Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ELISA SALES | ||
Descritores: | PEDIDO CIVIL RECURSO DEMANDANTE LEGITIMIDADE | ||
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Data do Acordão: | 01/20/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE OLIVEIRA DE FRADES | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 69º,74º,2,77º,401º, 1 C) CPP | ||
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Sumário: | 1. A legitimidade do demandante para recorrer, restringe-se à intervenção na prova do pedido de indemnização civil, não podendo questionar a parte penal da sentença recorrida. 2. Não pode o recorrente/demandante civil pretender a alteração da matéria de facto dada como não provada (a qual considera que deveria ser dada como provada) e, por via desta alteração a condenação dos arguidos pela prática dos crimes por que se encontravam acusados e, ainda em consequência da condenação penal, a sua condenação nos pedidos de indemnização civil deduzidos contra aqueles. | ||
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Decisão Texto Integral: | I - RELATÓRIO
No processo comum n.º 142/06. 9GAOFR do Tribunal Judicial de Oliveira de Frades, após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu: a) Absolver o arguido A... da prática do crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal, e dos dois crimes de ameaça p. e p. pelo artigo 153º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, de que vinha acusado; b) Absolver a arguida M… da prática dos dois crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal, do crime de ameaça p. e p. pelo artigo 153º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, e do crime de injúrias p. e p. pelo artigo 181º, n.º 1 do Código Penal, de que vinha acusada; I- Julgar totalmente improcedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos nos autos pela assistente L... e, em consequência, absolver os arguidos A... e M… do pedido; II- Julgar totalmente improcedente o pedido de indemnização civil deduzido nos autos pela ofendida R... e, em consequência, absolver os arguidos A... e M… do pedido.
* A ofendida e demandante civil R… discordando da decisão proferida, interpôs o presente recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões: 1- Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por uma sentença de condenação dos arguidos pela prática dos crimes de ofensa à integridade física simples, p. e p. art. 143º n.º 1 do C.P., na pessoa da ofendida, e o arguido A… na prática do crime de ameaças, p. e p. art. 153º n.º 1 e 2 do C.P. 2- Devendo considerar provados os factos pelos quais os arguidos vinham acusados, fundamentando-se na descrição dos factos prestados através das declarações da assistente e da ofendida, que se coadunam e justificam, todas as lesões sofridas pela ofendida e apresentadas em sede de prova documental e dada como provada, e nas declarações das testemunhas C..., D... e F.... 3- Devendo considerar a versão dos arguidos e das testemunhas de defesa não merecedora de credibilidade, apesar da concertação da descrição dos factos, pecando pelas discrepâncias descritas e flagrantes, pecando pela inexistência de justificação das lesões sofridas e dadas como provadas pelo tribunal "a quo" com base no exame médico legal de Viseu, pela ofendida no pescoço, e não explicando o facto dos chinelos do arguido estarem no terreno, propriedade da ofendida, largados junto ao corpo caído desta, e pelos bombeiros calçados a esta. 4- E consequentemente serem os arguidos condenados no pedido de indemnização civil formulado pela ofendida, por forma a ressarcir esta de todos os danos sofrido, em obediência ao disposto no art. 483º n.º 1 e 496º n.º 1 do C.C. Nestes termos e nos melhores de direito com o mui suprimento de V.Exªs Juízes Desembargadores, deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta por ser de JUSTIÇA. * Responderam os arguidos defendendo a improcedência do recurso. Não foi produzida resposta pelo MºPº junto do Tribunal recorrido. Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto suscitou a questão prévia da legitimidade da demandante civil para recorrer quanto à decisão penal, emitindo parecer no sentido da rejeição do recurso, por se verificar causa que devia ter determinado a sua não admissão, nos termos dos artigos 414º, n.º 2 e 420º, n. º 1, al. b) do CPP. Os autos tiveram os vistos legais.
*** II- FUNDAMENTAÇÃO
A decisão recorrida considerou como provada e não provada a seguinte factualidade (por transcrição): “ A) Factos Provados: Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
B) Factos Não Provados: Não se provaram com relevância para a boa decisão da causa os seguintes factos:
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APRECIANDO
Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas limitam o seu objecto, a recorrente/demandante cível invocando a errada apreciação da prova efectuada pelo tribunal a quo, pugna pela condenação dos arguidos relativamente aos crimes por que se encontravam acusados (cada um dos arguidos, pelo crime de ofensa à integridade física simples, e ainda o arguido A...pelo crime de ameaças) e, consequentemente condenados no pedido de indemnização cível deduzido. *** Questão Prévia O Exmº PGA junto desta Relação emitiu parecer, suscitando, como questão prévia, a legitimidade da demandante civil (ora recorrente) para recorrer quanto à decisão penal, e emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso nesta parte. * Submetidos os arguidos a julgamento, foi proferida a sentença recorrida que os absolveu quanto aos crimes por que se encontravam acusados, por ter considerado que não se fez prova da prática dos mesmos e, julgou improcedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos, por não se mostrarem preenchidos os requisitos de que dependia a responsabilidade civil dos arguidos. O Ministério Público não recorreu da sentença.
Havia a ofendida R... (ora recorrente) deduzido o pedido de indemnização civil de fls. 389, contra os arguidos, a título de danos morais. Ora, não tendo sido admitida a sua intervenção como assistente, ao demandar civilmente os arguidos intervém nos autos como lesada/parte civil. Como estatui o n.º 2 do artigo 74º do CPP «A intervenção processual do lesado restringe-se à sustentação e à prova do pedido de indemnização civil, competindo-lhe, correspondentemente, os direitos que a lei confere aos assistentes.», conforme o disposto no artigo 69º, com as necessárias adaptações. Em obediência ao princípio de adesão (artigo 71º) e, atendendo ao momento da dedução do pedido de indemnização pelo lesado (artigo 77º), a sua intervenção ocorre na fase de julgamento, cabendo-lhe fazer prova do pedido. Por outro lado, tem o lesado/´parte civil` legitimidade para recorrer da parte das decisões contra si proferidas, nos termos do artigo 401º, n.º1, al. c) do CPP, como será o caso da absolvição do pedido de indemnização civil, ou da sentença condenatória em montante inferior ao pedido.
A legitimidade para recorrer pressupõe um interesse directo na impugnação do acto ([1]). Como refere Gonçalves da Costa ([2]) “a legitimidade é uma posição de um sujeito processual relativamente a uma determinada decisão proferida em processo penal que justifica que ele possa impugnar tal decisão através de recurso”. Porém, não se basta a lei processual penal com a legitimidade para se poder recorrer de uma decisão; exige um outro requisito, ter o recorrente interesse em agir (n.º 2 do art. 401º), entendendo-se este como “a necessidade deste meio de impugnação para defender o seu direito”. O interesse em agir não é apreciado de acordo com a opinião pessoal do recorrente, mas sim em termos objectivos. Simas Santos e Leal-Henriques ([3]) justificam a necessidade deste requisito por duas ordens de razões: pela consideração de que o tempo e a actividade dos tribunais só devem ser tomadas quando os direitos careçam efectivamente de tutela, para defesa da própria utilidade dessa mesma actividade, e de que é injusto que, sem mais, alguém possa solicitar tutela judicial. Sobre a legitimidade do demandante para recorrer, restringindo-se a sua intervenção à prova do pedido de indemnização civil, afigura-se-nos evidente que não pode questionar a parte penal da sentença recorrida. No caso vertente, consta da motivação do recurso: “Entende a ofendida, ora recorrente, que face à prova produzida em sede de audiência de julgamento, deveriam ser os arguidos condenados pela prática dos crimes de que vinham acusados e no pedido de indemnização apresentado”. Fazendo referência ao que foi dito, em audiência, pelos arguidos e testemunhas de defesa, por um lado, e ao declarado por si (ofendida), pela assistente e pelas testemunhas C... e D... e F..., considera a recorrente que o tribunal a quo efectuou errada apreciação da prova, por ter formado a sua convicção apenas e só com a versão dos arguidos. Quanto aos pedidos de indemnização civil acrescenta ainda que “tendo em conta as conclusões formuladas, nomeadamente sobre a factualidade que deveria ser dada como provada, e a condenação dos arguidos pela prática dos crimes de ofensa à integridade física simples, e ainda o arguido pelo crime de ameaças, deverão consequentemente ser condenados no pedido de indemnização civil apresentado”. Ou seja, com o presente recurso pretendia a recorrente a alteração da matéria de facto dada como não provada (a qual considera que deveria ser dada como provada) e, por via desta alteração a condenação dos arguidos pela prática dos crimes por que se encontravam acusados e, ainda em consequência da condenação penal, a sua condenação nos pedidos de indemnização civil deduzidos contra aqueles. Acontece que, o demandante civil, não constituído assistente, carece de legitimidade para recorrer da decisão penal que, por “arrastamento” traz a improcedência do pedido civil – cfr. Ac. RL, de 31-5-2007, in www.dgsi.pt. A decisão que admitiu o recurso não vincula o tribunal superior, como dispõe o n.º 3 do artigo 414º do CPP Nos termos expostos, considerando os fundamentos do recurso, sem autonomização da questão cível, carece a ofendida/demandante civil de legitimidade para o recurso, impondo-se a sua rejeição, por inadmissibilidade legal, nos termos conjugados dos artigos 401º, n.º1, al. c), 414º, n.º 2 e 420º, n.º 1, al. b) do CPP, procedendo, assim, a questão prévia suscitada. * De qualquer forma, sempre o recurso seria de rejeitar, por via do montante dos pedidos de indemnização formulados contra os arguidos. Com efeito, resulta dos autos (fls. 389/392) que a demandante R...deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, a título de danos não patrimoniais, pedindo a condenação da arguida M...no pagamento da quantia de € 3.000,00 e, a condenação do arguido A...no pagamento da quantia de € 4.000,00. Conforme o preceituado no n.º 2 do artigo 400º do CPP “o recurso da parte da sentença relativa a indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”. Na data da dedução dos pedidos (em 14-10-2008) - correspondente ao momento em que os direitos da demandante ficaram definidos, atendendo ao seu estatuto de lesada - o valor da alçada dos tribunais de 1ª instância já era de € 5.000,00 (art. 24º, n.º 1 da Lei n.º 3/99, de 13.01, na redacção decorrente do DL n.º 303/2007, de 24.08); logo, é manifesto que o valor de cada um dos pedidos de indemnização fica aquém do valor correspondente ao da alçada do tribunal recorrido. Por conseguinte, dado que a recorrente apenas teria legitimidade para recorrer da parte cível, há que concluir pela irrecorribilidade desta parte da sentença relativa à indemnização civil, o que constitui motivo de rejeição – artigo 414º, n.º 2 do CPP.
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III- DECISÃO Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em: - Rejeitar o recurso interposto pela ofendida/demandante civil R.... Custas a cargo da recorrente, fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça (art. 420º, n.º 3 do CPP).
***** Coimbra,
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