Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
897/07.3TBCTB-A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: HONORÁRIOS
LAUDO
ADVOGADO
ORDEM DOS ADVOGADOS
Data do Acordão: 02/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CASTELO BRANCO – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 100º, Nº 1 DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS.
Sumário: I – O artigo 100º, nº 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados sujeita os honorários de um Advogado ao princípio geral da adequação aos serviços prestados, independentemente do modo de ajustamento desses honorários entre o Advogado e o cliente: convenção prévia ou conta de honorários a posteriori.

II – O laudo de honorários, emitido pela Ordem dos Advogados, nos termos do respectivo Estatuto e Regulamento dos Laudos configura o parecer técnico (o juízo pericial) respeitante à adequação dos honorários fixados aos serviços efectivamente prestados, ao qual os Tribunais devem recorrer nos casos em que seja relevante a determinação dessa adequação.

III – A articulação interpretativa do artigo 100º, nºs 1 e 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados, concatenada com o Regulamento dos Laudos da Ordem dos Advogados, não exclui que um juiz possa solicitar a emissão de um laudo de honorários pela Ordem, mesmo estando em causa uma “convenção prévia” de honorários, referindo-se esse laudo à adequação pelos serviços efectivamente prestados, cobertos por essa convenção.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa

1. Emerge o presente recurso de agravo de uma oposição à execução referida a uma instância executiva iniciada em 2007[1], sendo que nesta última (na execução) A… – Sociedade de Advogados, R.L. (Exequente e aqui Agravante) executaram S… (Executado, Requerente da oposição e aqui Agravado), visando obter deste os honorários relativos ao patrocínio forense que lhe prestaram e cujo quantitativo incluíram num documento (”Declaração de aceitação”) subscrito pelo Executado e que apresentaram como título executivo.

No requerimento iniciador da execução – e relatamos aqui os elementos essenciais possibilitadores da compreensão deste recurso – indicou o Exequente, no campo respeitante à descrição dos factos, o seguinte:
“[…]
A Exequente, no âmbito do exercício da sua actividade profissional que é a advocacia, foi procurada pelo executado, no dia 23/Março/2001, para requerer, entre o mais, o competente inventário facultativo, por morte da sua esposa M…, falecida no dia 12/02/1997, em Castelo Branco, onde residia habitualmente.
No dia 10/03/2003, a Exequente e o Executado, fizeram acordo prévio de honorários pelos serviços a prestar neste assunto.
A Exequente veio a requerer o competente inventário a que foi dado o n° 272/2001, do 1º Juízo, do Tribunal da comarca de Castelo Branco.-Doc. n° 1.
O executado concordou, pois, em pagar á Exequente, a título de honorários, a quantia de €50.000,00 (cinquenta mil euros) e isto além da conta das despesas.
Acontece que, no dia 24/Janeiro/2007, foi a Exequente notificada pelo Tribunal da comarca de Castelo Branco, da desistência do pedido efectuada pelas partes, no dito processo, à revelia da ora Exequente – Doc. nº 2.
A Exequente, no dia 24/Janeiro/2007, enviou, por carta registada, a conta de despesas e honorários ao Executado – Doc. n° 3.
Tal conta apresenta, pois, um saldo a favor da Exequente de €56.325,63 € (cinquenta e seis mil trezentos e vinte e cinco euros e sessenta e três cêntimos) – Doc. n° 3.
O Executado, porém, até hoje, ainda não pagou, fosse o que fosse, da referida conta.
Dai a presente execução que ora se introduz em Juízo e isto para haver do executado tudo aquilo a que tem direito, que aqui é, o pagamento imediato daqueles €50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescido dos juros de mora à taxa legal de 4%, desde o dia 27/01/2007, data em que ora se concede tenha o S… recebido a carta com a conta –, até integral pagamento e, ainda, o I.V.A. à taxa de 21%.
Até hoje os juros somam a €679,45 (seiscentos e setenta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos) – Doc. nº 4.
Os juros vincendos deverão ser contabilizados a final pela Secretaria.
0 I.V.A. é de €10.500,00 (€50.000,00 x 21%).
O executado deve, pois, à Exequente a quantia total de €61.179,45.
[…]”
            [transcrição de fls. 235]

            A este requerimento anexou o Exequente, enquanto título executivo, o documento antes mencionado e aqui certificado a fls. 241, cujo teor narrativo e termos de subscrição pelo Executado aqui transcrevemos:
“[…]
DECLARAÇÃO DE ACEITAÇÃO
Eu, abaixo assinado, S…, casado, proprietário, com residência habitual em Castelo Branco, declaro, para todos os efeitos, que aceito pagar à minha Mandatária Judicial, que é a que consta acima, as contas de despesas e de honorários que cia vai apresentar, quer o inventário que, com o n° 272/2001, pende no 1o Juízo, por óbito de minha esposa, quer na acção com processo sumário n° 667/2002, do 2o Juízo, correndo os dois processos no Tribunal Judicial da comarca de Castelo Branco, sendo os honorários no inventário de €50.000,00 (cinquenta mil euros) e na acção de €1.000,00 (mil euros). Os pagamentos das duas contas, onde se incluem as despesas respectivas e os honorários acabados de mencionar, serão feitos, em relação a cada uma das duas contas, no prazo de dois meses após a data do trânsito da sentença proferida em cada um dos ditos processos. Se acaso eu, por qualquer motivo, não pagasse qualquer das contas, comprometo-me a pagar, além dos respectivos montantes, juros à taxa legal até integral pagamento.
Castelo Branco, 10 de Março de 2003

[…]”
            [transcrição de fls. 241]

            1.1. É à execução baseada neste título que o Executado deduziu a presente oposição (requerimento de fls. 17/23) – assim alcançamos o processo que originou o presente recurso –, invocando, entre outros desvalores conducentes ao afastamento da pretensão executiva, os quais relativamente a este agravo não apresentam especial interesse, a nulidade do referido acordo de honorários, a desproporção destes, por excesso, e a modificação do negócio por alteração superveniente das circunstâncias[2].

           

            1.1.1. Note-se que, em sede de saneamento da instância de oposição, a fls. 183/187, considerou-se, num primeiro momento, inexistir título executivo declarando-se extinta a execução, sendo que esta asserção decisória foi revogada por esta Relação [através do Acórdão de 03/12/2009 (Luís Falcão de Magalhães), constante de fls. 295/304][3]

            1.1.2. Subsequentemente, regressando a oposição à primeira instância, foi proferido despacho saneador e condensatório (fls. 632/639), entrando a oposição, em vista da realização de julgamento, na fase de instrução, sendo que nesta, proferiu a Senhora Juíza a quo um despacho (o de fls. 863/863B), contendo seguinte trecho – o qual corresponde à decisão objecto deste recurso:
“[…]
Atenta a matéria de facto em decisão nos autos, que se prende com a (des) proporcionalidade dos honorários previamente ajustados relativamente ao processo de inventário com o n.º 272/2001 que correu termos no 1º Juízo deste Tribunal Judicial de Castelo Branco, considero pertinente a realização de laudo de honorários para a boa decisão da causa.
Assim sendo, solicite ao CSOA a realização de laudo de honorários tomando como referência a actividade da exequente no processo de inventário com o n.º 272/2001 que correu termos no 1º Juízo deste Tribunal Judicial de Castelo Branco, devendo, por aquele Conselho ser solicitado àqueles autos todos os elementos que repute pertinente para a realização do referido laudo.
Envie, também, cópia dos articulados, do despacho saneador e do requerimento executivo e respectivo titulo.
Notifique.
[…]”
            [transcrição de fls. 863/863B]

            1.2. Inconformado, com a determinação da realização do laudo, interpôs o Exmo. Advogado Exequente o presente recurso de agravo a fls. 864 (foi admitido a fls. 883), sendo que o motivou a fls. 887/891, concluindo o seguinte:
“[…]
A) A parte do despacho da Mma. Juiz do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, acima aludida, que ordenou se obtivesse laudo sobre os honorários devidos no caso aludido nos autos, não está, salvo o devido respeito, correcto.
B) E isto porque existe convenção onde estão fixados, entre o ora Exequente e o então seu cliente/constituinte, os honorários.
C) Sendo tal convenção escrita perfeita e inteiramente válida.
Na verdade:
D) O nº 2 do artigo 100º do Estatuto da Ordem dos Advogados só permite que seja lavrado laudo em caso em que não haja convenção escrita prévia.
E) A poder entender-se o contrário e, portanto, que fosse sempre, mesmo existindo uma convenção prévia escrita e válida sobre os honorários, seria deixar sem qualquer conteúdo aquela norma
F) Portanto, deve dar-se o dito despacho, naquela parte, sem qualquer efeito, por os honorários já estarem, para todos os efeitos, fixados, prosseguindo, sem mais, os presentes autos até final.
[…]”
            [transcrição de fls. 890]

II – Fundamentação

            2. Como sucede com qualquer recurso, o âmbito objectivo deste é delimitado pelas conclusões com as quais o Agravante rematou as respectivas alegações (artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC), importando decidir as questões colocadas através dessas conclusões – e, bem assim, se se colocarem, as que forem de conhecimento oficioso –, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução dada a outras precedentemente apreciadas e decididas nesta instância (artigo 660º, nº 2 do CPC).

            Tenha-se presente que os factos relevantes para a subsequente apreciação – parte substancial deles são de índole processual – estão documentados no processo e resultam do relato constante de todo o antecedente item 1.

            2.1. Trata-se aqui, tendo presente o trecho do despacho que o Agravante contesta e o teor das conclusões acima transcritas, de controlar a conformidade à lei da determinação judicial – rectius, da iniciativa do juiz – de realização pela Ordem dos Advogados de laudo respeitante aos honorários aos quais corresponde a quantia exequenda. Embora a caracterização acabada de expor do fundamento do recurso aparente um âmbito mais alargado que o declarado no recurso, não deixaremos de observar que a questão especificamente colocada pelo Agravante, parece aspirar a um sentido mais particular (eventualmente mais restrito), articulando a defendida exclusão do laudo de honorários com a existência de uma convenção prévia reduzida a escrito respeitante ao quantitativo desses honorários. Ou seja, no entendimento do Agravante[4], a exclusão do laudo resulta – e resultará sempre, afirma-o ela –, enquanto asserção interpretativa decorrente do texto do nº 2 do artigo 100º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA)[5], da existência de uma “convenção prévia” de honorários.

            Articularemos a subsequente exposição em torno destas questões, ensaiando, desde logo, uma apreciação do título aqui dado à execução como “convenção prévia” de honorários; procuraremos, de seguida, situar a figura do laudo de honorários (enquanto competência da Ordem dos Advogados) face às incidências de forma (ou de método) empregues na fixação dos honorários respeitantes a determinado patrocínio forense, incluindo a fixação que se expressou numa “convenção prévia”, designadamente por referência ao nº 2 do artigo 100º do EOA; e, finalmente, posicionaremos a suscitação do laudo de honorários pelo Tribunal no quadro da actuação inquisitória do juiz em sede de instrução do processo.

            Será este o caminho a percorrer na subsequente exposição.

            2.1.1. Vendo os exactos termos do título executivo apresentado pelo Exequente (e remetemos aqui para a transcrição deste efectuada supra no item 1.), ficam-nos dúvidas se estará em causa, verdadeiramente, uma convenção prévia de honorários, no sentido de fixação prévia global, à forfait, desses honorários. Com efeito, sendo certo estarmos perante documento elaborado em Março de 2003, no qual se pretende referenciar honorários forenses reportados a duas acções já propostas (uma em 2001 e outra em 2002) e a correr, então, os respectivos termos, parece-nos mais adequado ver no documento aqui em causa uma espécie de condensação ou fixação in itinere (fixação durante, não propriamente fixação prévia) dos honorários projectivamente devidos no quadro global do patrocínio reportado àquelas duas acções ainda em curso.

            Concedemos, todavia, que este argumento – que esta distinção: fixação prévia/fixação durante – não será particularmente expressiva, jogando mais com a linguagem do que com a essência dos conceitos, associando nós ao conceito aqui utilizado (a “convenção prévia” de honorários) a ideia de um acertamento global do preço dos serviços, não descriminado por despesas, algo aparentado a “por atacado”, em que o adjectivo “prévio” ainda pode ser compreendido num espaço temporal situado durante a tramitação da acção, ou seja, antes da cessação dos serviços, quando ainda não expressa por completo uma apreciação em função de uma prestação totalmente situada no passado, quantificada por referência a incidências já conhecidas, porque já ocorreram, podendo ainda expressar, cumulativamente, a valoração projectiva de incidências ainda não ocorridas[6]. Foi um pouco isto o que aqui sucedeu.

            Tomaremos, pois, como pressuposto argumentativo (como base de partida para a subsequente exposição), pese embora algumas dúvidas que esta situação nos suscita quanto à existência de uma verdadeira convenção prévia relativa a honorários, que o documento subscrito pelo Executado/Agravado, certificado a fls. 241, poderá ser visto – ainda poderá ser visto – como correspondendo às características de uma “convenção prévia” (as aspas têm aqui um sentido acrescido).

            2.1.2. Ora, entendido tal documento (este título executivo) com esse sentido, importa convocar o disposto no artigo 100º do EOA, enquanto norma à qual o Agravante refere a interpretação que propugna quanto à pretendida exclusão do laudo:
Artigo 100º
Honorários
1 – Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa.
2 - Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados.
3 - Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais.

            Destacámos através do sublinhado o segmento da norma no qual o Agravante ancora a sua particular interpretação, sendo que nos parece intuitivo que a letra do preceito não exclui, em si mesma – e todos sabemos que a letra não é o único critério interpretativo –, a hipotética realização de laudo nos casos de convenção prévia. A alternativa excludente que o trecho sublinhado estabelece é – parece-nos evidente – entre “convenção prévia” e “conta de honorários” e não entre “convenção prévia” e laudo, no sentido em que este só seria possível existindo uma “conta de honorários”.

            Importará, todavia, aprofundar a questão, tendo presente a caracterização da figura do laudo à luz da respectiva regulamentação.

            Assenta este – o designado laudo de honorários – num Regulamento, o Regulamento dos Laudos de Honorários (RLH)[7], elaborado e editado pela Ordem dos Advogados ao abrigo do poder regulamentar (v. artigo 43º, nº 1, alínea i) do EOA, cfr. artigo 112º, nº 7 da Constituição) decorrente da descentralização horizontal de poderes públicos (paradigmática da ideia de autonomia) que preside à institucionalização das Ordens profissionais[8].

            Interessa-nos a este respeito, desde logo, a própria caracterização (definição) da figura do laudo de honorários neste RLH:
Artigo 2º
Laudo
O laudo sobre honorários constitui parecer técnico e juízo sobre a qualificação e valorização dos serviços prestados pelos advogados, tendo em atenção as normas do Estatuto da Ordem dos Advogados, a demais legislação aplicável e o presente regulamento.

            Importa, de seguida, pressupostas as regras de competência para emissão do laudo previstas no EOA e no RLH[9], lembrar o conceito de “honorários” assumido por este último (pelo RLH):

Artigo 3.º
Honorários


1 - Entende-se por "honorários" a retribuição dos serviços profissionais prestados por advogado na prática de actos próprios da profissão.
--------------------------------------------------------------------------------------.

            Finalmente, porque de legitimidade substantiva (chamemos-lhe assim, querendo referir-nos aos pressupostas substanciais desencadeadores de um laudo) para solicitar o laudo trata o presente recurso, não deixaremos de trazer à liça o artigo 6º do RLH:
Artigo 6.º
Legitimidade para pedir laudo

1 - O laudo sobre honorários pode ser solicitado pelos tribunais, por outros conselhos da Ordem e, em relação às respectivas contas, pelo advogado, ou seu representante ou sucessor, pelas sociedades de advogados, ou pelo constituinte ou consulente, ou seus representantes ou sucessores.
--------------------------------------------------------------------------------------.

            Vale a indicação destas disposições do RLH para tornar claro inexistir uma opção expressa do “Legislador regulamentar”, tal como não existia do Legislador geral que editou o Estatuto da Ordem dos Advogados (da Assembleia da República), de excluir a emissão de laudo relativamente a uma fixação de honorários que tenha assumido a forma de uma convenção prévia, sendo que esta – e seguimos a construção do artigo 2º do RLH –, numa apreciação a posteriori, não deixará de poder implicar, de exigir, a emissão de um juízo técnico sobre a qualificação e a valorização dos serviços prestados por um advogado, face à invocação – e é o que aqui sucede – de desvalores que coloquem em causa o equilíbrio prestacional (a proporcionalidade) correspondente a essa particular convenção de honorários.

Admitir o contrário corresponderia, em última análise, ao assumir da asserção de que a remuneração dos serviços de um advogado, os honorários deste, que o EOA diz deverem “corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados” (artigo 100º, nº 1 do EOA), poderiam, a coberto da “convenção prévia”, assumir, sem possibilidade de controlo técnico algum, carácter exorbitante, desproporcionado e sem qualquer correspondência nos serviços efectivamente prestados – não estamos, que isso fique bem claro, a formular qualquer juízo sobre os honorários aqui em causa, cujas incidências, por se referirem a outros processos, até desconhecemos.

Semelhante asserção interpretativa (a de que nunca seria possível controlar a adequação de honorários objecto de “convenção prévia”), sendo absurda – maxime, é absurdo dizer-se ou pretender-se que um advogado pode fixar previamente remunerações totalmente desadequadas aos serviços que virá a prestar[10] – damo-la por logicamente excluída, assente no que encaramos representar uma prova (se quisermos, um argumento interpretativo) por contradição ou assente na redução ao absurdo[11].

Vale tudo isto, enfim, pela afirmação de que a articulação interpretativa do artigo 100º, nºs 1 e 2 do EOA, concatenada com o Regulamento dos Laudos da Ordem dos Advogados, não exclui que um juiz possa solicitar a emissão de um laudo de honorários pela Ordem, mesmo estando em causa uma “convenção prévia” de honorários, referindo-se esse laudo à adequação pelos serviços efectivamente prestados, cobertos por essa convenção

2.1.3. Seja como for, colocando-se esta questão em ambiente processual, sendo que neste a discussão também incide, olhando aos diversos argumentos que estruturam a oposição à execução, sobre a adequação quantitativa dos honorários fixados no documento certificado a fls. 241, tendo isto presente, dizíamos, sempre haverá que situar – e com esse sentido confirmar – a opção da Senhora Juíza a quo de solicitar a emissão de laudo de honorários ao Conselho Superior da Ordem dos Advogados, no quadro dos poderes inquisitórios relativos à produção de prova, visando a descoberta da verdade material (a efectiva adequação destes honorários), nos termos do nº 3 do artigo 265º do CPC: “[i]mcumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”[12].

Ora, se a prolação do juízo técnico, fundamentalmente correspondente a prova pericial (v. artigo 388º do Código Civil), sobre a qualificação e a valorização dos serviços prestados por um Advogado – aquilo a que corresponde o laudo de honorários (artigo 2º do RLH) – se enquadra na competência da Ordem dos Advogados, tendo os Tribunais legitimidade para solicitarem a emissão desse específico juízo técnico (artigo 6º, nº 1 do RLH), não podemos deixar de ver no despacho agravado, no trecho concreto aqui em causa, uma adequada iniciativa instrutória do julgador relativamente ao julgamento da causa, exercido, no quadro temático delimitado pelas partes, num escrupuloso respeito pela letra e pelo espírito da lei (concretamente do Estatuto da Ordem dos Advogados e do Regulamento dos Laudos).

Não vemos, pois, qualquer razão válida para alterar o entendimento do Tribunal a quo, suprimindo a solicitação de um laudo de honorários que se nos afigura manifestamente correcto e pertinente. Aliás, ocorrendo qualquer discussão judicial (disputa entre o Advogado e o cliente) convocando a aferição da adequação de determinados honorários forenses à realidade dos serviços prestados, a forma adequada de obtenção de um juízo técnico sobre essa adequação consiste na solicitação pelo Tribunal, à Ordem dos Advogados, de um laudo.

2.2. Aqui chegados, esgotados que estão os argumentos/fundamentos que a motivação do agravo convocava, resta-nos formular a competente decisão, sumariando as antecedentes considerações:
I – O artigo 100º, nº 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados sujeita os honorários de um Advogado ao princípio geral da adequação aos serviços prestados, independentemente do modo de ajustamento desses honorários entre o Advogado e o cliente: convenção prévia ou conta de honorários a posteriori;
II – O laudo de honorários, emitido pela Ordem dos Advogados, nos termos do respectivo Estatuto e Regulamento dos Laudos configura o parecer técnico (o juízo pericial) respeitante à adequação dos honorários fixados aos serviços efectivamente prestados, ao qual os Tribunais devem recorrer nos casos em que seja relevante a determinação dessa adequação;
III – A articulação interpretativa do artigo 100º, nºs 1 e 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados, concatenada com o Regulamento dos Laudos da Ordem dos Advogados, não exclui que um juiz possa solicitar a emissão de um laudo de honorários pela Ordem, mesmo estando em causa uma “convenção prévia” de honorários, referindo-se esse laudo à adequação pelos serviços efectivamente prestados, cobertos por essa convenção. 
 
III – Decisão

            3. Assim, não se concedendo provimento ao agravo, mantém-se o despacho recorrido na solicitação de realização, nos precisos termos aí indicados, de laudo pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados, relativamente aos honorários forenses aqui em causa (os que se expressam na “Declaração de Aceitação” transcrita no item 1., supra).

            Custas pelo Agravante que ficou vencido.


 J. A. Teles Pereira (Relator)
Manuel Capelo
Jacinto Meca


[1] Circunstância que marca a aplicação do regime dos recursos anterior à reforma introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 9º, alínea a), 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Assim, qualquer disposição do Código de Processo Civil doravante citada neste Acórdão, cujo texto tenha sido alterado pelo mencionado DL 303/2007, refere-se à versão anterior à introduzida por este Diploma.
[2] É do seguinte teor o pedido final formulado na oposição:
“[…]
Nestes termos e nos mais de direito aplicável, sempre com o douto suprimento  de  V.   Exa  deve  a  embargada  ser  notificada  para  contestar, seguindo-se os demais termos processuais e vindo, a final, os presentes embargos a serem considerados provados e procedentes e em consequência: A) A ser a execução liminarmente indeferida;
B) Subsidiariamente, a ser a matéria de excepção constante da presente oposição considerada inteiramente procedente por provada, fixando-se, a título principal, a nulidade do acordo de honorários apresentado como título executivo, ou a título subsidiário, a sua modificabilidade, ordenando-se, em qualquer caso, a efectiva fixação de honorários em sede declarativa pelo critério de horas de trabalho prestado e, consequentemente, a absolvição do pedido deduzido em sede de execução.
[…]
                [transcrição de fls.]
[3] Vale a tal respeito o seguinte pronunciamento:
“[…]

III – Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a Apelação e, consequentemente, revogar o saneador-sentença recorrido, determinando que o Tribunal a quo substitua tal despacho por um outro que, caso nenhuma outra razão a isso obste, faça prosseguir os ulteriores termos do processo, designadamente, com fixação da matéria de facto assente e a elaboração da base instrutória.
[…]”
                [transcrição de fls. 304].
[4] E esse parece ter sido o pressuposto da pergunta colocada ao Dr. … pelo Agravante e à qual o ilustre Advogado da cidade sede deste Tribunal respondeu através do email que o Agravante juntou – qualificando-o de “Parecer” – a fls. 892.
[5] Aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de Janeiro (cujo trato sucessivo podemos consultar no sítio da Ordem dos Advogados em: www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=30819&idsc=128).
[6] Este entendimento parece estar subjacente a um trabalho publicado no sítio “verbjurídico”, da autoria do Advogado Carlos Mateus, intitulado “Deontologia Forense: Honorários”, disponível em http://www.verbojuridico.com/doutrina/2011/carlosmateus_honorarios.pdf:
“[…]

Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, antes da conclusão definitiva da questão em que o cliente é parte, o advogado, cessando a prestação dos seus serviços jurídicos, apresenta-lhe a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados que devem atender à importância destes, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais – art. 100.º do EOA.

[…]

Fixação prévia do montante de honorários, antecipadamente determinado entre as partes, por ajuste do valor ou numa percentagem do valor da causa.

É necessária uma convenção prévia reduzida a escrito, antes da conclusão definitiva da questão em que o cliente é parte, sem prejuízo de no início e ao longo do processo o advogado pedir ao cliente provisões razoáveis, que não deverão exceder os honorários acordados.

[…]” (pp. 7/8).




[7] Regulamento nº 40/2005 AO (2ª série), de 29 de Abril de 2005/Ordem dos Advogados – Conselho Superior; está disponível no sítio da Ordem dos Advogados, directamente, no seguinte endereço:
http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idc=30819&idsc=25368&ida=27713.
[8] “No exercício das suas funções as ordens dispõem de diversos poderes públicos: poder regulamentar, poderes de decisão unilateral, poder sancionatório, poder disciplinar. As ordens profissionais, tal como os demais organismos de auto-administração profissional, reproduzem de certa maneira, e à sua escala, as funções típicas do Estado: a função normativa (autonomia regulamentar), a função executiva (autonomia administrativa) e a função jurisdicional (disciplina profissional) […].
No poder regulamentar cabem, entre outros, o regulamento organizativo, os regulamentos do acesso, dos estágios, deontológico, disciplinar, de honorários […], etc. […].” (Vital Moreira, Auto-Regulação Profissional e Administração Pública, Coimbra, 1997, p. 271).
[9] V. os artigos 43º, nº 3, alínea e) do EOA e 1º do RLH.
[10] Porque isso não corresponde à teleologia da norma geral que expressa a caracterização deontológica respeitante ao conteúdo dos honorários, nos termos expressos no artigo 100º, nº 1 do EOA.
[11] V. sobre a interpretação assente na evitação do absurdo como resultado, Ahron Barak, Purposive Interpretation in Law, Oxford, 2005, p. 80.
[12] “Significa […] que a actividade do juiz, ao abrigo do nº 3 do artigo 265º, se configurará muito mais como o exercício de um autónomo poder-dever de indagação oficiosa – do que como a actuação de um mero poder discricionário, tendente a realizar uma função meramente supletiva e residual do tribunal em sede de produção de provas […]” (Carlos Francisco de Oliveira Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2ª ed., Coimbra, 2004, p. 260).