Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2879/10.9TBFIG-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
PRETERIÇÃO DE HERDEIRO
REVELIA
PATROCINIO JUDICIÁRIO
Data do Acordão: 12/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - F.FOZ - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.566, 1327, 1388, 1404 CPC, 253 CC, LEI Nº 29/2009 DE 19/6, LEI Nº 23/2013 5/3, LEI Nº 41/29013 DE 26/6
Sumário: 1. As disposições legais com a redacção anterior à entrada em vigor do Código de Processo Civil (CPC) de 2013 (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.6), aplicáveis aos processos de inventário pendentes em tribunal, serão apenas aquelas que se reportam à regulamentação específica do processo de inventário, aplicando-se quanto ao demais, mormente em matéria de recursos instaurados após 01.9.2013, o regime do actual CPC (cf. os art.ºs 7º e 8º da Lei n.º 23/2013, de 05.3).

2. Para efeitos do art.º 1388º, n.º 1, do CPC de 1961, a preterição de herdeiro, em processo de inventário, dá-se quando o cabeça-de-casal deixa de indicar como tal alguém que tem essa qualidade; verifica-se a falta de intervenção quando, posteriormente às declarações do cabeça-de-casal, alguém adquiriu a qualidade de herdeiro e não chegou a intervir no inventário.

3. A obrigatoriedade de intervenção de advogado apenas se reporta ao exercício do pleito, que não à mera recepção das notificações e não se poderá confundir a passividade do executado na execução - típica revelia processual (art.º 566º do CPC) - com a não notificação motivadora da via edital e da nomeação de defensor ao ausente, pelo que tendo o executado preferido manter-se passivo, não obstante dever-se considerar notificado, nenhuma obrigação de representação oficiosa impende sobre o tribunal.

Decisão Texto Integral:


            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:       

           

           

            I. Por apenso aos autos de inventário instaurados para partilha dos bens na sequência do decretamento de divórcio, sendo requerente D (…) e requerido e cabeça-de-casal A (…), este veio requerer, a 19.01.2018, a citação daquela, formulando pedidos a produzir efeito no referido inventário e nas execuções apensas, nomeadamente: a) a declaração da ineficácia da partilha, aplicando-se as regras gerais dos negócios jurídicos, e, por essa via, que sejam extintos, retroactivamente ao momento do divórcio, os efeitos próprios da partilha, repondo a situação de indivisão; b) face à nulidade de todos os actos praticados nas execuções, deverá ser determinado o arresto nos termos do n.º 2 do art.º 619º do Código Civil (CC) e 391º do Código de Processo Civil (CPC), do imóvel “ Moradia sita na (...) – x (...), que foi implantada no antigo artigo n.º 00 (...) da Freguesia (...), Concelho de x (...)”, efectuando-se a notificação do actual proprietário do arresto e averbando-se na Conservatória do Registo Predial, o arresto e o cancelamento de qualquer registo futuro, até decisão final de todo o processo ou processos que venham a decorrer relativamente a este imóvel.

            Referiu, nomeadamente: por mero acaso, no dia 09.01.2018, foi ao Tribunal verificar como estava a situação do processo de inventário e sem qualquer outra explicação, foi-lhe entregue um papel para preencher, para dar o seu IBAN, para lhe restituírem uma pequena quantia do produto da venda, conforme doc. que integra o processo a final; quanto ao inventário, nos termos dos art.ºs 72º do Regime Jurídico do Processo de Inventário, 286º e 289º do CC e 542º n.º 2 alíneas b), c) e d) do CPC, pede a anulação da homologação de sentença de partilha, com efeito suspensivo, e nulidade de todos os actos subsequentes; antes da partilha, a Juíza devia ter feito as diligências necessárias, nomeadamente as consagradas no art.º 239º do CPC e, durante a averiguação da concreta residência para ter a certeza que o requerente seria citado ou notificado, era seu dever suspender a instância nos termos da 1ª parte da al. c) e d) do n.º 1 do art.º 269º CPC; tanto mais que não havia urgência na partilha, porque os bens estavam na posse da requerente, nomeadamente a casa de morada de família e segundo as regras do art.º 1403º e segs. do CC, estavam em regime de compropriedade; também quanto à notificação da sentença homologatória da partilha, tendo o A. residência temporária na Alemanha, deveria ter sido notificado nos termos do art.º 239º do CPC, tanto mais que fez juntar aos autos atestado de residência francesa, desde 16.3.2014; a ex-cônjuge actuou com má fé processual, na vertente de utilização maliciosa e abusiva do processo de inventário; no que concerne à execução do apenso B, o A./ali executado nunca foi citado para nenhuma diligência, sendo que a PSP informou em 10.5.2016 que se encontrava emigrado em França e o MP requereu o arquivamento condicional nos termos do art.º 35º, n.º 6 RCP; relativamente à outra execução pendente, a exequente/aqui Ré requereu a execução de sentença nos próprios autos, sendo incompetente este tribunal; nunca foi citado, nem feita qualquer diligência junto das instâncias Judiciárias, Policiais ou Embaixada Portuguesa para ser citado, em França, onde reside; foi feita a venda do imóvel por pessoa que vive em união de facto com a filha do casal, não foi feita publicidade no Portal das execuções, foi colocado um edital na residência onde estava impedido de ir e nunca foi citado ou notificado para qualquer acto na venda.

            A Ré contestou excepcionando a incompetência absoluta do tribunal, em razão da matéria e da hierarquia, a existência de erro na forma de processo e consequente prescrição do direito (porque o A. baseia-se na Lei 23/2013, de 05.3, que não estava em vigor à data do inventário, antes sendo aplicável a Lei 29/2009 de 29.6, concretamente o artigo 64º desta Lei, sendo que o prazo de um ano aí previsto já decorreu, verificando-se a prescrição do exercício do direito) e a utilização abusiva dos tribunais e instâncias judiciárias, nas vertentes de abuso do direito e litigância de má fé (aludindo ao processo 1187/09.2PBFIG - processo crime de violência doméstica contra na altura a sua mulher, aqui Ré, a quem foi atribuído o estatuto de vítima), sendo que o A. esteve presente ou devidamente representado nos autos e nunca veio indicar nova morada. Concluiu pedindo o desentranhamento da petição ou a improcedência da acção.

            Por saneador-sentença de 11.6.2018, a Mm.ª Juíza a quo julgou o tribunal competente e julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição da Ré.

            Inconformado, o A. interpôs a presente apelação formulando as seguintes conclusões:

            1ª - Não foi apreciada devidamente a matéria de facto e de direito, nos processos de inventário/Execução/venda e despacho/saneador, estando as sentenças, alicerçadas em nulidades jurídicas, violando grosseiramente o Princípio da Igualdade e Oportunidade, consagrados na CRP e na Lei.

            2ª - Admitindo a Mm.ª Juíza erro na aplicação do direito, veja-se a fundamentação da decisão do despacho saneador/sentença, na última folha e que se reproduz “Não olvidamos as amplas plausibilidades das questões no nosso direito e, nesta medida, quiçá, o A. até possa vir a encontrar eco para a sua teoria argumentativa. Não foi o nosso caso.”

            3ª - Conforme pedido na PI, seja declaro nulo todo o processado, desde a última intervenção no Inventário do Cabeça-de-Casal, ora A. devendo este regressar à fase da Relação de Bens.

            4ª - Devendo assim ser decretada a nulidade do Processo de Inventário/Execuções/Venda e despacho saneador/sentença, por estar em contradição com as normas supra referidas e violar normas jurídico-constitucionais, nomeadamente os art.ºs 13º, n.º 1 da CRP (Princípio da igualdade material), conjugado com os art.ºs 3º n.º 3 e 4º do CPC, bem com o art.º 14º (Portugueses no Estrangeiro), 20º n.º s 1 e 2 (Acesso ao Direito e tutela jurisdicional efectiva), n.º 2 do art.º 202º (Função Jurisdicional), n.º 1 do art.º 266º (Princípios Fundamentais) e n.º 3 do art.º 268º (Direitos e Garantias dos Administrados), da Constituição da República Portuguesa.

            5ª - Como consequência determinar o arresto do imóvel na propriedade de quem se encontrar, pois o A. não prescinde do direito de regresso do mesmo ao património, com toda a legitimidade que lhe assiste.

            6ª - Requer as diligências solicitadas no pedido da PI, quanto a todos os intervenientes na venda para esclarecimento da verdade material.

            A Ré respondeu à alegação de recurso concluindo pela sua improcedência.

            Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar das pretensas “nulidades”, “ilegalidades” e “inconstitucionalidades” da decisão recorrida, sendo que o A./recorrente não cumpriu quaisquer dos requisitos/ónus da impugnação da decisão relativa à matéria de facto previstos no art.º 640º do CPC, com as consequências que a lei claramente prevê.


*

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

            1) O processo de inventário, que constitui o apenso A, teve início com o requerimento da aqui Ré, com data de 20.5.2011.

            2) O A.[1] foi citado no apenso A, nos termos do então art.º 1340º do CPC, pelo menos a 28.6.2011, na seguinte morada: (…), Alemanha (cf. o A/R de fls. 11 do mesmo apenso, sendo que, por não ter sido aposta a data da citação, se atende à - necessariamente posterior - da entrada do mesmo na secretaria deste tribunal).

            3) O aqui A., nomeado cabeça-de-casal nos referidos autos, prestou declarações nessa qualidade a 04.01.2012, a seu pedido, presencialmente neste tribunal, confirmando igualmente a morada referida em 2), como sendo a sua.

            4) Na morada referida em 2), o aqui A. foi igualmente notificado para a prestação de declarações.

            5) Mediante requerimento de 01.02.2012, no processo de inventário, o A. requereu a junção de procuração outorgada a favor dos Drs. (…) com data de 05.01.2012, nos termos da qual lhes confere poderes “para em seu nome assinarem qualquer transacção, acordo ou desistência do pedido ou da instância, representá-lo em audiência preliminar, conferência de interessados, audiência de partes (…)”.

            6) A notificação expedida para o requerente/A. com data de 29.01.2015, remetida para a morada pelo mesmo fornecida – (…)Alemanha - veio devolvida, com a indicação de «desconhecido/endereço insuficiente».

            7) Com data de 07.4.2015, foi decidida a reclamação relativamente à relação de bens, onde se determinou, além do mais, o aditamento dos PPR.

            8) Na conferência de interessados de 15.6.2015, o Exmo. Mandatário do aqui A./cabeça-de-casal forneceu o endereço electrónico do cliente, além de tentar o contacto telefónico com o mesmo, tendo-se designado nova a fim de lograr a efectiva presença do mesmo.

            9) O aqui A. foi notificado da nova data através do endereço electrónico fornecido.

            10) Em 14.9.2015, teve lugar a conferência de interessados, na ausência do cabeça-de-casal, que se considerou notificado em vista de todas as tentativas empreendidas e de não ter sido comunicado endereço diferente, encontrando-se presente o seu Exmo. Mandatário com poderes especiais de representação.

            11) Na mesma conferência de interessados, foi proferida sentença homologatória do acordo de partilha alcançado.

            12) No requerimento do requerido/cabeça-de-casal, de 09.12.2015, o mesmo mantém que a sua residência no estrangeiro é (…)Alemanha.

            13) O Exmo. Mandatário do cabeça-de-casal/A., no processo de inventário, renunciou à procuração mediante requerimento de 11.01.2016.

            14) No âmbito da execução apensa (2879/10.9TBFIG.1), instaurada a 19.01.2016, foi expedida carta registada de citação do executado - ora A. -, nos termos do art.º 626º n.º 2 do CPC, com data de 23.5.2016, para (…)Alemanha.

            15) A referida carta veio devolvida, com a menção «endereço insuficiente/desconhecido».

            16) A 11.10.2016, foi enviado email para o executado, na dita execução, para o endereço electrónico fornecido pelo seu Exmo. Mandatário no apenso de inventário, (…) a fim de que o mesmo se pronunciasse sobre a modalidade da venda.

            17) A 29.3.2017, foi enviado email para o executado, na dita execução, para o endereço electrónico (…), a fim se que o mesmo se pronunciasse sobre a modalidade da venda.

            18) A 22.5.2017, foi enviado email para o executado, na dita execução, para o endereço electrónico (…)

            19) A 29.5.2017, foi enviado email para o executado, na dita execução, para o endereço electrónico (…)

            20) A 14.5.2017, foi enviado email para o executado, na dita execução, para o endereço electrónico (…)

            21) A 12.10.2017, foi enviado email para o executado, na dita execução, para o endereço electrónico (…)

            22) A 10.11.2017, foi enviado email para o executado, na dita execução, para o endereço electrónico (…)

            23) A 22.5.2017, foi enviado email para o executado, na dita execução, para o endereço electrónico (…)

            24) Os actos a que se reportam os pontos II. 1. 16) a 23) foram igualmente objecto de cartas remetidas para o aí executado, para a morada (…) Alemanha, vindo devolvidas com a menção «endereço insuficiente/desconhecido».

            25) No âmbito da execução que constitui o apenso B, instaurada a 29.3.2016, por não ter sido lograda a penhora de qualquer bem pertença do executado, este não chegou a ser notificado.

            26) A PSP informou em 10.5.2016 que o executado se encontrava emigrado em França.

            2. Estes, pois, os factos que a Mm.ª Juíza a quo deu como provados mediante a consulta dos diversos processos (inventário e execuções) apensos e das referências electrónicas correspondentes e esta é a factualidade a considerar porquanto não foi validamente impugnada (cf. I. in fine, supra e o art.º 640º, n.º 1 do CPC).

            3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão (art.º 639º, n.º 1 do CPC), ou seja, ao ónus de alegar acresce o ónus de concluir – as razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão-de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, importando que a alegação feche pela indicação resumida das razões por que se pede o provimento do recurso (a alteração ou a anulação da decisão).

            Ora, o tribunal superior tem de guiar-se pelas conclusões da alegação para determinar, com precisão, o objecto do recurso; só deve conhecer, pois, das questões ou pontos compreendidos nas conclusões, pouco importando a extensão objectiva que haja sido dada ao recurso, no corpo da alegação[2], sendo que tudo o que conste das conclusões sem corresponder a matéria explanada nas alegações propriamente ditas, não pode ser considerado e não é possível tomar conhecimento de qualquer questão que não esteja contida nas conclusões das alegações, ainda que versada no respectivo corpo.[3]

As conclusões servem assim para delimitar o objecto do recurso (art.º 635º do CPC), devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo, constando normalmente, na sua parte final, se se pretende obter a revogação, a anulação ou a modificação da decisão recorrida.

            4. Partimos da fundamentação da Mm.ª Juíza a quo, que se reproduzirá de seguida nos segmentos tidos por relevantes para a decisão.

            Assim, começando pelo processo de inventário, foi referido:

            «(…) Nos termos do art.º 72º n.º 1 do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei 23/2013, de 05.3, a anulação da partilha confirmada por decisão que se tenha tornado definitiva só pode ser decretada (sendo pedida por meio de acção) “quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má-fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada”.

            Sucede que, nos termos do art.º 7º da dita Lei de aprovação, o diploma assim instituído não se aplica aos processos pendentes à data da respectiva entrada em vigor.

            Note-se que o dito regime entrou em vigor no primeiro dia útil de setembro de 2013.

            Note-se ainda e revertendo para o caso dos autos, que o concreto processo de inventário esteve pendente entre 23.5.2011 e 10.02.2016 (p. 257 do inventário, com essa data de conclusão).

            Logo, inaplicável é o Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei 23/2013, de 05.3, designadamente, quando ao procedimento impugnatório, o art.º 72º ex vi art.º 79º, ambos do citado Regime.

            Quid iuris quanto ao regime do processo de inventário criado pela Lei n.º 29/2009, de 29 de junho?

            A resposta não difere da anterior, ainda que por razão diversa.

            Com efeito, apesar de o artigo 87º, n.º 1 da Lei n.º 29/2009 de 29 de junho, na redação da Lei n.º 1/2010, de 15 de janeiro, ter prescrito que a entrada em vigor do primeiro diploma que transferia a competência para a tramitação dos processos de inventário dos tribunais para as conservatórias e cartórios notariais, deveria ter lugar em 18 de julho de 2010, a Lei n.º 44/2010 de 3 de setembro diferiu tal data “90 dias após a publicação da portaria referida no n.º 3 do artigo 2.º” [cf. o citado art.º 87º n.º 1], retroagindo a eficácia desta modificação à referida data de 18.7.2010.

            Porém, tal Portaria não chegou a ser publicada.

            Como se decidiu no acórdão do Tribunal Constitucional de 06.7.2011, da 2ª Secção, processo 111/11, “ao determinar que o novo regime do inventário só produz efeitos 90 dias após a publicação de uma portaria, o legislador adiou, mais uma vez, a sua efectiva entrada em vigor, mantendo-se entretanto aplicável aos processos de inventário o regime anterior à Lei n.º 29/2009, de 29 de Junho, o qual atribui aos tribunais judiciais, rectius, aos tribunais de família onde os haja instalado, a competência para tramitar os processos de inventário” (…)

            Nesta medida, portanto, também a argumentação da R. não poderá ser enquadrada no citado Regime.

            Resta-nos, pois, o Código de Processo Civil, na versão vigente à data da instauração do inventário.

            Vejamos, pois, a norma do art.º 1388.º ex vi art.º 1404º n.º 3, ambos deste último diploma.

            “(…)

            1— Salvos os casos de recurso extraordinário, a anulação da partilha judicial confirmada por sentença passada em julgado só pode ser decretada quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada.

            2— A anulação deve ser pedida por meio de acção à qual é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo anterior.”

            Verifica-se, pois, que a previsão legal aplicável não difere substancialmente da vigente no presente.

            Assim, tal como na versão legal invocada pelo requerente, além da anulação (e da emenda da partilha), os interessados no inventário dispõem da via impugnatória, a saber, os recursos ordinário e extraordinário.

            (…)

            Como se sumariou no acórdão da RC de 04.4.2017-processo 498/15.2T8MGR-A.C1[4], a preterição de herdeiro dá-se “quando o cabeça-de-casal deixa de indicar como herdeiro alguém que tem essa qualidade”; a “falta de intervenção” verifica-se “quando, posteriormente às declarações do cabeça-de-casal, alguém adquiriu a qualidade de herdeiro e não chegou a intervir no processo de inventário”. [Alberto dos Reis, interpretando disposição do CPC de 1939 idêntica à do citado art.º 1388º do CPC de 1961, in RLJ, 83º, 344.]

            Tanto a preterição como a falta de intervenção, causais da anulação da partilha, têm como pressuposto o dolo ou má fé, cujo conceito o art.º 253º do Cód. Civil define. Vícios que hão de ter origem na actuação dos «outros interessados», isto é, no procedimento malicioso com que se houveram no intuito pretendido e alcançado de afastarem do inventário qualquer co-herdeiro que tinha direito a aí intervir e obter o pagamento do seu quinhão hereditário, ou de viciarem o alcance e finalidade da partilha em si mesma.[J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, Almedina, 4ª edição, 1990, págs. 580 e seguinte].

            A consequência, aplicando ao caso vertente, é concluir que, tendo sido o R.[5] indicado e intervindo como interessado no inventário apenso, “não [tem] assim legitimidade para a propositura de uma acção de anulação da partilha” [Acórdão da RC de 04.4.2017-processo 498/15.2T8MGR-A.C1)], e isto segundo a configuração de facto trazida pelo mesmo e por confronto com o processo de inventário em causa.

            Logo, não estão verificados os pressupostos da anulação da partilha.

            2) Ainda que não tenha sido nominado dessa forma, ´quid iuris` sobre a procedibilidade da declaração de nulidade da partilha?

            Como se concluiu no citado acórdão da RC de 04.04.2017, “se podemos afirmar que em matéria de ´declaração da ineficácia da partilha`, aplicam-se as regras gerais dos negócios jurídicos (art.ºs 286º e seguintes, do CC), sendo que a `declaração de ineficácia global` tem como consequência fazer extinguir, retroactivamente ao momento da abertura da sucessão (cf. os art.ºs 289º e 2119º, do CC), os efeitos próprios da partilha hereditária, repondo a situação de indivisão hereditária (´que só poderá ser superada com nova partilha, face à ineficácia global da primitiva`), e, assim, que para obter a declaração da ´nulidade` das partilhas judiciais a ´acção declarativa de simples apreciação, sob a forma comum`, é a forma de processo própria/adequada [Acórdão da RC de 08.3.2016-processo 1419/15.8T8FIG.C1., citado no citado acórdão da RC de 04.4.2017. No mesmo sentido, Sousa, R. Capelo de, Lições de direito das sucessões, Volume II, 2ª edição, Coimbra Editora, 1993, págs. 364 e seguintes, e o acórdão da RC de 17.11.2015-processo n.º 308/11.0TBSEI-A.C1. Cf., também, Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., vol. VI, Coimbra Editora, 1998, p. 198.].“

            Invoca o A. não ter sido notificado dos termos do processo de inventário, inclusive da sentença homologatória da partilha.

            Vejamos.

            Os actos do tribunal são, por regra, recetícios, produzindo os seus efeitos quando se tornem conhecidos do seu destinatário. Exceção significativa para a presunção do conhecimento do acto pelo seu destinatário, como sucede, por exemplo, no caso das notificações dos advogados das partes (art.º 254 n.ºs 2 e 3 do CPC, na versão aplicável), sendo que as notificações às partes em processos pendentes são feitas na pessoa dos seus mandatários judiciais (art.º 253º, n.º 1 do CPC, na versão aplicável).

            ´In casu`, repete-se, o Ilustre Mandatário do A. encontrava-se munido de poderes especiais de representação.[6]

            Convoca o A. a norma do art.º 239º do CPC, na versão aplicável, para apontar a sua violação no processo de inventário e a consequente nulidade do processado.

            Salvo o devido respeito, labora em equívoco, porquanto a citação já tinha regularmente tido lugar antes de 28.6.2011.

            Por outro lado, de acordo com a norma do art.º 36º, n.º 1 do CPC, na dita versão, o requerido encontrava-se devidamente representado na própria conferência de interessados, pelo que a notificação, nos termos do citado art.º 253º do CPC ocorreu na pessoa do seu Ilustre Mandatário.

            Termos em que (…) carece de fundamento fático-jurídico a suspensão da instância, nos termos do art.º 269º, n.º 1 c) e d) do CPC, para averiguar a morada do interessado no inventário, ora A.

            Pela mesma ordem de razão, não se impunham quaisquer outras diligências nos termos do art.º 239º do CPC, quando foi o interessado/aqui A. a fornecer nos autos os seus contactos, sem que os tenha entretanto alterado.

            Com efeito, o Autor não teria de ser notificado noutra morada porque a morada indicada nos autos foi-o pelo próprio e sempre esteve devidamente representado por mandatário com poderes especiais, no Inventário, incluindo na conferência de interessados em que foram acordados os termos da partilha dos bens, em que o seu Ilustre Mandatário esteve presente, como, aliás, nos demais ao longo desses autos.  

            Com efeito, pela própria versão trazida pelo A., além de se não descortinarem os pressupostos da anulação da partilha, não se vislumbra a alegação de causa de pedir capaz de determinar a declaração de nulidade dessa mesma partilha, aplicando o regime geral do CC.

            (…) o agora A. teve oportunidade de se manifestar a cada passo, porque acompanhou o processo desde o seu início e outorgou procuração com poderes especiais a favor do Ilustre Mandatário que, já após a homologação da partilha e notificação da sentença correspondente, renunciou à procuração.

            Mais: o tribunal procedeu ao adiamento da conferência de interessados e recorreu, em função dos requerimentos que, nesse sentido, o seu Ilustre Mandatário ia fazendo ao próprio email do A., sendo esse o meio de contacto que igualmente usava na relação entre cliente/mandatário.

            Eis porque a não serem procedentes os juízos de mérito/demérito que vêm sendo sequencialmente formulados, o surgimento, agora, do requerido, a nosso ver, esbarra no espartilho processual da proibição do abuso de direito, na veste do ´venire contra factum proprium`, enquanto “nível último e irrecusável de funcionalização dos direitos à realização dos interesses que justificam o seu reconhecimento” (…). Assim o elege o art.º 334º do CC.

            A matéria de facto é esclarecedora e resulta do simples confronto com o processado, sendo que o A. não alega sequer fundamentos que permitam a procedência de quaisquer meios processuais tendo em vista o regresso do património conjugal à situação de não partilha. E fá-lo decorrido 2 anos e 4 meses depois do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha.

            Trata-se de um comportamento contraditório qualificado pelo decurso do tempo, o que, a entender-se que o aqui A. teria algum dos direitos que invoca, dá de frente com a espada da ilegitimidade do seu exercício, enquanto abuso do direito.

            Termos em que improcede, em toda a linha, a pretensão deduzida pelo A., no processo de inventário. (…)»

            Quanto à execução instaurada pela aqui Ré, vejamos o seguinte excerto:

            «A exequente D (…) requereu a execução de sentença nos próprios autos, que deu origem ao apenso 2879/10.9TBFIG.1.

            Começou por arguir o aqui A. - aí executado - a incompetência deste tribunal, por o ser o Juízo de Execução da Comarca de Coimbra – Tribunal de Soure, conforme al. e) do n.º 2 do art.º 81º (Lei Orgânica do Sistema Judiciário) o competente.

            A R. refutou tal arguição, ripostando com a norma do art.º 85º, n.º 1 (…) do CPC.

            Cumpre decidir.

            Fazendo-o, dir-se-á que a questão se reveste de manifesta simplicidade, face à norma (…) do art.º 85.º n.º 1 do CPC.

            É, este, pois, o tribunal material e territorialmente competente, por conexão com o processo de inventário.

            Improcede, pois, a alegação de incompetência absoluta deste tribunal.

            Posto isto, e porque o aqui A. não invocou o pagamento da quantia de € 60 000 de tornas à Ré, é fundada a instauração da execução, à face do art.º 703º CPC e tendo por título executivo a sentença homologatória da partilha.

            Aponta de seguida a bateria argumentativa para a sua alegada não citação, enquanto executado, no apenso de execução de sentença.

            Vejamos.

            Nos termos do art.º 626º, n.º 2 do CPC, “sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 550º, a execução da decisão condenatória no pagamento de quantia certa segue a tramitação prevista para a forma sumária, havendo lugar à notificação do executado após a realização da penhora.”

            Da transcrição que antecede, resulta, desde logo, a não razão do A. a respeito da forma processual de conhecimento da realização da penhora nos autos - em vez de citação, vale a notificação.

            E sendo assim - como é -, não estando o notificando representado por advogado (já tinha ocorrido a renúncia à procuração nos autos principais), de acordo com o art.º 249º, n.º 1 do CPC,as notificações são feitas por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se feita no 3º dia posterior ao do registo ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.”

            Antecipa-se a objecção do A., com o argumento de que a carta veio devolvida. Porém, foi remetida para o endereço por foi fornecido no processo de inventário; processo este gerador do título executivo dos autos.

            Ora, de acordo com o n.º 2 deste último normativo,a notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior.”

            Improcede, portanto, mais este bastião argumentativo do A..

            Em terceiro lugar, aduz o A. que, perante o art.º 58º, n.º 1 do CPC e o valor da execução - € 66 627, 46 -, era obrigatória a intervenção de advogado.

            Antes de mais, dir-se-á que se supõe reportar-se o A. a advogado como representante processual dele próprio, enquanto executado.

            Neste pressuposto e analisando, ainda que corresponda à verdade a obrigatoriedade de intervenção de advogado, por referência ao art.º 44º da LOSJ, apenas se reporta ao exercício do pleito, que não à mera receção das notificações (cf. o art.º 42º ´a contrariu sensu` do CPC).

            (…) não se poderá confundir a passividade do executado na execução - típica revelia processual, de acordo com o art.º 566º do CPC - com a não notificação motivadora da via edital e da nomeação de defensor ao ausente.

            Assim, tendo o executado preferido manter-se passivo, não obstante dever-se considerar notificado, nenhuma obrigação de representação oficiosa impendia sobre o tribunal.

            Soçobra, igualmente este fundamento.

            Em quarto lugar, alega o A. ter sido feita a venda do imóvel por pessoa que vive em união de facto com a filha do casal adquirente do imóvel vendido.

            Nos termos do art.º 833º, n.º 1 do CPC, “ao determinar -se a venda por negociação particular, designa-se a pessoa que fica incumbida, como mandatário, de a efectuar.”

            O A. não enquadrou legalmente o suposto impedimento do Sr. Mandatário da venda.

            Sucede que não vislumbramos fundamento legal para a qualificação nos moldes alegados, nem por previsão específica, nem por remissão para o regime legal dos solicitadores de execução (cf. os art.ºs 120º e 121º de DL n.º 38/2003, de 10.3), nem na perspectiva do juiz do processo (art.º 115º do CPC).

            Não se olvide, igualmente, que o executado - ora A. - ia sendo notificado para todos os termos do processo executivo, o que se presume nos termos sobreditos, sem que tenha tempestivamente objectado o que quer que fosse, inclusive, quanto a este ponto.

            Nesta medida, mesmo a ser verdade o alegado pelo A., não legitima a anulação da execução pretendida.

            Termos em que improcede a razão em apreço.

            Em quinto lugar, esgrime o A. com o facto de não ter sido feita publicidade no Portal das execuções.

            Também, neste particular (…) é infundada a alegação anulatória do A..

            Com efeito, compulsados os autos executivos em apreço, verifica-se o cumprimento cabal da norma do art.º 817º, n.º 1, a) e b) do CPC:

            - a 05.12.2016 foi proferido despacho determinante da venda mediante propostas em carta fechada;

            - a 05.12.2016 foi emitido o edital da venda;

            - a 09.12.2016, foi certificada a afixação do edital da venda no bem imóvel;

            - a 09.12.2016 (refª 73488631), sob o designativo «Folha», consta a publicitação da venda em página eletrónica própria para o efeito.

            E porque o A. autonomizou o ponto - “Foi colocado um edital na residência, onde o mesmo estava impedido de ir” -, apenas se nos oferece remeter para a previsão legal do art.º 817º do CPC, pois que não excepciona qualquer situação processual. Mas, note-se que esta afixação nem sequer foi pensada, prioritariamente, para os executados, mas antes como forma local e o mais esclarecedora possível das circunstâncias e do objecto da venda, pois, como é consabido, qualquer comprador diligente sente necessidade de conhecer o bem antes de o adquirir.

            Improcede, por conseguinte, esta alegação.

            A derradeira (salvo lapso, atenta a intrincada prolixidade alegatória da petição inicial) acusação do A. dirige-se para a não notificação do próprio para qualquer acto da venda.

            A este respeito, os autos executivos em apreço dão conta das cartas devolvidas e, não obstante, o envio dos emails, tudo para os endereços que o próprio deu no processo de inventário, de que a execução da sentença constitui um mero prolongamento.

            Não reconhecemos, portanto, qualquer mérito a esta arguição.»

            Por último, relativamente ao apenso 2879/10.9TBFIG-B, expendeu o seguinte:

            «Estamos perante uma execução instaurada pelo Ministério Público, tendo em vista o pagamento das custas processuais.

            Em fundamento da sua pretensão anulatória, alega, em síntese, o aqui A:

            - O Executado nunca foi citado para nenhuma diligência, no âmbito do apenso B;

            - A PSP informou em 10.5.2016 que o executado se encontrava emigrado em França;

            - O MP requereu o arquivamento condicional nos termos do art.º 35º, n.º 6 RCP.

            O aí executado - aqui A - foi citado na morada por si indicada no processo de inventário, nos termos do art.º 626º, n.º 2 do CPC.

            Assim o consideramos por o mesmo não ter comunicado aos autos qualquer alteração da morada, o que bastava ter sido feito na execução da sentença homologatória da partilha e não sucedeu.

            De todo o modo, ainda que assim se não considerasse, desde logo por, em tese, não ter que se contar com uma execução por custas - contrariamente à execução da concreta sentença homologatória da partilha -, a verdade é que este apenso B) terminou de forma patrimonialmente neutra para o ora A..

            Por outro lado, a haver renascimento desses autos, necessariamente, terá de ser o aí executado notificado de qualquer acto de penhora. Naturalmente que a notificação em causa, atenta a comunicação recente de morada (…), deverá ter lugar para esta última.[7]

            Termos em que não se vislumbra o fundamento invocado pelo A. - aí executado - e, mesmo a existir, esbarra a pretensão deduzida na falta de interesse processual (art.º 577º, proémio, do CPC), igualmente determinante da extinção da instância, por via da absolvição do requerido da instância.

            Ora, no caso concreto, porque de custas processuais se trata, o requerido teria que ser, necessariamente, o Estado, representado processualmente pelo Ministério Público.

            Ora, mais um handicap nesta particular instância, atenta a desconformidade entre quem foi demandado - a co-interessada no processo de inventário - e quem o deveria ter sido, ou seja, o Ministério Público em representação do Estado (art.ºs 30º, n.º 1, 2ª parte e 577º e) ambos do CPC). O destino é, por conseguinte, a absolvição da R. da instância (art.ºs 576º, n.º 2 e 578º, ambos do CPC).

            Apenas não nos ficamos pela sentença formal, atenta a falta de mérito diagnosticada ao pedido formulado, igualmente a respeito desta execução.

            Improcede, pois, em toda a extensão, a acção proposta. (…)»

            5. Temos por inteiramente correcto o explanado pelo tribunal recorrido.

            Assim, e desde logo, adere-se ao entendimento de que as disposições legais com a redacção anterior à entrada em vigor do Código de Processo Civil (CPC) de 2013 (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.6), aplicáveis aos processos de inventário pendentes em tribunal, serão apenas aquelas que se reportam à regulamentação específica do processo de inventário, aplicando-se quanto ao demais, mormente em matéria de recursos instaurados após 01.9.2013, o regime do actual CPC (cf. os art.ºs 7º e 8º da Lei n.º 23/2013, de 05.3 - que estabelece o actual regime jurídico do processo de inventário).[8]

            Assim, a resposta deverá ser encontrada a partir do regime jurídico estatuído no CPC de 1961 (com as alterações introduzidas pelo DL n.º 227/94, de 08.9 e pelo DL n.º 329-A/95, de 12.12) e CC, aplicável à situação dos autos.[9]

            6. Considerado o objecto do litígio e as datas dos factos que relevam para a decisão, dúvidas não restam que importa atentar no regime jurídico processual e em matéria de inventário previsto no Código de Processo Civil de 1961 (bem como na lei civil substantiva à data da abertura da sucessão).

            Assim, atente-se no seguinte enquadramento adjectivo:

            Têm legitimidade para requerer que se proceda a inventário e para nele intervirem, como partes principais, em todos os actos e termos do processo, os interessados directos na partilha (art.º 1327º, n.º 1, alínea a), do CPC de 1961, na redacção introduzida pelo DL n.º 227/94, de 08.9).

            Salvos os casos de recurso extraordinário, a anulação da partilha judicial confirmada por sentença passada em julgado só pode ser decretada quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada (art.º 1388º, n.º 1, do CPC de 1961). A anulação deve ser pedida por meio de acção à qual é aplicável o disposto no n.º 2 do artigo anterior (n.º 2)[10].

            7. A anulação da partilha judicial apenas pode ser peticionada quando se verifique preterição ou falta de intervenção de algum herdeiro, bem como a existência de dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada, conforme se prevê no art.º 1388º, n.º 1 do CPC de 1961.

            A preterição de herdeiro dá-se “quando o cabeça-de-casal deixa de indicar como herdeiro alguém que tem essa qualidade”; a “falta de intervenção” verifica-se “quando, posteriormente às declarações do cabeça-de-casal, alguém adquiriu a qualidade de herdeiro e não chegou a intervir no processo de inventário”.[11]

            A preterição de herdeiro, em processo de inventário, dá-se quando o cabeça-de-casal deixa de indicar como tal alguém que tem essa qualidade; verifica-se a falta de intervenção quando, posteriormente às declarações do cabeça-de-casal, alguém adquiriu a qualidade de herdeiro e não chegou a intervir no inventário.

            Tanto a preterição como a falta de intervenção, causais da anulação da partilha, têm como pressuposto o dolo ou má fé, cujo conceito o art.º 253º do Cód. Civil define. Vícios que hão-de ter origem na actuação dos «outros interessados», isto é, no procedimento malicioso com que se houveram no intuito pretendido e alcançado de afastarem do inventário qualquer co-herdeiro que tinha direito a aí intervir e obter o pagamento do seu quinhão hereditário, ou de viciarem o alcance e finalidade da partilha em si mesma.[12]

            8. Na situação em análise verifica-se, por um lado, que o recorrente, interessado e cabeça-de-casal no mencionado inventário, foi devidamente citado e notificado no decurso dos autos, interveio no inventário e nunca deixou de estar devidamente representado pelos seus Exmos. Mandatários Judiciais (cf., principalmente, II. 1. 2), 4), 5), 8) a 10) e 12), supra) e, por outro lado, atento o enquadramento jurídico supra referido, não seria admissível a pretensão de anular a partilha[13], porquanto, além do mais, o recorrente é interessado e interveio no inventário, não tendo assim legitimidade para a propositura de uma acção de anulação da partilha ao abrigo do disposto no art.º 1388º, n.º 1 do CPC de 1961.

            Carece, pois, de fundamento tudo quanto se invoca na 1ª parte da alegação de recurso e correspondentes “conclusões”.

            9. No que concerne à dita execução de sentença (título executivo validamente formado, conforme resulta do mencionado processo de inventário) instaurada pela aqui Ré, é igualmente correcto o expendido pela Mm.ª Juíza a quo (cf. II. 4. supra).

            Na verdade, tal execução seguiu a tramitação prevista no art.º 626º do CPC de 2013; o executado foi notificado após a realização da penhora (n.º 2 do referido art.º), com observância do disposto no art.º 249º do mesmo Código, sendo que a notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior (art.º 249º, n.º 2 do CPC).

            Acresce, como bem se refere na decisão sob censura, que a obrigatoriedade de intervenção de advogado apenas se reporta ao exercício do pleito, que não à mera recepção das notificações e não se poderá confundir a passividade do executado na execução - típica revelia processual (art.º 566º do CPC) - com a não notificação motivadora da via edital e da nomeação de defensor ao ausente, pelo que tendo o executado preferido manter-se passivo, não obstante dever-se considerar notificado, nenhuma obrigação de representação oficiosa impendia sobre o tribunal.

            Ora, face ao que decorre, designadamente, da factualidade dita em II. 1. 14), 16) a 23) e 24), supra, e não tendo sido expressa e claramente invocadas quaisquer outras pretensas irregularidades na tramitação da aludida execução (cf. as “conclusões” referidas em I., supra e o ponto II. 3., supra) - de resto, adequadamente analisadas pela Mm.ª Juíza a quo na decisão recorrida -, importa concluir que nenhuma razão assiste ao recorrente quanto às pretensas “nulidades jurídicas” que teriam inquinado a mesma acção executiva.

            10. Quanto à execução mencionada em II. 1. 25) e 26), supra, antolha-se evidente a falta de interesse processual (art.º 577º, proémio, do CPC), como ficou explicitado na decisão sob censura, sendo que o recorrente também não suscita agora qualquer questão que deva ser (re)apreciada.

            11. Sabemos que como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a cada uma das partes de “deduzir as suas razões (de facto e de direito)”, de “oferecer as suas provas”, de “controlar as provas do adversário” e de “discretear sobre o valor e resultados de umas e outras”.[14]

            As regras do contraditório e da proibição da indefesa que lhe vai associada assumem relevo muito particular a propósito da disciplina das notificações “lato sensu”, por serem os actos processuais destinados a facultar às partes o conhecimento da existência ou do estado do processo, colocando-as em condições de exercitarem o seu direito de defesa, face às pretensões da parte contrária, ou de exercerem os demais direitos de intervenção processual.[15]

            E o Tribunal Constitucional já afirmou que o legislador pode em determinadas situações, introduzir limitações, em sentido amplo, ao contraditório ou diferir o seu exercício, contanto que se observem os limites às leis restritivas.[16]

            12. Na situação em análise é por demais evidente que não ocorre qualquer nulidade da decisão proferida em 1ª instância (ou qualquer nulidade processual, v. g., por qualquer entorse ou desrespeito do princípio do contraditório ou da tramitação legalmente prevista – cf. o art.º 195º do CPC de 2013), pois a Mm.ª Juíza a quo fundamentou o decidido e conheceu de todas as questões submetidas a julgamento (art.º 615º do CPC), tal como não se mostram violados quaisquer dos princípios supra referidos e nada justifica a invocação a esmo de preceitos constitucionais pretensamente violados pela decisão recorrida, não apenas pela total falta de fundamento no contexto dessa mera invocação, quer porque não se enxerga em que possam ter sido ofendidos quaisquer dos preceitos cuja violação se ousou invocar…

O recurso é manifestamente improcedente.

            Soçobram, desta forma, as demais “conclusões” da alegação de recurso.


*

            III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.         

            Custas pelo A./apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido a fls. 15.


*

19.12.2018

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Alberto Ruço


           

           



                                  


[1] Rectifica-se lapso manifesto.
[2] Vide, entre outros, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V (reimpressão), Coimbra Editora, 1984, págs. 308 e seguintes e 358 e seguintes; J. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 33 e os acórdãos do STJ de 21.10.1993 e 12.01.1995, in CJ-STJ, I, 3, 84 e III, 1, 19, respectivamente.
[3] Cf. o citado acórdão do STJ de 12.01.1995.
[4] Subscrito pelo relator e pela 1ª adjunta do presente acórdão., publicado no “site” da dgsi.
[5] Existe lapso manifesto, porquanto se pretendeu referir “A.” e não “Réu”.
[6] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto sem indicação em contrário.
[7] Nova residência que terá sido igualmente indicada na petição inicial dos presentes autos (cf. fls. 3 verso).
[8] Cf., entre outros, os acórdãos da RG de 28.01.2016-processo 41/12.5TBAMR.G1 e da RE de 15.12.2016-processo 301/09.2TBVNO-A.E1, publicados no “site” da dgsi.
[9] Este o entendimento do mesmo colectivo expresso no acórdão da RC de 21.02.2018-processo 658/08.2TBTND.C1, publicado no “site” da dgsi e que o A./recorrente reproduziu com a supressão do excerto final…

[10] Que preceituava: “A acção destinada a obter a emenda segue processo ordinário ou sumário, conforme o valor, e é dependência do processo de inventário.”

[11] Vide Alberto dos Reis, interpretando disposição do CPC de 1939 idêntica à do citado art.º 1388º do CPC de 1961, in RLJ, 83º, 344.
[12] Vide J. A. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, Almedina, 4ª edição, 1990, págs. 580 e seguinte.

[13] Cf., ainda, o citado acórdão da RC de 04.4.2017-processo 498/15.2T8MGR-A.C1, com o seguinte sumário: «1. Para efeitos do art.º 1388º, n.º 1, do CPC de 1961, a preterição de herdeiro, em processo de inventário, dá-se quando o cabeça-de-casal deixa de indicar como tal alguém que tem essa qualidade; verifica-se a falta de intervenção quando, posteriormente às declarações do cabeça-de-casal, alguém adquiriu a qualidade de herdeiro e não chegou a intervir no inventário. 2. Tendo um herdeiro, indicado pelo cabeça-de-casal, sido citado editalmente e não vindo ao inventário acompanhando-o no desenvolvimento dos seus termos, fica na situação de revelia, a qual não é equivalente à falta de intervenção.».
[14] Vide Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 379 e, entre outros, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 222/2017, de 03.5.2017, publicado no “site” da dgsi.

[15] Vide C. Lopes do Rego, Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil, in Estudos em Homenagem ao Conselheiro Cardoso da Costa, Coimbra, Coimbra Editora, 2004, pág. 837.

[16] Ibidem, págs. 749 e seguintes e, por exemplo, o citado acórdão do TC n.º 222/2017, que se pronunciou sobre uma situação de notificação por via postal simples para a morada presumida do requerido, no caso de frustração prévia da notificação por aviso de recepção, tendo julgado inconstitucional por violação do artigo 20º da Constituição, a norma constante dos n.ºs 3 e 5 do art.º 12º do regime constante do anexo ao DL n.º 269/98, de 01.9 (na redacção resultante do art.º 8º do DL n.º 32/2003, de 17.02), no âmbito de um procedimento de injunção destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias de valor não superior a € 15 000, quando interpretados no sentido de que, em caso de frustração da notificação do requerido (para pagar a quantia pedida ou deduzir oposição à pretensão do requerente, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 12º), através de carta registada com aviso de recepção enviada para a morada indicada pelo requerente da injunção no respectivo requerimento, por devolução da mesma, o subsequente envio de carta, por via postal simples, para todas as moradas conhecidas, apuradas nas bases de dados previstas no n.º 3 do art.º 12º, em conformidade com o previsto no n.º 5 do mesmo preceito, faz presumir a notificação do requerido, ainda que o mesmo aí não resida, contando-se a partir desse depósito o prazo para deduzir oposição.