Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
183554/14.0YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: CARTÃO DE CRÉDITO
PAGAMENTO
INCUMPRIMENTO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 09/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU, VISEU, INSTÂNCIA LOCAL – SECÇÃO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 309.º E 310.º DO CÓDIGO CIVIL.
Sumário: 1. A emissão/utilização de cartões bancários, assenta numa relação triangular que tem como vértices um banco ou outra entidade autorizada (emitente) e o cliente (aderente) através do qual se atribui a este um direito de acesso ao sistema operativo especial de pagamentos, criado e gerido pela entidade emitente, constituindo o cartão um instrumento de pagamento que permite ao respectivo titular a respectiva utilização para a aquisição de bens e serviços, com pagamento diferido, junto de um terceiro.

2. O pagamento das quantias correspondentes à utilização do cartão bancário num determinado período, diferido no tempo, traduz o cumprimento de uma única obrigação pecuniária a que cabe aplicar o prazo ordinário de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A... , com sede em (...) , Londres, apresentou requerimento de injunção contra B... , residente na (...) , Viseu, pedindo o pagamento da quantia de € 5.804,95, sendo a quantia de € 4.102,60 a título de capital e a quantia de € 1.049,35 a título de juros, a quantia de € 500,00 a título de outras quantias e a quantia de € 153,00 a título de taxa de justiça.

Alega para tanto que por contrato de cessão de créditos celebrado em 21/02/2011 foi o crédito decorrente do incumprimento definitivo do cartão de crédito n º (...) , cedido pela sociedade C... à requerente. Acrescenta que a cedente e o requerido celebraram um contrato de adesão/utilização de cartão de crédito, no âmbito do qual foi emitido e atribuído a requerido o cartão de crédito n º (...) , no qual existia saldo a descoberto que em 11/07/2008 ascendia ao montante de € 4.102,60.

***

Regularmente citado o requerido apresentou oposição, tendo admitido a celebração do acordo com a sociedade cedente, invocando, contudo a prescrição, com o fundamento em o incumprimento definitivo ter ocorrido em 11/07/2008 e a acção ter sido intentada decorridos mais de cinco anos sobre esta data, sendo de aplicar o disposto no artigo 310.º, al. e) do Código Civil, pelo que se verifica a prescrição do direito a que se arroga a autora.

***

Em face da oposição da requerida foram os autos remetidos à distribuição, tendo a requerente sido notificada para querendo responder à invocada excepção, o que fez nos termos constantes de fls. 32 e seguintes, em que defende a inaplicabilidade do disposto no artigo 310.º, al. e), do CC, à questão sub judice, por não se tratar de quotas de amortização do capital pagáveis com juros, mas sim de uma única dívida que corresponde ao montante em dívida, aquando do incumprimento, pelo que tem aplicação a regra geral consagrada no artigo 309.º do CC, relativamente ao prazo em que se verifica a prescrição.

***

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com observância do formalismo legal.

Após o que foi proferida a sentença de fl.s 172 a 175, na qual se procedeu ao saneamento tabelar dos autos e se fixou a matéria de facto dada como provada e não provada, acompanhada da respectiva motivação e a final, se julgou procedente a invocada excepção de prescrição, absolvendo-se o réu do pedido, ficando as custas a cargo da autora.

Inconformada com a mesma, dela interpôs recurso a autora “ A... ”, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 191), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

a. A... intentou Ação Especial de Cumprimento de Obrigacões (doravante, Injuncão) contra o Recorrido B... , em 30-10-2014 para pagamento da quantia de € 5.804,95 (cinco mil, oitocentos e quatro euros e noventa e cinco centimos), da qual, €4.102,60 (quatro mil, cento e dois euros e sessenta centimos) relativos a capital, € 1.049,35 (mil, quarenta e nove euros e trinta e cinco centimos), referentes a juros de mora vencidos, € 500,00 (quinhentos euros) relativos a outras quantias e € 153,00 (cento e cinquenta e três euros) a titulo de taxa de justiça.

b. Esta ação teve por fundamento o incumprimento do contrato celebrado, em 22-11-1999, com o D... , cedido ao C... e posteriormente a ora Recorrente, no âmbito do qual foi atribuído o cartão de crédito n.o (...) ao Recorrido.

c. A 19 de Janeiro de 2016 foi proferida Sentença pelo Tribunal a quo a qual julgou procedente a excepção peremptória de prescrição, consequentemente absolveu o mesmo do pedido formulado pela aqui Recorrente, por considerar, aplicável o prazo prescrição previsto no artigo 310.o do Código de Processo Civil.

d. Ora, a Recorrente, não pode, de forma alguma, concordar com a Douta Sentença, muito menos com os fundamentos que a motivaram.

e. Isto porque, o Doutro Tribunal a quo considerou fatores preponderantes para a sua decisão que não podem, nem devem, merecer qualquer acolhimento.

f. Senão vejamos, começa o Tribunal a quo por considerar que uma vez que o requerido invocou a excepção de prescrição do direito invocado pela requerente, cumpre em primeiro lugar apreciar tal excepção, uma vez que a procedência da mesma determina a absolvição do requerido do pedido.

g. Uma vez que, se considerou como facto provado que o Recorrido celebrou acordo intitulado de utilização de cartão D... visa, que no âmbito do referido contrato foram disponibilizadas ao Recorrido as quantias nos termos constantes dos extractos detalhados juntos aos autos pelo C... , ficou ainda provado que em 11-07-2008 o Recorrido deixou de proceder a restituição das quantias nos moldes acordados, sendo que nessa data o montante em divida excedia o valor de € 4.102,60, mais ficou provado que o C... adquiriu o negocio de cartões de crédito do D... e que por cessão de créditos, valida e eficaz, o referido credito foi cedido pelo C... a aqui Recorrente.

h. Sucede que, considera o Douto Tribunal que o credito em causa se encontra prescrito.

i. Nunca se consegue retirar, inequivocamente, da Douta Sentença aqui recorrida, que a divida aqui em causa seja um dos casos previstos nas alíneas do artigo 310.o do Código Civil.

j. Pois, não estamos, aqui, perante “quotas de amortização do capital pagáveis com juros.” nem perante “quaisquer outras prestações periodicamente renováveis” e, nunca se retira da Douta Sentença aqui recorrida, o contrario.

k. O que esta aqui em causa e a resolução do contrato de adesão ao cartão de credito.

l. O contrato de emissão de cartão bancário e, tal como definido por Engrácia Antunes, “o contrato celebrado entre um banco ou outra entidade autorizada (emitente) e o cliente (aderente) através do qual se atribui a este um direito de acesso ao sistema operativo especial de pagamentos criado e gerido pela entidade emitente”. Dentre os cartões bancários, os cartões de crédito representam “instrumentos de pagamento que permitem ao seu titular a utilização de crédito outorgado pelo emitente, em especial para a aquisição de bens e serviços” (Direito dos Contratos Comerciais, pag. 552 e 553).

m. O incumprimento do supra referido contrato deu origem a uma divida com uma só data de vencimento, ou seja, o vencimento de todas as prestações impostas no contrato, somadas com a taxa de incumprimento convencionada.

n. Pelo que, reitere-se, em momento algum se diferenciam as obrigações

o. Veja-se o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 4/05/1993:

“ I – Prescrevem no prazo de cinco anos, nos termos do art. 310.º do Código Civil de 1966, as quotas de amortização do capital pagáveis com juros.

II- Essa prescrição é de curto prazo e não simples prescrição presuntiva.

III- Deixando o devedor de pagar algumas das quotas de amortização de capital mutuado, a prescrição não pode pôr-se em relação às quotas em divida como um todo, mas em relação a cada uma delas.”

p. Assim, a aplicação do artigo 310.o alínea e) do Código Civil, só se poderia considerar, se a presente acção recaísse em cada uma das prestações, individualmente, e não quanto aos valores em divida como um todo, como e o caso em apreço.

q. Veja-se a autora Ana Filipa Morais Antunes, em estudo publicado na obra “Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia” (volume III; pagina 47), Ac. do STJ de 27/03/2014, Proc. n.o 189/12.6TBHRT-A.L1.S1 (disponível em www.dgsi.pt). Segundo a autora, constituem ”(…) indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra”.

r. As quotas de amortização têm um caracter sucessivo, são antecipadamente determinadas, com mesmo valor, como forma fraccionada de cumprimento de uma única obrigação, aplicando-se tendencialmente a obrigações com vista à aquisição de habitação, ou de outros bens, no âmbito do qual se fixam prestações periódicas, tendencialmente iguais, e sucessivas para pagamento de uma quantia previamente mutuada, acrescida dos juros remuneratórios.

s. Muito menos se refira que o referido crédito está prescrito por se considerar que se enquadra na alínea g) do artigo 310.o do Código Civil.

t. A alínea residual (g) reporta-se a ≪quaisquer outras prestações periodicamente renováveis≫. Ainda que se considera que esta alínea deva ser interpretada, em sentido lato, e que assim englobe na sua previsão, também, as obrigações unitárias mas satisfeitas em prestações fraccionadas ao longo do tempo.

u. Considera a Recorrente que não se aplica o prazo prescricional previsto no artigo 310.o do Código Civil, pois não estamos perante “quotas de amortização do capital pagáveis com juros” nem tao pouco estamos perante “quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”.

v. Senão vejamos, os valores em divida, identificados nos extractos enviados ao aqui Recorrido, não são prestações sucessivas, não se vence uma apos o pagamento de outra, há uma única data de vencimento para obrigação aqui em causa, que varia consoante o uso que foi feito dessa linha de crédito, e que respeita a quantias variáveis, consoante o valor global dos pagamentos e operações realizadas pelo devedor.

w. O valor em divida a data do incumprimento do referido contrato, identificado no extracto final enviado ao aqui Recorrido, e resultado da utilização do cartão de crédito e do incumprimento dos pagamentos devidos pelo mesmo.

x. Pagamentos, esses, reitera-se, resultantes do incumprimento de uma única obrigação, e não de prestações que se vão vencendo uma mediante o pagamento de outra. Ou seja, o valor em divida a data do incumprimento é resultante do incumprimento reiterado dos pagamentos devidos pelo Recorrido, em cada data específica, correspondentes as movimentações do cartão de crédito efectuadas pelo mesmo, não sendo uma prestação, mas o total em divida devido ao incumprimento e a utilização do cartão efectuada pelo aqui Recorrido.

y. Sucede que, nos contratos de utilização de cartão de crédito, os pagamentos estão subordinados ao uso que e feito da quantia disponibilizada na linha de crédito, o que não e antecipadamente fixado ou pré-determinado entre as partes.

z. O crédito que a aqui Recorrente vem exigir não e o relativo a qualquer quota de amortização ou a quaisquer outras prestações periodicamente renováveis, mas já ao capital global da divida. Ou seja, o credito peticionado nos autos não respeita individualmente as quotas de amortização convencionadas mas a todo o capital em divida, decorrente do vencimento das prestações por forca do disposto no art. 781.o do Código Civil.

aa. Deste modo, carece dizer que não estaremos perante um caso de lex specialis derogat generali aplicando-se quanto ao contrato em apreço, o prazo ordinário de prescrição presente no art. 309.º Código Civil, ou seja os 20 anos.

bb. Entende, assim, a aqui Recorrente que tal regime não é aplicável ao contrato de utilização de cartão de credito celebrado pelo Recorrido e objecto dos presentes autos. Do exposto, resulta que não poderia ter sido a orientação da douta sentença recorrida, senão a de julgar procedente a pretensão da ora Recorrente na condenação do Recorrido.

Termina, pedindo a procedência do recurso com a consequente condenação do réu no pedido.

Contra-alegando, o réu, pugna pela manutenção da decisão recorrida, aderindo aos fundamentos nesta invocados.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se se verifica a prescrição do direito a que se arroga a autora.

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida.

1 – Entre o requerido e D... foi em 22/11/1999 celebrado acordo intitulado de utilização de cartão D... visa, cuja cópia consta de fls. 94/95 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, ao qual foi atribuído o n º (...) .

2 – Na sequência do acordo aludido em 1) o D... foi disponibilizando em conta corrente quantias nos termos constantes dos extractos de fls. 100 a 120 dos autos, sendo que, o requerido deixou de proceder à restituição das quantias nos moldes acordados em 11/07/2008, sendo que nessa data o montante em divida pelo requerido ao D... ascendia ao montante de € 4.102,60 (fls. 120).

3 – Em 1 de dezembro de 2009 o C... adquiriu o negócio de cartões de crédito D... passando a ser o detentor do crédito aludido em 2), conforme documento de fls. 124 verso a 168 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4 – Por contrato de cessão de créditos, assinado no dia 21 de fevereiro de 2011 a sociedade C... cedeu à requerente o crédito aludido em 2), conforme documento de fls. 39 a 78 dos autos cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5 – Os presentes autos tiveram início em 30/10/2014.

 

Se se verifica a prescrição do direito a que se arroga a autora.

Como resulta do relatório que antecede, importa decidir qual a natureza do direito que a autora aqui pretende fazer valer e o correspondente prazo para o respectivo exercício, o que equivale a questionar quando terá ocorrido a prescrição.

Como se constata da petição inicial, a autora funda o seu direito no facto de entre o requerido e o D... (a quem adquiriu os direitos daí resultantes) ter sido celebrado um acordo para a utilização de cartão “ D... Visa”, em consequência do que o aludido banco foi disponibilizando em conta corrente, várias quantias ao requerido, sendo que este não procedeu ao pagamento/devolução da quantia de 4.102,60 €, que era a quantia que se encontrava em dívida, em 11/07/2008, quando foi cancelado o referido cartão de crédito.

Na sentença recorrida decidiu-se que é aplicável à situação sub judice o disposto no artigo 310.º, al.s d), e) e g), do Código Civil, embora sem se justificar tal enquadramento, designadamente, qual a natureza das prestações em dívida; isto é, se se trata das referidas quotas e/ou prestações periodicamente renováveis.

 Contra o que se insurge a recorrente, argumentando que as prestações em dívida não se integram no preceito ora referido.

Ao invés, defende que se trata de uma única prestação, correspondente à quantia em dívida à data do incumprimento, aplicando-se, por isso, a regra geral, prevista no artigo 309.º do CC.

A emissão/utilização de cartões bancários, assenta numa relação triangular que tem como vértices um banco ou outra entidade autorizada (emitente) e o cliente (aderente) através do qual se atribui a este um direito de acesso ao sistema operativo especial de pagamentos, criado e gerido pela entidade emitente, constituindo o cartão um instrumento de pagamento que permite ao respectivo titular a respectiva utilização para a aquisição de bens e serviços, com pagamento diferido, junto de um terceiro – neste sentido, por todos, veja-se, Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, pág.s 552 e 553.

Como refere Maria Raquel Guimarães, in As Transferências Electrónicas De Fundos E Os Cartões De Débito, Almedina, 1999, a pág.s 78 e 79, a utilização de um cartão (de débito) não desencadeia qualquer movimento electrónico na conta bancária associada, vindo a surgir a operação de débito correspondente ao seu uso a surgir posteriormente, em consequência de um novo comportamento declarativo (por regra, autorização prévia – expressa – de débito) que permite a transferência de fundos da conta do titular do cartão, a fim de satisfazer a dívida criada com a utilização do cartão como forma de aceder a bens ou serviços já previamente adquiridos/fruídos.

Ou seja, permite-se ao titular do cartão o acesso a um conjunto indeterminado de bens e serviços, a que a rede/serviço, permita aceder, com a obrigação de aquele, no período de tempo convencionado, de forma integral ou fraccionada, ter fundos na sua conta bancária, na data relevante, que permitam o reembolso das quantias correspondentes ao uso que deu ao cartão e que, como é óbvio, são variáveis, consoante o uso dado ao cartão.

Do que importa concluir que não estamos perante prestações periodicamente renováveis nem quotas de amortização do capital, uma vez que, reitera-se, a quantia em dívida, na data convencionada, para ser efectuado o pagamento, depende da forma de pagamento acordada (integral ou fraccionada) e do quantitativo (variável) em dívida, dependente do grau de utilização dado ao cartão, em cada um dos períodos em causa.

No caso em apreço, cf. Cláusula 4.1 do Acordo de Utilização do Cartão D... Visa”, convencionou-se que o banco enviaria mensalmente ao titular o extracto de contra corrente, de que constariam os montantes das operações efectuadas até á data considerada, incumbindo ao titular do cartão, assegurar o respectivo pagamento.

Se na data acordada a dívida a considerar não for paga, verifica-se o incumprimento do acordado, vencendo-se a dívida, que corresponde ao quantitativo global, por cada período a considerar e não por referência a cada uma das parcelas.

Ora, de acordo com o disposto no artigo 310.º do Código Civil:

“Prescrevem no prazo de cinco anos:

d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos;

e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;

g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.”.

Como refere Ana Filipa Morais Antunes, in Prescrição E Caducidade, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, a pág. 124, este artigo consagra casos de prescrição extintiva com prazos (curtos) especiais, por estarem, como regra, “em causa direitos que têm, por objecto, prestações periódicas. Este prazo vale para cada uma das prestações que se vai vencendo e não para a obrigação no seu todo”.

Especificamente, acerca da alínea e), refere que (pág.s 126 e 127) a mesma “é aplicável sempre que se tenha estipulado o pagamento do capital em prestações, com os juros. (…) A previsão normativa é aplicável às prestações de capital repartidas no tempo, a que se somam juros – a pagar conjuntamente –, e que representam quotas correspondentes à amortização do capital e ao rendimento do capital disponibilizado.

(…)

Só estão contempladas as quotas de amortização que devam ser pagas como adjunção aos juros. A previsão normativa abrange, pois, as hipóteses de obrigações pecuniárias, com natureza de prestações periódicas, pagáveis em prestações sucessivas e que correspondam a duas fracções distintas: uma, de capital e, outra, de juros, em proporções variáveis, a pagar conjuntamente”.

E conclui:

“Na situação prevista na alínea e), não está em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizado num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido”.

Acrescentando que “As quotas de amortização representam, assim, pagamentos parciais do capital devido”, em que o prazo prescricional de cinco anos se inicia para cada uma das quotas que se vencer e não para a obrigação no seu todo.

Impondo-se, ainda, que se atenda às circunstâncias do caso concreto, designadamente averiguar se o reembolso da dívida foi objecto de um plano de amortização, que compreenda uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que traduzam a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos.

A alínea g), engloba as prestações periodicamente renováveis, tais como pensões de reforma, prémios de seguros e créditos por fornecimento de energia, gás, água ou serviço telefónico.

Ora, face ao que acima se deixou dito acerca da natureza do contrato em causa, é mister concluir que não se trata de prestações periódicas nem de quotas de amortização do capital.

Efectivamente, não se trata de prestações periódicas, correspondentes a pagamentos parciais do capital devido, mas sim a uma única dívida que corresponde ao total do que se encontrava vencido, na data do incumprimento contratual.

Como já referido, apesar de diferido no tempo o pagamento das quantias correspondentes à utilização do cartão bancário, num determinado período, o que se trata é de liquidar a quantia em dívida nesse momento e não efectuar os diversos pagamentos parciais, equivalentes a cada uma das utilizações do cartão.

Em suma, trata-se de uma única obrigação pecuniária e, por consequência, não tem aplicabilidade à situação em apreço o disposto no artigo 310.º do Código mas sim a regra geral, prevista no seu artigo 309.º, que fixa o prazo ordinário de prescrição (aplicável por inexistência de prazo especial) de 20 anos, pelo que, não se verifica a invocada excepção de prescrição (neste sentido o Acórdão da Relação do Porto, de 26 de Janeiro de 2016, Processo 159085/14.8YIPRT, disponível no respectivo sítio do itij).

Quanto aos juros moratórios peticionados, nos termos do disposto no artigo 310.º, alínea d), do Código Civil, encontram-se prescritos os juros devidos há mais de cinco anos.

Assim, na improcedência da invocada prescrição, com excepção do ora referido quanto aos juros de mora, procede a acção, centrando-se a defesa do requerido apenas e tão só na prescrição analisada.

Assim, face ao exposto, procede, parcialmente, o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga, parcialmente, a decisão recorrida, condenando-se o requerido no pedido, com excepção da quantia relativa a juros de mora, encontrando-se prescritos os juros devidos há mais de cinco anos.

Custas pela apelante e pelo apelado, em ambas as instâncias, na proporção dos respectivos decaimentos, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que foi concedido ao recorrido.

Coimbra, 20 de Setembro de 2016.

Relator: Arlindo Oliveira
Adjuntos:
1º - Emidio Francisco Santos
2º - Catarina Gonçalves