Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
281/10.1TBCV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
DANOS CAUSADOS POR ANIMAIS
DEVER DE VIGILÂNCIA
Data do Acordão: 07/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.493, 502 CC
Sumário: 1. O dever de vigilância previsto no n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil decorre do poder de facto sobre o animal, não tendo necessariamente que recair sobre o dono, podendo incumbir ao comodatário, ao depositário, ou o tratador, em suma, àquele à guarda de quem o animal se encontrava no momento do acidente.

2. Provando-se que um bovino que atravessou a estrada e deu causa à ocorrência de um acidente pertencia à ré, não tendo esta alegado nem provado que o mesmo se encontrava à guarda de terceiro, sobre ela recai o referido dever de vigilância e, consequentemente, a presunção de culpa decorrente do normativo citado.

3. O artigo 493.º do Código Civil reporta-se à responsabilidade do vigilante do animal e funda-se na culpa; a previsão do 502.º reporta-se à responsabilidade decorrente da utilização perigosa de animais e alicerça-se no risco que se cria em relação a terceiros.

Decisão Texto Integral:

11

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., com sede na Avenida José Malhoa, Ldª, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum sumário contra M (…), pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 9.498,23, acrescida de juros vincendos calculados sobre o capital em dívida, a contar desde a citação até integral pagamento.
Alegou em síntese, como suporte da sua pretensão: no âmbito do exercício da sua actividade, celebrou com MO (…), um contrato de seguro automóvel de responsabilidade civil com cobertura de danos próprios para o veículo ligeiro de mercadorias de marca Opel, modelo Vívaro, de cor branca e a matrícula 10-BH-24 – adiante apenas designado de BH – ao qual foi atribuído o número de Apólice AU78071051; em 20 de Julho de 2008, pelas 22h30, o condutor do veículo seguro BH, o segurado MO (…), circulava na Estrada Nacional nº 338, sentido Covilhã – Torre, quando, ao km 34,5 daquela mesma estrada, surgiu, sem que ninguém o pudesse prever, da berma direita para a hemi-faixa de rodagem onde circulava o veículo BH, um bovino; sem qualquer tempo de reacção, o condutor não conseguiu imobilizar a tempo o veículo seguro, tendo embatido no referido animal, colidindo com a frente da viatura no mencionado bovino; tal colisão acabou por causar a morte do animal e provocou danos materiais no veículo; a GNR, após verificação do nº do brinco do animal recolhido no local – MP50 Y – constatou que a proprietária do referido animal era a ora Ré; em consequência do acidente supra descrito, resultaram danos materiais no veículo seguro pela Autora, conforme fotografias do veículo que ora se juntam e reproduzem para todos os legais efeitos sob doc.3., que foram orçados em € 8.687,03, conforme relatório de peritagem que se junta sob doc.. 4, e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido; para regularização dos danos descritos no relatório de peritagem, liquidou a A., no âmbito da apólice existente, a quantia de € 8.687,03 à sociedade Toiguarda – Comércio de Veículos, Lda., conforme recibo emitido pela mencionada sociedade junto com a petição (doc. 5); ao valor liquidado à Toiguarda, Lda., acresce o montante de € 811,20, relativo à franquia assumida pelo segurado; tudo no valor total de € 9.498,23.
Citada, a R. apresentou contestação, na qual deduziu a excepção dilatória de ilegitimidade activa, impugnou os factos alegados pela A., e deduziu reconvenção, pedindo a condenação da A. a pagar a quantia de € 2750,00, acrescida de juros de mora.
Como fundamento do pedido reconvencional, alegou que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do segurado da A., e que o valor peticionado corresponde ao valor do animal e da cria, da qual estava prenha, que morreram em consequência do acidente, acrescido do valor que teve que despender para retirar da via o animal que sofreu a colisão do veículo segurado na A.
A A. respondeu à excepção dilatória deduzida pela R. e ao pedido reconvencional, preconizando a sua improcedência.
Foi dispensada a realização da audiência preliminar e proferido despacho saneador, no qual se admitiu a reconvenção e se julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa da A., tendo sido feita a selecção da matéria de facto assente e organizada a base instrutória, sem reclamações.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, tendo sido decidida a matéria de facto, sem reclamações, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

Em face de tudo o atrás exposto, decide-se julgar:

a) Parcialmente procedente a presente acção intentada por Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., contra a R. M (…)e, E (…) e, consequentemente, condena-se esta a indemnizar àquele a quantia de 8.687,03€, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

b) Custas da acção pela A. e R, na proporção dos respectivos decaimentos.

C) Julgar totalmente improcedente a reconvenção deduzida pela R. M (…), absolvendo-se a A. Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A., do montante peticionado.

D) Custas da reconvenção pela R.

Inconformada, apelou a ré, apresentando alegações, nas quais formula as longas conclusões Que não respeitam a exigência legal de sintetização prevista no n.º 1 do artigo 685.º-A do CPC, não se determinando o seu aperfeiçoamento por razões de economia e celeridade processual. que se seguem:
(…)
A autora apresentou contra-alegações, onde preconiza a manutenção do julgado.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) apreciação do recurso da matéria de facto; ii) apreciação da questão de direito, nomeadamente no que concerne ao dever de vigilância e à integração na previsão legal do n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil.

2. Recurso da matéria de facto
(…)
3. Fundamentos de facto
Face à decisão que antecede, é a seguinte a factualidade relevante provada nestes autos:
1. A autora é uma sociedade que se dedica à actividade seguradora.
2. Entre a autora Ocidental – Companhia Portuguesa de Seguros, S.A. e MO (…) foi celebrado um acordo escrito mediante o qual aquela se compromete a pagar a terceiros os danos emergentes da circulação do veículo ligeiro de mercadorias matrícula 10-BH-24, em vigor à data dos factos e titulado pela apólice n.º AU78071051.
3. Em 20 de Julho de 2008, pelas 22h e 30m, o condutor do BH, MO (…) circulava na Estrada Nacional n.º 338, sentido Covilhã-Torre.
4. Ao Km 34,5 da estrada mencionada em 3. surgiu um bovino, de forma imprevista, da berma direita para a hemi-faixa de rodagem onde circulava o BH.
5. Sem qualquer tempo de reacção o condutor do BH não conseguiu imobilizar a tempo o veículo, tendo embatido no referido animal, colidindo com a frente do veículo no bovino.
6. O local referido em 4. era uma recta.
7. O estado do tempo estava bom.
8. No local onde ocorreu a colisão existe um aparcamento à direita do sentido do BH, nivelado com a via, que se estende por pelo menos 40m de comprimento, medindo pelo menos 8 m de largura ao longo de toda a sua extensão.
9. No local mencionado em 3. está instalada sinalização vertical que indica troço de via em que podem ser encontrados animais sem condutor, em local visível e ao longo das duas faixas de rodagem.
10. A colisão referida em 5. causou a morte ao animal e provocou danos no BH.
11. A ré era proprietária do bovino mencionado em 4. e 5., que detinha o brinco MP50 Y e tinha um peso de pelo menos 700kg, encontrando-se em estado de prenhez avançada.
12. O bovino referido em 5. encontrava-se depositado na berma contrária ao sentido de circulação do BH, distanciado pelo menos 38 metros da colisão.
13. Em face da morte do bovino e do seu posterior transporte o réu sofreu um prejuízo de € 2.000,00, cujo transporte foi efectuado por parte de “Luís Leal & Filhos, Lda.” e €750,00 referentes à cria que se encontrava em gestação uterina.
14. Os danos no BH foram orçados em € 8.687,03, tendo a autora liquidado tal montante à sociedade Toiguarda – Comércio de Veículos, Lda.
15. O segurado pagou o montante de € 811,20 a título de franquia.

4. Fundamentos de direito
Nas alegações de recurso, a recorrente insurge-se contra a aplicação do regime previsto no artigo 493.º do Código Civil, alegando, nomeadamente:

“AN – Resulta provado à saciedade que tais animais pastoreiam aquele local em regime livre e sem a vigilância de qualquer guardador de gado, desde tempos imemoriais;

AO – A doutrina sustenta que só serão susceptíveis de gerar direito a indemnização os danos resultantes do perigo específico da utilização do animal (…);

(…)

AQ – (…) não podemos deixar de concluir que o condutor do BH teria embatido em qualquer outro objecto que se encontrasse na faixa de rodagem;

(…)

AS – A Recorrente, ao ser proprietária do mencionado bovino e ao utilizá-lo da forma descrita nos autos, não assumiu qualquer encargo de vigilância do mesmo, como a douta sentença a quo fundamenta através do artigo 493.º do CC, mas, tão só, assumiu o especial risco que envolve a utilização, do modo supra descrito, daquele animal, nos termos propugnados pelo artigo 502.º do CC;

AT – A Recorrente assumiu o perigo específico da utilização do mencionado bovino, no entanto, não são os danos causados pelo mesmo passíveis de fundamentar a indemnização em que aquela foi condenada pois, esses danos eram passíveis de serem causados por qualquer outro obstáculo que se encontrasse na faixa de rodagem no local do acidente em questão;”

Vejamos o regime legal de responsabilidade aplicado na sentença sob censura.
Sob a epígrafe “Danos causados por coisas, animais ou actividades”, dispõe o artigo 493.º do Código Civil:

1. Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.

2. Quem causar danos a outrem no exercício de uma actividade, perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, Coimbra editora, pág. 495., estabelece-se neste artigo a inversão do ónus da prova “ou seja, uma presunção de culpa por parte de quem tem a seu cargo a vigilância de coisas ou de animais, ou exerce uma actividade perigosa”.
Manuel A. Carneiro da Frada Sobre a responsabilidade das concessionárias por acidentes ocorridos em auto-estradas, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65, Volume II, Setembro de 2005, pág. 407 e seguintes considera que, segundo o princípio da culpa, apenas se justifica a inversão do ónus da prova consagrado no normativo que se transcreveu, relativamente àqueles prejuízos que, de acordo com as regras da experiência, se evitariam plausivelmente caso o dever de vigilância tivesse sido observado, “em relação, portanto, àqueles danos que podem ser típica e eficientemente sustados pela imposição e acatamento do dever”.
Para o autor citado, a força da presunção depende da eficácia do dever de vigilância, concluindo que “bastará, para ilidir a presunção, a convicção razoável acerca da presença de outra causa do acidente além da violação de um dever de vigilância. Aproveitando uma fórmula que é usada, em lugar paralelo, pelo Código Civil alemão, a obrigação de indemnizar exclui-se quando se demonstra que o sujeito desenvolveu a diligência exigível (segundo as concepções do tráfico jurídico) para prevenir o dano”.
O dever de vigilância decorre natural e logicamente do poder de facto sobre o animal, não podendo o dono do animal subtrair-se a esse dever e às consequências da violação do mesmo, como se conclui no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.04.2009 Proferido no Processo n.º 7/09.2YFLSB, acessível em http://www.dgsi.pt :
“Como é evidente, um proprietário de um animal, para além de poder ser considerado como utilizador do mesmo no seu próprio interesse, pode também ser considerado como encarregado de sua vigilância.
Aliás, será esse o caso normal.
Na verdade, um proprietário que utiliza um animal no seu próprio interesse, naturalmente assume o encargo de o vigiar, aplicando-se-lhe assim, cumulativamente, as disposições previstas nos citados nº1 do artigo 493º e 502º do Código Civil.
Senão (…) teríamos o ilogismo de o proprietário/utilizador/vigilante se subtrair a uma presunção de culpa que recairá sobre um mero vigilante.”
Conclui-se no citado acórdão, citando António Pereira da Costa Dos Animais, O direito e os direitos, Coimbra Editora, Edição/Reimpressão, 1998. : «Para o efeito do disposto no n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil ‘o responsável é aquele que tem, não o poder jurídico sobre o animal, mas o poder de facto, aquele que, possuindo-o, por si ou em nome de outrem, pode sobre ele exercer um controlo físico e tenha a obrigação de o guardar, aquele que se encontra em condições de o vigiar e tomar as medidas convenientes para esse efeito’».
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, Coimbra editora, pág. 495., é a pessoa que tem os animais à sua guarda, quem deve tomar as providências indispensáveis para evitar a lesão, podendo tratar-se do comodatário, do depositário, etc.
No mesmo sentido, escreve Mário Júlio de Almeida e Costa Direito das Obrigações, 12.ª edição, Almedina, pág. 586, que também existe presunção de culpa em relação à responsabilidade de quem haja assumido o encargo de vigilância de quaisquer animais, pelos danos por estes causados, como o depositário, o mandatário, o tratador, a pessoa interessada na aquisição do animal, etc.
O dever de vigilância do animal (e consequente presunção de culpa decorrente do artigo 493.º do CC) incide, originariamente, sobre o dono do animal, sem prejuízo de este afastar tal presunção, provando que outra pessoa assumiu esse encargo, tendo o animal à sua guarda.
Numa outra norma do Código Civil se prevêem danos causados por animais.
Trata-se do artigo 502.º, que sob essa epígrafe prescreve: “Quem no seu próprio interesse utilizar quaisquer animais responde pelos danos que eles causarem, desde que os danos resultem do perigo especial que envolve a sua utilização.”
Trata-se, neste caso, de responsabilidade objectiva, propondo-se no acórdão do STJ de 19.06.2007 Proferido no Processo n.º 07A1730, acessível em http://www.dgsi.pt , a seguinte distinção: “o Artigo 493.º refere-se às pessoas que assumiram o encargo da vigilância dos animais, o Artigo 502.º é aplicável aos que utilizam os animais no seu próprio interesse.».
Como se declara no citado acórdão, uma responsabilidade não exclui a outra. A previsão do artigo 493.º reporta-se à responsabilidade do vigilante do animal e funda-se na culpa; a previsão do 502.º reporta-se à responsabilidade decorrente da utilização perigosa de animais Entende-se por perigo especial o que é característico ou típico dos animais utilizados, variando com a natureza destes – Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª edição, Almedina, pág. 625. e alicerça-se no risco que se cria em relação a terceiros.
No mesmo sentido se decidiu no acórdão desta Relação, de 13.04.2010 Proferido no Processo n.º 643/07.1TBSCD.C2, acessível em http://www.dgsi.pt , 643/07.1TBSCD.C2: “Na responsabilidade civil por danos causados por animais, podem coexistir as responsabilidades fundadas tanto no art. 493, como no art.502, ambos do Código Civil, quando a pessoa obrigada à vigilância do animal é simultaneamente seu proprietário.”
Como se decidiu no acórdão do STJ, de 27 de Maio de 1997 CJ, Acs. STJ, Ano V, Tomo II, 1997, pág. 105 e segs., presume-se a culpa de quem tem o encargo de vigilância dos animais, implicando tal presunção a detenção material do animal em nome próprio.
No citado aresto define-se o dever do detentor nestes termos: “O detentor tem o encargo de vigiar a coisa de forma a providenciar para que o dano seja evitado, tomando as medidas adequadas”.
Regressando ao caso sub judice, constatamos que: i) a vaca interveniente no acidente pertence à ré; ii) a referida vaca não estava à guarda de terceiro; iii) sobre a ré recaía o dever de vigilância do animal; iv) a vaca atravessou a estrada à noite, provocando o acidente; v) logo, a ré responde pelos danos provocados, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido, ainda que não houvesse culpa sua.
Como se conclui na sentença sob censura, a ré não logrou afastar a presunção de culpa, pelo que deverá responder nos termos do artigo 493.º/1 do Código Civil.
Alega a recorrente que “ao ser proprietária do mencionado bovino e ao utilizá-lo da forma descrita nos autos, não assumiu qualquer encargo de vigilância do mesmo (…) mas, tão só, assumiu o especial risco que envolve a utilização (…) no entanto, não são os danos causados pelo mesmo passíveis de fundamentar a indemnização em que aquela foi condenada pois, esses danos eram passíveis de serem causados por qualquer outro obstáculo que se encontrasse na faixa de rodagem no local do acidente em questão”
Não se revela coerente nem compreensível o raciocínio exposto.
Por um lado, não se compreende como possa a recorrente, afirmando-se dona do animal, rejeitar o dever de vigilância inerente a essa condição.
Por outro, a recorrente esquece uma verdade elementar: um animal não é um obstáculo que se encontra estático na faixa de rodagem. Trata-se de coisa semovente Categoria das coisas móveis. Não estão previstas autonomamente no Código Civil, e abrangem as coisas que se movem por si mesmas, em virtude de uma força anímica própria, aí se incluindo os animais., que, in casu, não estava na via, antes a atravessou, indo provocar o embate.
Finalmente, sem quebra do respeito devido, afigura-se juridicamente insustentável a afirmação feita pela recorrente na alínea NA) das conclusões, quando refere: “Resulta provado à saciedade que tais animais pastoreiam aquele local em regime livre e sem a vigilância de qualquer guardador de gado, desde tempos imemoriais”.
Com a afirmação que se transcreveu, parece que a recorrente pretende legitimar a sua falta de diligência, com a invocação de uma prática que, alegadamente, constitui costume na região onde ocorre o acidente.
Acontece, no entanto, que, como resulta do artigo 3.º do Código Civil, a relevância jurídica dos usos só pode ser reconhecida quando a lei especialmente o determine.
Em conclusão, sobre a ré/recorrente incumbia o dever de vigilância do animal e, como não logrou provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua, responde pelos danos decorrentes do acidente, nos termos do n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil.
Face ao exposto, revela-se improcedente o recurso, devendo manter-se a sentença recorrida, que não merece qualquer censura.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, ao qual negam provimento, e, em consequência, em manter a sentença recorrida.
Custas do recurso pela Apelante.
*
O presente acórdão compõe-se de vinte e quatro páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
*
Coimbra, 11 de Julho de 2012

Carlos Querido ( Relator )
Virgílio Mateus
Carvalho Martins