Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
337/08.0TBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: ARRENDAMENTO
OBRAS
ABUSO DE DIREITO
CADUCIDADE
PROVA DOCUMENTAL
RESPOSTAS AOS QUESITOS
CONTRADIÇÃO
Data do Acordão: 05/08/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCOBAÇA 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.334, 364, 1031, 1036, 1051, 1074 CC
Sumário: 1.- Exigindo a lei a forma documental, como requisito ad substantiam e conditio sine qua non da validade de um negócio jurídico, a prova do mesmo apenas pode ser efetivada por documento com igual ou superior força probatória – artº 364º nº1 do CC.

2.- A contradição entre respostas dadas à matéria de facto apenas emerge se elas forem intrínseca e totalmente incompatíveis, de tal sorte que uma tenha, lógica e necessariamente, de excluir a outra.

3. – Inexiste abuso de direito por parte do locatário, se o locador é condenado a pagar-lhe €4.606,45 por despesas por ele tidas em obras de conservação do locado, e este tem recebido a renda desde há cerca de 58 anos, nunca fez obras apesar de para tal instado, e a renda, por um locado comercial de cerca de 80m2, sito em Alcobaça, ascendia a cerca de 330 euros mensais.

4.- A caducidade do contrato de locação, ex vi do artº 1051º al. e) do CC, apenas emerge nos casos de perda total (que não parcial) do locado, sendo que o critério distintivo não é meramente físico ou naturalístico, mas funcional ou teleológico atento o fim a que a coisa se destina; assim, a perda é total quando se tornar, de todo, impossível ao arrendatário o seu uso para o fim convencionado e parcial quando dela puder continuar a usufruir posto que em parte, ou limitadamente.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

G (…), Lda. intentou  contra J (…) e mulher F (…), ação declarativa, de condenação, com a forma de processo ordinário

Alegou:

Que  é arrendatária de prédio pertença dos réus que está degradado.

Que não obstante ter feito obras no prédio, este, na madrugada de 16 para 17 de Junho de 2007,  sofreu o desmoronamento do telhado.

Na sequência, e por ordem dos Serviços de Protecção Civil de Alcobaça, o prédio foi desocupado e fechado por motivos de segurança.

Por tal motivo teve a A. novas despesas e prejuízos, já que teve de mudar todos os bens e mercadorias que aí se encontravam para outro local, também arrendado, passando a pagar uma renda de €191,92 por mês; teve custos decorrentes da remoção dos bens; perdeu o espaço do saguão que usava como oficina de corte de vidro, e que ficou impossibilitada de prosseguir, com a inerente redução de proveitos.

Paga pontualmente €328 de renda mensal, como obrigação decorrente do contrato, mas apenas tem o gozo de cerca de metade do locado, atenta a interdição de utilização supra referida.

Que o Réu foi contactado para proceder a obras de manutenção e reparação, nunca tendo respondido a quaisquer solicitações.

Pede:

Que sejam as RR condenadas a:

1. Fazerem no prédio as obras necessárias à sua recuperação por forma a recuperarem o total gozo do mesmo de acordo com o contrato de arrendamento.

2. Verem reduzido a metade o valor da renda do locado, em proporção da área de  que a A. efectivamente goza, e até ao mês em que passe, de novo, a ter o gozo da totalidade do arrendado.

3. A pagarem à A. a quantia de €70.745,15 de acordo com as seguintes parcelas:

a. €17.529,32 por despesas relacionadas com o escoramento provisório do prédio e com várias obras de reparação, como a colocação de lençóis de plástico e outros utensílios de modo a captar as águas da chuva, as perdas de ferragens e de outros produtos em ferro, o tempo e os meios que os seus empregados perderam nas operações de transporte e armazenamento, as quantias que pagou referentes à renda do armazém sito na x.... até Fevereiro de 2008, inclusive;

b. €1.040 relativa a metade das rendas recebidas pelos RR desde 17/6/2007, data da interdição do locado pelos Serviços de Protecção Civil de Alcobaça até Dezembro de 2007;

c. €52.175,83 a título de lucros cessantes até 31/12/2007.

4. A pagarem à A. as seguintes quantias que vierem a ser apuradas ulteriormente:

a. o valor das rendas que a A. pagar referentes ao armazém sito na x.... desde Março de 2008, inclusive, até voltar a ter o completo gozo do locado;

b. o custo das deslocações e operações de transporte levadas a cabo pelos seus trabalhadores, que montam a €1.536,65 por ano, a partir de Janeiro de 2009 até ao momento em que voltarem a ter o gozo da totalidade do prédio locado.

c. O valor de metade das rendas que vieram a receber no ano de 2008 e seguintes até ser posta em prática a redução requerida.

d. Aos lucros cessantes da A. a partir de Janeiro de 2008 até ao momento em que as RR voltem a assegurar o gozo da totalidade do locado.

Contestaram as RR.

Por exceção deduziram pedido reconvencional de caducidade parcial do contrato de arrendamento por perda da coisa locada, alegando que desde que foi locado em 1942 nunca foi feita qualquer intervenção de fundo no edifício, consequência das rendas baixas pagas por quem lá vivia e que não permitiam custear obras. Acresce que a Câmara Municipal de Alcobaça, através de seu Serviço Municipal de Protecção Civil, realizou em 19 de Junho de 2007, uma vistoria ao prédio e concluiu que "(...) é inviável a recuperação do presente edifício, e alertou para a necessidade de impedir a utilização do edifício.” Assim, as obras requeridas pela A. não podem ser realizadas.

Por impugnação dizem que também o falecido Réu contratou pedreiros para proceder a reparações, os quais, após analisar o local -concluíram que o mesmo era irrecuperável e recomendavam a sua demolição.

Que nunca foram intimados a realizar quaisquer obras de conservação extraordinária pela Câmara Municipal, e que da vistoria resultou a constatação de que o prédio é irrecuperável. A exigência de obras é incompatível com o rendimento auferido pelos proprietários, pelo que é abusivo tal pedido. E também o pedido de redução da renda não tem fundamento já que a exposição da loja é superior na Rua z.... do que na Rua k.... onde a A. tinha apenas um armazém sem montras.

Que a A. não descrimina o tipo de intervenção que foi feita no locado, que materiais foram danificados, e como chegou a A. à contabilização da perda de volume de negócios, que computa em 5% durante 8 anos.

Que a A. sabe: que a renda que paga é baixa em relação ao que se pratica no local; que a parte do locado correspondente à Rua k.... , nº .... , era irrecuperável, todavia continuou a ocupá-la, não removendo, a tempo, os materiais que aí guardava; que as obras que realizou não tiveram qualquer efeito útil, por mal executadas ou por revelarem, elas próprias, a irrecuperabilidade do prédio; que a ré exige simultaneamente o valor das obras por ela realizadas e os prejuízos pela não realização das mesmas.

Pedem:

A improcedência da ação, a extinção parcial do contrato e a condenação  da autora por litigância de má-fé pagando uma quantia de €2.000.

A  A. replicou:

Alegando que nunca as RR trataram de reparar o telhado, não obstante os avisos da A. e que a actuação das RR configura venire contra factum proprium, aproveitando-se agora da degradação completa do prédio de que são únicas responsáveis. Mais rejeita o pedido de condenação por litigância de má-fé.

Em tréplica:

As RR rejeitam a excepção do abuso do direito que a A. aponta ao pedido reconvencional.

2.

Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença que:

Julgou parcialmente procedente por parcialmente provada a ação e totalmente improcedente a reconvenção, por não provada, e consequentemente:

a. Condenou  as rés a reconhecer a redução a metade do valor da renda, passando dos actuais €328 (trezentos e vinte e oito Euros) para €164 (cento e sessenta e quatro Euros) mensais, com efeitos desde 17/6/2007, e até voltarem a proporcionar o gozo integral do locado constituído por metade do rés-do-chão e correspondente saguão, correspondendo a parte arrendada a duas portas para a Rua z.... , com os números de polícia quarenta e um e quarenta e seis de polícia e a uma janela e a uma porta com o número de quinze de polícia para a y.... de que é arrendatária C..., Lda.;

b. Condenou as RR. a restituir à A. a quantia de €1.040 relativa a metade das rendas recebidas pelas RR, pagas pela A. desde 17/6/2007 até Dezembro de 2007, bem como metade do total das rendas pagas desde esta data até à data do trânsito em julgado da presente sentença.

c. Condenou as RR. a pagarem à A. a quantia de €4.606,45 (quatro mil seiscentos e seis Euros e quarenta e cinco cêntimos), relativa a despesas suportadas ao abrigo do disposto no art. 1036º, ex vi do art. 1074º 3 do Código Civil.

d. Absolveu as RR. do demais peticionado.

e. Absolveu a A. do pedido reconvencional deduzido pelas RR. bem como do pedido de condenação daquela em litigância de má-fé.

3.

Inconformadas recorreram as rés.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1." A Sentença do Tribunal a quo julgou erradamente quando interpretou a matéria provada relativamente aos materiais que dá como perdidos e simultaneamente removidos pela Autora do locado objecto da acção.

2." Mais julgou a Sentença do Tribunal a quo erradamente quanto à matéria de direito aplicada à celebração pela Autora de um contrato de arrendamento de um armazém sito na x.... , à condenação das Rés no pagamento das obras e à caducidade parcial do contrato de arrendamento.

3. As Rés consideram que as normas que constantes do artigo364.",no 1, do artigo 1036.o ex vi do artigo1 074.no no3 , do artigo334.'e da alínea e ), do artigo1 051 todos do Código Civil, deviam ter sido interpretadas e aplicadas de modo diverso pela Douta Sentença a quo.

4." A Juíza a quo, na Douta Sentença interpretou erradamente a materia provada no ponto T, quando refere que a Autora "nos períodos de chuva, acondicionava melhor as mercadorias ou as deslocava para zonas secas" e a matéria provada no ponto AA onde conclui que "quando não chovia, os materiais comercializados pela autora, como ferragens e outros sensíveis à humidade (...) não estavam em boas condições para venda".

5. A Juíza a quo, na Douta Sentença, salvo o devido respeito, interpretou erradamente a matéria provada no ponto Yb onde refere que ocorreu uma "perda de ferragens e outros produtos em ferro, destruídos pelas infiltrações em quantidades e montantes não apurados" e no ponto Yc onde considera provado, que a Autora suportou "custos das operações de remoção dos materiais armazenados que comercializa, nos períodos de chuva, desde o ano 2000,de valor não concretamente apurado".

6. Nos pontos supra referidos os factos provados são contraditórios pois condenam as Rés na perda e remoção dos mesmos materiais o, que as Rés não podem admitir.

7. Ficou ainda provado na Douta Sentença a quo no ponto CCb que a Autora paga uma renda mensal noutro local, sito na x.... , em montante não apurado, para compensar a falta de espaço de armazém que ocorreu com a perda de parte do locado.

8. Ora, não tendo sido junta aos Autos qualquer prova documental (contrato de arrendamento ou recibo comprovativo do pagamento de renda) e exigindo a lei a forma escrita para a declaração negocial (contrato de arrendamento) não pode este facto ser provado testemunhalmente tendo a Sentença a quo violado o artigo 364.o,n .o I do Código Civil.

9. Foram ainda erradamente condenadas as Rés, ao abrigo do disposto no artigo 1036,ex vi do artigo 1074.no 3 do Código Civil a pagar à Autora a quantia de € 4.606,45 ( quatro mil seiscentos e seis Euros e quarenta e cinco cêntimos), relativa a despesas suportadas com obras.

l0. Dado o estado de degradação do prédio, com fissuras nas paredes e no tecto, apodrecimento das vigas de madeira barras de metal, e tendo este desmoronado as obras necessárias para reverter esta situação têm de ser havidas como obras de conservação extraordinária- o que se encontra provado na Sentença agora em crise (Vide ponto GG dos actos provados).

11. A Autora sabia-o e ainda assim quis fazer obras de reparação que não tiveram qualquer utilidade, pelo que não pode a gora vir pedir o reembolso das obras realizadas.

l2. Acresce que atento o estado de degradação do prédio derivado do decurso do tempo, as obras de conservação extraordinária necessárias teriam um valor que seria manifestamente desproporcional ao rendimento que o prédio proporcionou ao locador, pelo que qualquer pedido de obras ou realização de das mesmas pela Autora com o intuito de se ver ressarcida constituem abuso de direito, nos termos do artigo 334." Do Código Civil, justificando-se assim uma decisão diferente que não impute responsabilidade às Rés pelo valor das obras realizadas pela Autora.

13. O Tribunal a quo interpretou e aplicou erradamente a norma constante da alíne e), do artigo l05l do Código Civil, ao considerar não haver lugar a caducidade parcial do contrato de arrendamento dos autos.

l4. O contrato de arrendamento tem por objecto duas fracções de dois prédios distintos e, tendo um deles ficado destruído, devia ter sido julgado como tendo caducado o contrato naquele prédio.

15. Apesar dos dois prédios, a Autora não pode exercer a sua actividade só no outro prédio, como o prova a matéria dos autos, a verdade é que um estava dependente do outro para o exercício da actividade daquela, devendo neste sentido ser aplicada, em pleno, a alínea e), do artigo 1051."do Código Civil, e ser considerado caducado o contrato de arrendamento.

Inexistiram contra alegações.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-A do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª-  Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª -Contradição entre respostas à matéria de facto.

3ª- Ilegalidade da decisão por condenação no custo das obras porque sem qualquer utilidade e porque em atuação da autora em abuso de direito.

4ª – Caducidade parcial do contrato.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

Dizem os recorrentes que não podia ter sido dado como provado que a Autora paga uma renda mensal noutro local, sito na x.... , em montante não apurado, para compensar a falta de espaço de armazém que ocorreu com a perda de parte do locado.

Isto porque não foi junta aos Autos qualquer prova documental (contrato de arrendamento ou recibo comprovativo do pagamento de renda) e exigindo a lei a forma escrita para a declaração negocial (contrato de arrendamento) não pode este facto ser provado testemunhalmente tendo a Sentença a quo violado o artigo 364º,nº1 do Código Civil.

Vejamos.

Desde a lei 2030 de 22.06.1948 que a validade do contrato de arrendamento para comércio e industria está dependente da forma escrita, quer escritura pública, quer documento particular – cfr. presentemente, o artº 1069º do CC.

É, pois, tal exigência, desde logo, um requisito ad substantiam do mesmo.

Cuja preterição implica a sua nulidade – artº 220º do CC.

Ora nos termos do artº 364º nº1 do CC: «quando a lei exigir, como forma da declaração negocial,  documento autentico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior».

E só no caso de o documento ser : «exigido apenas para prova da declaração, pode tal documento ser substituido por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, posto que, contanto que, neste caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório».

Não é o caso, pois que, como se viu, o documento escrito não se assume apenas como requisito ad probationem do contrato.

Resulta da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto que a Sra Juíza deu como provado tal facto com base unicamente no depoimento de certas testemunhas – fls.159.

Mas, perante a imperatividade de tal norma, esta prova não era a adequada e/ou bastante.

 Consequentemente tal facto não pode ser considerado, pois que deve ser dado como não escrito – artº 646º nº4 do CPC.

5.2.

Segunda questão.

5.2.1.

Dizem as rés que a Juíza a quo, na Douta Sentença interpretou erradamente a matéria provada no ponto T, quando refere que a Autora "nos períodos de chuva, acondicionava melhor as mercadorias ou as deslocava para zonas secas" e a matéria provada no ponto AA onde conclui que "quando não chovia, os materiais comercializados pela autora, como ferragens e outros sensíveis à humidade (...) não estavam em boas condições para venda".

Bem como: «a matéria provada no ponto Yb onde refere que ocorreu uma "perda de ferragens e outros produtos em ferro, destruídos pelas infiltrações em quantidades e montantes não apurados" e no ponto Yc onde considera provado, que a Autora suportou "custos das operações de remoção dos materiais armazenados que comercializa, nos períodos de chuva, desde o ano 2000,de valor não concretamente apurado".

Tal como as insurgentes deixam transparecer no ponto 6 das conclusões, o problema por elas levantado não é a errada interpretação da matéria provada, questão que se colocaria apenas em sede de sentença,  mas antes a contradição dos factos dados como provados,  o da al.T com o da al.AA e o da al. Yb com o da al. Yc, questão que se coloca, desse logo e a montante, em sede de decisão sobre a matéria de facto.

Pois que se existir contradição intrínseca entre os factos, alguns haverá que não podem ser dados como provados e, assim, considerados, a jusante, aquando da subsunção dos mesmos às regras jurídicas pertinentes.

Mas tal contradição inexiste.

Efetivamente a  contradição entre respostas dadas à matéria de facto apenas emerge se elas forem intrínseca e totalmente incompatíveis, de tal sorte que uma tenha, lógica e necessariamente, de excluir a outra.

Diz a recorrente que ou a autora protegeu os materiais e estes estavam em condições de venda ou deixou de os vender porque não estavam em condições para tal.

Pretendendo significar tal  incompatibilidade ou contradição insanável.

Mas não é, necessariamente, assim. Antes pelo contrário.

Na verdade a interpretação mais lógica e razoável do teor de tais respostas é que, e no que respeita à resposta – T, quando chovia, a autora tentava, o melhor que podia, livrar os materiais da chuva, sem que, todavia,  pelo menos todos eles, ficassem totalmente livres dos seus efeitos – diretos ou indiretos, vg. humidades e condensações .

Já a resposta constante em AA significa que, mesmo quando não chovia, os materiais estavam ainda afetados: ou porque alguns materiais ficavam, pouco ou muito, molhados, ou porque, não ficando, as humidades resultantes das infiltrações assim o impunham.

Tal interpretação nem sequer é ousada, arriscada, ilógica e, assim, inadmissível, antes pelo contrario, como se disse, pois que resulta das regras da experiencia e da normalidade das coisas.

E o mesmo se diga no atinente às als. Yb e YC, pois que naquela não se provou que houve uma perda de todos os produtos ferrosos – antes pelo contrário se provou apenas uma perda parcial: de (e não dos) e em quantidades não apuradas -  ou que a autora apenas comercializava e armazenava este tipo de produtos.

Logo é perfeitamente possível que se tenha dado como provado o teor desta alínea pois que a autora pode ter tido necessidade de remover os ferrosos remanescentes e/ou os produtos  de outra natureza.

5.2.2.

Decorrentemente os factos a considerar são os seguintes:

A. A autora G (…), Lda. exerce a actividade de comércio de ferragens, ferramentas, drogas e materiais de construção.

B. Encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo X.... , a favor do R. o prédio composto de rés-do-chão e 1° andar, com os nºs 9, 11, 13 e 15 da Rua k.... , antiga y.... , freguesia e concelho de Alcobaça.

C. Por escritura pública celebrada a 10 de Janeiro de 1942, denominada «arrendamento que faz (…) a (…)», o primeiro declarou que «dá de arrendamento ao segundo outorgante (...) metade do rés-do-chão e correspondente saguão, correspondendo a parte arrendada a duas portas para a Rua z.... , com os números de polícia quarenta e um e quarenta e seis de polícia e a uma janela e a uma porta com o número de quinze de polícia para a y.... (...) pelo prazo de seis meses (...) prorrogável nos termos da lei (...) a renda é a quantia mensal de trezentos escudos».

Mais declarou que “a parte arrendada do prédio destina-se ao comércio de ferro, ferragens, carvão, drogas e tintas (...) e que fica expressamente autorizada a sublocação ou trespasse do prédio arrendado, mas tão somente para idêntico fim do presente arrendamento» e bem assim que “o arrendatário não poderá fazer quaisquer obras ou modificações na parte arrendada sem expressa autorização do senhorio, ficando, desde já autorizado a substituir por uma porta a janela que dá para a y.... ”. Todas as obras ou benfeitorias que o arrendatário faça no prédio arrendado ficarão desde logo pertencendo ao mesmo prédio sem direito a qualquer indemnização ou retenção por elas. O senhorio poderá fazer quaisquer obras devendo, porém, ter em atenção o menor prejuízo ou embaraço para as transacções comerciais do arrendatário (v. escritura exarada a folhas 7-10 do Livro de Notas nº 365 do Cartório Notarial de Alcobaça, junta aos autos de providência cautelar, por certidão, a fls. 64 e ss).

D. Por escritura pública celebrada a 27 de Março de 1954, (…) declarou que «lhe pertence um estabelecimento comercial de ferragens e drogas, situado nesta vila e freguesia de Alcobaça, na Rua z.... , números quarenta e um e quarenta e três de polícia, com uma janela e uma porta com o número quinze de polícia para a y.... que tomou de arrendamento a (…) esta vila, por escritura de 10 de Janeiro de mil novecentos e quarenta e dois”.

Mais declarou que «pela presente escritura trespassa à sociedade (…), Lda. (...) o seu mencionado estabelecimento (...) e lhe transfere todo o seu direito ao arrendamento do estabelecimento (...)” (v. escritura exarada a folhas 88-v-91 do Livro de Notas nº 491 do Cartório Notarial de Alcobaça junta aos autos de providência cautelar, por cópia certificada a fls. 11 e ss.).

E. A 30 de Maio de 1973 foi inscrita na competente Conservatória do Registo Comercial a alteração da firma da sociedade comercial (…) para G (…), Limitada (v. fls. 18 dos autos de providência cautelar em apenso).

F. Na madrugada de 16 para 17 de Junho de 2007 o telhado do prédio referido na alínea B) supra desmoronou-se sobre o 1º andar.

G. Por ordem dos serviços de Protecção Civil de Alcobaça o prédio referido na alínea B) supra foi desocupado e fechado por motivos de segurança tendo a autora sido obrigada a desocupar a área de 48,96 m2, continuando a utilizar a área de 48,06 m2.

H. Actualmente, a autora utiliza apenas metade do local referido na alínea C) supra - a parte correspondente ao rés-do-chão do prédio com o nº 41 de polícia da Rua z.... .

I. A autora entregava aos réus a quantia de €320 a título de renda mensal por metade do saguão do prédio, pelo armazém e pela loja sitos no prédio referido na alínea C) supra.

J. No ano de 2008, a autora entrega aos Réus a quantia de €328,00 a título de renda mensal pelo espaço referido na alínea anterior.

K. Em 14 de Fevereiro de 2007, a A. instaurou procedimento cautelar apenso aos presentes autos.

L. O local referido na alínea C) supra, na parte relativa à antiga y.... , desde 1942, nunca teve qualquer intervenção de fundo, encontrando-se em avançado estado de degradação sendo que as paredes abriram fissuras e no tecto, cujo vigamento é de madeira, apodreceu.

M. A Câmara Municipal de Alcobaça nunca intimou os réus à realização de obras.

N. Na vistoria efectuada pelo Serviço Municipal de Protecção Civil da Câmara Municipal de Alcobaça, em 19 de Junho 2007, concluiu-se além do mais que: «por um lado é inviável a recuperação do presente edifício (...) o mais urgente é impedir a utilização do edifício face à gravidade do estado em que o mesmo se encontra.» (v. doc. nº 3 junto à petição inicial a fls. 27).

O. É na parte referida na alínea C) supra, em conjunto com metade do contíguo rés-do-chão do prédio com o nº 43 de polícia da Rua z.... que está instalado o estabelecimento comercial da autora.

P. Nos últimos anos, sofria infiltrações.

Q. A partir do ano de 2000, a situação referida nas alíneas L) e P) supra, agravou-se, obrigando a autora a colocar recipientes no chão.

R. A aplicar lençóis de plástico sob o tecto para recolher as águas da chuva que caíam livremente, provindas do andar superior.

S. E a remover grande parte das mercadorias que ali armazenava.

T. Nos períodos de chuva, acondicionavam melhor as mercadorias, ou deslocavam-nas para zonas secas.

U. O réu foi contactado pela autora para proceder a obras.

V. O R. respondia abstendo-se de as fazer.

W. Pelo que a autora procedeu às seguintes obras que visaram proteger os passantes da queda de água ou materiais oriundos do nível superior:

a. Retirada do soalho e transporte de entulho a vazadouro e incluindo imobilização de viatura;

b. Execução de sapatas de suporte de pilares;

c. Execução de betonilha;

d. Desentupimento de esgoto de sanita.

X. Com o referido no ponto W., a autora despendeu €4.531,45.

Y. Em consequência do referido nos pontos L), P) a T) supra, a A. suportou ainda:

a. despesas com a colocação de lençóis de plástico no montante de 75€ (18,75m de tela plástica * €4) e outros utensílios de modo a captar as águas das chuvas, estes de valor não concretamente apurado.

b. Perda de ferragens e outros produtos em ferro, destruídos pelas infiltrações em quantidades e montantes não apurados.

c. Custo das operações de remoção dos materiais armazenados que comercializa, nos períodos de chuva, desde o ano 2000, de valor não concretamente apurado.

Z. Em virtude do estado do prédio e durante os períodos de chuva, a autora não podia satisfazer de imediato os pedidos dos seus clientes.

AA. E quando não chovia, os materiais comercializados pela autora, como ferragens e outros sensíveis à humidade também não estavam em boas condições para venda.

BB. Os clientes da autora reclamavam da humidade nos bens que ali adquiriam.

CC. Como resultado do referido nas alíneas F) e G) supra, a autora:

a. Removeu para outro local (sito na x.... ) todos os bens e mercadorias que estavam armazenados no local referido na alínea C) supra no que despendeu quantia não apurada correspondente a dois dias de trabalho de dois empregados.

b…………………………………………………………………………………………………………………….

c. Os trabalhadores da autora passaram a fazer cerca de 5 deslocações diárias em média para se deslocarem ao armazém sito na x.... , gastando entre 5 a 10 minutos em cada deslocação.

d. Ficou impossibilitada de utilização do saguão do prédio referido na alínea C) supra que o utilizava como oficina de corte de vidro.

DD. Em consequência do facto CC.d., a A. deixou de se dedicar ao corte e venda de chapas de vidro, deixando de auferir rendimento não apurado.

EE. A autora conhecia o estado em que se encontrava (a parte do locado correspondente à Rua w..., nº 15, antiga y.... ) referido na alínea M) supra.

FF. Por uma vez, o falecido Réu mandou proceder à substituição de algumas telhas em 2004.

GG. Os pedreiros que efectuaram o trabalho referido no ponto FF. recomendaram a demolição do edifício por irrecuperável.

5.3.

Terceira questão.

5.3.1.

Na sentença condenaram-se as rés a pagar parte da indemnização pedida por obras, ao abrigo do do nº 1 do art. 1036º, ex vi do art. 1074º nº 3 do Código Civil.

Tais preceitos são dimanações ou consequências do princípio geral de que é obrigação do locador, assegurar ao locatário o bom gozo da coisa atentos  os fins a que se destina  - artº 1301 al.b) do CC.

Assim estatui o artº1074:

1 - Cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, requeridas pelas leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário.

2 - O arrendatário apenas pode executar quaisquer obras quando o contrato o faculte ou quando seja autorizado, por escrito, pelo senhorio.

3 - Exceptuam-se do disposto no número anterior as situações previstas no artigo 1036º, caso em que o arrendatário pode efectuar a compensação do crédito pelas despesas com a realização da obra com a obrigação de pagamento da renda.

4 - O arrendatário que pretenda exercer o direito à compensação previsto no número anterior comunica essa intenção aquando do aviso da execução da obra e junta os comprovativos das despesas até à data do vencimento da renda seguinte.

5 - Salvo estipulação em contrário, o arrendatário tem direito, no final do contrato, a compensação pelas obras licitamente feitas, nos termos aplicáveis às benfeitorias realizadas por possuidor de boa fé.

Preceituando o artº 1036º:

1. Se o locador estiver em mora quanto à obrigação de fazer reparações ou outras despesas, e umas ou outras, pela sua urgência, se não compadecerem com as delongas do procedimento judicial, tem o locatário a possibilidade de fazê-las extrajudicialmente, com direito ao seu reembolso

2. Quando a urgência não consinta qualquer dilação, o locatário pode fazer as reparações ou despesas, também com direito a reembolso, independentemente de mora do locador, contanto que o avise ao mesmo tempo.

Expende-se, e bem, na sentença:

«Se a urgência permitir aguardar que o locador incorra em mora, o locatário terá previamente de, nos termos do art. 805º nº 1 do CC, interpelar judicial ou extrajudicialmente, o locador. Caso não cheguem a acordo sobre o prazo para a realização das reparações ou de outras despesas, o locatário deverá, conforme estabelece o art. 777º 2 do CC, requerer que aquele seja judicialmente fixado, utilizando o processo regulado nos arts. 1456º e 1457º do CPC. (nº 1 do art. 1036º do CC).

Se a urgência não permitir aguardar que o locador incorra em mora, o locatário poderá realizar obras e despesas sem necessidade de aguardar que o locador incorra em mora. Neste caso, exige-se, todavia, que a urgência das obras e despesas não consinta qualquer demora e que o locador seja, ao mesmo tempo, avisado da sua realização (nº 2 do art. 1036º do CC.»

Concluindo e no que concerne ao caso vertente:

«Ora, a A. não estava autorizada, por contrato de arrendamento, a realizar obras, as quais competiam ao senhorio.

Porém era-lhe permitido realizar as obras e despesas nas situações previstas no art. 1036º do CC, ex vi do nº 3 do art. 1074º.

Provou-se, com relevo, o seguinte:

• A partir do ano de 2000, a situação do local referido na alínea C), na parte relativa à antiga y.... , (que desde 1942, nunca teve qualquer intervenção de fundo, encontrando-se em avançado estado de degradação sendo que as paredes abriram fissuras e no tecto, cujo vigamento é de madeira, apodreceu), agravou-se, obrigando a autora a colocar recipientes no chão e a aplicar lençóis de plástico sob o tecto para recolher as águas da chuva que caíam livremente, provindas do andar superior.

• E a remover grande parte das mercadorias que ali armazenava.

• Nos períodos de chuva, acondicionavam melhor as mercadorias, ou deslocavam-nas para

zonas secas.

• O réu foi contactado pela autora para proceder a obras.

• O R. respondia abstendo-se de as fazer.

• Pelo que a autora procedeu às seguintes obras que visaram proteger os passantes da queda de água ou materiais oriundos do nível superior:

o Retirada do soalho e transporte de entulho a vazadouro e incluindo imobilização de viatura;

o Execução de sapatas de suporte de pilares;

o Execução de betonilha;

o Desentupimento de esgoto de sanita.

• Com o referido no ponto anterior, a autora despendeu €4.531,45.

• Em consequência do já referido a A. suportou ainda:

o despesas com a colocação de lençóis de plástico no montante de 75€ (18,75m de tela plástica €4) e outros utensílios de modo a captar as águas das chuvas, estes de valor não concretamente apurado.

o Perda de ferragens e outros produtos em ferro, destruídos pelas infiltrações em quantidades e montantes não apurados.

o Custo das operações de remoção dos materiais armazenados que comercializa, nos períodos de chuva, desde o ano 2000, de valor não concretamente apurado.

Ora, perante a visível degradação do prédio, a A. interpelou o R., extrajudicialmente, para realizar obras, porém o senhorio abstinha-se de as fazer; esta era a sua resposta.

Por uma vez, o falecido Réu mandou proceder à substituição de algumas telhas em 2004, mas que, ficou visto, não resolveu minimamente a questão de fundo.

Donde, a A. teve de, perante a inércia, a mora do senhorio, de acorrer à realização de algumas obras que visaram proteger os passantes da queda de água ou materiais oriundos do nível superior. Não são obras de reparação, é certo, mas são outras despesas que se justificavam, até por razões de segurança de pessoas e bens.

Pelo que terá, ao abrigo do nº 1 do art. 1036º, ex vi do art. 1074º nº 3 do Código Civil, direito ao reembolso.».

5.3.2.

Dizem as rés, em primeiro lugar, que o pagamento é indevido desde logo porque se reporta a obras de conservação extraordinária e que a Autora sabia-o e ainda assim quis fazer obras de reparação que não tiveram qualquer utilidade, pelo que não pode agora vir pedir o reembolso das obras realizadas.

Mas tal argumento não colhe.

Na verdade a lei – artº 1073º - não distingue relativamente à natureza das obras a efetuar, podendo elas ser de conservação, quer ordinária, quer extraordinária.

O que importa é que elas sejam necessárias para que o locatário possa fruir, cabal e adequadamente, do locado, e dele retirar as utilidades e proventos inerentes à atividade que nele desenvolve.

Efetivamente: « A imposição legal constante da alínea b) do artigo 1031.º do Código Civil deve ser vista em termos amplos, não se limitando a mandar o senhorio entregar o imóvel ao inquilino, mas obrigando-o a outras prestações positivas em termos de que o uso normal do locado não fique impedido ou diminuído nem o locatário veja frustradas as expectativas que criou aquando da outorgado contrato.

 Daí resulta o dever de proceder a obras de conservação ordinária (consistentes em manter o prédio em condições de higiene e salubridade mais fazendo reparações comuns de danos resultantes de infiltrações, salitre, bolores e desgaste, por apodrecimento de madeiras, soalhos e estuques; de obras impostas pela Administração Pública e de todas as outras reparações que o fim do contrato impõe (garantia de funcionamento das colunas de esgotos, de resíduos, gás, energia eléctrica e elevadores, tudo com segurança e continuidade e de tudo o que o arrendatário esperava dispor); de conservação extraordinária (vícios redibitórios ou aparentes de construção, ou resultantes de caso fortuito ou de força maior) e, se acordadas, de beneficiação» -  Ac. do STJ de  02.11.2010, dgsi.pt, p. 4852/06 – 2TBAVR L.1 S.1

Ademais  não se provou que a autora sabia que o prédio era irrecuperável, pois que tal conclusão não se pode retirar do simples facto de os pedreiros que efectuaram  nele um trabalho terem recomendado a demolição do edifício por irrecuperável.

Até porque não se apurou a quem recomendaram e com que motivos ou argumentos, e sendo certo que se apurou que a Camara Municipal nunca intimou os réus à realização de obras e apenas  após a queda do telhado entendeu que era inviável a recuperação do edifício.

E tanto a ré estava convencida que o prédio não estava, necessária e inelutavelmente, condenado a ser demolido, que nele efetivou obras de conservação para tal evitar como sejam  a retirada do soalho,  a execução de sapatas de suporte de pilares e  a execução de betonilha.

5.3.3.

Em segundo lugar invocam o abuso de direito por grande desproporção entre o custo das obras e o valor da renda paga.

Nos termos do artigo 334º do Código Civil:

É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.

A conceção adotada neste conceito é a objetiva, não sendo, assim, necessária a consciência de que com a sua atuação se estão a exceder os apontados limites.

Importa é que o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça atentas as conceções ou o sentimento ético-jurídico dominante na coletividade e os juízos de valor positivamente consagrados na lei- cfr.”- Vaz serra “in” Abuso de Direito no BMJ 85º/253 e Pires de Lima e Antunes Varela “in” Código Civil Anotado, anotação ao referido artigo 334º

O abuso de direito é um limite normativo ou interno dos direitos subjetivos – pelo que no comportamento abusivo são os próprios limites normativo – jurídicos do direito particular invocado que são ultrapassados – cfr. Castanheira Neves in Questão de facto e Questão de Direito, 526 e nota 46.

Em suma, o direito não pode ser exercido arbitrária e exacerbada ou desmesuradamente, mas antes exercício de um modo equilibrado, moderado, lógico e racional.

Assim e, vg., no que respeita ao direito do arrendatário à realização de obras pelo senhorio, considerando o cariz sinalagmático do vinculo contratual, importa -  por respeito ao princípio geral de direito do equilíbrio das prestações - que exista uma certa proporcionalidade entre os valores das obras e das rendas .

 Havendo assim casos em que o valor ínfimo da renda se apresenta manifestamente insuficiente para que se possa exigir ao senhorio a realização de obras cujo montante ascende a valores elevados.

Neste sentido se inclinando a grande maioria da mais recente jurisprudência, nomeadamente:

-O Acórdão da Relação do Porto de 22.09.2005, dgsi.pt, p.0534208 que julgou que actua com abuso de direito o inquilino que paga 9,62 Euros de renda e exige obras de conservação ao senhorio de montante superior a 1.000 Euros, o que corresponderia a nove anos de renda.

-O Acórdão  do STJ de 08.06.2006, p.06B1103 que julgou ser excessiva a desproporção entre o valor das obras da reparação e o das rendas quando são precisos 12 anos para obter o retorno desse valor.

-E o Ac. do STJ de 14.11.2006, dgsi.pt, p.06B3597 decidiu que constitui abuso de direito dos inquilinos exigirem do senhorio a realização de avultadas obras de conservação extraordinária, recuperação integral de um edifício centenário, que exige o dispêndio de vários milhares de euros, quando pela ocupação do locado recebem uma renda de 93,89 €

-O Acórdão do STJ de 31.01.2007, p.06A4404 num caso em que o valor da renda ascendia a € 80,03 e o montante necessário para realizar as obras se elevava  a € 183.000,00.

-O Ac. do STJ de 20.010.2009, p. 08A3810 que entendeu que constitui manifesto abuso do direito o pedido de condenação do senhorio, que aufere em 2003 uma renda mensal de 39,99€, a realizar obras cujo montante se cifra em 54.342,42€.

Naturalmente que tudo tem de ser perspetivado em função das circunstâncias do caso concreto.

In casu a questão do abuso de direito foi levantada na contestação.

Mas foi-o  por reporte ao pedido  global da autora que ascendia a mais de 70.000 euros  e ao custo total das obras  porventura necessárias à boa recuperação do imóvel.

Ora a problemática  do abuso de direito nem sequer foi versada na sentença.

 E não o foi pois que ela se colocaria por reporte ao custo total das obras necessárias e esta questão não foi colocada na ação pela autora pois que o pedido – parte dele – não se reporta a tal custo, mas apenas às despesas que ela teve pelas obras que efetuou.

O que bem se compreende pois que tal questão já tinha sido decidida, desfavoravelmente para ela, na providência cautelar.

Assim sendo, esta questão recursiva mostra-se legalmente inadmissível, pois que, como é sabido, os recursos não se destinam a decidir questões novas e não dilucidadas na 1ª instancia, mas apenas a reapreciar o que ali tenha sido julgado.

No máximo e condescendendo, a questão do abuso de direito apenas poderia ser apreciada no confronto com o valor de €4.606,45 em que por réus foram condenados a pagar por obras e despesas afins.

 E, tudo visto e ponderado, considerando, vg. que a autora já tinha, há anos,  pedido obras e o então réu se negou a efetuá-las, o  referido valor gasto – o qual, porventura, poderia ser inferior se as mesmas obras tivessem sido levadas a cabo há mais anos –, o atual valor da renda a qual já não se afigura  totalmente minimalista ou irrisória pois que estamos perante um valor de mais de trezentos euros, relativa, para além de outros espaços de menor valor comercial, à fruição de loja com cerca de 80m2, que as rés e os anteriores locadores já estão a receber a renda pelo locado há cerca de 58 anos sem que, neste largo lapso de tempo tenham  por eles sido feitas obras,  bem como a orientação jurisprudencial que dimana dos arestos supra citados, não pode concluir-se que a condenação pelo referido valor, seja abarcada e mereça  censura dimanante  deste instituto jurídico.

5.4.

Quarta questão.

Nos termos do artº 1051º al e) do CC: O contrato de locação caduca pela perda da coisa locada.

A Sra. Juíza desatendeu esta pretensão das rés com o seguinte e nuclear discurso argumentativo:

«Normativamente relevante, para apurar da verificação da previsão do art. 1051º, e) do C.C., é a referência à finalidade do contrato. Assim, verificar-se-á a ‘perda total da coisa se fica inviabilizada toda a utilização para os fins convencionados no contrato e quer a perda resulte de facto natural ou de conduta legítima humana e mesmo que só parte da coisa fique destruída (ou se perda, em sentido amplo), haverá caducidade se o fim do contrato não puder ser realizado mediante a utilização da parte restante, havendo que considerar-se a perda total do arrendado quando este perdeu as condições mínimas indispensáveis para ser utilizado para o fim previsto pelas partes ao celebrarem o contrato, tornando-se irrecuperável essa afectação.

Só se verificará a perda total do arrendado se for inviável a utilização deste para os fins que foram convencionados, ainda que fisicamente a perda seja parcial, porque ainda que parcial, ela impossibilita que o devedor (senhorio) cumpra com a sua obrigação de ceder a coisa para os fins convencionados. Sendo de considerar que o locado, apesar da perda parcial, pode ainda servir às finalidades para que foi arrendado, o senhorio exonera-se da obrigação, mediante a prestação daquilo que lhe for possível, nos termos do disposto no artigo 793.º, n.º 1 do C.C., podendo nestes casos o arrendatário obter uma redução de renda, uma indemnização ou até mesmo a resolução do contrato, não se verificando já causa de caducidade.

É o caso dos autos.

Já vimos acima que foi permitida à A. uma redução da renda, porquanto, não obstante a desocupação forçada de parte do locado, a A. continua a exercer a sua actividade noutra parte do locado.»

E bem decidiu.

Na verdade «Só a perda total do arrendado determina a caducidade do contrato de arrendamento; mas há perda total quando deixa de haver possibilidade de uso e fruição da coisa, por destruição do imóvel arrendado ou pela sua inutilização para os fins que lhe são próprios ou contratualmente previstos».Ac. da Relação do Porto de  08.07.2008, dgsi.pt, p. 0822280.

Assim, a perda parcial apenas confere, em princípio, o direito de reformulação anuído e, no que concerne ao inquilino, a redução da renda, ou, porventura, a resolução do contrato.

Mas o critério de qualificação da perda como total ou parcial não é meramente físico ou naturalístico, antes dependendo do fim a que a coisa locada se destina.

 Assim, a perda deve taxar-se de total apenas quando se tornar impossível o uso da coisa para o fim convencionado.

Já quando, não obstante o grau de destruição do locado, o arrendatário puder continuar a usufruir, no todo ou em parte, do seu gozo para o fim acordado, a perda ´deve ter-se apenas por parcial – Cfr. Acs. da Relação de Lisboa de 09.11.1989, CJ, 5º, 103 e  de 12.06.1997, CJ, 3º, 104.

No caso sub judice é evidente que a perda é apenas parcial.

Pois que  admitindo as próprias  recorrentes que o contrato de arrendamento tem por objecto duas fracções de dois prédios distintos apenas um deles ficou  destruído.

Alegam todavia as recorrentes que:  Apesar dos dois prédios, a Autora não pode exercer a sua actividade só no outro prédio, como o prova a matéria dos autos, a verdade é que um estava dependente do outro para o exercício da actividade daquela, devendo neste sentido ser aplicada, em pleno, a alínea e), do artigo 1051."do Código Civil, e ser considerado caducado o contrato de arrendamento.

Mas não é assim.

O que se provou foi que Actualmente, a autora utiliza apenas metade do local referido na alínea C) supra - a parte correspondente ao rés-do-chão do prédio com o nº 41 de polícia da Rua z.... - H.

 Certo é que a autora ficou impossibilitada de utilização do saguão do prédio referido na alínea C) supra que o utilizava como oficina de corte de vidro e, em consequência, deixou de se dedicar ao corte e venda de chapas de vidro.

Mas tal apenas demonstra que a autora, posto que parcial e/ou condicionadamente, -  o que, não obstante, ela própria aceita -, continua a poder e querer, exercer a sua atividade na parte do locado ainda ocupada. Tanto basta para que não se possa concluir pela perda total.

E como o segmento normativo em causa não contempla uma perda meramente parcial, como fundamento  da caducidade do contrato, é evidente que esta não pode, in casu,  ser descortinada e declarada.

Destarte, a questão não passa pela constatação da caducidade, mas, como curialmente decidido na sentença,  pela redução do quantum da renda devida, decisão esta que, inclusive,  nem sequer foi impugnada pelas recorrentes.

Improcede o recurso.

6.

Sumariando.

I- Exigindo a lei a forma documental, como requisito ad substantiam e conditio sine qua non da validade de um negócio jurídico, a prova do mesmo apenas pode ser efetivada por documento com igual ou superior força probatória – artº 364º nº1 do CC.

II- A contradição entre respostas dadas à matéria de facto apenas emerge se elas forem intrínseca e totalmente incompatíveis, de tal sorte que uma tenha, lógica e necessariamente, de excluir a outra.

 III – Inexiste abuso de direito  por parte do locatário, se o locador é condenado a pagar-lhe €4.606,45  por despesas por ele tidas em obras de conservação do locado, e este tem recebido a renda desde há cerca de 58 anos, nunca fez obras apesar de para tal instado, e a renda, por um  locado comercial de cerca de 80m2,  sito em Alcobaça, ascendia a cerca de 330 euros mensais.

IV- A caducidade do contrato de locação, ex vi do artº 1051º al. e) do CC, apenas emerge nos casos de perda total (que não  parcial) do locado, sendo que o critério distintivo não é meramente físico ou naturalístico, mas funcional ou teleológico atento o fim a que a coisa se destina; assim, a perda é total quando se tornar, de todo, impossível ao arrendatário o seu uso para o fim convencionado e parcial quando dela puder continuar a usufruir posto que em parte, ou limitadamente.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelas recorrentes.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Carlos Marinho