Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
76/20.4GGCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
VIOLAÇÃO
CONCURSO EFECTIVO DE INFRACÇÕES
Data do Acordão: 02/16/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA COVILHÃ)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 152.º E 77.º DO CP
Sumário: I - Na redação dada ao artigo 152º do C. Penal pela Lei 59/2007 de 04.09, consolidada pela Lei nº19/2013 de 21.02 e pela Lei 44/2918 de 09.08, o crime de violência doméstica abrange no conceito de “maus tratos físicos ou psíquicos” ou “ofensas sexuais” quaisquer ofensas à integridade física ou psíquica suscetíveis de constituir, se autonomamente consideradas, crimes puníveis com pena prisão de limite superior até 5 anos - ocorridas entre as pessoas previstas no tipo, no âmbito e por causa, precisamente, das relações aí previstas, independentemente de haver entre elas quaisquer assimetrias de poder, imparidades ou dependências.

II - Existe uma relação de concurso aparente de crimes entre o crime de violência doméstica que engloba aqueles maus tratos físicos ou ofensas sexuais e os crimes que possam prever, isoladamente, a punição de cada um dos atos englobados naquele.

III - Sem prejuízo do crime agravado pelo resultado previsto no nº3 do preceito, não são suscetíveis de integrar os “maus tratos físicos ou psíquicos” ou “ofensas sexuais”, previstos no tipo de crime de violência doméstica, atos como atentados contra a vida ou a liberdade de autodeterminação sexual puníveis com pena de prisão de limite superior a 5 anos, quer porque excluídos do tipo quer porque protegem bens jurídicos de outra dimensão e relevo social, incompatíveis com as relações previstas no tipo de crime.

IV - Existe uma relação concurso efetivo de crimes, a ser punido nos termos do art. 77º do C. Penal, entre o crime de violação e o crime de violência doméstica, não apenas porque constituem crimes dolosos puníveis com pena de prisão superior a 5 anos, mas ainda porque, no caso dos autos, os factos relativos a cada um dos crimes são dotados de unidade de sentido social diferenciada e foram autonomizados, como tal, na acusação e na sentença.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

Após realização da audiência pública de discussão e julgamento, foi proferida SENTENÇA na qual foi decidido:

- condenar o arguido PS pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica agravado, p. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. a) do CP, condenar o arguido na pena de três anos e dois meses de prisão; e

- pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violação, p. e p. pelo art. 164.º, n.ºs 1, al. a) e 3 do CP, na pena de três anos de prisão.

- procedendo ao cúmulo jurídico daquelas duas penas parcelares, condenar o arguido na pena única de três anos e dez meses de prisão.

- condenar ainda o arguido na pena acessória de frequência de programa de prevenção de violência doméstica, com a duração que venha a ser indicada pela DGRSP, bem como - na pena acessória de proibição de contactar, por qualquer meio, com a assistente e de se aproximar, a menos de 400 metros, da sua residência e do seu local de trabalho, durante três anos, nos termos do disposto no art. 152.º, n.ºs 4 e 5 do CP, contados da data em que o arguido seja restituído à liberdade, condicional ou definitiva, proibição esta fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância.


*

Inconformado com a aludida sentença, dela recorre o arguido, formulando, na respetiva motivação, as seguintes CONCLUSÕES:

1- O presente recurso é interposto porque, do nosso ponto de vista, a factualidade provada não permite, por exiguidade, a decisão de direito já que a matéria de facto provada não basta para fundamentar a solução de direito adoptada designadamente, porque o tribunal, desrespeitando o princípio da investigação ou da descoberta da verdade material, não investigou toda a matéria contida no objecto do processo, relevante para a decisão.

2- A decisão baseou-se exclusivamente nas declarações da assistente, tendo sido totalmente desprezadas as declarações prestadas pelo arguido ao que acresce o acto de não ter sido autorizada a audiência da mãe do arguido que com ele vive, tendo pleno conhecimento dos factos em causa.

3- Numa leitura, provavelmente com fundamento em concepções morais do julgador, numa convicção cega e infundada, que não tomou em conta a experiência comum no que diz respeito ao relacionamento sexual conjugal, que é naturalmente do livre arbítrio de cada um, não sendo correto o tribunal decidir interferindo nessas decisões os seus eventuais conceitos morais, matérias em que os tribunais criminais não se devem imiscuir.

4- Há erro notório na apreciação da prova quando o tribunal a valorou contra as regras da experiência comum de forma ostensiva ou contra critérios legalmente fixados.

5- Concretamente cremos que o arguido não devia ter sido condenado pelo crime de violação do qual deveria ter sido absolvido.

6- Os actos que fundamentaram aquele crime deveriam ter sido no máximo considerados como “ofensas sexuais” a que se refere o art. 152º nº 1 do C.P. e não de forma autónoma ao crime de violência doméstica.

7- Deste modo a moldura penal aplicada é excessiva, pelo que impõe que a pena não deva ser superior a dois anos pelo crime de violência doméstica, englobando a referida “ofensa sexual”.

8- Nada justifica a não suspensão da execução da pena, que no caso dos autos se impunha

9- Ao julgador é exigido que proceda com bom senso e sentido de responsabilidade, a fim de que o livre convencimento não seja confundido com convicção íntima, dado que o livre convencimento lógico e motivado, em obediência aos critérios legais, é o único aceite pelo moderno processo penal.

10- A sentença recorrida violou as disposições contidas nos artigos 152º nº1, 164º, 50º, 40º,42º, 70º,71º,72º do Código Penal e 316º, 327ºnº2, 410º nº2 e 431º do Código Processo Penal

Termos em que, deverão Vossas Excelências julgar procedente o presente recurso, alterando ou revogando a sentença recorrida nos termos expostos.


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Respondeu o Exmo. Magistrado do Ministério Público na 1ª instância sustentando a improcedência do recurso.

Na vista a que se reporta o art. 416º do CPP, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual manifesta a sua concordância com a resposta apresentada na 1ª instância.

Corridos vistos, cumpre decidir.


***

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Vistas as conclusões, que, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, definem o objeto do recurso, são colocadas à apreciação deste tribunal as seguintes questões:

- em matéria de facto: - omissão, pelo tribunal recorrido, de investigação de matéria de facto relevante para a decisão; - insuficiência e erro notório da apreciação da prova, baseada exclusivamente nas declarações da ofendida:

- em matéria de direito: – apurar se o crime de violação deve ser “englobado na ofensa sexual” a que se refere o artigo 152º, nº1 do C. Penal, devendo, por isso, o arguido ser absolvido do crime de violação; - medida da pena e suspensão da respetiva execução.

Para proceder à apreciação das aludidas críticas dirigidas à sentença recorrida, importa ter presente a decisão da matéria de facto.


**

2. A decisão da matéria de facto com a motivação probatória que a suporta é a seguinte:

A) Matéria de facto provada

1. O arguido PS e a assistente PA iniciaram uma relação de namoro no ano de 2017, tendo passado a residir juntos, como se fossem marido e mulher, ao fim de um mês de relacionamento, em casa do pai da ofendida, sita na Rua (…), no Verão de 2017.

2. No início do ano de 2018, com uma regularidade mensal, o arguido PS, sobretudo quando regressava a casa, no estado de embriagado, de jantares/convívios com outras pessoas, dizia à ofendida PA tu “és uma puta, não vales nada”.

3. Em data não concretamente apurada, mas situada no primeiro trimestre de 2018, na residência comum do casal, o arguido PS, quando chegou do café embriagado, dirigiu-se a PA, que estava com o telemóvel na sala, dizendo “já estás a mandar mensagem para este e para aquele”, “só serves para foder”.

4. PA levantou-se para mostrar o telemóvel ao arguido PS que disse que não queria ver, tendo o arguido empurrado aquela, com as duas mãos, pelo peito, contra o suporte do cortinado, onde a assistente bateu, ficando com dores nas costas.

5. Em data não concretamente apurada no final de 2019, o arguido PS chegou a casa durante a tarde, momento em que, sem que nada o fizesse prever, empurrou Pa contra duas portas que existem à entrada de casa, fazendo com que esta caísse de costas.

6. Quando Pa se levantou, o arguido PS voltou a empurrá-la, arrastou-a pelos cabelos quando esta se encontrava no chão e colocou-lhe os pés em cima das pernas.

7. Na sequência deste episódio, a arguida ficou com os tornozelos doridos, tendo tido necessidade de ir a um endireita.

8. No primeiro semestre de 2020, na quinta do arguido (localizada em …), durante a tarde, PS disse a Pa “és uma puta que nunca vens para aqui viver, mesmo que estejas a limpar agora isto”.

9. PA deslocou-se para a residência comum do casal a pé, sendo que, quando se encontrava a chegar, o arguido, que veio de carro, viu-a e pediu desculpa.

10. Nesse contexto, mesmo à frente do portão de casa, tentando tirar a chave à assistente, PS empurrou-a pelas costas, fazendo com que a mesma caísse ao chão e batesse com o queixo nos paralelos.

11. De seguida, o arguido PS não permitiu que PA recebesse tratamento hospitalar, dizendo-lhe que fazia ele próprio os curativos necessários.

12. Ainda em data não concretamente apurada no primeiro semestre de 2020, à noite, na residência comum do casal, o arguido PS, quando chegou a casa embriagado, começou a discutir com PA, a qual empurrou, fazendo com que a mesma caísse no chão do corredor.

13. Nesse circunstancialismo, o arguido colocou-se em cima de PA, puxou o cabelo da ofendida contra o chão e colocou-lhe um cigarro aceso na zona da garganta, chamando-lhe ainda “puta”.

14. No dia 23.07.2020, o arguido PS e PA deslocaram-se para (…), com o objectivo de passarem a tarde junto a um rio.

15. Em tal local, o arguido PS começou a apalpar o corpo da assistente, dizendo-lhe “quero foder contigo”, tendo PA respondido que aquele não era o local indicado, pedindo-lhe que parasse.

16. Não obstante, o arguido PS, mantendo o mesmo intuito, afastou as pernas da assistente, deitando-se em cima desta e tirando-lhe a parte inferior do bikini que esta vestia.

17. Nesse contexto, o arguido PS introduziu o seu pénis erecto na vagina de PA, contra a sua vontade e sem o consentimento, enquanto esta lhe dizia, de forma insistente, que parasse e que não queria ter relações sexuais naquele local.

18. Após, o arguido PS introduziu o pénis na boca de PA, onde o manteve até ejacular.

19. Após, na estrada entre (…) e (…), o arguido disse a PA “faz-me outro broche”, apelidou-a de “puta”, deu-lhe uma estalada na cara e colocou o braço direito na cabeça da arguida, puxando-a no sentido do seu pénis.

20. Nessas circunstâncias, PA tentou e logrou afastar-se do arguido, debatendo-se fisicamente, tendo logrado sair do veículo que o arguido conduzia mesmo com o veículo em andamento.

21. O arguido, ao actuar como actuou, sabia que as suas condutas eram idóneas a provocar dores e lesões a PA, o que conseguiu.

22. Sabia também o arguido que a sua actuação era susceptível de criar medo e inquietação à assistente, fazendo-a temer pela sua segurança física, o que conseguiu.

23. Mais sabia ainda o arguido, tendo actuado com o propósito concretizado de enxovalhar e humilhar a assistente, que as expressões dirigidas à sua companheira eram ofensivas da sua honra, dignidade e consideração.

24. Ao agir como agiu, quis e conseguiu o arguido castigar física e psicologicamente a assistente, causando-lhe, como causou, dores corporais, ofendê-la na sua honra e consideração, fazendo com que a mesma se sentisse assustada, desprezada, diminuída e humilhada na sua dignidade, não obstante estar ciente de que tinha para com ela especiais deveres de respeito, tendo em conta o facto esta ser sua companheira.

25. O arguido actuou com o propósito concretizado de afastar as pernas da assistente, retirar-lhe a parte inferior do bikini e, de seguida, manter os actos e contactos de natureza sexual descritos com aquela, designadamente introduzindo o seu pénis erecto na vagina e na boca da ofendida, visando a satisfação dos seus desejos e impulsos sexuais, contra a vontade e sem o consentimento da assistente, o que o arguido conhecia por tal lhe ter sido transmitido.

26. O arguido conhecia os factos descritos, tendo actuado de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

(…).


*

(…)

***

3. Apreciação

(…)

2. Qualificação jurídico-penal

Neste âmbito, o recorrente pede a absolvição do crime de violação, com o fundamento de que “os factos que alegadamente integram a prática do crime de violação não são totalmente autónomos dos restantes factos relativos ao crime de violência doméstica, pelo que devem ser tais factos englobados no crime de violência doméstica”.

Não questiona, assim, a verificação dos pressupostos do crime em si, designadamente o nexo de causalidade adequada entre a ação e o constrangimento ao ato sexual. Sustenta apenas que a matéria provada constitui mera “ofensa sexual” já prevista e sancionada no âmbito do tipo de crime de violência doméstica.

A questão do concurso efetivo ou aparente entre os crimes de violência doméstica e de violação, ainda que não tenha sido objeto de apreciação específica pela decisão recorrida, foi decidida no sentido do concurso efetivo, tendo o arguido sido punido pela prática dos dois crimes.

Sobre a questão, estabelece o art. 30º do Código Penal:

1 - O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

2 - Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

3 - O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.

A Lei 59/2007 de 04.09 deu ao nº3 do art. 30º a redação que tinha sido aprovada na Comissão Revisora do C.P., em sessão de 08.02.1964 (a qual não tinha sido reproduzia na versão originária do C. Penal, por se entender ser desnecessária): O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados conta bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma pessoa.  

Porém a Lei 40/2010 de 03.09, voltou a eliminar a expressão “salvo tratando-se da mesma pessoaque havia sido aditada em 2007, repristinando a redação inicial - supra reproduzida.  

No ensinamento de EDUARDO CORREIA (Direito Criminal, II vol., 202) “quando diversas condutas violam o mesmo tipo de crime, o número de crimes  define-se pelo número de resoluções, sendo o critério temporal fundamental para se  apurar se existiu uma ou mais resoluções a presidir aos vários actos”.

Por outro lado, o conceito de ação aceite pelo C.P. como critério para distinguir entre unidade e pluralidade de infrações é o conceito normativo de ação. Não um conceito naturalístico, mas antes o conceito teleológico, reportado aos valores jurídicos violados – cfr. Eduardo Correia, Unidade e Pluralidade de Infracções, Almedina, ed. de 1983, pp. 74 e 84.

Existe concurso efetivo nos casos de concurso real (múltiplas ações, múltiplos tipo de crime violados) e de concurso ideal (uma única ação violadora de múltiplos bens jurídicos). Podendo o concurso ideal ser homogéneo (previsão no mesmo tipo de crime) ou heterogéneo (previsão em múltiplos tipos de crime).

Já no concurso aparente, apenas formalmente existe a violação de múltiplos preceitos incriminadores. Embora a ação esteja prevista em múltiplos tipos de crime ou haja aparentemente uma violação múltipla do mesmo preceito, teleologicamente apenas existe a violação de um único sentido de ilicitude do comportamento globalmente considerado. A violação de vários preceitos é apenas aparente e não real ou efetiva, na medida em que, embora formalmente sejam violados vários preceitos, numa interpretação teleológica dos preceitos legais concorrentes, verifica-se que apenas um deles tem cabimento, porque, de uma forma completa e acabada, cobre toda a ilicitude do facto/ação, por efeito de uma relação de especialidade ou consumpção.

A relação de especialidade e consumpção é jurídica e não fáctica – a mesma ação está prevista em dois tipos distintos de crime, mas um deles “consome” ou abrange de forma completa “todos” os elementos do crime concorrente (relação de consumpção) ou apenas lhe acrescenta um grau “superior” de ilicitude (relação de especialidade). Daí que, punindo o mais, engloba/consome o menos que naquele está contido.

Eduardo Correia elegeu como fator decisivo o bem jurídico protegido pela norma incriminatória – uma das normas protege de forma exaustiva e completa o mesmo bem jurídico.

Já Figueiredo Dias, sem desvalorizar a importância do bem jurídico protegido pelos tipos de crime em confronto, entende que devem ainda ser valorados os restantes elementos típicos, propondo, como critério para a determinação da unidade ou pluralidade de crimes, o sentido social autónomo de ilicitude sobre o comportamento global do agente.

Para Figueiredo Dias (Direito Penal, Parte Geral, tomo I, 2ª ed., p. 988-991):

«««decisiva é, pois, a análise do comportamento global que lhe empresta um sentido material (social) de ilicitude, de um ponto de vista teleológico e de valoração normativa «a partir da consequência» (…) terá então que reconhecer-se a existência de dois grupos de casos:

a) o caso («normal»), em que os crimes em concurso são na verdade recondutíveis a uma pluralidade de sentidos sociais autónomos dos tipos de ilícitos cometidos, e, deste ponto de vista, a uma pluralidade de factos puníveis – hipótese a que chamaremos concurso efetivo (art. 30º-1), próprio ou puro;

b) e o caso em que, apesar do concurso de tipos legais efetivamente preenchidos elo comportamento global, se deva ainda afirmar que aquele comportamento é dominado por um único sentido de ilicitude, que a ele corresponde uma predominante e fundamental unidade de sentido dos concretos ilícitos praticados – hipótese a que chamaremos de concurso aparente, impróprio ou impuro.»»»

Só no caso de concurso efetivo tem lugar uma punição nos termos do art. 77º, enquanto que no caso de concurso aparente intervirá apenas a moldura penal do tipo legal que incorpora o sentido dominante, sendo o ilícito excedente considerado no âmbito da medida (concreta) da pena.

Para aplicar o aludido critério de sentido material de ilicitude ao caso dos autos, importa reter os elementos essenciais dos dois crimes.

Crime de violação  

Postula o Artigo 164.º do CP (redação dada pela Lei 83/2015 de 05.08):     

           1 - Quem constranger outra pessoa a:

a) Praticar consigo ou com outrem cópula, coito anal ou coito oral; ou

b) Praticar atos de introdução vaginal, anal ou oral de partes do corpo ou objetos;
é punido com pena de prisão de um a seis anos
.

(…)

2 - Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconsciente ou posto na impossibilidade de resistir, constranger outra pessoa:

a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou

b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos;
é punido com pena de prisão de três a dez anos.

3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, entende-se como constrangimento qualquer meio, não previsto no número anterior, empregue para a prática dos atos referidos nas respetivas alíneas a) e b) contra a vontade cognoscível da vítima.

Existe uma relação de especialidade entre as normas dos artigos 163º e 164º. A violação constitui uma coação sexual agravada, dado que a cópula e o coito constituem atos sexuais de especial intensidade.

Como sucede nos crimes do Capítulo V do Título I do Código Penal, o bem jurídico protegido, no crime de violação, é estritamente pessoal - a liberdade de determinação sexual da vítima e de auto conformação da vida e das práticas sexuais da pessoa.

Com a revisão do C. Penal operada em 1995 os crimes sexuais foram deslocados do título relativo aos crimes contravalores e interesses da vida em sociedade para o título que dos crimes contra as pessoas. O bem jurídico tutelado passou do bem jurídico supra individual da moralidade social sexual para passar a proteger a liberdade sexual de cada indivíduo. A liberdade sucedeu aos bons costumes. São a liberdade e a vontade do indivíduo na esfera da sexualidade que constituem o objeto de tutela e salvaguarda. Decorrendo o direito do indivíduo a dispor livremente do seu corpo e sexualidade dos direitos fundamentais à liberdade e segurança, à intimidade pessoal, consagrados nos artigos 25º, n.º 1, 26º e 27.º da Constituição da República.

A liberdade sexual é tutelada tanto na sua vertente negativa, como na sua vertente positiva. Consistindo a primeira no direito da pessoa a não suportar qualquer tipo de intromissão de outrem por meio de atos para os quais não tenha manifestado concordância, enquanto a segunda se traduz no direito de cada pessoa dispor livremente da sua sexualidade e exercê-la quando, com quem e como quiser, sem prejuízo dos direitos de terceiros.

A conduta típica traduz-se num ato de coação imediatamente dirigido à prática, ativa ou passiva, de um dos especiais atos sexuais referidos no tipo.

O constrangimento é aqui especializado através da sua finalidade, tendo de existir entre ela e o ato sexual uma relação meio/fim.

Não é a coação à qual simplesmente, se siga um ato sexual. A expressão “para esse fim” utilizada no n.º 2 do preceito bem como a expressão “para a prática dos atos referidos nas respetivas alíneas a) e b)” utilizada no n.º 3 do preceito, vale para todos os meios de constrangimento.

Exige-se um ato de constrangimento que vise, imediatamente, o ato sexual. Não deve esta exigência ser entendida em sentido temporal, mas intencional. Valoriza-se o meio de coação que é exercido em função de um desiderato, que é o de constranger a vítima a praticar o ato contra a sua vontade.

Aliás o nº3 do art. 164º, introduzido pela Lei n.º 83/2015, de 05 de agosto, esclarece que “para efeitos do disposto no n.º 1, entende-se como constrangimento qualquer meio, não previsto no número anterior, empregue para a prática dos atos referidos nas respetivas alíneas a) e b) contra a vontade cognoscível da vítima”.

Alargando a causalidade a qualquer meio empregue para a prática do ato sexual contra a vontade cognoscível da vítima. Colocando a tónica já não na “ameaça grave, ter tornado inconsciente, posto na impossibilidade de resistir” prevista no nº1, mas, antes em “qualquer meio” utilizado contra a vontade cognoscível da vítima.

Decisivo é, pois, que se verifique a falta de consentimento do sujeito passivo e que o meio utilizado tenha afetado, de forma relevante, a sua liberdade de determinação sexual, a sua vontade manifestada ou suscetível de conhecimento pelo arguido.

Crime de violência doméstica

No regime anterior à alteração operada pela Lei nº59/2007, de 04.09, o artigo 152.º, nº1, alínea b), do Código Penal determinava que: “Quem, tendo a seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direção ou educação, ou a trabalhar ao seu serviço, pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez, e lhe infligir maus tratos físicos ou psíquicos ou a tratar cruelmente é punido com pena de 1 a 5 anos, se o facto não for punível pelo artigo 144º.”

E o seu nº2 dispunha que: “A mesma pena é aplicável a quem infligir ao cônjuge, ou a quem com ele conviver em condições análogas às dos cônjuges, maus tratos físicos ou psíquicos (…).”

Com a redação dada pela Lei 59/2007 de 04.09 consolidada pela Lei nº19/2013 de 21.02 e pela Lei 44/2918 de 09.08, postula o artigo 152º do Código Penal:

1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:

a) A cônjuge ou ex-cônjuge;

b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; 

c) A progenitor ou descendente comum em 1º grau;

d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;

é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

(…)

3 - Se dos factos previstos no nº 1 resultar:

a) Ofensa à integridade física grave o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;

b) A morte, o agente á punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.

Constitui um crime específico impróprio no qual a ilicitude á agravada em virtude da relação familiar, parental ou de dependência entre o agente e a vítima.

Longe das conceções históricas do passado, o legislador penal quis alcançar uma realidade sociológica mais abrangente, criminalizando um comportamento que atinge múltipla realidades da sociedade contemporânea e que pode comprometer de forma irremediável a saúde do corpo e da mente quer das suas vítimas diretas (em concreto, os cônjuges/companheiras e filhos) quer as que com estes se relacionam (designadamente no agregado familiar alargado).

A criminalização destes comportamentos, é também reflexo e expressão de uma verdadeira mudança de paradigma ético-social que assenta no abandono da conceção tradicional da família como um espaço de auto - regulação, subtraído, por regra, à intervenção do direito penal.

A epígrafe “doméstica” do crime não se afigura feliz no quadro legal posterior à Constituição da República de 1976. Desde logo por fazer apelo à profissão “doméstica” de muitas mulheres no ancien regime, em que o marido era o “chefe de família” a quem a mulher estava subordinada civil e economicamente. Realidade que conferia suporte axiológico à incriminação das ofensas físicas e morais sofridas pela mulher naquele quadro de dependência.

Se por um lado aquele quadro de subordinação da mulher ao marido foi abolido na sequência da Revolução de 25.04.1974 pelo quadro legal encimado pela nova Constituição da República, por outro lado, os novos padrões de relacionamento interpessoal, em regime de liberdade e igualdade, implicam maior vulnerabilidade e exposição dos seus elementos, decorrente da multiplicidade de novos interesses comuns, de natureza social, afetiva, económica. O paradigma deixou de ser a “moral e os bons costumes” para ser a liberdade e a integridade física e moral de cada um dos elementos da relação de natureza conjugal ou similar. 

Como refere Teresa Morais [in Violência Doméstica – o reconhecimento jurídico da vítima, Almedina, maio de 2019, pág. 37 e seg.] o que diferencia este tipo de ilícito e o torna axiologicamente necessário, é o carácter relacional entre o ofensor e a vítima.

Em todos os casos previstos no tipo de crime, essa relação interpessoal assenta num vínculo ou expectativa legítima de confiança. Não uma qualquer ou indiferenciada confiança resultante de relações jurídicas, mas aquela relação específica que se traduz em interesses específicos com dignidade penal.

A realização do tipo de crime não exige, porém – não resulta da descrição dos elementos do tipo – a verificação de qualquer especial relação de “imparidade ou dependência” da vítima em relação ao agente. Repare-se que o tipo de crime apenas prevê a “especial vulnerabilidade” da vítima no caso específico da alínea d) do nº1 do artigo 152º do CP – outras pessoas que coabitem com o agente. E não em qualquer outra das relações previstas no tipo de crime.

Temos assim como criterioso o entendimento sufragado por Alexandre Oliveira (in e-book sobre Violência Doméstica, Implicações Sociológicas, Psicológicas e Jurídicas do Fenómeno, editado pelo Centro de Estudos Judiciários, p. 124) que considera “abrangido pelo conceito de maus tratos, quaisquer ofensas à integridade física ou psíquica ocorridas entre as pessoas previstas no tipo, por causa, precisamente, das relações aí previstas, independentemente de haver entre elas quaisquer assimetrias de poder, imparidades ou dependências”.

Concluindo-se com o mesmo autor (e-book citado, p. 124) que “O que será comum e o que legislador quer prevenir são atos de violência física ou psíquica, independentemente da reiteração ou de uma especial intensidade, desde que ocorram entre os cônjuges, companheiros, namorados, ex-cônjuges, ex-companheiros ou ex-namorados, progenitores ou coabitantes com pessoas especialmente vulneráveis”.

          Vista a tipicidade de cada um dos crimes e o critério do concurso, passemos à sua aplicação ao caso concreto.

Resulta da parte final do nº1 do art. 152º: “(…) é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.

O próprio tipo prevê uma relação de especialidade (consunção) em relação a ofensas à integridade física, liberdade, ofensas à liberdade de autodeterminação sexual previstas em outras disposições legais puníveis com pena de prisão até 5 anos.

Daqui resulta que ficam excluídos da punição por violência doméstica, os casos de outras ofensas à integridade física ou moral ou à liberdade de autodeterminação sexual tipificados como crimes puníveis com pena superior a 5 anos.

Ora, no caso, o crime de violação imputado ao arguido é punível, precisamente, com pena superior aquela - prisão de 1 a 6 anos. Ficando, portanto, expressamente excluído pelo nº1 do art. 152º.

Certo é que o nº 3 do art. 152º prevê “Se dos factos previstos no nº 1 resultar: a) Ofensa à integridade física grave o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos; b) A morte, o agente á punido com pena de prisão de 3 a 10 anos”.

No entanto esta previsão do nº 3, punindo os crimes com prisão superior a 5 anos, prevê não o ato doloso (em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C.P.) mas apenas a agravação pelo resultado. Constituindo o chamado crimes preterintencionais em que, o resultado que agrava a conduta apenas é imputável ao agente de mera negligência - nos termos do art. 18º do C. Penal. Em que, portanto, o resultado não foi previsto, perseguido ou sequer aceite pelo agente quando decidiu atuar, mas em que o agente ou não previu o resultado, ou prevendo-o, não se conformou com a sua produção – cfr. art. 15º, als. a) e b) do C. Penal.

Ou seja, se no nº1 do art. 152º o legislador deixa de fora as ofensas físicas, psíquicas ou sexuais – dolosas - puníveis por outra disposição legal com pena superior a 5 anos de prisão, no nº3 pune com pena de limite superior a 5 anos situações de ofensa à integridade física agravadas pelo resultado, imputável a título de mera negligência. Deixando assim de fora crimes dolosos punível com pena superior a 5 anos, como o homicídio ou a violação, tidos assim, pelo legislador, como incompatíveis com os meros “maus tratos” ou “ofensas” previstas no tipo de crime de violência doméstica.

Os casos tipificados como crimes, dolosos, puníveis com pena de prisão de um a cinco anos, são colocadas pelo legislador “fora” das ofensas corporais ou sexuais previstas como elemento do crime de violência doméstica. Porque valores mais sociais mais altos se levantam de proteção de atentados, dolosos, contra bens jurídicos supremos como a vida ou a liberdade de autodeterminação sexual, puníveis com pena de prisão de limite máximo superior a 5 anos.

Por outro lado, a punição pelo crime de violação não exclui a possível punição como violência doméstica de outras ofensas sexuais – ao menos sem que constitua a única circunstância fáctica imputada como fundamento deste crime em que, portanto, pudesse falar-se de dupla punição do mesmo facto.

Ora, no caso, não foi imputada ao arguido nem acusação nem na sentença recorrida como fundamento do crime de violência doméstica a ofensa sexual – dolosa – integrada no crime de violação.

Com efeito os factos constitutivos do crime de violência doméstica são constituídos pelos (múltiplos) atos de ofensa à integridade física e moral da ofendida – factos descritos nos pontos 1 a 13 da matéria provada.

Enquanto o crime de violação, além de ter por fundamento determinado facto doloso distinto, ocorrido no dia 23.07.2020, numa praia fluvial – facto descrito nos pontos 14 a 18 da matéria provada.

Aliás este último ato foi praticado numa praia fluvial, fora do contexto de domicílio comum. Portanto em circunstâncias fácticas autonomizáveis, sendo certo que foi por efeito deste último ato que a relação de namoro terminou.

O que, para além da exclusão operada pelo legislador relativa a crimes puníveis com pena superior à pena de 1 a 5 anos de prisão – patamar que considera como suscetível de ser abrangido por relação de maus tratos ou violência “doméstica” - evidencia também que socialmente o ato suscetível de integrar o crime de violação está acima e para além das “ofensas sexuais” previstas como elemento do crime de violência doméstica.

O crime de violação, embora praticado contra a namorada, foi autonomizado na acusação, desde o início, não apenas pela natureza do crime em si, como pela sua individualização espácio-temporal em relação aos demais atos ancorados na relação, como ato dotado de unidade de sentido social e jurídico-penal autónomo.

Diga-se, ainda, que a jurisprudência citada na motivação do recurso vai no sentido do concurso efetivo de crimes. Veja-se o ponto XI do sumário do Ac. TRL de 21-10-2020 invocado no ponto 24 da motivação do recurso, que se reproduz: “(…) Tem sido jurisprudência constante do STJ - Cfr. Acórdãos de 10-11-2016 (porcº nº 163/14.8GBSTC.S1), de 20- 4-2017 (porcº nº 2263/15.8JAPRT.P1.S1), de 07-02-2018 (procº nº 312/15.9POLSB.S1), de 27-06-2018 (procº nº 131/17.8JAPRT.S1), de 04-07- 2018 (procº nº 274/16.5GAMCN.P1.S1) e de 21-11-2018 procº nº 574/16.4PBAGH.S1 - o entendimento de que o crime de violação, quando concretamente delimitado, e o crime de violação doméstica estão em situação de concurso efectivo (…)”.

No sentido do possível concurso efetivo entre os dois crimes cfr. ainda AC. STJ de 21/11/2018, proferido no recurso nº 574/16.4PBAG.S1; Ac. TRE de 01/10/2023, in recurso nº 258/11.0GAOLH.E.C1, citados, no estudo de Cristina Cardoso abaixo referenciado.   

Na mesma perspetiva, salvo o devido respeito por entendimento diferente, não se sufraga o entendimento de que dá conta Cristina Cardoso no estudo sobre “O Crime de Violência Doméstica e o Concurso de Normas e de Crimes”, no citado E-book organizado pelo CEJ, pp 140-141 de qualificar a conduta como crime de violência doméstica (nela englobando a ofensa – e o art. 152º diz apenas “ofensas sexuais”) enquanto o art. 154º diz “por meio de violência gravesofrer ou praticar cópula, coito, introdução vaginal ou anal” -  para, depois, puni-la pela moldura penal mais grave correspondente ao crime de violação.

Desde logo porque tal equivaleria a condenar pela prática de determinado crime, mas punir o agente pela prática de um outro crime, em violação dos princípios da legalidade e da tipicidade.

Assim, no caso dos autos, atenta a individualização, desde a acusação, de múltiplos factos integrados no crime de violência doméstica e do facto - doloso - qualificado como crime punível com pena superior a 5 anos de prisão, vista a aludida pluralidade de sentidos de valoração normativa (exclusão expressa prevista no art. 152º) e autonomização dos eventos dotados de sentido de relevância social (“ofensas sexuais” de um lado e de outro “constrangimento ou violência sofrer ou praticar cópula”), na aludida perspetiva teleológica do sentido social autónomo subjacente aos dois crimes, a partir da consequência (desvalor do resultado) bem como da imputação dolosa (desvalor da ação), conclui-se que estamos perante uma relação de concurso efetivo entre o crime de violência doméstica e de violação.

Pelo que, tendo assim decidido, a sentença recorrida não merece censura, impondo-se a improcedência do recurso neste ponto.  


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(…)

III – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos decide-se negar provimento ao recurso, com a consequente manutenção integral da decisão recorrida. ----

Custas pelo arguido/recorrente (artigo 513º do CPP, nº1 do CPP), fixando-se a taxa de justiça, nos termos da Tabela III anexa ao RCP - reapreciação da prova e matéria de direito – em 5 (cinco) UC.

Coimbra, 16 de fevereiro de 2022

Acórdão elaborado em processador de texto. Revisto pelos subscritores e assinado eletronicamente - com assinaturas eletrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do art.º 19.º da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.

Belmiro Andrade (relator)

Luís Ramos (adjunto)