desadequação ocorra, deve a prestação alimentar, a cargo do FGADM, ser atualizada (adequando-a à capacidade económica do agregado familiar do menor e às necessidades específicas deste), independentemente do apuramento das condições sociais e económicas do devedor de alimentos (cfr. Acórdão da Relação do Porto de 08-09-2011, dísponivel em www.dgsi.pt);

15. Porém, na douta sentença recorrida veio, a final, a decidir-se: (…) Assim, fixo a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos ao Menor em € 91,38 mensais, tendo-se em consideração o limite imposto pelo artigo 3º., nº. 5 (1 IAS) do Decreto-Lei nº. 164/99, de 13 de Maio, na redacção dada pela Lei nº. 64/2012, de 20/12) (…)”;

16. Como se verifica do texto da decisão, não constam da mesma, outros fundamentos, de facto ou de direito;

17. Assim, a sentença recorrida não se encontra fundamentada, já que não consta, sequer, e nem resulta da decisão, ter sido ponderada a “capacidade económica do agregado familiar” e as “necessidades específicas da menor”, apesar de tal ponderação ser imposta pela lei, nos termos dos artigos, 2º., nº. 2, da Lei nº. 75/98, de 19/11, e no nº. 5, do artigo 3º., do Decreto-Lei nº. 164/99, de 13/05, ambos na redação atual, redação que manteve a necessidade de ponderação de tais elementos;

18. Na sequência de tais omissões, e apesar dos factos assentes, na douta sentença recorrida, o tribunal decidiu a fixação de prestação de alimentos, a suportar pelo FGADM, na exata medida da pensão de alimentos a que o progenitor está obrigado, ou seja, no valor de € 91,38 (noventa e um euros e trinta e oito cêntimos), pura e simplesmente, coincidentemente, apenas, referindo que o limite do valor encontra-se na previsão do artigo 3º., nº. 5, do Decreto-Lei nº. 164/99, de 13/05 (1IAS);

19. Tal valor, da prestação de alimentos, decorridos 13 (treze) anos, sobre a data da fixação daquela pensão, valor mantido pela douta decisão recorrida, é manifestamente insuficiente, em face da necessária ponderação entre a capacidade económica do agregado familiar da A.... (sendo, no valor de € 504,05, os rendimentos mensais do mesmo, e no valor de € 659,37, as respetivas despesas mensais) e as necessidades específicas da A...., de 14 anos de idade;

20. De acordo com o disposto nos artigos 2º., nº. 2, da Lei nº. 75/98, de 19/11 e 3º., nº. 5, da Lei nº. 164/99, de 13/05, na redação atual, o tribunal está obrigado, em relação à fixação da referida prestação, a atender à “capacidade económica do agregado familiar” onde se insere o menor e às “necessidades específicas do menor”";

21. Sucede que o tribunal decidiu sem cumprir o disposto nas referidas normas legais, de natureza imperativa;

22. Pelo exposto, na douta sentença não se encontra fundamentado o indeferimento do requerido pelo Ministério Público, de fixação de valor da prestação de alimentos, a favor da menor, a assegurar pelo FGADM, em valor não inferior a € 120,00 (cento e vinte euros);

23. Mas mesmo que assim não se entendesse, certo é que a intervenção relativa a menores tem que ter em conta, sempre e primacialmente, o “superior interesse da criança ou jovem”, princípio basilar da jurisdição de menores, consagrado na Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque, a 26/01/1990,

24. Pelo que, ao decidir pelo indeferimento do requerido pelo Ministério Público, o tribunal não se decidiu em conformidade com o superior interesse da menor e 25. Destarte, a sentença recorrida, fixando prestação de alimentos, a assegurar pelo FGADM, no valor de € 91,38 (noventa e um euros e trinta e oito cêntimos), a favor da menor, violou o disposto nos artigos: 69.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa, 2º., nº. 2, da Lei 75/98, de 19/11, 3º., nº. 5, e 4º., nº. 1, ambos do Decreto-Lei nº. 164/99, de 13/05, 3.º, da Convenção sobre os Direitos da Criança, e 607, nº. 3, do atual Código de Processo Civil.

Pelo exposto, deve a sentença recorrida, proferida pelo tribunal "a quo", ser revogada e substituída por outra e, em consequência, deve ser fixado valor de prestação de alimentos, em valor não inferior a € 120,00 (cento e vinte euros), a assegurar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, a favor da menor, A.....

O Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

1. A lei faz depender a obrigação do FGADM da verificação cumulativa dos requisitos previstos nos diplomas que o regulamentam, concretamente:

- Existência de decisão que fixe os alimentos devidos a menor;

- Residência do menor em território nacional,

- Que o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS), nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.

- Não pagamento, total ou parcial, por parte do progenitor devedor, da pensão de alimentos, pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto- Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro;

2. O sentido e a razão de ser da lei é apenas o de assegurar que, através do FGADM, os menores possam receber os alimentos fixados judicialmente a seu favor, mas apenas estes e após esgotados os meios coercivos previstos no art.º 189.º da OTM.

3. A obrigação do FGADM sendo nova e autónoma, não deixa de revestir natureza subsidiária, substitutiva relativamente à obrigação familiar (a dos progenitores).

4. Verificados os pressupostos para a sua intervenção, o FGADM só assegura a prestação alimentícia do menor, em substituição do devedor incumpridor, enquanto este não iniciar ou reiniciar o cumprimento da sua obrigação.

5. O FGADM não visa substituir definitivamente uma obrigação legal de alimentos devida ao menor.

6. A prestação paga pelo FGADM é reembolsável, conforme resulta do estatuído no art.º 6.nº3 da Lei 75/98 e art.º 5.ºn.º 1 do Dl 164/99, ficando o Fundo sub-rogado em todos os direitos do menor, a quem sejam atribuídas prestações, tendo o direito de exigir do devedor de alimentos a totalidade das prestações pagas.

7. O FGADM “ não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos, apenas assegura o pagamento efectivo de prestações de alimentos, desde que o menor deles careça e enquanto o devedor não inicie / reinicie o seu pagamento ou não cesse essa obrigação, ficando este onerado como o reembolso dessa prestação” (Tomé de Almeida Ramião in “ Organização Tutelar de Menores – Anotada e Comentada).

8. Tal significa que o FGADM é apenas um substituto do devedor de alimentos, pelo que a sua prestação não pode exceder a fixada para o devedor incumpridor.

9. Nos termos do preceituado no art.º 3.º n.º 3 do Dl 164/99 as prestações a pagar pelo FGADM são fixadas pelo tribunal,” devendo o tribunal atender, na fixação deste montante, à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação fixada e as necessidades específicas do menor”, resultando expressamente do referido normativo, que o tribunal terá de atender ao montante da prestação de alimentos fixada ao progenitor incumpridor.

10. Não tem qualquer suporte legal fixar-se uma prestação alimentícia a cargo do FGADM superior à fixada à progenitora incumpridora que, por força das actualizações determinadas, está obrigada a pagar € 91,38 (noventa e um euros e trinta e oito cêntimos), mensais à menor em causa nos autos.

11. É prolífera a jurisprudência no sentido que ora se defende.

Termos em que se conclui pela manutenção do douto despacho proferido, negando-se provimento ao recurso de apelação interposto.

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II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em determinar o valor da prestação a pagar à menor pelo Fundo de Garantia de Alimentos, analisando a questão de saber se tal prestação pode ou não ser fixada em valor superior ao da obrigação que estava fixada para o devedor de alimentos.

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III.

Na 1ª instância, foi fixada a seguinte matéria de facto:

1) – A menor A.... nasceu a 2 de Novembro de 1998.

2) - Por sentença, datada de 2 de Junho de 2002, transitada em julgado, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais relativa à menor, tendo sido decidido que a menor ficaria a residir com o progenitor e a progenitora obrigada a entregar ao progenitora a título de alimentos, a quantia de 12.000$00, até ao dia 8 de cada mês.

3) – Foi decidido ainda que a prestação de alimentos seria actualizada no mês de Janeiro de cada ano, a partir de 2001, inclusive, na proporção do aumento do salário mínimo nacional para esse ano.

4) - Em 20 de Maio de 2013 nos autos de incumprimento foi acordado pelos progenitores que se encontrava em dívida à data a título de pensão de alimentos o montante de €2.375,88.

5) - A requerida nunca procedeu ao pagamento da pensão de alimentos referida em 4).

6) – A pensão de alimentos por força das actualizações ascende a €91,38.

7) - Não é possível proceder à cobrança dos alimentos devidos nos termos do art. 189º da O.T.M. já que a progenitora se encontra desempregada, auferindo apenas a titulo de subsidio de desemprego o montante €8,28 diários, para além de não se conhecerem bens, sua propriedade, susceptíveis de serem objecto de penhora.

8) - A menor vive com o pai, C...., sendo o agregado familiar composto por ele, a menor, e outra filha D...., nascida a 6/07/06;

9) – O pai aufere mensalmente a quantia de €504,05 como operário fabril;

10) - O agregado familiar da menor tem despesas mensais que ascendem a €659,37 e despesas com a menor A.... o valor de €222,00.

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IV.

Apreciemos, então, a questão suscitada no recurso.

Dispõe o art. 1º da Lei nº 75/98 de 19/11, que “Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação”.

Dispõe, por outro lado, o art. 6º nº 2 da citada lei que o pagamento das prestações fixadas nos termos desta lei é assegurado pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores.

Tal lei veio a ser regulamentada pelo Dec. Lei nº 164/99 de 13/05, onde se reafirmou – no art. 3º, nº 1, - o disposto no art. 1º da citada Lei nº 75/98, dispondo ainda o nº 2 do citado art. 3º que:

Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respectivo agregado familiar não seja superior àquele valor”.

Mais determina o nº 3 do citado art. 3º que “o agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, referidos no número anterior, são aferidos nos termos do disposto no Decreto-Lei nº 70/2010, de 16 de junho, alterado pela Lei nº 15/2011, de 3 de Maio, e pelos Decretos-Leis n.os 113/2011, de 29 de Novembro, e 133/2012, de 27 de Junho”.

Em face das normas citadas, podemos concluir que a concessão da prestação aqui em causa pressupõe e exige que:

• Exista uma pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional;

• Que tal obrigação não seja cumprida, nem seja possível assegurar o seu cumprimento pelas formas previstas no art. 189º do Dec. Lei nº 314/78;

• Que o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao IAS nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, de acordo com as regras previstas no Dec. Lei nº 70/2010, de 16/10.

Com base nessas disposições legais, concluiu a decisão recorrida que estavam reunidos os pressupostos para colocar a cargo do Fundo de Garantia de Alimentos o pagamento da prestação de alimentos devida à menor e tal conclusão não mereceu qualquer reparo por parte dos intervenientes processuais, sendo que a questão colocada no presente recurso prende-se apenas com o valor da prestação.

De facto, a decisão recorrida fixou o valor da prestação em valor equivalente àquele que a progenitora da menor estava obrigada a pagar (91,38€), argumentando que o Fundo é apenas um substituto do devedor de alimentos e que, como tal, a sua prestação não pode exceder a que estava fixada ao devedor.

O Apelante discorda desse entendimento, considerando que a prestação pode ser fixada em valor superior e solicitando a alteração da decisão no sentido de a prestação ser fixada em 120,00€ mensais, por ser esse o valor necessário para assegurar a satisfação das necessidades da menor.

Entrando na análise dessa questão, importa dizer, desde já, que a sua resolução não tem reunido consenso da nossa jurisprudência. Há, de facto, quem entenda – como se entendeu na decisão recorrida – que a prestação do Fundo de Garantia não pode ser superior à prestação a que o devedor de alimentos estava judicialmente obrigado[1]. Mas há também quem entenda – como entende o Apelante – que a prestação a cargo do Fundo não tem como limite a prestação do devedor e que, como tal, pode ser fixada em valor igual, inferior ou superior a esta prestação[2].

Tomando posição sobre essa questão parece-nos que – tal como se considerou no Acórdão da Relação do Porto de 08/09/2011[3] e no Acórdão da Relação de Coimbra de 11/12/2012[4] (ambos relatados pela aqui relatora) – a obrigação a cargo do Fundo não terá que coincidir, obrigatoriamente, com a prestação que estava fixada ao devedor, podendo ser igual, inferior ou superior a esta. Embora se considere – como se referiu nos citados Acórdãos – que, por regra, a prestação a cargo do Fundo deverá coincidir com o valor da prestação que estava a cargo do devedor (já que a fixação deste valor não deixará de indiciar que era o que melhor de adequava às necessidades do menor), nada obsta a que aquela prestação venha a ser fixada em valor inferior ou superior, nos casos em que a prestação a cargo do devedor se revele manifestamente desadequada (por excesso ou por defeito) às necessidades do menor e nos casos em que tenha ocorrido alguma alteração dos pressupostos que determinaram a fixação do valor da prestação do devedor (alteração que também justificaria a alteração da prestação que havia sido anteriormente fixada ao devedor de alimentos).

Vejamos porquê.

Conforme vem sendo entendido – designadamente pelo STJ[5] – a obrigação a cargo do Fundo é uma obrigação independente e autónoma da do devedor originário; o Fundo não está obrigado a suportar os precisos alimentos que foram incumpridos, mas sim a suportar alimentos que são fixados ex novo e com base nos parâmetros que estão definidos nos diplomas supra citados.

Importa dizer, desde logo – e parece-nos que ninguém sustenta o contrário –, que a prestação do Fundo pode ser fixada em valor inferior ao da obrigação que estava fixada ao devedor de alimentos, já que as necessidades do menor a tomar em consideração para a determinação de cada uma dessas prestações não são apuradas e determinadas em função dos mesmos critérios. De facto, as necessidades do menor, para efeitos de determinação do valor dos alimentos a suportar pelo obrigado a tal prestação – designadamente, os progenitores –, deverão ser apuradas tomando em consideração o padrão de vida a que está habituado e que lhe possa e deva ser proporcionado pelo respectivo devedor. O mesmo não acontece, naturalmente, com a prestação a cargo do Fundo de Garantia. Esta – como decorre, aliás, do preâmbulo do Dec. Lei nº 164/99 – é uma prestação social que visa colmatar uma situação de carência económica decorrente do incumprimento da obrigação de prestar alimentos por quem a ela está obrigado e que, como tal, tem como finalidade assegurar as condições de subsistência mínimas e essenciais para o crescimento e desenvolvimento do menor em condições de dignidade. E, porque assim é, o valor da prestação do Fundo poderá ser, naturalmente, inferior ao que estava fixado ao devedor, porquanto tal prestação não tem como objectivo assegurar um determinado padrão de vida que, eventualmente, fosse proporcionado ao menor pela prestação que lhe era devida pelo obrigado a alimentos.

Mas, se isso é incontroverso (já que não conhecemos qualquer decisão que sustente o contrário), o mesmo não acontece – como vimos – com a possibilidade de a prestação do Fundo ser fixada em valor superior àquele que estava fixado ao obrigado.

A verdade é que da leitura dos diplomas supra citados que regulam esta matéria nada resulta que permita concluir que a prestação a cargo do Fundo não pode ser fixada em valor superior à obrigação do devedor.

O legislador não o disse e poderia dizê-lo facilmente, se assim o pretendesse, tal como disse – no art. 3º, nº 5, do Dec. Lei nº 164/99 – que a prestação não poderia exceder mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS.

Os critérios que hão-de presidir à fixação do valor da prestação estão determinados no art. 2º, nº 2, da Lei nº 75/98 e, como decorre dessa norma, o valor da prestação de alimentos fixada ao devedor constitui apenas um elemento a ponderar, importando ainda atender à capacidade económica do agregado familiar e às necessidades específicas do menor, sem que o legislador tenha manifestado qualquer intenção de atribuir ao valor da prestação do obrigado qualquer função limitadora da obrigação do Fundo.

Mas – dir-se-á – se a prestação do Fundo visa colmatar e substituir a prestação de alimentos devida ao menor, porque razão deverá ser fixada em valor superior àquele que, em anterior decisão judicial, se considerou adequado à satisfação das necessidades do menor e que corresponderia ao valor efectivamente recebido pelo menor, caso o obrigado a alimentos cumprisse a prestação?

Bom, à partida, não se justifica (seria até incoerente que, por força do incumprimento, o menor viesse, afinal, a receber uma prestação superior àquela que receberia se o seu direito a alimentos fosse satisfeito em conformidade com a decisão judicial que definiu esse direito). E é por isso que entendemos que, em regra, a prestação a cargo do Fundo não deve exceder aquele valor, que, presumivelmente, se deve considerar adequado à satisfação das necessidades do menor (assim foi considerado na decisão judicial que os fixou).

Não poderemos esquecer, no entanto, que, apesar de aquela prestação ter sido considerada adequada no momento em que foi fixada, poderão existir alterações dos pressupostos que determinaram a sua fixação e, nessas circunstâncias, tal como se justificaria uma alteração da prestação fixada ao obrigado a alimentos, também se justificará que a prestação do Fundo seja fixada em valor superior, até porque as necessidades específicas do menor que, nos termos dos diplomas supra citados, deverão ser tomadas em conta para determinação da prestação do Fundo, serão, naturalmente, as suas necessidades actuais e não as necessidades que existiam à data da decisão que fixou a prestação do obrigado e que foram determinadas em função de pressupostos que, entretanto, se alteraram.

Poder-se-ia objectar, no entanto, que, em tal situação, deveria ser solicitada previamente a alteração da prestação devida pelo obrigado a alimentos. Bom! Em rigor, talvez devesse ser assim, mas a verdade é que a lei não parece impor esse procedimento como condição para a fixação da prestação do Fundo em valor superior, além de que o mesmo será, muitas vezes, sentido como totalmente inútil perante a situação de incumprimento do devedor de alimentos.

Parece-nos, portanto, que a prestação do Fundo terá que ser fixada, tendo em consideração as necessidades actuais do menor (naturalmente ponderadas e apreciadas em função da específica natureza da prestação do Fundo, como acima se mencionou) e, portanto, nada obstará – nada na lei o impede – a que seja fixada em valor superior ao da prestação do obrigado, sempre que tenha existido alteração dos pressupostos que determinaram a fixação desta prestação e, portanto, quando se constate que as actuais necessidades do menor são superiores àquelas que existiam e foram consideradas no momento em que foi proferida a decisão que fixou a obrigação do devedor de alimentos.

Refira-se que, caso se considerasse que a prestação do Fundo não poderia exceder o valor que estava fixado ao devedor de alimentos, tal valor permaneceria inalterado durante os vários anos em que perdurasse a prestação do Fundo e parece incongruente sustentar que o Estado, chamando a si o dever de assegurar a protecção da criança e a sua subsistência em condições de dignidade, continuasse a pagar a um menor de 14 ou 15 anos a mesma quantia que havia começado a pagar e que havia sido fixada quando a criança tinha dois anos de idade, quando é certo que as necessidades do menor são totalmente diferentes em cada uma dessas idades. E não será despiciendo notar que o art. 4º, nº 2, da Lei nº 75/98 alude à alteração das prestações a cargo do Fundo, o que constitui sinal de que tal prestação não se mantém, necessariamente, inalterável.

 

Diz-se, em abono da primeira posição acima mencionada – a de que a prestação do Fundo não pode exceder o valor da prestação do devedor –, que o Fundo de Garantia é apenas um substituto do devedor de alimentos e que, por isso, a sua prestação não pode exceder aquela que a este foi fixada.

Mas, se o papel do Fundo fosse a de mero substituto do devedor, o natural seria que assumisse, sem mais, a prestação a que este estava obrigado. A verdade é que não é assim, já que, ao que nos parece, ninguém sustenta que a prestação do Fundo não possa ser fixada em valor inferior e, portanto, não nos parece que tal argumento possa ter validade para sustentar que a prestação não possa também ser fixada em valor superior.

De facto, ainda que a prestação tenha, de algum modo, uma natureza substitutiva – na medida em que, pressupondo o incumprimento de uma obrigação de alimentos judicialmente fixada, apenas existe se e enquanto perdurar este incumprimento – o Fundo, tal como se refere no Acórdão do STJ de 10/07/2008, já citado “não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos e apenas se limita a assegurar os alimentos de que o menor carece, enquanto o devedor primitivo não pague, ficando onerado com uma nova prestação e devendo ser reembolsado do que pagar.”

Como já referimos, citando o Acórdão do STJ de 30/09/2008, a obrigação a cargo do Fundo é uma obrigação independente e autónoma da do devedor originário; o Fundo não está obrigado a suportar os precisos alimentos que foram incumpridos, mas sim a suportar alimentos que são fixados ex novo e que podem ser de valor igual, superior ou inferior àqueles a que o devedor de alimentos estava obrigado.

Também se alude, por vezes, à sub-rogação estabelecida no art. 5º do citado Dec. Lei nº 164/99 para daí retirar uma pretensa intenção legislativa no sentido de impor como limite máximo da prestação do Fundo o valor correspondente à obrigação cujo incumprimento desencadeou a intervenção do Fundo[6].

Mas, salvo o devido respeito, não nos parece que assim seja.

De facto, o legislador limitou-se a determinar, na norma citada, que o Fundo fica sub-rogado em todos os direitos do menor, com vista à garantia do respectivo reembolso e isso significa, naturalmente, que o Fundo não poderá exigir ao devedor mais do que aquilo que o menor lhe poderia exigir, ou seja, a prestação a que estava judicialmente obrigado. Mas daí não decorre, naturalmente, que a prestação do Fundo não possa ser fixada em valor superior; o que daí decorre é apenas que a sub-rogação prevista na lei poderá não ser total e, portanto, o Fundo não terá a garantia de ser totalmente reembolsado de tudo o que pagou. Não sendo possível detectar na letra da lei uma qualquer intenção legislativa no sentido de que o Fundo teria que ser totalmente reembolsado de tudo o que pagou, também não será possível retirar da norma em questão qualquer argumento no sentido de que o legislador teria pretendido impor como limite máximo da prestação do Fundo o valor da prestação do devedor.

Aliás, se fosse essa a intenção do legislador, tê-lo-ia dito.

O legislador não disse, claramente, no art. 2º, nº 1, da Lei nº 75/98 e no art. 3º, nº 5, do Dec. Lei nº 164/99, que a prestação do Fundo não poderia exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 1 IAS?

Então, porque não teria dito – se fosse essa a sua intenção – que tal prestação também não poderia exceder o valor da obrigação do devedor?

Já se aludiu também[7] – em abono da posição contrária à que aqui sustentamos – à incoerência que resultaria da circunstância de a lei não prever a possibilidade de, no caso de o devedor retomar o pagamento da sua obrigação (de valor inferior), o Fundo continuar vinculado a pagar a diferença entre a prestação que lhe havia sido fixada e a prestação que passará a ser paga pelo devedor de alimentos, circunstância que também indiciaria que a prestação do Fundo não poderia ser superior a esta, pois só assim se compreenderia que a obrigação do Fundo cessasse totalmente quando o devedor retoma o cumprimento da sua obrigação.

Mas não existirá, necessariamente, qualquer incoerência.

Tal como referimos supra, consideramos que a prestação a cargo do Fundo apenas deverá ser fixada em valor superior ao da obrigação do devedor de alimentos quando a prestação a cargo do devedor se revele manifestamente desadequada (por defeito) às necessidades do menor e nos casos em que tenha ocorrido alguma alteração dos pressupostos que determinaram a fixação do seu valor da prestação. Ora, nessas situações, a alteração da prestação de alimentos não deixaria, certamente, de ser pedida e exigida ao devedor de alimentos, caso este não estivesse em incumprimento, tal como não deixará de ser pedida no momento em que, cessando o incumprimento, o devedor de alimentos retome o cumprimento da sua obrigação.

Reconhecemos que, nessas situações, seria mais adequado exigir a alteração da prestação também, e desde logo, ao obrigado – e não apenas ao Fundo de Garantia – para que tal prestação se adequasse às necessidades reais e actuais do menor. De qualquer forma, a circunstância de tal pedido não ser efectuado – eventualmente por se considerar que é um acto inútil face à situação de incumprimento – não impede que a prestação devida pelo Fundo seja fixada naquele que é o valor adequado para as necessidades efectivas e actuais do menor, ainda que seja superior àquele que, nesse momento, está judicialmente fixado para o devedor.

É verdade que – é bom que se diga – a prestação fixada ao devedor de alimentos nem sempre corresponde ao valor que seria efectivamente necessário para assegurar a satisfação das necessidades básicas do menor, na medida em que os parcos rendimentos do obrigado a alimentos poderão obstar à fixação do valor que seria adequado e necessário e, nesse caso, é certo que, cessando a prestação do Fundo e não sendo possível aumentar a prestação devida pelo obrigado, o menor ficaria a receber uma prestação menor. De qualquer forma, sendo certo que a prestação do Fundo, dada a sua natureza, apenas tem em conta as necessidades básicas e essenciais do menor, parece claro que o menor deverá ter sempre o direito de exigir a totalidade desse valor (que é essencial à sua subsistência) e, não podendo obtê-lo do devedor de alimentos cujo incumprimento havia dado origem à intervenção do Fundo, sempre poderá exigir a parte restante a qualquer outra pessoa que, nos termos da lei, também esteja obrigada a prestar-lhe alimentos.

  

Concluímos, portanto, em face do exposto que o valor da prestação que foi fixada ao devedor constitui um índice de que esse era o valor que, naquele momento, se adequava às necessidades do menor; se nenhuma alteração relevante ocorreu, entretanto, não existirão razões justificativas para fixar ao Fundo uma prestação superior; todavia, se a prestação fixada ao devedor se revelar insuficiente para assegurar a satisfação das necessidades básicas e actuais do menor, em virtude, designadamente, de alterações dos pressupostos que determinaram a sua fixação – como seja a alteração das suas efectivas e reais necessidades – nada obsta a que a prestação a pagar pelo Fundo seja fixada em valor superior àquele que está fixada ao devedor, sendo certo que tais circunstâncias também determinariam a alteração da prestação a que estava obrigado o devedor de alimentos, caso esta tivesse sido solicitada, e, caso este não a pudesse prestar na totalidade, justificariam que tal prestação fosse pedida a outras pessoas que estejam legalmente vinculadas à obrigação de prestar alimentos – arts. 2009º e 2012º do C.C..

Assente, portanto, que o valor da prestação fixada ao obrigado a alimentos não constitui um limite intransponível para a fixação da prestação do Fundo, analisemos o caso sub júdice.

Como decorre da matéria de facto, a prestação de alimentos devida à menor pela sua progenitora foi fixada, por sentença de 02/06/2002, no valor de 12.000$00 (60,00€).

Tal prestação foi fixada, portanto, num momento em que a menor ainda não tinha completado quatro anos de idade.

Neste momento, a menor tem 15 anos de idade e, por força das actualizações automáticas e anuais que, à data, foram estabelecidas, a prestação está fixada, neste momento, em 91,38€.

Será isso bastante para fazer face às necessidades actuais da menor?

Tal como referimos supra, deveremos presumir que o valor fixado em Junho de 2002 era o que se adequava às necessidades da menor.

Mas, não poderemos deixar de atender ao facto de essa prestação de alimentos ter sido fixada há onze anos e, portanto, num momento em que a menor ainda não tinha completado 4 anos de idade.

Decorridos onze anos e tendo a menor, actualmente, 15 anos de idade, será legítimo concluir que aquela prestação se encontra desajustada em face das actuais necessidades da menor que são, naturalmente, superiores às que existiam quando tinha 4 anos.

E embora seja certo que a prestação foi sendo actualizada em função do aumento do salário mínimo nacional, parece-nos que tal actualização apenas cobre a inflação e o aumento do custo de vida, não sendo suficiente para cobrir o aumento das necessidades da menor que, desde então, se verificou.

Existe, portanto, uma verdadeira alteração dos pressupostos ou circunstâncias que determinaram a fixação da prestação devida pela progenitora da menor e que, tal como poderia justificar a alteração dessa prestação, também poderá justificar que a prestação a cargo do Fundo de Garantia seja fixada em valor superior.

Como decorre do disposto no art. 2º, nº 2, da Lei nº 75/98 e do art. 3º, nº 5, do Dec. Lei nº 164/99, na fixação da prestação a pagar pelo Fundo de Garantia, deverá ser ponderado o valor da prestação de alimentos que se encontra fixada, a capacidade económica do agregado familiar e as necessidades específicas do menor e, tal como referimos supra, estas necessidades são as actuais e não aquelas que existiam ao tempo em que foi fixada a prestação do devedor.

Ora, como decorre da matéria de facto, o agregado familiar onde a menor está inserida é composto pelo progenitor e duas menores (a menor aqui em causa e uma irmã mais nova) e tem como rendimento o valor de 504,05€, valor que é manifestamente insuficiente para fazer face às despesas normais de uma casa (tais como água, luz e gás), ás despesas de alimentação, vestuário e calçado de três pessoas e às despesas de saúde e educação de duas menores, importando notar que – como consta da matéria de facto que foi considerada provada – as despesas mensais do agregado familiar superam em cerca de 150,00€ os respectivos rendimentos.

Constando da matéria de facto que a menor tem despesas mensais no valor de 222,00€ e ainda que se desconheça (já que não consta da matéria de facto) a que se reportam concretamente essas despesas, importa dizer que, à luz das regras de experiência e senso comum, esse valor não andará longe da realidade, porquanto, na nossa perspectiva, será difícil assegurar a satisfação das necessidades básicas (com alimentação, vestuário, calçado, saúde e educação) de um qualquer menor com 15 anos com quantia inferior (e já não consideramos aqui aquelas necessidades que, embora sejam importantes para o desenvolvimento das relações sociais do menor – tais como as saídas, passeios e convívios com amigos que envolvem, naturalmente, despesas – poderão, de alguma forma, ser vistas como supérfluas).

Assim, tendo em conta as actuais necessidades da menor, tendo em conta o valor da prestação de alimentos que se encontra fixada e tendo em conta o rendimento e a capacidade económica do agregado familiar onde a menor está inserida, justifica-se plenamente que, conforme pretendido pelo Apelante, seja fixado em 120,00€ o valor da prestação a pagar pelo Fundo de Garantia.

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SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção):

I – Na fixação da prestação devida pelo Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, ao abrigo da Lei nº 75/98, de 19/11, importa atender, além dos demais factores a que alude o art. 2º, nº 2, da citada Lei, às actuais necessidades do menor.

II – Assim, ainda que se deva considerar que, por regra, o valor da prestação de alimentos que foi judicialmente fixada ao devedor, cujo incumprimento deu origem à intervenção do Fundo, é o que se adequa às necessidades do menor, nada obsta – e nada na lei o impede – que a prestação do Fundo seja fixada em valor superior ao da prestação do obrigado nas situações em que tenha existido alteração dos pressupostos que determinaram a fixação desta prestação e, portanto, quando se constate que as actuais necessidades do menor são superiores àquelas que existiam e foram consideradas no momento em que foi proferida a decisão que fixou a obrigação do devedor de alimentos.

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V.
Pelo exposto, concede-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, na parte em que fixou o valor da prestação devida pelo Fundo de Garantia de Alimentos à menor, A...., fixando-se tal prestação em 120,00€ (cento e vinte euros) mensais.
Sem custas, por delas estar isento o Apelado – cfr. art. 4º, nº 1, alínea v) do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique.

Maria Catarina R. Gonçalves (Relatora)

Nunes Ribeiro

Maria Domingas Simões - vencida nos termos da declaração de voto que junta

                     
[1] É o caso dos Acórdãos da Relação de Coimbra de 19/02/2013 e 05/11/2013, referentes aos processos nºs 3819/04.0TBLRA-C.C1 e 1339/11.5TBTMR.A.C1, respectivamente, disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[2] É o caso dos Acórdãos da Relação de Coimbra de 22/10/2013 e 03/12/2013, proferidos nos processos nºs 2441/10.6TBPBL-A.C1 e 4791/10.2TBLRA.C1, respectivamente; dos Acórdãos da Relação do Porto de 15/10/2013 e 28/11/2013, proferidos nos processos nºs 37/12.7TBCNF.1.P1 e 3255/11.1TBPRD-A.P1, respectivamente e Acórdão da Relação de Lisboa de 11/07/2013, processo nº 5147/03.9TBSXL-B.L1-2, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.  
[3] Processo nº 1645/09.9TBVNG.1.P1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[4] Processo nº 1184/11.8TBMGR.C1, disponível em http://www.dgsi.pt.
[5] Cfr. designadamente os Acórdãos de 10/07/2008 e de 30/09/2008, processos nºs 08A1860 e 08A2953, respectivamente, disponíveis em http://www.dgsi.pt
[6] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 08/11/2012, proc. nº 1529/03.4TCLRS-A.L2-6, disponível em http://www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Ac. da Relação de Coimbra, já citado, de 19/02/2013.

Vencida
É meu entendimento, tal como defendi no acórdão proferido no processo n.º 780/04.4 TBCBR, em que fui relatora, que a prestação a cargo do FGADM, podendo ser igual ou inferior, não pode contudo ser superior àquela que foi fixada judicialmente a cargo do progenitor inadimplente.
Tal entendimento, ressalvado o respeito, óbvio, que merece a posição vencedora, funda-se nas razões que sinteticamente alinho:
O FGADV foi criado, como o próprio nome indica, para garantir os alimentos devidos, ou seja, para assegurar o cumprimento de uma prestação pré-existente a cargo do progenitor inadimplente, obrigado prioritário. Tratando-se de uma prestação social nova -na medida em que o Estado Social passou a intervir numa específica situação antes não abrangida- o legislador, no uso aliás da discricionariedade que lhe é reconhecida no âmbito das políticas sociais, atendendo ao carácter escasso dos recursos a afectar, fez depender a sua atribuição de novos pressupostos, não parecendo contudo ter sido objectivo da lei a criação de uma nova prestação social administrativa independente daquela, fixável pelos tribunais judiciais e em parte não reembolsável, resultado este a que chega a tese que aqui fez vencimento;
Do regime legal resulta, em meu entender, que as prestações a cargo do FGA assumem uma natureza assistencial-garantística, visando acudir a uma situação de carência no quadro do incumprimento do obrigado prioritário, mas sem substituir de forma definitiva a obrigação legal de alimentos. Daí que seja pressuposto legitimador da intervenção do FGA a fixação judicial de determinada prestação a cargo do primeiro obrigado e, bem assim, a constatação da inviabilidade da sua cobrança coerciva -o Fundo não intervém caso o devedor cumpra ou a cobrança seja bem sucedida- determinando a lei a cessação de tal obrigação tão logo o devedor de alimentos se encontre em condições de cumprir a obrigação previamente fixada (voluntária ou coercivamente).
Deste modo, tal como é reconhecido no aresto, retomando o progenitor inadimplente o cumprimento da obrigação ou sendo possível a sua cobrança coercitiva, o menor passará a dispor apenas do montante previamente fixado pela via judicial, não podendo accionar o FGADM para reclamar desta entidade eventual diferença entre aquele valor e o outro, superior, que haja sido fixado. Aliás, se o devedor nunca tivesse entrado em incumprimento, por insuficiente que fosse a prestação fixada, sempre faleceria o pressuposto legitimador da intervenção do Fundo, bastando-se o menor com o montante fixado a título de prestação a cargo daquele. A eventual insuficiência do montante assim disponível poderia dar origem a outras formas de apoio por banda da segurança social ou até à demanda de outros obrigados a alimentos no círculo definido pelo art.º 2009.º do Código Civil, mas não à intervenção do FGADM, razão não se vendo para que o entendimento seja diverso no quadro de intervenção deste organismo.
Mais: o referido carácter claramente subsidiário e garantístico da prestação a cargo do Fundo mais se acentua quando se ponderem aquelas hipóteses em que o progenitor fica desonerado por força de uma incapacidade permanente e absoluta para o trabalho, não dispondo de quaisquer rendimentos que lhe permitam sustentar o seu filho menor. Nesta eventualidade, reconhecida a impossibilidade de fixar judicialmente uma prestação alimentícia a cargo do progenitor incapacitado, inexiste pressuposto legitimador para a intervenção do Fundo, mesmo quando se trate de uma situação de grave carência da criança.
Por outro lado, a imposição de realização de diligências probatórias para averiguar das efectivas necessidades dos menores quando o FGADM é accionado justifica-se plenamente quando se tenha presente que a fixação de alimentos em favor do menor pode ocorrer -e ocorre frequentemente- mediante sentença homologatória do acordo dos progenitores, sem precedência de qualquer diligência instrutória por banda do Tribunal, sendo assim os autos completamente omissos quanto à medida das necessidades do alimentando. Sentiu por isso o legislador a mais que justificada necessidade de prevenir o conluio entre os progenitores, com fixação de prestações alimentares que ultrapassem os montantes necessários. Depois, impõe-se ponderar que o conteúdo do dever de alimentos que onera os progenitores em relação aos seus filhos menores diverge de forma acentuada da prestação a cargo do Fundo, declaradamente destinada a acudir a situações de carência, tendo em vista assegurar condições mínimas de sobrevivência, ainda que condigna.
Neste contexto, também não impressiona a alusão que é feita no n.º 2 do art.º 4.º da Lei 75/98 à alteração das prestações a cargo do Fundo. Concordando que daqui decorre a possibilidade da prestação em causa ser alterada, afigura-se que o preceito não subsidia a tese vencedora, antes pelo contrário. Em nosso entender, o ali preceituado há-de ser interpretado de forma concertada com o disposto no nr precedente e também com o artigo imediato, tudo apontando para que esteja em causa, a par da cessação ou alteração da situação de incumprimento (o obrigado originário pode encontrar-se agora em posição de poder cumprir, ainda que parcialmente), a alteração de situação do menor que implique o abaixamento ou mesmo a desnecessidade da prestação, só assim se compreendendo que o art.º 5.º, epigrafado de “Responsabilidade civil e criminal”, sancione o incumprimento doloso do dever de informação previsto no artigo anterior, para o qual remete em bloco (vide n.º 1), obrigando à restituição do que tiver sido indevidamente recebido, acrescido dos respectivos juros moratórios.
Por outro lado, eventual desactualização do montante fixado deveria, em rigor, ter a mesma solução que no caso da prestação estar a ser paga pelo obrigado prioritário: dando lugar a incidente de alteração, nada justificando a modificação da prestação fixada no incidente de incumprimento no âmbito do qual é desencadeada a intervenção do Fundo, sem vocação para comportar alterações.
Também a circunstância do legislador não ter dito expressamente que, a par do limite absoluto consagrado no n.º 1 do art.º 2.º da Lei n.º 75/98, a prestação a cargo do FGADM haveria que observar em cada caso um outro, constituído pela prestação a cargo do devedor inadimplente, não se afigura decisivo. Com efeito, tendo construído um regime todo ele assente numa lógica substitutiva, consagrando o reembolso das prestações pagas sem prever a subtracção de nenhuma parcela da prestação a esse reembolso, pareceria redundante tal expressa previsão (em má hora, porém, omitiu a clarificação desta questão, tanto mais que teve oportunidade de o fazer ainda recentemente, aquando da introdução das últimas alterações aos diplomas que se analisam).
Daí que, admitindo embora que o Estado deveria eventualmente assumir uma obrigação de primeira linha, destinada a assegurar a satisfação de todos os menores carenciados -e não apenas daqueles a favor de quem foi fixada judicialmente prestação alimentar que não está a ser cumprida- não tendo sido essa claramente a opção do legislador, afigura-se que a tese vencedora não consagra a interpretação mais consentânea com o espírito legislativo que esteve subjacente à criação do Fundo, estabelecendo os pressupostos e limites da sua intervenção.