Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
129/14.8TJCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: EXECUÇÃO
TITULO EXECUTIVO
ACTA DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
Data do Acordão: 03/01/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 703 Nº1 D) CPC, 6 DL Nº 268/94 DE 25/10
Sumário: 1. É de atribuir força executiva tanto à acta em que se delibera o montante da quota-parte das contribuições que cabe a cada condómino pagar, como à acta em que, por um condómino não ter pago as contribuições que lhe respeitam, se delibera sobre o valor da sua dívida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial.

2. É título executivo a acta da assembleia de condóminos em que se deliberou liquidar certo montante de quotas de condomínio em dívida por determinado condómino, relativas a certo período temporal, indicando-se no requerimento executivo os valores das quotizações e prazo/tempo de pagamento, bem como os sucessivos (e crescentes) montantes globais em dívida, no início de cada exercício anual (e o previsível montante global no final do exercício em curso), pelo condómino relapso, o qual, sendo responsável pelo pagamento de mais de ¼ das importâncias orçamentadas e despendidas pelo condomínio, deixou de pagar há mais de 3 anos.

Decisão Texto Integral:






Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em 12.5.2014, J (…), executado nos autos de execução principais em que figura como exequente Condomínio do Prédio sito (…), opôs-se à execução por embargos, pedindo que seja declarada a inexequibilidade do título executivo e, consequentemente, a extinção da execução, ou, quando assim não se entenda, que seja reconhecida a prescrição da dívida exequenda no que respeita às quotas de condomínio vencidas há mais de cinco anos, reconhecendo-se ainda o pagamento parcial da dívida peticionada na execução.
Alegou, em síntese:
- O título executivo que serve de base à execução é uma acta da assembleia geral de condomínio datada de 17.6.2013 (“acta n.º 12”), onde não consta qualquer assinatura do embargante;
- O título é inexequível porque na referida acta consta apenas a declaração de que o embargante deve determinada quantia ao condomínio, por falta de pagamento das contribuições dos anos de 2008 a 2011, sendo que as contribuições devidas previstas no art.º 6º, n.º 1, do DL 268/94, de 25.10, terão de ser entendidas como contribuições que vierem a ser devidas e não como contribuições em dívida;
- Não poderá seguir execução para pagamento do valor correspondente a cada um dos trimestres do ano de 2013, no valor unitário de € 303,78, num total de € 1 215,12 com base em acta de assembleia de condóminos onde apenas consta o valor global do orçamento para o ano de 2013, inexistindo causa de pedir para estas pretensões;
- As pretensas despesas administrativas de cobrança e patrocínio extravasam o citado art.º 6º, n.º 1;
- Encontra-se prescrita a pretensa dívida relativa às quotas de condomínio do ano de 2008 e do 1º semestre de 2009;
- A administração não lhe deu quitação do pagamento, em 25.12.2008, da quantia de € 1 188, pagamento que deverá ser tido em conta.
A exequente contestou e veio a impugnar toda a matéria aduzida pelo embargante, tendo referido, nomeadamente: o embargante tem perfeita noção do valor trimestral da quota de condomínio que deveria pagar, tendo apenas liquidado, desde a data em que adquiriu a sua fracção, os valores que constam dos “recibos n.ºs 15, 16 e 44”; a ter-se por verificada a prescrição, a mesma deveria ter-se por interrompida (a mandatária do condomínio foi, por diversas vezes, abordada por um colega que se identificou como mandatário do executado/embargante, assumindo a responsabilidade de, em nome e em representação do seu constituinte, iniciar as negociações com vista ao pagamento dos valores em dívida); decorre dos aludidos recibos e dos documentos n.ºs 1 a 3 juntos pelo executado que este reconheceu a dívida ao condomínio; o valor de € 1 188 foi devidamente considerado e deduzido na dívida. Concluiu pela improcedência da oposição e pediu a condenação do embargante como litigante de má fé.
A exequente juntou depois aos autos cópia da “acta n.º 14”, relativa à assembleia de condóminos de 28.7.2014, para comprovar a aprovação das contas do ano de 2013
Foi proferido despacho saneador, que julgou o título exequível e indeferiu o pedido de cobrança coerciva do valor peticionado a título de despesas administrativas e de patrocínio, seguindo-se a delimitação do objecto do litígio.
Pronunciando-se sobre os diversos documentos que a exequente entretanto juntara aos autos, o embargante veio dizer que “dos mesmos não consta qualquer reconhecimento – expresso ou tácito – da parte do embargante – ou de quem quer que seja – de qualquer dívida – muito menos da pretensa dívida relativa às quotas de condomínio dos anos de 2008-2009” (fls. 85 verso e seguinte).
Mostrando-se inconformado, o embargante recorreu do despacho saneador na parte em que decidiu julgar o título executivo dotado de força executiva.
Efectuado o julgamento, a Mm.ª Juíza a quo, por sentença de 15.5.2015, julgou os embargos totalmente improcedentes e determinou o prosseguimento da acção executiva (tendo-se ainda em conta que, em sede de despacho saneador, foi indeferido o pedido de cobrança coerciva do valor de € 750).
Inconformado, o embargante interpôs a presente apelação E veio a reproduzir a impugnação outrora apresentada do despacho de 21.01.2015 (cf. fls. 92 e seguintes, fls. 135 a 139 e “conclusões 1ª a 5ª”), sendo que o recurso de apelação de fls. 92 foi admitido já depois da prolação da sentença de fls. 124 (cf. fls. 162). formulando as seguintes conclusões:
1ª - Errou o Tribunal a quo ao julgar o título executivo apresentado pela recorrida exequível, ou seja, dotado de força executiva, no que respeita às contribuições dos anos de 2008 a 2011.
2ª - Os títulos executivos são os indicados como tal pela lei - a sua enumeração legal está submetida a uma regra de tipicidade.
3ª - Nos termos do art.º 6º, n.º 1, do DL n.º 268/94, a força executiva da acta da assembleia de condóminos não depende de nela se fazer necessariamente constar um montante liquidado, concreto, certo, da dívida de cada condómino, mas tal força executiva extrai-se antes do critério que permita que esse valor se determine, a achar pelo confronto da acta que o preveja.
4ª - O despacho saneador ao julgar o título executivo apresentado pela recorrida dotado de força executiva, no que respeita às contribuições dos anos de 2008 a 2011, viola o disposto nos art.ºs 9º, 817º, 818º, 1424º, n.ºs 1 e 2 do CC e 10º, n.º 5 e 703º, n.º 1, al. d), do CPC e, ainda o art.º 6º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25.10.
5ª - Impõe-se a revogação do despacho saneador por acórdão que julgue não ser exigível ao recorrente, em face do título executivo em causa, isto é, Acta da Assembleia Geral do Condomínio datada de 17.6.2013 (“Acta n.º 12”), o pagamento de € 3 494,36, seja por pretensa “falta de pagamento das contribuições do ano de 2008 a 2011” seja por pretensa falta de pagamento do valor correspondente “às quotas ordinárias do ano de 2008-2009, do ano de 2009-2010, do ano 2010-2011 e (…) do ano de 2011-2012”.
6ª - Errou também o Tribunal ao julgar a prescrição da pretensa dívida relativa às quotas de condomínio dos anos de 2008-2009 “interrompida em 2012, em 2014 e, mais concretamente, na data de citação do aqui embargante – em Abril de 2014”.
7ª - Nos termos do art.º 323º do CC, para que a prescrição se tenha por interrompida, necessário é que o credor manifeste judicialmente ao devedor a intenção de exigir a satisfação do seu crédito e que este, por esse meio, tenha conhecimento daquele exercício ou daquela intenção.
8ª - Assim, não basta, para interromper a prescrição, que o credor, durante o decurso do prazo prescricional, através de carta registada com aviso de recepção, tenha comunicado ao recorrente/executado as quotas de condomínio que, nessa altura, faltavam regularizar, concedendo-lhe o prazo de 15 dias para, a contar da assinatura do aviso de recepção, regularizar o pagamento do valor em dívida de € 3 197,81, correspondentes às quotas de condomínio relativas aos anos de 2008 até ao 3º Trimestre de 2012, todas elas vencidas e não pagas.
9ª - Não ocorreu, portanto, interrupção da prescrição da pretensa dívida relativa às quotizações imputadas ao recorrente senão aquando da respectiva citação para os autos de execução apensos, motivo pelo qual deverá proceder a excepção de prescrição invocada na petição do embargante.
10ª - A sentença recorrida viola o art.º 9º do Código Civil e interpreta e aplica erradamente o disposto no art.º 323º do mesmo diploma legal, impondo-se, portanto, a respectiva revogação.
O exequente/embargado respondeu concluindo pela improcedência do recurso.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa verificar e decidir se existe título executivo bastante e se se verificou a prescrição das quotas de condomínio de 2008 e do 1º semestre de 2009.
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II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:
a) O exequente Condomínio instaurou acção executiva sumária para pagamento de quantia certa contra o executado/embargante.
b) O título dado à execução é uma acta de condomínio.
c) O valor peticionado pelo exequente, a título de capital em dívida, é de € 4 709,48, e a título de juros o valor é de € 139,78. As despesas administrativas de € 750 já não se encontram aqui contabilizadas.
d) Em sede de exposição de factos, o exequente alegou:
«1. O ora Executado comprou a Fracção A (…) da Quinta de S. Jerónimo, (…), constando o registo provisório da aquisição em seu nome no respectivo Registo Predial através a Ap. 45 de 2004/05/17 (…) (Doc. 1), cuja conversão em definitiva se encontra inscrita através do - Averbamento - Ap. 7 de 2004/10/13.
2. Sucede que, após a referida aquisição da Fracção A (…), mais concretamente a partir de Novembro e Dezembro de 2008, foi nomeada pelo Condomínio, (…), como sua gestora ou administradora, a sociedade C (…), Lda., sendo que, após assumir a Administração daquele Condomínio, herdou, vinda da Administração anterior, uma dívida do Executado no valor de € 1 505,58 (…) (Doc. 2).
3. Não obstante toda a documentação que foi fornecida ou enviada ao Executado (Doc. 2), certo é que (…) nunca pagou as quotas de condomínio regularmente, ou seja trimestralmente Sublinhado nosso, como os demais a incluir no texto; antes se limitando a proceder a 3 (três) pagamentos esporádicos e sem qualquer nexo ou continuidade, como é possível verificar pela documentação junta (Doc.2), (…) correspondentes a pagamentos esporádicos realizados no ano de 2009 – Recibos n.ºs 15 e 16 - e 2010 – Recibo n.º 44- (Doc. 2) (…).
5. Depois daquela data - 28-7-2010 Existe lapso - o pagamento/transferência bancária em causa foi realizado em 23.7.2010 (cf. doc. de fls. 40-A). -, em que procedeu ao pagamento de € 1.000,00 (Mil Euros), para amortizar na dívida total, não mais o Executado pagou qualquer outro montante a título de quotas de condomínio, muito embora sempre tenha sido devidamente e regularmente notificado para todas as Assembleias de Condóminos, bem assim como notificado do resultado das ditas reuniões e das Atas elaboradas nas mesmas reuniões, assim como sempre foi igual e regularmente notificado da existência da dívida que ao longo dos tempos se veio acumulando, até chegar aos valores finais peticionados na presente Execução.
6. Perante a indiferença do Executado às suas comunicações, contratou o Condomínio aqui Exequente os serviços de uma Advogada, solicitando-lhe o envio de uma carta registada com aviso de recepção, (…) (Doc.3), onde foi concedido ao Executado o prazo de 15 (quinze) dias para proceder à regularização do valor total então em dívida - € 3 197,81.
7. Inicialmente, também não houve qualquer reacção do Executado a esta carta (…), porém, quando o Exequente já decidira avançar com o processo executivo para cobrança daquele valor, foi a sua Mandatária contactada por um Advogado, na qualidade de Mandatário do Executado, tendo sido encetadas várias negociações no sentido da dívida ser regularizada.
8. Sucede, porém, que as negociações não lograram ser bem sucedidas, acabando por não obter qualquer resultado positivo e, por isso, não foi, uma vez mais, efectuado qualquer pagamento (…) por parte do Executado.
9. Neste entretanto, voltou a realizar-se a Assembleia Geral do Condomínio, a qual deu origem à redacção e assinatura da Ata n.º 12 (Doc. 4), datada de 17 de Junho de 2013, da qual constava como ponto 1 da ordem de trabalhos, a apresentação, análise e aprovação das contas relativas ao ano de 2012 do Condomínio ora Exequente, tendo constado entre os Condóminos faltosos o ora Executado, identificado como proprietário da Fracção A, cuja dívida ascende, segundo o que consta na pág. 22 da mesma Ata n.º 12 (doc.4), a € 3 494,36.
10. Através dessa mesma Ata n.º 12 (Doc.4), que seria enviada uma carta registada com aviso de recepção ao ora Executado, concedendo-lhe um último prazo de 15 (quinze) dias para regularizar os pagamentos em falta, sendo que, findo esse prazo sem obter o dito pagamento, ficava, imediatamente, mandatada a administração, como aí se pode ler, para proceder à cobrança coerciva do valor em falta - € 3 494,36 -, valor este correspondente, como também aí se lê, a quotas de condomínio dos anos de 2008-2009, 2009-2010, 2010-2011 e 2011-2012, todas elas já vencidas e não pagas.
11. (…) conforme se pode ler na pág. 23 da mesma Ata n.º 12 (…), a Administração ficou, ainda, desde logo, mandatada para obter a cobrança judicial das mensalidades vincendas acrescidas dos respectivos juros legais e demais despesas judiciais (…).
12. E, a este propósito, é possível constatar, nesta data, que, além do valor constante na Ata n.º 12 - € 3 494,36 -, já se venceram as quotas de condomínio correspondentes a cada um dos trimestres do corrente ano de 2013, no valor unitário de € 303,78 x 4, o que perfaz o montante global de € 1 215,12 (…), valor que, naturalmente, acresce àquele que consta da Ata n.º 12 - € 3 494,36 -, perfazendo uma dívida global do Executado ao Exequente de € 4 709,48 (…).
13. Da mesma Ata n.º 12 (…), consta (…), que (…) ficou, desde logo, mandatada a Administração para, ao fim de 12 (doze) meses de incumprimento, interpor a respectiva acção judicial, porquanto, entende o Exequente que, além de estar mandatado para executar o valor de € 3 494,36, também está mandatado para o valor total de todas as quotas relativas ao ano de 2013 - € 1 215,12 -, (…) [no total] de € 4 709,48, valor este correspondente a quotas ordinárias de condomínio dos anos de 2008, 2009 e 2010, 2011, 2012 e 2013, todas já vencidas e, até esta data, não pagas.
14. (…) o Executado não compareceu a esta Assembleia, assim como nunca compareceu a qualquer outra das Assembleias realizadas, muito embora estivesse regularmente convocado ou notificado.
Sendo certo que a morada para onde toda a correspondência é enviada é aquela que, desde o início, foi fornecida à Administração do Condomínio, coincidente com a residência do Executado, ainda assim, é comportamento normal do Executado não comparecer às Assembleias de Condomínio, todavia, ele recepcionou a carta enviada pela Mandatária do Exequente (Doc. 3), pelo que conhece toda a informação necessária e sabe da dívida que mantém com o Exequente.
Porquanto não há dúvida que existe uma dívida, que essa dívida já está, toda ela, vencida.
Além dos inicialmente concedidos 15 (quinze) dias para regularização do valor em dívida, o Executado gozou ainda de muito mais prazo, pois foram-lhes concedidos vários meses para o efeito.
Legalmente, não existem hoje quaisquer dúvidas de que os Condomínios podem ser parte em juízo, ou seja, têm legitimidade para demandar, nos termos do Art.º 6º al. e) do CPC e que as Atas redigidas em Assembleias de Condomínio constituem títulos executivos, pois a força executiva das mesmas foi-lhes conferida pelo Art.º 6º, n.º 1, do DL 268/94, de 25.10.
Na presente Execução, além do valor total das quotas de condomínio em incumprimento pelo Executado - € 4 709,48 -, peticionam-se, igualmente, os respectivos juros de mora e, ainda, outros montantes devidos a título de despesas administrativas, de cobrança e patrocínio (…)»
e) Por carta registada com aviso de recepção, datada de 17.9.2012 (cf. fls. 69 e 70), a Exma. Mandatária do embargado/exequente comunicou ao embargante/executado as quotas de condomínio que, nessa altura, faltava regularizar, concedendo-lhe o prazo de 15 dias para, a contar da assinatura do aviso de recepção da missiva, regularizar o pagamento do valor total em dívida de € 3 197,81, correspondentes às quotas de condomínio relativas aos anos de 2008 até ao 3º Trimestre de 2012, vencidas e não pagas.
f) O executado pagou a quantia de € 1 188, em 25.12.2008, valor deduzido à dívida de quotas de condomínio de 2008, ficando por pagar, nesse ano, a importância de € 490,32.
g) As quotas respeitantes aos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013 constam do documento n.º 2, junto com o requerimento executivo, cujo valor global ascende a € 4 709,48.
h) Apesar de devidamente convocado para as reuniões de condomínio, o executado raramente teve participação nas mesmas.
i) A acção executiva principal foi instaurada em 15.01.2014.
2. E deu como não provado:
a) Que a quantia de € 1 188, paga pelo executado em 25.12.2008, não foi deduzida na sua dívida de quotas de condomínio de 2008.
3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.
O embargante/executado reconhece que deixou de pagar as quotas de condomínio ao longo dos últimos anos (2009, 2010, 2011, 2012, 2103, 2014, …).
Contudo, paradoxalmente, partindo daquela que considera ser a melhor interpretação dos normativos aplicáveis e a orientação jurisprudencial dominante, mas postergando todo e qualquer limite decorrente, nomeadamente, da perspectiva do direito enquanto “responsabilizante dimensão ética do homem” e da finalidade de encontrar uma solução exigida pelo direito enquanto validade normativa, de uma solução normativamente adequada às circunstâncias do caso concreto Vide A. Castanheira Neves, O direito como validade, in RLJ, 143º, 175. e aos interesses em presença, pugna pela afirmação de uma espécie de “direito ao não pagamento”, quando é certo que nada existiu ou existe que impeça, modifique ou extinga o direito feito valer na execução…
Ademais, como melhor se explicitará e concretizará de seguida, há que ter em atenção o ensinamento de que “Nenhum direito (…) admite uma paralisação no tempo: mesmo que as normas não mudem, muda o entendimento das normas, mudam os conflitos de interesses que se têm de resolver, mudam as soluções de direito, que são o direito em acção Vide Orlando de Carvalho, “para uma teoria da relação jurídica civil – I – a teoria geral da relação jurídica - «seu sentido e limites»”, 2ª edição, Centelha, 1981, pág. 50.; “toda a interpretação jurisdicional de uma lei implica uma correcção ou um aperfeiçoamento do direito Becker, apud António Pinto Monteiro, Interpretação e o protagonismo da doutrina, RLJ, 145º, 67.; “o objecto problemático da interpretação jurídica não é a norma como objectivação cultural (…), mas o caso decidendo, o concreto problema prático que convoca normativo-interpretativamente a norma com seu critério judicativo (…), o que significa, evidentemente, que é o caso e não a norma o ´prius` problemático-intencional e metódico Vide A. Castanheira Neves, O Actual Problema da Interpretação Jurídica, in RLJ, 118º, págs. 257 e seguinte.; o intérprete deverá “adaptar a norma jurídica ao ambiente social, económico e jurídico do tempo presente, no respeito pela sua ´ratio` e pela unidade do direito Vide António Pinto Monteiro, estudo cit., RLJ, 145º, 67..
Assim se prosseguirá e materializará a pretensão de realizar uma concreta justiça material, “pois verdadeira justiça só será a que se recusa a cobrir com o equilíbrio aparente das justificações formais, as manifestas injustiças dos desequilíbrios reais”. Vide A. Castanheira Neves, Lições de Introdução ao Estudo do Direito, ed. policopiada, Coimbra, 1968-69, pág. 79.
4. A acção executiva é aquela em que o credor requer as providências adequadas à realização coactiva de uma obrigação que lhe é devida (art.º 10º, n.º 4, do Código de Processo Civil/CPC).
E toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (n.º 5, do mesmo art.º).
Para instaurar a acção executiva exige-se, assim, um instrumento que, com grande probabilidade, comprove a existência do direito alegadamente violado.
Os títulos executivos estão legalmente tipificados, de forma fechada (art.º 703º, n.º 1, do CPC).
No caso em análise, o título exequendo é constituído por documento particular (art.º 363º, n.º 2, do Código Civil/CC): a acta de reunião da assembleia de condóminos.
Nos termos do disposto no art.º 6º, nº 1, do DL n.º 268/94, de 25.10, “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.”
Está, pois, em causa um documento a que, por disposição especial, é atribuída força executiva (art.º 703º, n.º 1, alínea d) do CPC), sendo que ficou exarado no preâmbulo do mencionado DL que era objectivo declarado do legislador “procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros”.
Pretendeu-se dotar o condomínio dum instrumento célere e eficaz para a prossecução e realização das atribuições a seu cargo, dispensando-o do recurso a fastidiosas, longas e desgastantes acções declarativas, em ordem ao cumprimento coercivo das obrigações impendentes sobre condóminos recalcitrantes, oportunistas e relapsos. Cf. o acórdão do STJ de 14.10.2014-processo 4852/08.8YYLSB-A.L1.S1, publicado no “site” da dgsi.
5. A jurisprudência tem-se dividido na delimitação das deliberações da assembleia de condóminos passíveis de servirem de título executivo nos termos previstos no art.º 6º, n.º 1, do DL n.º 268/94 – de um lado temos os que, de forma restritiva, consideram que apenas são título executivo as actas em que estejam exaradas as deliberações da assembleia de condóminos que tiverem procedido à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se o prazo de pagamento e a quota-parte de cada condómino Cf., entre outros, os acórdãos da RP de 16.6.2009-processo 12447/06.4YYPRT-B.P1 e de 06.9.2010-processo 2621/07.1TJVNF-A.P1; da RL de 17.02.2009-processo 532/05.4TCLRS-7, 11.10.2012-processo 1515/09.0TBSCR.L1-2 e 29.5.2014-processo 11162/08.9YYLSB.L1-6 e da RE de 28.01.2010-processo 6924/07.7TBSTB.E1, publicados no “site” da dgsi.
Dizem desnecessária a deliberação que proceda à liquidação dos montantes em dívida, entre outros, os acórdãos da RP de 09.6.2010-processo 3188/09.1YYPRT.P1, 24.02.2011-processo 3507/06.2TBMAI-A.P1 e de 18.10.2011-processo 2728/07-5TBVFR-A.P1, publicados no mesmo “site”., enquanto outros se bastam com a acta que inclua a deliberação da mesma assembleia onde se procedeu à liquidação dos montantes em dívida por cada condómino. Cf., nomeadamente, o acórdão da RP de 02.6.1998-processo 9820489; os acórdãos da RC de 20.6-2012-processo 157/10.2TBCVL-A.C1 (subscrito pelo aqui relator como 1º adjunto) e 04.6.2013-processo 607/12.3TBFIG-A.C1; os acórdãos da RL de 02.3.2004-processo 10468/2003-1, 29.6.2006-processo 5718/2006-6, 08.7.2007-processo 9276/2007-7, 18.3.2010-processo 85181/05.0YYLSB-A.L1-6 e 07.7.2011-processo 42780/06.9YYLSB.L1-2 e da RE de 17.02.2011-processo 4276/07.4TBPTM.E1, publicados no “site” da dgsi (o primeiro, também, na CJ, XXIII, 3, 190).
Partindo da letra do cit. art.º 6º, n.º 1, do DL n.º 268/94, que alude ao montante das contribuições devidas e não à fixação dessas contribuições, e tendo ainda em atenção, sobretudo, a teleologia dessa previsão (expressa no preâmbulo do diploma) e que a detenção de um título executivo em que o devedor não teve intervenção [sabendo-se que, para constituir título executivo, a acta da assembleia de condóminos não carece da assinatura de todos os condóminos ou da assinatura do condómino executado Cf., de entre vários, o acórdão da RP de 04.6.2009-processo 1139/06.4TBGDM-A.P1 (publicado no “site” da dgsi) e o cit. acórdão do STJ de 14.10.2014-processo 4852/08.8YYLSB-A.L1.S1.] não altera as regras gerais de distribuição do ónus da prova, cabendo por isso à Administração do Condomínio demonstrar os factos constitutivos do crédito exequendo, quando os mesmos sejam impugnados pelo devedor, afigura-se-nos que deve ser seguida a posição jurisprudencial de que é também exequível a acta que reproduza a deliberação da assembleia de condóminos onde se procedeu à liquidação dos montantes em dívida por cada condómino. Cf., entre outros, o citado acórdão da RC de 20.6-2012-processo 157/10.2TBCVL-A.C1.
6. Afigura-se-nos, pois, que o texto legislativo comporta quaisquer das situações atrás descritas, ou seja, quer as contribuições futuras, quer as contribuições já apuradas, em que se verifique ou venha a verificar falta de pagamento, desde que vencidas.
O legislador ao conferir eficácia executiva às actas das reuniões da assembleia de condóminos tinha em mente evitar o recurso à acção declarativa em matérias em que estão jogo questões monetárias liquidadas ou de fácil liquidação segundo os critérios legais que presidem à sua atribuição e distribuição pelos condóminos e sobre as quais não recai verdadeira controvérsia, pelo que, salvo o devido respeito por entendimento contrário, não é razoável e seria contrário à intenção do legislador restringir a força executiva apenas à acta em que se delibera o montante da quota-parte das contribuições que cabe a cada condómino pagar e não concedê-la à acta em que, por o condómino não ter pago, conforme o deliberado em assembleia anterior, se delibera sobre o montante da dívida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial. Cf. o cit. acórdão da RE de 17.02.2011-processo n.º 4276/07.4TBPTM.E1.
Esta, cremos, a perspectiva das coisas e do direito judiciário que procura a consonância da lei com a vida, até porque esta é a razão de ser daquela. Cf. o acórdão do STJ de 29.10.1996, in BMJ, 460º, 663.
7. E, normalmente, em razão da “habitualidade no incumprimento” por parte de alguns condóminos (“avessos a contribuir para as despesas comuns”…), o montante referido na acta inicialmente dada à execução mais não é do que o resultado dos valores sucessivamente fixados e encontrados/liquidados em actas pretéritas e que vemos adequadamente explicitados/concretizados no requerimento executivo, em obediência ao preceituado no art.º 724º, n.º 1, alínea e), do CPC, pelo que o executado estará em condições de exercer eficazmente o contraditório.
8. No caso em apreço, a aludida “acta n.º 12” mencionava (com exactidão) o montante global em dívida (do executado) e o período a que se reportava [havendo, contudo, lapso na menção do exercício de 2008 – como melhor se explicitará infra]; o requerimento executivo foi acompanhado de diversa documentação complementar, designadamente de quadros de todos os valores em causa, além de nele se discriminar, por exemplo, as importâncias da quota trimestral e a dívida total (vencida), bem como as datas e/ou a periodicidade/prazo de vencimento (último dia do trimestre correspondente); e o executado, que se conformou com a matéria de facto dada como provada, também não questiona que haja tido conhecimento da aprovação dos sucessivos orçamentos de exercício anual e das contas do condomínio (onde vão mencionadas as dívidas que transitam para o exercício seguinte), do envio trimestral dos avisos de débito e, por último, das cartas de aviso dos montantes em dívida e para (numa derradeira tentativa) se efectuar o pagamento voluntário.
9. Perante o descrito factualismo e o mais que foi mencionado no requerimento executivo [cf., sobretudo, II. 1. alíneas b), c), d) – 2, 3, 5, 9, 10, 12 e 13, supra] - tudo, diga-se, do inteiro conhecimento do executado - nenhum impedimento havia a que se pedisse, como pediu o exequente, o pagamento das quotas vencidas anteriormente à propositura da acção executiva, competindo ao opoente a alegação e prova do pagamento de tais prestações.
Estando assim em causa “a cobrança dos valores devidos ao condomínio, legalmente previstos e regularmente aprovados” (cujo critério de fixação não se enjeita), apenas se poderá concluir pela existência de título válido e exequível, nenhuma censura merecendo o despacho de 21.01.2015.
10. Como decorre do exposto, o executado/embargante não questiona que tenha deixado de pagar as quotas do condomínio [o último pagamento, no montante de € 1 000, foi realizado em 23.7.2010 - cf. II. 1. d)-5, supra e o “extracto” reproduzido a fls. 40-A], assim como jamais ousou questionar que é dono da “fracção A” e que a respectiva “permilagem” é de 263/1000 [cf. doc. de fls. 50; permilagem que, na generalidade das situações, determina o montante da quotização - art.º 1424º do CC], sendo também manifesto que o embargante não impugnou validamente quaisquer das sucessivas deliberações da assembleia de condóminos (art.º 1433º do CC).
O executado apenas se insurge, por forma concreta e relativamente precisa, quanto à existência de quotas em dívida relativas ao exercício de 2008 e considera prescrita a eventual dívida pelas quotas do 1º semestre de 2009.
11. Ora, antolhando-se evidente que a importância reclamada na execução (€ 4 709,48) traduz o montante global das quotas do condomínio (“quotizações ordinárias”) dos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, acrescido da quantia de € 109,40 imputável às quotizações de 2009 [cf., principalmente, II. 1. alíneas e) e f), supra, e o art.º 784º, n.º 1, do CC; atente-se nos valores de € 303,78 x 4 + € 296,55 x 4 + € 282,09 x 4 + € 267,60 x 4 + € 109,40/anos de 2013, 2012, 2011 e 2010 e residual de 2009, respectivamente] Estes os valores que decorrem da factualidade provada conjugada com os diversos documentos juntos aos autos [cf., sobretudo, fls. 39 e II. 1. alíneas d) - 5, 10, 12 e 13, f) e g), supra, sendo evidente a incorrecção, designadamente, nos documentos reproduzidos a fls. 47 verso e 69 verso (aludido em II. 1. e), supra), e bem assim no que vemos reproduzido em II. 1. d) - 10, 12 e 13, supra, quanto à pretensa existência de importâncias em dívida referentes ao exercício de 2008].
Diga-se, de resto, que a este mesmo entendimento conduz, sobretudo, a factualidade – não impugnada – vertida em II. 1. alíneas f) e g), supra, já que apenas se poderá concluir que na importância total reclamada nada se inclui do exercício de 2008.
É assim correcta a posição do executado expressa a fls. 85 e seguinte quanto à inexistência de valores em dívida relativos ao exercício de 2008… [cf. ponto I, supra]., nenhuma dúvida existe de que o executado, ao efectuar aquele último pagamento realizado a 23.7.2010, deixou por liquidar, apenas, parte da quotização relativa ao último trimestre de 2009 e os valores subsequentes.
Tendo o executado sido citado em Abril de 2014, falta, desde logo, o necessário suporte fáctico temporal da invocada prescrição [cf. os art.ºs 298º, n.º 1 e 310º, alínea g), do CC] Cf., de entre vários, o acórdão da RC 14.11.2006-processo 3948/04.0TBAVR.C1, publicado no “site” da dgsi.
, o que prejudica ou torna irrelevante o conhecimento de quaisquer eventuais factos impeditivos ou interruptivos do prazo prescricional ou, dito de outra forma, de quaisquer circunstâncias susceptíveis de afirmar ou afastar a inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo.
Importa, assim, confirmar a sentença sob censura quanto à não verificação da invocada prescrição (das obrigações respeitantes ao pagamento das quotas de condomínio vencidas há mais de cinco anos).
12. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.
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III. Face ao exposto, julgam-se improcedentes as apelações, confirmando-se as decisões recorridas, embora com fundamentação parcialmente diversa.
Custas pelo embargante/executado.
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01.3.2016



Fonte Ramos ( Relator )
Maria João Areias
Fernanda Ventura