Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA JOÃO AREIAS | ||
Descritores: | EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE FIXAÇÃO DO RENDIMENTO DISPONÍVEL SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DE NATAL | ||
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Data do Acordão: | 06/22/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA – JUIZ 3 | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 239º, Nº 3, AL. 1), DO CIRE. | ||
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Sumário: | 1. Na fixação do rendimento disponível o valor correspondente à retribuição mínima nacional garantida constitui, tão só, a um limite mínimo de referência, a complementar com outros elementos a atender, para a determinação de qual o montante mensal a partir do qual o insolvente deverá ceder os seus rendimentos ao fiduciário. 2. Fixado o rendimento indisponível mensal, o insolvente deverá entregar ao fiduciário todos os rendimentos que venha a receber, a que título for, esporadicamente, ou de forma permanente, desde que excedam e na medida em que ultrapassem aquele montante – ainda que trate de subsídios de férias ou de natal –, ficando de fora quaisquer considerações acerca da natureza da retribuição. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 6137/18.2T8CBR-B.C1 – Apelação Relator: Maria João Areias 1º Adjunto: Freitas Neto 2º Adjunto: Carlos Barreira Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO C..., divorciada, apresentou-se à insolvência, formulando pedido de exoneração do passivo restante, alegando factos tendentes a justificar a concessão deste benefício e propondo a fixação um rendimento disponível no valor equivalente a 1,5 do salário mínimo nacional. Declarada a insolvência da Requerente, o Administrador da Insolvência emitiu opinião favorável ao requerido. Nenhum dos credores se manifestou relativamente a tal pretensão da insolvente. O Juiz a quo proferiu despacho a deferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, determinando que o rendimento disponível que a insolvente venha a auferir em quantia superior a 1,5 salário mínimo nacional se considera concedido ao fiduciário. A 17.12.2019 o Administrador de Insolvência (AI) apresentou o seu 1º Relatório Anual, nos termos do art. 240º CIRE, respeitante ao período de dezembro de 2018 a novembro de 2019, comunicando ter a insolvente auferido a quantia de 880,67 € de rendimento disponível, sem que tenha procedido à entrega do mesmo. Notificada de tal Relatório, veio a insolvente alegar que o montante que alegadamente deveria ter sido cedido corresponde a valores respeitantes aos subsídios de férias e de natal, valores estes que integram o rendimento disponível. O Juiz a quo proferiu então o seguinte despacho, de que agora se recorre: “Esclarece-se a devedora que se perfilha do entendimento, pacífico nos nossos tribunais superiores, de que os subsídios de férias e de Natal integram o rendimento disponível na medida em que excedam o valor fixado como indisponível. Com efeito, estes subsídios constituem um complemento de retribuição, que visa permitir o gozo das férias e auxiliar nas despesas, normalmente acrescidas, da quadra natalícia. Não são em princípio imprescindíveis para assegurar o mínimo indispensável a uma existência condigna, pelo que devem por norma integrar o rendimento disponível e ser adstritos ao pagamento das dívidas do insolvente. Conforme se referiu no Ac. do TRP de 23.09.2019, proc. n.º 324/19.3T8AMT.P1, os subsídios de férias e de Natal são “rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor” para efeitos do art. 239.º, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, incluídos ou não na cessão em razão da quantidade, não da qualidade. Por isso, «os subsídios de férias e de natal, tal como outras prestações retributivas auferidas pelo devedor, integram ou não o rendimento indisponível consoante se contenham no ou excedam o valor fixado como indisponível» (no mesmo sentido, crf. os Acs. do TRG de 14.02.2013, proc. n.º 3267/12.8TBGMR, do TRC de 13.05.2014, proc. n.º 1734/10.7TBFIG, de 18.12.2019, proc. n.º 1658/19.2T8LRA-B.C1, e de 4.02.2020, proc. n.º 1350/19.8T8LRA-D.C1, do TRP de 07.05.2018, proc. n.º 3728/13.1TBGDM.P1, e de 18.11.2019, proc. n.º 1373/19.7T8AVR-C.P1, todos acessíveis em www.dgsi.pt). Notifique.” Inconformada com tal decisão, a Insolvente dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões: 1º. O Recorrente, salvo o devido respeito por opinião contrária, não se conforma com o douto despacho proferido pelo Tribunal “a quo”, por considerar que os subsídios de férias e de Natal não integram o rendimento disponível. 2º. Sabendo que a remuneração mínima mensal garantida é recebida 14 vezes no ano, constituindo o salário mínimo anual 14 vezes aquele montante mensal (artigos 263º e 264º, n.º 2, do Código do Trabalho), não restam dúvidas de que o mínimo necessário ao sustento minimamente digno não deverá ser inferior à remuneração mínima anual. 3º. Os subsídios de férias e de Natal são parcelas de retribuição do trabalho e não extras para umas férias ou um Natal melhorados. 4º. A retribuição mínima nacional anual é constituída pela retribuição mínima mensal garantida multiplicada por 14, pelo que o salário mínimo nacional garantido mensalizado corresponde à retribuição mínima mensal garantida multiplicada por 14 e dividida por doze. 5º. Este é o valor médio mensal que o Estado fixa como o mínimo necessário ao sustento minimamente digno. 6º. Assim sendo, tais rendimentos – subsídios de férias e de Natal – não podem nem devem integrar o rendimento disponível. 7º. O despacho em apreço violou diversas disposições legais. Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente ser revogado o despacho proferido e substituído por outro que declare que os subsídios de férias e de Natal não integram o rendimento disponível. Não foram apresentadas contra-alegações. A resposta à questão sobre quais os valores que podem ou devem ser contabilizados para a determinação dos rendimentos que integram a parte disponível e a parte indisponível, encontrar-se-á na natureza do instituto em causa e nos interesses que lhe subjazem – por um lado, o interesse dos credores a verem satisfeitos os seus créditos e, do outro lado, a necessidade de que tal cessão de rendimentos não ponha em causa a satisfação das necessidades básicas do devedor. E para a determinação de quais os montantes a atender para a determinação das quantias a ceder ao fiduciário considerar-se-ão todos os rendimentos a qualquer título advindos ao insolvente, independentemente da sua natureza, ou seja, de se tratar de retribuição salarial, de rendas, rendimentos resultantes de atividade por conta própria, ou outros. Não se trata aqui de assegurar ao insolvente o recebimento de um “salário” em montante nunca inferior ao valor da remuneração mínima garantida. O valor do rendimento mensal mínimo garantido é aqui tido em consideração como mero “valor de referência”, a partir do qual é fixado o montante mensal que o insolvente tem direito a reservar para si e que se encontrará excluído da obrigação de entrega ao fiduciário, ficando de fora quaisquer considerações sobre a natureza da retribuição (sendo indiferente o título a que lhe advenha, subsídios, salários, ajudas de custo, horas extraordinárias, ou outros rendimentos sem qualquer conexão com a relação laboral). A apelação é de improceder. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida. Custas a suportar pela massa insolvente, sem prejuízo do disposto no artigo 248º CIRE. Coimbra, 22 de junho de 2020
V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº 7 do CPC 1. Na fixação do rendimento disponível o valor correspondente à retribuição mínima nacional garantida constitui, tão só, a um limite mínimo de referência, a complementar com outros elementos a atender, para a determinação de qual o montante mensal a partir do qual o insolvente deverá ceder os seus rendimentos ao fiduciário. 2. Fixado o rendimento indisponível mensal, o insolvente deverá entregar ao fiduciário todos os rendimentos que venha a receber, a que título for, esporadicamente, ou de forma permanente, desde que excedam e na medida em que ultrapassem aquele montante – ainda que trate de subsídios de férias ou de natal –, ficando de fora quaisquer considerações acerca da natureza da retribuição.
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