Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
801/14.2TBPBL-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: EMÍDIO SANTOS
Descritores: INSOLVÊNCIA
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CONTRATO PROMESSA
PERMUTA
NÃO CUMPRIMENTO
DIREITO DE RETENÇÃO
TRADIÇÃO
Data do Acordão: 12/03/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JUÍZO COMÉRCIO - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 405, 442, 755 Nº1 F), 759 Nº2, 798, 1251, 1253 CC
Sumário: I - O direito de retenção previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil aproveita ao beneficiário da promessa de permuta, visto que o direito de retenção em causa aproveita ao beneficiário de uma promessa relativa a negócio jurídico que tenha por efeito a transmissão ou a constituição de um direito real e um dos efeitos essenciais do contrato de permuta é a transmissão da propriedade das coisas dadas em troca.

II – Não é condição de reconhecimento do direito de retenção previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil que a promessa de transmissão ou constituição de direito real tenha sido sinalizada.

III - Para efeitos da citada norma, dá-se a tradição da coisa quando o poder de facto sobre ela deixa de ser exercido pelo que promete transmitir a coisa para passar a ser exercido pelo beneficiário da promessa, independentemente do “animus” com que é exercido.

Decisão Texto Integral:





Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

No processo de insolvência de J (…)S.A., foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos que decidiu - com interesse para o presente recurso de apelação – o seguinte:
1. Julgar parcialmente procedente a impugnação da lista de credores reconhecidos deduzida por A (…) e P (…), e reconhecer a favor deles, sob condição suspensiva (recusa de cumprimento do contrato promessa pelo Sr. Administrador de Insolvência), um crédito global no valor de € 350.000,00, sendo que, desse valor, o crédito de € 175.000,00 era de classificar como garantido por beneficiar de direito de retenção sobre a fracção I do piso 3, do prédio urbano composto por quatro andares, logradouro e garagem, no lote 1, sito (…)freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha nº 2567/Freguesia de (...) e inscrito actualmente na matriz predial urbana da Freguesia de (...) e X (...) sob o nº 4094 e um crédito de €175.000,00, classificado como comum;
2. Julgar procedente a impugnação da lista de credores reconhecidos deduzida por J (…) e reconhecer a favor dele, sob condição suspensiva (recusa de cumprimento do contrato promessa pelo Sr. Administrador de Insolvência), um crédito no valor de € 45.090,52, classificado como garantido, por beneficiar de direito de retenção sobre a fracção correspondente ao apartamento do tipo T3, situado no (…)designado pela letra L, com uma garagem na cave, designada pela garagem L, com 63,65m2, do prédio sito na (…), freguesia de (...) , inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4094, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 2567, da referida freguesia.
3. Graduar pelo produto da venda do prédio referido em 1) os seguintes créditos:
a) Crédito reclamado pela autoridade tributária e aduaneira no montante de € 1 536,03 relativamente ao IMI, que beneficia de privilégio imobiliário especial;
b) Crédito de A (…) e P (…) , sob condição suspensiva (recusa de cumprimento do contrato-promessa do administrador) no valor de € 175 000,00, que beneficia do direito de retenção;
c) Crédito reclamado pelo N (…) S.A. que beneficia de duas hipotecas;
d) Crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social até ao montante máximo de € 4 930,84, que goza de privilégio imobiliário geral;
e) Crédito reclamado pelo Ministério Público, em representação da autoridade Tributária no montante de € 7 478,1, que goza de privilégio imobiliário geral;
f) Os restantes créditos reconhecidos, que têm a natureza comum a pagar rateadamente, se necessário;
g) Os créditos subordinados.
4. Graduar pelo produto da venda do prédio referido em 2) os seguintes créditos:
a) Crédito reclamado pela autoridade tributária e aduaneira no montante de € 1 536,03 relativamente ao IMI, que beneficia de privilégio imobiliário especial;
b) Crédito de J (…), reconhecido sob condição suspensiva (recusa de cumprimento do contrato-promessa do administrador) no valor de € € 45 090,52, que beneficia do direito de retenção;
h) Crédito reclamado pelo N (…) S.A. que beneficia de duas hipotecas;
i) Crédito reclamado pelo Instituto de Segurança Social até ao montante máximo de € 4 930,84, que goza de privilégio imobiliário geral;
j) Crédito reclamado pelo Ministério Público, em representação da autoridade Tributária no montante de € 7 478,1, que goza de privilégio imobiliário geral;
k) Os restantes créditos reconhecidos, que têm a natureza comum a pagar rateadamente, se necessário;
l) Os créditos subordinados.

N (…) S.A. interpôs contra tais segmentos da sentença o presente recurso de apelação, pedindo a revogação e a substituição deles por decisão que graduasse os créditos hipotecários dele, recorrente, com primazia sobre os créditos de A (…), P (…) e J (…)  sobre as fracções acima identificados.

 Os fundamentos do recurso desenvolvidos à frente consistiram em resumo:
1. Na impugnação da decisão de julgar provados os factos discriminados na fundamentação sob os números 12, 13, 15 e 51;
2. Na alegação de que a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 754.º, 755.º, 759.º, todos do Código Civil, e ainda o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.

J (…), P (…) e A (…) responderam ao recurso, sustentando a manutenção da decisão de facto e da decisão de direito.


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Síntese das questões suscitadas pelo recurso:
1. Saber se, ao julgar provada a matéria dos pontos n.ºs 12, 13, 15 e 51 da fundamentos de facto da decisão, a sentença errou na apreciação da prova e se a decisão relativa a tais pontos da matéria de facto deve ser alterada no sentido de serem julgados não provados;
2. Saber se, ao reconhecer aos créditos de que eram titulares J (…), P (…) e A (…) direito de retenção sobre as fracções acima indicadas, a sentença sob recurso incorreu em erro.

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Impugnação da decisão relativa à matéria de facto

Considerando que a resolução das questões de facto tem precedência lógica sobre a resolução das questões de direito, importa conhecer, em primeiro lugar, da impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

Comecemos pela impugnação da decisão relativa à matéria de facto relacionada com o direito de retenção reconhecido a favor de P (…) e A (…).

Estão em causa as decisões de julgar provados os seguintes factos:
1. No entanto, tais factos não correspondem integralmente à verdade, pois parte da quantia que se deu quitação, no montante de € 350.000,00, seria liquidada, não em moeda, mas mediante o valor de permuta das fracções descritas [12.º];
2. Ao celebrarem este contrato, as partes, bem sabendo que as suas declarações não correspondiam à vontade real e mediante acordo prévio, tiveram a intenção de criar a aparência de realização de uma compra e venda, com o intuito de antecipar o cumprimento da promessa por parte de M (…) e I (…) e possibilitar a assunção dos encargos respeitantes à eminente emissão de alvará de loteamento por parte da insolvente, bem como a posterior condução do projecto, uma vez que estes encargos não foram contratualmente acordados como sendo da responsabilidade dos restantes outorgantes do contrato promessa [13];
3. P (…) após a entrega das chaves da fracção “I” pela insolvente, passou a habitar a fracção já no ano de 2009, ininterruptamente até à presente data, local onde tem os seus pertences, aí pernoitando e tomando as refeições, passando os seus momentos de lazer, onde recebe a sua correspondência, tendo em seu nome os contratos de fornecimento de electricidade, água, gás e telecomunicações, constituindo aí a sua residência permanente.

O recorrente pede se julguem não provados estes factos.

Para bem se perceberem o sentido e os fundamentos da impugnação, importa ter em conta a matéria julgada provada sob o ponto n.º 11 combinada com o teor da escritura pública, cuja fotocópia está junta de fls. 212 a 214.

Sob o n.º 11 o tribunal a quo julgou provado que, “em 11 de Abril de 2007, M (…) e I (…) representados pelo procurador com poderes especiais, celebraram um contrato designado de compra e venda, no qual declararam vender e comprar o descrito prédio misto pelo valor total de € 474 700,00”.

Dado que esta matéria não reflecte com rigor as declarações de vontade constantes da escritura pública celebrada em 11 de Abril de 2007, cuja fotocópia está junta de fls. 212 a 214, o que deve ser julgado provado com base em tal documento é o seguinte:

J (…), outorgando na qualidade de procurador com poderes para o acto, em representação de M (…) e I (…) declarou vender pelo preço de quatrocentos e setenta e quatro mil e setecentos euros à sociedade J (…), S.A., livre de quaisquer ónus ou encargos, o prédio misto, composto por casa de habitação de rés-do chão, com dependências, logradouros e terra de cultura com árvores de fruto, oliveiras, vinha e pinhal, localizado em Z (...) , freguesia de W (...) , concelho da U (...) , inscrito sob o artigo 130 urbano e sob o artigo 182 rústico e descrito na Conservatória do Registo Predial da U (...) sob a ficha n.º 2969/freguesia de W (...) ”.

Sobre o pagamento do preço, o procurador dos vendedores declarou na escritura: “que do indicado preço foi já liquidada neste acto a quantia de trezentos e noventa e nove mil e setecentos euros, que dá como integralmente recebida e de que presta quitação, sendo os restantes setenta e cinco mil euros liquidados mediante a entrega que lhe é feita, neste acto do cheque n.º 3001110382 sobre o Banco (…) S.A. nesse valor, datado de 10.09.2007”.

Sob o n.º 12, o tribunal a quo julgou provado que não correspondia integralmente à verdade que, no citado acto, tivesse sido liquidada a quantia de trezentos e noventa e nove mil e setecentos euros, pois parte dela, no montante de € 350 000,00 seria liquidada, não em dinheiro, mas mediante o valor da permuta da fracção F do piso 2 e da fracção I do piso 3 do prédio urbano composto por quatro andares, logradouro e garagem no lote 1, sito em Y (...) , Quinta (...) , K (...) , freguesia de (...) , (...) .

Esta prova, segundo a fundamentação da decisão de facto, resultava do contrato-promessa de fls. 192 verso e seguintes.

Por sua vez sob o n.º 13 julgou provado que, ao fazerem as declarações que constavam da escritura, as partes sabiam que essas declarações não correspondiam à sua vontade real e que mediante acordo prévio tiveram a intenção de criar a aparência de realização de um contrato de compra e venda, com o intuito de antecipar o cumprimento da promessa por parte de M (…) e I (…) e possibilitar a assunção dos encargos respeitantes à iminente emissão de alvará de loteamento por parte do insolvente bem como a posterior condução do projecto, uma vez que estes encargos não foram contratualmente acordados como sendo da responsabilidade dos restantes outorgantes do contrato-promessa.

Segundo o tribunal a quo, esta matéria resultava de toda a prova produzida conjugada com as regras da experiência que nos dizem que é prática relativamente corrente quando as partes outorgantes do contrato-promessa não estão ainda em condições de celebrar o contrato prometido.

O recorrente pede a alteração da decisão de facto com a seguinte alegação:
1. Que a escritura pública pertence à categoria dos documentos autênticos (n.º 2 do artigo 363.º do Código Civil);
2. Que a força probatória dos documentos autênticos – definida no n.º 1 do artigo 371.º do Código Civil – só pode ser ilidida com base na respectiva falsidade (n.º 1 do artigo 372.º do Código Civil);
3. Que sendo assim subsiste apenas a declaração de recebimento do preço por parte dos avós dos requeridos, declaração inserida na aludida escritura, que configura uma verdadeira declaração confessória à luz do artigo 352.º do Código Civil;
4. Que no caso estamos perante uma declaração confessória exarada em documento autêntico e, à luz do citado n.º 2 do artigo 358.º do Código Civil, tem força probatória plena e, neste caso, de harmonia com o n.º 2 do artigo 393.º do Código Civil não é admitida prova por testemunhas quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.    

Como se vê, apesar de o recorrente impugnar a decisão proferida sob os pontos n.ºs 12 e 13, o que ele, na realidade, contesta é a decisão de julgar provado que não correspondia integralmente à verdade que, na escritura, tivesse sido liquidada a quantia de trezentos e noventa e nove mil e setecentos euros, pois parte dela, no montante de € 350 000,00, seria liquidada, não em dinheiro, mas mediante o valor da permuta das fracções acima referidas.

Apreciação do tribunal

Assiste razão ao recorrente quando afirma que a declaração feita pelo procurador dos vendedores, na escritura - de que, do indicado preço [quatrocentos e setenta e quatro mil e setecentos euros], já havia sido liquidada a quantia de trezentos e noventa e nove mil e setenta euros, que dava como integralmente recebida e de que prestava quitação - constitui uma declaração de natureza confessória. Com efeito, vista a noção de confissão constante do artigo 352.º do Código Civil, tal declaração importou o reconhecimento da realidade de um facto que era desfavorável aos vendedores – a liquidação de parte do preço – e que favorecia a parte contrária, constituída, no caso, pela compradora, a sociedade ora insolvente, J (…) S.A.

Como lhe assiste razão quando afirma que a declaração confessória consta de um documento autêntico [no caso escritura pública] e que, nos termos do n.º 2 do artigo 358.º do Código Civil, a confissão extrajudicial, em documento autêntico, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena.

Daqui não se segue, no entanto, que a confissão fosse eficaz.

É que, segundo o n.º 1 do artigo 353.º do Código Civil, a confissão só é eficaz quando feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se referia e, no caso, a confissão foi feita pelo procurador dos vendedores, e não está provado que o mesmo tinha poderes para receber o preço, no acto da escritura, ou para declarar que o havia recebido. Ora, como escreve José Lebre de Freitas, “… o procurador com poderes para a venda de determinado bem poderá, se a procuração lhe conceder a faculdade de receber o preço, emitir recibo de quitação ou declarar em escritura pública que o preço foi pago … [A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, página 75].

Porém, ainda que a confissão fosse eficaz, não estava vedado ao tribunal a quo julgar provado que não era verdadeiro o facto confessado [liquidação no acto da escritura pública da quantia de trezentos e noventa e nove mil e setecentos euros]. Com efeito, resulta do artigo 347.º do Código Civil que a prova legal plena pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto, sem prejuízo de outras restrições especialmente determinadas na lei.

E se é verdade que, em matéria de restrições ao modo de contrariar a prova legal plena, o n.º 2 do artigo 393.º do Código Civil estabelece que não é admitida prova por testemunhas quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena, também é verdade que o tribunal a quo não recorreu à prova testemunhal para contrariar o facto confessado. Como se escreveu acima, entendeu que o facto confessado não correspondia inteiramente à verdade com base no documento junto a fls. 192 v.º e seguintes.

Assim sendo, o que seria pertinente alegar contra a decisão do tribunal a quo era que o mencionado documento não era idóneo ou apropriou para contrariar o facto confessado na escritura, alegação que o recorrente não fez.

No entender deste tribunal tal meio de prova [documento junto a fls. 192 e seguintes] era insuficiente para demonstrar que não era verdadeiro o facto confessado. E era insuficiente porque as declarações constantes dele, relativas à permuta do prédio que foi objecto da escritura de compra e venda pelas fracções F) e I), são anteriores às declarações constantes da escritura, isto é foram feitas numa altura em que não haviam sido feitas as declarações constantes da escritura.      

Porém, se conjugarmos tal documento com o junto a fls. 215v.º, intitulado “acta”, já podemos concluir com segurança que o facto confessado não correspondia integralmente à verdade. Com efeito, esse documento, com data de 20 de Outubro de 2009, que se mostra subscrito por representantes da ora insolvente (F (…) e P (…)), pelo procurador dos vendedores (J (…)) e pelo recorrido P (…), sob a epígrafe “referências”, indica o contrato-promessa de permuta feito em Pombal aos 10 dias de Janeiro do mês de Abril de 2007, e a escritura pública de compra e venda feita no dia 11 de Abril de 2017, e contém a declaração de que foi definido que as escrituras das fracções F e I do prédio urbano em causa nos autos seriam efectuadas assim que fosse emitida pela Câmara Municipal da U (...) o ofício para requerer a licença de construção de 23 lotes, sito no loteamento do prédio misto com a área total de 8051 m2, Casal da Areia, freguesia de W (...) , inscrito na matriz sob artigo 130 urbano e 182 rústico, descrito na Conservatória da U (...) sob o n.º 2969.

Ora, se, na realidade, o preço da venda deste prédio misto tivesse sido liquidado na data da respectiva escritura de compra e venda – como foi declarado pelo procurador - já não haveria necessidade de celebrar a escritura em relação às fracções F e I. E não haveria necessidade porque o “pagamento” (parcial) do prédio misto era para ser feito através da entrega das fracções. Como é bom de ver, se a insolvente tivesse pago em dinheiro a compra do prédio misto não iria transmitir a propriedade das fracções aos ora recorridos.

Ora, se cerca de 2 anos e 6 meses após a escritura de compra e venda, a ora insolvente e o procurador dos vendedores, bem como o recorrido P (…) definiram as condições da escritura da venda das fracções F e I é porque não era verdade que o preço da venda do prédio misto tivesse sido liquidado no acto da escritura.

Mantém-se, em consequência, a decisão proferida sob o ponto n.º 12.

Quanto à impugnação do ponto n.º 13, ela é de julgar procedente.

Com efeito, reapreciada a prova produzida pelos recorridos, não encontramos nela qualquer facto que aponte no sentido de que as restantes declarações constantes da escritura de compra e venda do representante da ora insolvente (F (…)) e do procurador dos vendedores (J (…)) não correspondesse à sua vontade real.

Em consequência, julga-se não provada a matéria do ponto n.º 13.

Quanto à matéria do ponto n.º 15, o tribunal a quo julgou-a provado com base nos documentos de fls. 215, nas facturas da luz e da água de fls. 217 e seguintes, conjugados com a prova testemunhal produzida em audiência: J(…) (pai dos impugnantes), R (…) (amigo do impugnante P (…) há cerca de 20 anos), L (…) (projectista do loteamento e arquitectura da moradia), A (…)(colega do impugnante no secundário) e declarações de parte do impugnante. 

O recorrente contrapõe que, da prova produzida não se retiravam os factos dados como provados, sendo evidente a parcialidade das testemunhas arroladas. Para o efeito:
1. Transcreveu passagens dos depoimentos da testemunha R (…) (que prestou depoimento na sessão da audiência de 3 de Outubro de 2017);
2. Alegou que o facto de os documentos comprovativos dos consumos de água, luz e gás estarem em seu nome, nada impedia que se tenha ausentado ou mesmo cedido o imóvel a terceiros. 

Apreciação do tribunal:

A impugnação é de julgar improcedente.

Em primeiro lugar, a ilação que este tribunal extraiu do depoimento de R (…) é contrária àquela que foi extraída pelo recorrente. Com efeito, a testemunha – que disse ser amigo de P (…) há cerca de 20 anos – afirmou, sem qualquer hesitação, que o recorrido vivia (...) na K (...) , que tinha ido várias vezes a casa dele e que já lá tinha dormido. Apesar de não ter a certeza sobre o ano em que o recorrido P (…) passou a viver na casa, apontou – sem certeza - para o ano de 2009.

Apesar da relação de amizade da testemunha com o recorrido P (…), este tribunal não encontrou razões para duvidar da veracidade do que disse a testemunha. Observe-se que se é verdade que uma testemunha que seja amiga de uma parte da causa tenderá a apresentar em tribunal uma versão que favoreça esta última, também é provável que essa testemunha tenha conhecimento de factos relativos à vida pessoal do amigo, designadamente do local onde ela reside. 

Em segundo lugar, a restante prova produzida apontou claramente no sentido de que P (…) vive na fracção em causa desde 2009. Referimo-nos concretamente:
1. Ao documento de fls. 215 v.º [que se refere a uma reunião realizada no dia 20 de Outubro de 2009 no lote 1, n.º 91, na Avenida da K (...) , (...) ] que está assinado por representantes da ora insolvente e pelo recorrido P (…), onde figura como “deliberação” que ficou definido que a ora insolvente disponibilizaria de imediato a fracção I do piso 3 do prédio em causa;
2. Ao documento de fls. 216 com data de 21 de Outubro de 2009 [isto é, um dia depois da reunião a que se refere o documento anterior], de onde resulta que foram enviados ao ora recorrido P (…) vários dados para pedir a ligação, à referida fracção, dos serviços de electricidade, água, gás televisão; 
3. Ao depoimento de L (…), que narrou que a fracção em causa foi entregue a P (…). O seu conhecimento deste facto advinha do seguinte. A pedido de R (…) e da irmã, A (…), fez alterações na disposição interior do apartamento com o consentimento do sócio gerente da construtora;
4. Ao depoimento de A (…) (amigo de P (…)): referiu que o recorrido R (…) mudou para o apartamento em questão no final de 2009 e que, desde então, tem aí vivido e que ele frequenta o apartamento e que já lá dormiu várias vezes;
5. Ao depoimento de J (…) pai de P (…): contou que as chaves da fracção foram-lhe entregues a ele e ao filho em Outubro de 2009; que a divisão interior do apartamento foi alterada por iniciativa do filho com o consentimento da construtora;
6. Ao depoimento de P (…): apesar de interessado na causa, prestou um depoimento convincente sobre a matéria;
7. Às facturas relativas ao consumo de electricidade, água e gás natural constantes de fls. 216 v.º a 223, emitidas em do recorrido.

De toda esta prova resulta uma pluralidade de factos que aponta claramente no sentido do que foi julgado provado pelo tribunal a quo. Em consequência, mantém-se a decisão proferida sob o ponto n.º 15.  

Apreciemos, de seguida, a impugnação da decisão proferida sob o ponto n.º 51, com relevância para o recurso interposto contra o segmento da decisão que entendeu que o crédito reconhecido a J (…) beneficiava de direito de retenção sobre a fracção L do prédio em regime de propriedade horizontal sito em Avenida K (...) , n.º 91, (...) (...) (verba n.º 58.º da descrição dos bens apreendidos para a massa insolvente).

Sob o número acima referido, o tribunal a quo julgou provado que, “em Setembro de 2009, o impugnante recebeu as chaves do apartamento e a partir dessa data passou a habitá-lo, tendo para o efeito contratado os serviços de água, luz e gás”.

O tribunal a quo julgou provada esta matéria com base nos documentos de fls. 482 e seguintes, conjugados com os depoimentos de T (…) e J (…).

O recorrente pede se julgue não provada a referida matéria com a alegação de que, da prova testemunhal indicada pela sentença, resultavam evidentes dúvidas sobre se J (…)tem vindo a habitar a fracção em causa. Vê essas dúvidas em passagens dos depoimentos prestados por T (…)[sessão de 12 de Outubro], e J (…) [sessão de 12 de Outubro].

Apreciação do tribunal:

Reapreciada a prova, as ilações que este tribunal retira da prova produzida são coincidentes com as do tribunal a quo.

A testemunha T (…), que vive no apartamento ao lado daquele que está em questão no presente recurso, narrou vários factos que fazem presumir com forte probabilidade que J (…)vive na fracção em questão. Com efeito referiu que o vê a entrar na fracção, que o vê a entrar com compras, que vê o carro dele e da mulher a entrar e a sair, que se encontrou com ele em reuniões que, apesar de serem dos condóminos, contaram também com a presença dos moradores. Referiu que o recorrido fez reparações no apartamento, à semelhança do que sucedeu com ela.

Quanto à data em que o recorrido passou a viver na fracção, embora não soubesse a data precisa, a testemunha indicou o seguinte facto que depõe a favor da veracidade do que alegou o recorrido: a testemunha entrou para o seu apartamento em Setembro de 2010 e nessa altura apercebeu-se que J (…)e a sua família, constituída pela mulher e por uma filha menor, já viviam na fracção.

A circunstância – referida pelo recorrente - de, quando instada a dizer se o recorrido J (…) ia a casa todos os dias e se o tinha visto alguma vez na caixa do correio, ter respondido que não o via todos os dias e que não se lembrava de alguma vez o ter visto na caixa de correio, não lança quaisquer dúvidas sobre a veracidade do que disse a testemunha sobre a residência do recorrido na fracção em causa. Com efeito, é normal, à luz das regras da experiência comum, que um vizinho não veja o outro todos os dias, como é normal que um vizinho não se lembre se alguma vez viu o vizinho a mexer na caixa do correio.

O depoimento de J (…) - que vive numa fracção que, embora não faça parte do mesmo lote de que faz parte a fracção do recorrido, fica ao lado desta última – também apontou no sentido de que o recorrido vive na fracção em causa. Com efeito, a testemunha referiu que se cruza, no local, com o recorrido de manhã e à noite, que vê-o na varanda a fumar, que vê o carro dele estacionado junto à fracção e que já frequentou a fracção do recorrido.  

A favor da credibilidade dos depoimentos das testemunhas depõe ainda a circunstância de os depoimentos serem concordantes com os factos que se retiram dos seguintes documentos:
1. Os documentos juntos de fls. 482 e 483: o primeiro diz respeito ao contrato de fornecimento de energia eléctrica entre a EDP e J (…); o segundo é relativo ao contrato de fornecimento de gás, ambos com data de 14 de Setembro de 2009;
2. Os documentos juntos de fls. 517 a 519, 521 a 528 e 532 e 559 [cópias de facturas]: os documentos provam consumos de electricidade, água, gás e a prestação de serviços de televisão, na fracção em causa e provam que a facturação é emitida em nome do recorrido.     

À semelhança do que escrevemos acima a propósito da prova produzida em relação ao ponto n.º 15, também podemos afirmar, em relação aos meios de prova expostos, que deles resulta um feixe de indícios que converge claramente no sentido do que foi julgado provado pelo tribunal a quo. Em consequência, mantém-se a decisão proferida sob o ponto n.º 51.


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Julgada a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A (…) e P (…) são os únicos e universais herdeiros de M (…) falecido no dia 14 de Março de 2009, no estado de casado em primeiras núpcias de ambos com I (…), no regime de comunhão geral, com última residência habitual em Rua Q (...) , nº 1, 2º Dto., W (...) , U (...) e de I (…), falecida no dia 9 de Outubro de 2009, no estado de viúva de M (…), com última residência habitual em Lar da Misericórdia, V (...) , U (...) .
2. Por contrato datado de 10 de Abril de 2007, a insolvente J (…), S.A., e M (…)e mulher, I (…), representados por procurador com poderes especiais para o acto, J (…), prometeram permutar, livres de quaisquer ónus ou encargos, as fracções autónomas a construir, identificadas como fracção “F”, do piso 2, e fracção “I”, do piso 3, do prédio urbano composto por quatro andares, logradouro e garagem, no lote 1, sito em Y (...) , Quinta (...) , K (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha nº 2567/Freguesia de (...) e inscrito actualmente na matriz predial urbana da Freguesia de (...) e X (...) sob o nº 4094, pelo prédio misto com a área total de 8.051,1m2, à data composto por casa de habitação de rés-do-chão e terra de cultura com árvores de fruto, vinha, oliveiras e pinhal, sito em Z (...) , freguesia de W (...) , concelho da U (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial da U (...) sob a ficha nº 2969/Freguesia de W (...) e inscrito na respectiva matriz predial sob os arts. 130 e 182, hoje omisso na matriz.
3. No mesmo acto, foi atribuído igual valor unitário, no montante de €175.000,00 às fracções autónomas designadas pelas letras “F” e “I”, perfazendo o total de €350.000,00, e ao prédio misto o valor de €474.700,00.
4. Comprometeu-se ainda a insolvente a proceder à liquidação da diferença entre o valor dos prédios prometidos permutar, mediante o pagamento através do cheque nº 3001110382, sobre o B (…), com data de 10 de Setembro de 2007, no valor de €75.000,00, a ser entregue aquando da outorga do contrato prometido, e mediante liquidação dos recibos do gabinete de arquitectura, correspondentes ao remanescente preço cifrado em €49.700,00.
5. A sociedade insolvente comprometeu-se a entregar, a suas expensas, documento de distrate necessário ao cancelamento de qualquer ónus ou encargo que, à data da outorga da escritura do contrato prometido, incidisse sobre as designadas fracções identificadas com as letras “F” e “I”.
6. Constam no referido documento como beneficiários da promessa relativa à permuta das fracções “F” e “I” do prédio, respectivamente, A (…) e P (…), tendo-lhes sido atribuído o direito a outorgar o contrato prometido, em nome próprio, o que expressamente aceitaram.
7. As fracções destinavam-se à habitação própria do terceiro e quarto outorgantes.
8. A outorga do contrato definitivo ficou subordinada à condição de aprovação, pela Câmara Municipal da U (...) , do projecto de loteamento para 23 lotes para moradias unifamiliares, aí identificadas sob o nº 17/04.
9. Uma vez verificada tal condição, o contrato prometido seria celebrado mediante marcação de hora e local a designar pela aqui insolvente.
10. A aprovação de projecto de loteamento descrito, na fase de proposta de ocupação do solo, teve lugar em 06/02/2007 por despacho do Presidente de Câmara Municipal da U (...) .
11. Em de Abril de 2007, J (…), outorgando na qualidade de procurador com poderes para o acto, em representação de M (…) e mulher I (…), declarou vender pelo preço de quatrocentos e setenta e quatro mil e setecentos euros à sociedade J (…), S.A., livre de quaisquer ónus ou encargos, o prédio misto, composto por casa de habitação de rés-do chão, com dependências, logradouros e terra de cultura com árvores de fruto, oliveiras, vinha e pinhal, localizado em Z (...) , freguesia de W (...) , concelho da U (...) , inscrito sob o artigo 130 urbano e sob o artigo 182 rústico e descrito na Conservatória do Registo Predial da U (...) sob a ficha n.º 2969/freguesia de W (...) ”.
12. Por procurador dos vendedores foi declarado que do indicado preço havia sido já liquidado nesse acto a quantia de trezentos e noventa e nove mil e setecentos euros, que dava como integralmente recebida e de que prestava quitação, sendo os restantes setenta e cinco mil euros liquidados mediante a entrega que lhe era feita, nesse acto, do cheque n.º (…) sobre o Banco (…) S.A. nesse valor, datado de 10.09.2017.  
13. No entanto, tais factos não correspondem integralmente à verdade, pois parte da quantia que se deu quitação, no montante de € 350.000,00, seria liquidada, não em moeda, mas mediante o valor de permuta das fracções descritas.
14. Em 20 de Outubro de 2009, a insolvente comprometeu-se a disponibilizar de imediato a fracção “I” do prédio referido em 2) e definiu que as escrituras de ambas as fracções, “I” e “F”, seriam outorgadas assim que fosse emitido ofício para requerer a licença de construção de 23 lotes no prédio misto supra pela Câmara Municipal da U (...) .
15. P (…), após a entrega das chaves da fracção “I” pela insolvente, passou a habitar a fracção já no ano de 2009, ininterruptamente até à presente data, local onde tem os seus pertences, aí pernoitando e tomando as refeições, passando os seus momentos de lazer, onde recebe a sua correspondência, tendo em seu nome os contratos de fornecimento de electricidade, água, gás e telecomunicações, constituindo aí a sua residência permanente.
16. O ofício para requisição de alvará de loteamento referente ao mencionado projecto nº 17/04, havia sido emitido em 31 de Outubro de 2007, após aprovação do projecto de loteamento em reunião de Câmara de 15 de Outubro de 2007.
17. Em 19/02/2008 foi emitido o Alvará de Loteamento nº 2/08 de 19 de Fevereiro, já em nome da insolvente, através do qual foram constituídos 23 lotes destinados a habitação, com as letras A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, S, T, U, V e X, todos sitos em Casal da Areia, freguesia de U (...) , inscritos na matriz predial urbana da freguesia de W (...) , respectivamente, sob os artigos 3934, 3935, 3936, 3937, 3938, 3939, 3940, 3941, 3942, 3943, 3944, 3945, 3946, 3947, 3948, 3949, 3950, 3951, 3952, 3953, 3954, 3955 e 3956, e descritos na Conservatória do Registo Predial da U (...) , em nome da sociedade insolvente, respectivamente, sob as fichas nºs 3350, 3351, 3352, 3353, 3354, 3355, 3356, 3357, 3358, 3359, 3360, 3361, 3362, 3363, 3364, 3365, 3366, 3367, 3368, 3369, 3370, 3371 e 3372, todos da freguesia de W (...) , lotes que presentemente integram a massa insolvente.
18. A 20/05/2009 foi emitido o alvará de autorização de utilização nº 252/2009, titulando a utilização do prédio sito na Avenida da K (...) , Lote 1, com o número de polícia 91, da freguesia de (...) , (...) , compreendendo as fracções “I” e “F”.
19. Até à presente data, a insolvente não outorgou a escritura de compra e venda das fracções “F” e “I”, embora tenha sido diversas vezes instada para marcação de data, hora e local para o efeito.
20. Em 8 de Junho de 2007, a sociedade insolvente J (…)A, na qualidade de primeira outorgante e J (…), na qualidade de segundo outorgante, outorgaram um escrito denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda” onde consta para além do mais: Clausula primeira: A primeira outorgante é dona e legitima proprietária do lote de terreno, destinado a construção para habitação, sito na Quinta (...) , K (...) , Lote 1, freguesia de (...) , inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4094, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 2568, da referida freguesia, com o alvará de licença de autorização de construção 104/05, emitido pela Câmara Municipal de (...) e 2/09/2005 e válido até 01/09/2007.
21. “Clausula segunda Pela presente contrato a PRIMEIRA OUTORGANTE, promete vender, em regime de propriedade horizontal, devoluta de pessoas e bens, completamente concluída e em condições de imediata habitabilidade, livre de quaisquer ónus ou encargos, ao SEGUNDO OUTORGANTE, que promete comprar, nas mesmas circunstâncias, o apartamento do tipo T3, situado no 4º andar, do Lote 1, designado pela letra L, com uma garagem na cave, designada pela garagem L, com 63,65m2, do prédio descrito na cláusula anterior
22. Clausula quinta: O preço global da transacção é de 255.000,00 (…). Este preço inalterável e não sujeito a qualquer correcção será pago pelo SEGUNDO OUTORGANTE, da seguinte forma: a) A quantia de 19.000,00 (…), na data da celebração do presente contrato, a título de sinal e princípio de pagamento; b) A quantia de 236.000,00 (…), como liquidação do valor global, com a outorga da escritura de compra e venda; 51º- Em Setembro de 2009, o impugnante recebeu as chaves do apartamento e a partir dessa data passou a habitá-lo, tendo para o efeito contratado os serviços de água, luz e gás.
23. Em Setembro de 2009, o impugnante recebeu as chaves do apartamento e a partir dessa data passou a habitá-lo, tendo para o efeito contratado os serviços de água, luz e gás.          

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Descritos os factos, passemos à resolução das restantes questões suscitadas pelo recurso.

Comecemos pelas questões suscitadas pelo recurso interposto contra os seguintes segmentos da sentença:
1. Contra o que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por A (…) e P (…) contra a lista de credores reconhecidos;
2. Contra o que, na parte relativa à graduação dos créditos para serem pagos pelo produto da venda da fracção I [verba n.º 60 da apreensão dos bens para a massa insolvente], graduou em segundo lugar o crédito de A (…) e P (…).

Sobre estes segmentos da decisão, o recorrente não põe em causa as seguintes premissas da decisão recorrida:

Em primeiro lugar que é admissível ao administrador da insolvência recusar o cumprimento do contrato que a sentença designou por contrato-promessa de permuta;

Em segundo lugar que, no caso de o administrador da insolvência recusar o cumprimento do contrato, os recorridos são titulares de um crédito no montante de € 350 000,00.

Em terceiro lugar, não põe em causa que o impugnante P (…)tinha, no contrato, a posição de consumidor.

Segue-se do exposto que não constituem questões a resolver neste recurso:
1. Saber se é admissível ao administrador recusar o cumprimento da promessa;
2. Saber se, na realidade, já se podia considerar que houve recusa de cumprimento;
3. Saber, no caso de ser admissível a recusa de cumprimento, se os recorridos tinham direito a exigir, como crédito sobre a insolvência, o montante de € 350 000,00, ou seja o montante corresponde ao valor atribuído às fracções F e I no designado contrato-promessa de permuta;
4. Saber se o impugnante P (…) interveio no contrato na qualidade de consumidor [a questão da qualidade de consumidor era relevante pois segundo o acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 4/2014, DR, I Série de 19-05-2014, No âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil»].

O que o recorrente põe em causa é o seguinte:
1. Em primeiro lugar que, na hipótese de o administrador recusar o cumprimento da promessa de permuta, parte do crédito sobre a insolvência, no montante de € 175 000,00 beneficie de direito de retenção sobre a fracção I e seja classificado como crédito garantido;
2. Em segundo lugar que, na hipótese de ser reconhecido o direito de retenção sobre a fracção, a recorrida A (…) seja beneficiária de tal direito.

A contestação da decisão assentou, em primeiro lugar, na alteração da decisão relativa à matéria de facto [pontos n.ºs 12, 13 e 15].

Para a hipótese de a matéria de facto não ser alterada, o recorrente contestou a decisão, dizendo que os recorridos não estavam em condições de beneficiar do direito de retenção previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil sobre a fracção I. A contestação assentou, em resumo, na linha argumentativa:
1. Que não era aplicável ao contrato em discussão nos autos o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do CC;
2. Que ainda que se estivesse perante uma promessa de transmissão, os recorridos só teriam direito de retenção pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte nos termos do artigo 442.º do Código Civil, e isto pressupunha que se estivesse perante uma promessa sinalizada e, no contrato em causa nos autos, não constava que as partes tenham querido atribuir à coisa permutada o carácter de sinal pelo que não havia sinal;
3. Que os recorridos eram meros detentores/possuidores precários da fracção em causa e que tal posse precária não permitia o exercício do direito de retenção;
4. Que a ser reconhecido qualquer direito de retenção sobre a fracção I, ele não aproveitava à recorrida A (…)

Apreciação do tribunal

A impugnação da decisão recorrida com base na alteração da matéria de facto está votada ao fracasso. Com efeito, apesar de este tribunal ter alterado a decisão proferida sob o ponto n.º 13, julgando-a não provada, esta modificação não tem qualquer repercussão na decisão recorrida. E não tem porque a matéria do citado ponto não tem relevância para a decisão sobre o direito de retenção e é o reconhecimento deste direito que o recorrente contesta na apelação.     

Apreciemos, pois, os argumentos acima expostos contra o reconhecimento do direito de retenção sobre a fracção “I”. 

O primeiro argumento do recorrente remete-nos para a interpretação da alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil e para a qualificação do acordo, cujo incumprimento fundou o reconhecimento do crédito de € 350 000.00.

A sentença qualificou-o como promessa de permuta, dizendo que tal promessa estava abrangida pela hipótese da norma acima referida. Citou em abono de tal interpretação o acórdão do STJ de 2.7.1996, publicado na CJ ano IV, tomo II, página 159, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14.12.2006 e o um acórdão do tribunal da Relação de Évora de 19.09.2013, publicados em www.dgsi.pt e o acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 29.09.1998, Colectânea de Jurisprudência Tomo IV.

O recorrente afirmou – sem fundamentar – que a alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do CC não era aplicável ao contrato em discussão nos autos.

A alegação do recorrente é de julgar improcedente.

Resulta da alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil, que o direito de retenção aí previsto aproveita ao beneficiário da promessa de transmissão de direito real ou de constituição de direito real.

Ser beneficiário de promessa de transmissão ou de constituição de direito real é ser beneficiário de um negócio jurídico que tenha por efeito a transmissão ou a constituição de um direito real.

Assim sendo, os recorridos não estariam em condições de se prevalecer do direito de retenção previsto no preceito acima referido se não fossem beneficiários de promessa de negócio que tivesse por efeito a transmissão ou constituição de direito real.

Sucede que são. Com efeito, está provado que a ora insolvente prometeu dar aos recorridos, em troca do prédio misto, composto de casa de habitação e terra de semeadura, sita no Z (...) , freguesia de W (...) , concelho da U (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial da U (...) sob o n.º 2969, duas fracções autónomas a construir, correspondentes à fracção “F” do piso 2 e à fracção “I” do piso 3 do prédio urbano composto por quatro andares, logradouro com garagem, no lote 1, sito em Y (...) , à Quinta (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 2567 e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo n.º 4093, sendo que a fracção “F” seria dada a A (…) e a fracção “I” a P (…).

Apesar de, no Código Civil, não estar tipificado o contrato de troca, ao contrário do que sucedia no domínio do Código Civil de 1867 [artigo 1592.º: “escambo ou troca é o contrato por que se dá uma coisa por outra, ou uma espécie de moeda por outra espécie dela”], tal contrato é admissível ao abrigo do princípio da liberdade contratual (n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil).  

Um dos efeitos essenciais do contrato de troca é a transmissão da propriedade das coisas dadas em troca. No caso, os efeitos consistiam na transmissão para a ora insolvente da propriedade do prédio misto [o que sucedeu com a escritura de compra e venda celebrada em 11 de Abril de 2007] e na transmissão para os ora recorridos da propriedade das duas fracções, ou, sendo-se mais preciso, na transmissão da propriedade da fracção “F” para A (…) e na transmissão da propriedade da fracção “I” para P (…).   

Não procede, assim, contra a sentença a alegação de que a alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do CPC não era aplicável à promessa de permuta em causa nos autos.

A segunda linha argumentativa do recorrente é constituída pela alegação de que, ainda que se estivesse perante uma promessa de transmissão, os recorridos só teriam direito de retenção pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte nos termos do artigo 442.º do Código Civil, e tal pressupunha que se estivesse perante uma promessa sinalizada e, no contrato em causa, não constava que as partes tenham querido atribuir à coisa permutada o carácter de sinal, pelo que não havia sinal.

Ao alegar no sentido acima exposto, o recorrente argumenta como se fosse condição de reconhecimento do direito de retenção previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil que a promessa de transmissão ou constituição de direito real tivesse sido sinalizada. O recorrente vê esta exigência na circunstância de a parte final da alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil remeter para o artigo 442.º do Código Civil que se refere aos efeitos o incumprimento da obrigação em caso de haver sinal.

Sobre este argumento cabe dizer o seguinte.

É exacto que, em matéria de crédito garantido pelo direito de retenção previsto pela alínea f) do n.º 1 do 755.º do Código Civil, a letra da lei remete para o artigo 442.º, do mesmo diploma, e que este preceito dispõe sobre os efeitos do incumprimento da obrigação em caso de haver sinal.

E é exacto ainda que, no caso, nem quando se celebrou a promessa nem posteriormente houve entrega de coisa a que fosse atribuído o carácter de sinal.

No entender deste tribunal, a alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil deve ser interpretada no sentido de que o crédito garantido pelo direito de retenção é o crédito resultante do incumprimento imputável a quem prometeu transmitir ou constituir direito rela sobre uma coisa, quer haja quer não haja sinal.

Com efeito, apesar de a letra da lei remeter para os casos de incumprimento da obrigação em que há sinal, a razão de ser da solução é a de conferir ao beneficiário da promessa, em caso de incumprimento da outra parte, uma garantia para o seu crédito resultante do não cumprimento.

Ora, ainda que não haja sinal, o beneficiário de promessa, em caso de incumprimento da outra parte, tem direito de indemnização pelo prejuízo sofrido, por aplicação do disposto no artigo 798.º do Código Civil.      

Segue-se, assim, na interpretação da alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil, o entendimento afirmado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça citado pela decisão recorrida - acórdão proferido em 3-07-2018, no processo n.º 2717/16.9T8VNF-B.G1.S2, publicado em www.dgsi-pt – segundo o qual a existência de sinal não é condição de reconhecimento do direito de retenção.

A terceira linha argumentativa do recorrente é constituída pela alegação de que os recorridos são meros detentores/possuidores precários da fracção em causa e que tal posse precária não permite o exercício do direito de retenção.

Ao alegar no sentido acima exposto, o recorrente argumenta como se, para efeitos do disposto na norma atrás referida, só se pudesse falar “em tradição da coisa a que se refere o contrato prometido” quando a tradição da coisa implicasse a constituição de posse sobre ela, ou seja, e vista noção de posse constante do artigo 1251.º do Código Civil, quando a tradição fosse acompanhada do exercício de poderes de facto sobre a coisa com o animus ou a intenção de exercer o direito de propriedade. Fora do alcance da norma ficariam os casos em que a tradição não dava origem a uma situação de posse, mas de mera detenção [situações previstas no artigo 1253.º do Código Civil].

Salvo o devido respeito, esta interpretação acrescenta à citada norma uma exigência sem o mais leve apoio na respectiva letra. Para efeitos da citada norma, dá-se a tradição da coisa quando o poder de facto sobre ela deixa de ser exercido pelo que promete transmitir a coisa para passar a ser exercido pelo beneficiário da promessa, independentemente do “animus” com que é exercido. Foi o que se passou em relação à fracção I prometida transmitir ao recorrido P (…) como resulta da seguinte matéria de facto:
1. Em 20 de Outubro de 2009, a insolvente comprometeu-se a disponibilizar de imediato a fracção “I” do prédio referido em 2) e definiu que as escrituras de ambas as fracções, “I” e “F”, seriam outorgadas assim que fosse emitido ofício para requerer a licença de construção de 23 lotes no prédio misto supra pela Câmara Municipal da U (...) ;
2. P (…), após a entrega das chaves da fracção “I” pela insolvente, passou a habitar a fracção já no ano de 2009, ininterruptamente até à presente data, local onde tem os seus pertences, aí pernoitando e tomando as refeições, passando os seus momentos de lazer, onde recebe a sua correspondência, tendo em seu nome os contratos de fornecimento de electricidade, água, gás e telecomunicações, constituindo aí a sua residência permanente.

Por último, o recorrente alegou que, a ser reconhecido qualquer direito de retenção sobre a fracção I, dele não é titular a recorrida A (…). 

Assiste razão ao recorrente.

Com efeito, o direito de retenção previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º é reconhecido apenas ao beneficiário da promessa de transmissão que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido e a recorrida A (…)não é beneficiária da promessa da transmissão da fracção I. É beneficiária da promessa de transmissão da fracção F, mas em relação a ela não houve tradição.    

Em consequência, há fundamento legal para alterar a decisão recorrida tanto no segmento que julgou a impugnação contra a lista de credores reconhecidos como no segmento que graduou em segundo lugar o crédito de A (…) e P (…) para serem pagos pelo produto da venda do prédio identificado sob o n.º 60.

Quanto ao segmento da impugnação altera-se o mesmo no seguinte sentido:

Reconhece-se a A (…) um crédito de cento e setenta e cinco mil euros [€ 175 000,00] e a P (…) um crédito de cento e setenta e cinco mil euros [€ 175 000,00] sob condição suspensiva (recusa de cumprimento do contrato-promessa pelo administrador), sendo que o crédito de P (…) é classificado como garantido por beneficiar de direito de retenção sobre a fracção I do piso 3, do prédio urbano composto por quatro andares, logradouro e garagem, no lote 1, sito em Y (...) , Quinta (...) , K (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha nº 2567/Freguesia de (...) e inscrito actualmente na matriz predial urbana da Freguesia de (...) e X (...) sob o nº 4094, e o crédito de A (…) é de classificar como crédito comum.

Quanto ao segmento da graduação altera-se o mesmo no seguinte sentido:

2.º- O crédito de P (…), sob condição suspensiva (recusa de cumprimento do contrato-promessa pelo administrador), no montante de cento e setenta e cinco mil euros [€ 175 000,00], que beneficia do direito de retenção.


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Apreciemos, de seguida, o recurso interposto contra o segmento da sentença que julgou procedente a impugnação de J (…)contra a lista de créditos reconhecidos e reconheceu a favor do impugnante, sob condição suspensiva (recusa de cumprimento do contrato promessa pelo Sr. Administrador de Insolvência), um crédito no valor de € 45.090,52, classificado como garantido, por beneficiar de direito de retenção sobre a fracção correspondente ao apartamento do tipo T3, situado no 4º andar, do Lote 1, designado pela letra L, com uma garagem na cave, designada pela garagem L, com 63,65m2, do prédio sito na Quinta (...) , K (...) , Lote 1, freguesia de (...) , inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 4094, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de (...) sob o nº 2567, da referida freguesia [verba n.º 58 da apreensão de bens para a massa insolvente] e contra o segmento da sentença que graduou em segundo lugar o crédito de J (…) para ser pagos pelo produto da venda da fracção L.

À semelhança do que sucedeu com o recurso apreciado anteriormente, o recorrente não põe em causa que é admissível ao administrador da insolvência recusar o cumprimento do contrato-promessa de compra e venda celebrado com o recorrido, nem põe em causa que, no caso de o administrador da insolvência recusar o cumprimento do contrato, o recorrido será titular de um crédito no montante de quarenta e cinco mil e noventa euros e cinquenta e dois cêntimos [€ 45 090,52], nem põe em causa que J (…)sa interveio no contrato-promessa como consumidor.

Com o que o recorrente não concorda é com a decisão de reconhecer que o crédito do recorrido beneficia do direito de retenção sobre a fracção prometida vender e que, em consequência, seja graduado antes do crédito do recorrente, que beneficia de duas hipotecas.

A contestação da decisão assentou, em primeiro lugar, na alteração da decisão relativa à matéria de facto [ponto n.º 51].

Para a hipótese de não ser alterada a matéria de facto, o recorrente contestou a decisão com a seguinte linha argumentativa:
1. Que o recorrido era um mero detentor precário e não um possuidor, não estando em condições de beneficiar do direito de retenção sobre a fracção prometida vender;
2. Que o artigo 759.º, n.º 2, e a alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil interpretados no sentido de que o direito de retenção concedido no âmbito da promessa de transmissão tem preferência sobre a hipoteca registada anteriormente viola o princípio constitucional da certeza jurídica. 

O pedido de revogação da sentença com base na alteração do ponto n.º 51 é de julgar improcedente pois a premissa em que assentou – alteração da decisão de facto - não se verificou.

 A linha argumentativa constituída pela alegação de que, para efeitos do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do Código Civil, só se pudesse falar “em tradição da coisa a que se refere o contrato prometido” quando a tradição da coisa implicasse a constituição de posse sobre ela, ou seja, e vista noção de posse constante do artigo 1251.º do Código Civil, quando a tradição fosse acompanhada do exercício de poderes de facto sobre a coisa com o animus ou a intenção de exercer o direito de propriedade, não vale contra sentença.

Com efeito, como escrevemos mais acima, esta interpretação acrescenta à citada norma uma exigência sem o mais leve apoio na respectiva letra. Para efeitos da citada norma, dá-se a tradição da coisa quando o poder de facto sobre ela deixa de ser exercido pelo que promete transmitir a coisa para passar a ser exercido pelo beneficiário da promessa, independentemente do “animus” com que é exercido. E no caso, deu-se essa passagem do poder de facto a favor do recorrido J (…) como o atesta a seguinte passagem dos facos provados: em Setembro de 2009, o impugnante recebeu as chaves do apartamento e a partir dessa data passou a habitá-lo, tendo para o efeito contratado os serviços de água, luz e gás.

Quanto à alegação de que a norma que prevê a prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca ainda que constituída anteriormente (n.º 2 do artigo 759.º do Código Civil) viola o princípio constitucional da certeza jurídica, também não colhe contra a sentença

A questão suscitada pela recorrente – saber se o artigo 755º, n.º 1, alínea f) e o artigo 759.º, n.º 2, ambos do Código Civil, quando interpretados no sentido de atribuírem ao promitente-comprador de um edifício ou fracção autónoma e que obteve a tradição da coisa o direito de retenção sobre essa mesma coisa e de esse direito prevalecer sobre a garantia hipotecária registada em data anterior à referida tradição, são inconstitucionais por violação dos princípios da proporcionalidade, da protecção, da confiança e segurança jurídicas no comércio imobiliário ínsitos no princípio do estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa – foi apreciada pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 356/04, proferido no processo n.º 606/2003, no acórdão n.º 466/04, proferido no processo n.º 801/02, e na decisão sumária n.º 504/2010 proferida no processo n.º 663/10, todos publicados em http://www.tribunalconstitucional.pt. Em todos os arestos foi decidido julgar não inconstitucional a norma do artigo 755º, n.º 1, alínea f), do Código Civil articulada com o disposto no artigo 759º, n.º 2, do mesmo diploma.

Não vemos razões para nos afastarmos deste juízo.

Sobre a alegada violação do princípio da confiança ínsito no estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa), ele é de afastar pois, como afirmou o tribunal constitucional “o regime impugnado já se encontrava em vigor no momento em que a hipoteca foi constituída”, pelo que, em face de tal circunstância não se podia concluir, desde logo, “pela violação do princípio da confiança relativamente a expectativas anteriormente firmadas”.


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Decisão:

Julga-se parcialmente procedente o recurso interposto contra o segmento da sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por A (…) e P (…) contra a lista de créditos reconhecidos e contra o segmento da sentença que graduou em segundo lugar os créditos de A (…) e P (…), sob condição suspensiva [recusa de cumprimento do contrato-promessa pelo administrador] para serem pagos pelo produto da venda do imóvel identificado sob o n.º 60 e, em consequência, altera-se a decisão no seguinte sentido:
1. Reconhece-se a A (…) um crédito de cento e setenta e cinco mil euros [€ 175 000,00] e a P (…) um crédito de cento e setenta e cinco mil euros [€ 175 000,00] sob condição suspensiva (recusa de cumprimento do contrato-promessa pelo administrador), sendo que o crédito de P (…) é classificado como garantido por beneficiar de direito de retenção sobre a fracção I do piso 3, do prédio urbano composto por quatro andares, logradouro e garagem, no lote 1, sito em Y (...) , Quinta (...) , K (...) , freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de (...) sob a ficha nº 2567/Freguesia de (...) e inscrito actualmente na matriz predial urbana da Freguesia de (...) e X (...) sob o nº 4094, e o crédito de A (…) é de classificar como crédito comum.
2. Quanto ao produto da venda do prédio referido em 60 gradua-se em segundo lugar o crédito de P (…)no montante de cento e setenta e cinco mil euros [€ 175 000,00], que beneficia do direito de retenção, sob condição suspensiva (recusa de cumprimento do contrato-promessa pelo administrador).


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Julga-se improcedente o recurso interposto contra o segmento da sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por J (…) contra a lista de créditos reconhecidos e contra o segmento da sentença que graduou em segundo lugar o crédito do recorrido, sob condição suspensiva [recusa de cumprimento do contrato-promessa de compra e venda], para ser pago pelo produto da venda do imóvel identificado sob o n.º 58 e, em consequência, mantém-se tais segmentos da decisão recorrida.

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Responsabilidade quanto a custas:

Visto o n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de o recorrente e a recorrida A (…) terem ficado vencidos, em parte, no recurso interposto contra o segmento da sentença que julgou procedente a impugnação deduzida por A (…) e P (…)e contra o segmento da sentença que graduou em segundo lugar os créditos dos recorridos para serem pagos pelo produto da venda do imóvel identificado sob o n.º 60, condena-se o recorrente e a recorrida A (…) nas custas do recurso na proporção de, respectivamente, 75% e 25%.

Visto o n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de o recorrente ter ficado vencido no recurso interposto contra o segmento que julgou procedente a impugnação deduzida por J (…) e contra o segmento da sentença que graduou em segundo lugar o crédito do recorrido para ser pagos pelo produto da venda do imóvel identificado sob o n.º 58, condena-se o recorrente nas custas deste recurso.


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Coimbra, 3 de Dezembro de 2019.

Emídio Santos ( Relator)

Catarina Gonçalves

Maria João Areias