Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
849/12.1JACBR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO
AGRAVAMENTO
OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO PERIÓDICA
Data do Acordão: 10/16/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 5º Nº 2 E 194º Nº 3 CPP
Sumário: 1.- Para efeitos de aplicação do artº 194 nº 3 do CPP na redação dada pela lei 48/2007,a medida de coação, obrigação de apresentação periódica diária, é medida de coação mais grave que a obrigação de apresentação periódica mensal;

2.- A aplicação de medida de coação mais grave acarreta agravamento sensível e ainda evitável da situação processual da arguida, pelo que não tem aplicação a lei “nova” aos processos iniciados anteriormente à sua vigência – art. 5 nº 2 do CPP.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra
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No processo supra identificado, à arguida A... e alterando a medida de coação que vigorava, foi proferido despacho, do seguinte teor:
“Relativamente á medida de coação de apresentação periódica a prestar uma vez por mês, no M.P. da Maia:
Começa-se por dizer que a arguida apenas não está sujeita a medida privativa da liberdade - mormente prisão preventiva - porque já ter decorrido o prazo máximo da mesma.
A arguida não foi libertada por terem diminuído as necessidades cautelares, nem terem enfraquecido os indícios. Pelo contrário. Como se disse supra, os indícios saíram bem reforçados com a investigação.
Por outro lado, os perigos que levaram á prisão preventiva mantêm-se e são intensos.
Não se compreende assim como a periodicidade da promovida apresentação periódica poderá ser de uma vez por mês.
Se o M.P. entende que a mesma não é necessária não a deveria promover.
Porém, o Tribunal entende que a medida de apresentação periódica revela-se necessária, mas com uma periodicidade elevada, de forma a acautelar os perigos intensos que existem. Só assim essa medida se pode revelar igualmente adequada e proporcional.
Assim, a arguida deve apresentar-se diariamente nos serviços do M.P. da Maia, área da sua residência.
Uma vez que o M.P. apenas promoveu a apresentação mensal, resta fazer referência ao artigo 194, nº 2 do Código de Processo Penal segundo o qual "durante o inquérito, o juiz pode aplicar medida de coação diversa, ainda que mais grave, quanto à sua natureza, medida ou modalidade de execução, da requerida pelo Ministério Público, com fundamento nas alíneas a) e c) do artigo 204”.
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Nestes termos e ao abrigo do disposto nos artigos 191, 193, 195, 196, 198, 199, nº 1, alínea a) e 204, alínea a), b) e c), todos do Código de Processo Penal, decide-se que a arguida A... deve continuar a aguardar os ulteriores trâmites processuais sujeita a TIR, já prestado nos autos, e ainda:
- suspensa do exercício de funções como Inspetora da Policia Judiciária;
- sujeita á obrigação de apresentação periódica a prestar diariamente nos serviços do M. P. da Maia, área da sua residência”.
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Inconformada, a arguida A... interpôs recurso deste despacho, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto:
1- Não obstante se discordar frontalmente de toda a decisão recorrida, o presente recurso vem interposto do despacho de fls...., restrito à parte em que a M.ª JIC recorrida decidiu aplicar à arguida a medida de coação de obrigação de apresentação periódica, como promovido pelo Ministério Público (MP), mas com uma periodicidade mais elevada do que a requerida pelo mesmo MP;
2- A fls. 1517 e 1518, o MP promoveu, além do mais, a aplicação à arguida da medida de coação de obrigação de apresentação periódica (art. 198, do CPP) ao MP da Maia, área da sua residência, UMA VEZ POR MÊS;
3- O despacho recorrido determinou, além do mais, que essa medida de coação fosse cumprida pela arguida com uma periodicidade DIÁRIA;
4- Invocou o Tribunal «a quo» o disposto no art. 194, n.º 2, do CPP, com a redação que transcreveu no despacho recorrido e que - embora aí não o mencione - resultou da alteração introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, que alterou vários preceitos do Código de Processo Penal e que entrou em vigor em 23 de Março de 2013 (cfr. art. 4 daquela lei);
5- Não aplicando o tribunal recorrido as regras de aplicação da lei processual penal no tempo previstas no art. 5, do CPP;
6- Com efeito, o crime dos autos foi praticado e o presente processo iniciou-se em 21 de Novembro de 2012, isto é, num momento em que estava em vigor o art. 194, n.º 2, do CPP, com a redação introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que aqui se dá por reproduzida na íntegra, e que, em súmula, impedia que, em inquérito, o juiz aplicasse medida de coação mais grave do que a requerida pelo MP, sob pena de nulidade.
7- A nova redação conferida a esta norma legal pela referida lei de 2013 - que, nos casos das als. a) e c), do art. 204 do CPP, permite a aplicação pelo Juiz de medida de coação mais grave do que a requerida pelo MP - seria, em princípio, de aplicação imediata, nos termos daquele artigo 5, n.º 1, do CPP;
8- Exceto se de tal aplicação imediata, nomeadamente resultar «agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido», como dispõe aquele art. 5, n.º 2, alínea a), do CPP;
9- Ora, a obrigação de apresentação periódica DIÁRIA decidida pela M.ª JIC recorrida corresponde à aplicação de uma medida de coação mais grave - na sua medida e modalidade de execução - do que a mesma medida requerida pelo MP com a periodicidade de uma vez por mês;
10- Como a M.ª JIC recorrida refere no despacho recorrido, no parágrafo em que invoca e transcreve o art. 194, n.º 2, do CPP;
11- O que, claramente, consubstancia um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual da arguida;
12- Agravamento esse que resulta, portanto, da aplicação da nova lei (de 2013) a este processo que se iniciou anteriormente à sua vigência;
13- Daí que esta nova lei - nova redação de 2013 introduzida ao art. 194, n.º 2, do CPP - não possa aplicar-se aos presentes autos (cfr. art. 5, n.º 2, al. a), do CPP);
14- Antes sendo de aplicar o art. 194, n.º 2, na redação anterior, isto é, na que foi introduzida pela citada Lei n.º 48/2007, de 29/8;
15- Perante essa redação de 2007, a decisão recorrida é NULA como expressamente determina o art. 194, n.º 2, naquela redação;
16- NULIDADE que aqui expressamente se argui, tratando-se, aliás, de NULIDADE INSANÁVEL como resulta do disposto no art. 119, alínea b), do CPP;
17- Acresce que a aplicação do art. 5, do CPP, quando interpretado no sentido de que a lei processual penal se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência ainda que da sua aplicabilidade imediata possa resultar agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, consubstancia INCONSTITUCIONALIDADE, que aqui expressamente se argui, por violação do disposto no art. 27, n.º 1, da CRP, do princípio do Estado de Direito (art. 2, da CRP), e dos subprincípios do Estado Constitucional (art. 3, n.º 3, da CRP), da independência dos Tribunais e do acesso à justiça (art. 20 e 205 e ss. a CRP), da prevalência da lei, da segurança jurídica e da confiança dos cidadãos, e do subprincípio das garantias processuais e procedimentais ou do justo procedimento;
18- Deve, em consequência, revogar-se o despacho recorrido na parte sindicada, reduzindo-se a medida de coação de obrigação de apresentação periódica aplicada à arguida para uma apresentação mensal, conforme previamente requerido pelo MP.
DEVE CONCEDER-SE PROVIMENTO AO RECURSO E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGAR-SE O DESPACHO RECORRIDO, NA PARTE SINDICADA, REDUZINDO A APRESENTAÇÕES DE UMA VEZ POR MÊS A MEDIDA DE COACÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO PERIÓDICA APLICADA À ARGUIDA.
Respondeu o Magistrado do Mº Pº, concluindo:
1-Existem nos autos fortes indícios da arguida estar incursa num crime de homicídio qualificado, da previsão dos arts. 131 e 132, do C. Penal.
2- Por despacho de 5.6.2013, a Mma. JIC, fazendo uma ponderação das exigências cautelares que se faziam sentir, aplicou-lhe cumulativamente a suspensão do exercício de funções como Inspetora da PJ e a obrigação de apresentação periódica diária.
3- E surgiu esse despacho na sequência da restituição à liberdade da arguida, que sujeita a prisão preventiva desde 28.11.2012, prisão que foi revogada por despacho judicial de 17.5.2013, a promoção do Ministério Público, por esta última autoridade judiciária ter entendido haver ainda diligências decisivas para o esclarecimento dos factos a efetuar, ser inviável a realização das mesmas até ao termo do prazo normal de duração da prisão preventiva em sede de inquérito e considerar inadequado prolongar essa medida coativa com base em excecional complexidade do processo, requerendo então a substituição da prisão preventiva pela suspensão do exercício de profissão e obrigação de apresentação periódica mensal.
4- A única divergência da Mma. JIC com a promoção do Ministério Público assentou no facto de, por referência à obrigação de apresentação periódica, lhe ter imposto uma obrigação diária em vez de mensal, como tinha sido promovido.
5- E fê-lo por considerar que a apresentação mensal requerida era insuficiente para assegurar as exigências cautelares que se continuavam a fazer sentir, as quais, no seu entender, eram as mesmas e de igual intensidade às que tinham determinado a aplicação da prisão preventiva, designadamente o perigo de fuga e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
6- E foi neste segmento, por referência à medida do art. 198, do C. P. Penal, que a arguida interpôs recurso, por considerar que a Mma. JIC nunca poderia aplicar-lhe uma medida diária quando o Ministério Público, na sua promoção, apenas tinha requerido apresentação com periodicidade mensal.
7- Sustenta a arguida que, não obstante a nova redação do art. 194, do C. P. Penal, conferida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, já em vigor à data da prolação desse ato decisório, continuava a ser aplicável a redação anterior, por força do art. 5, n.º 2, al. a), do C. P. Penal, uma vez considerar que a atual implicava um agravamento sensível, no seu entender mesmo acentuadíssimo, da sua situação processual, ao passar do promovido um dia para todos os dias do mês.
8- Ora, salvo o devido respeito não assiste razão à arguida.
9- O art. 194, n.º 2, na redação conferida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, que entrou em vigor em 23.3.2013, por isso vigente à data da prolação desse despacho, confere ao juiz, durante o inquérito, a possibilidade de aplicar medida de coação diversa, que mais grave, quanto à sua natureza, medida ou modalidade de execução, da requerida pelo MP, com fundamento nas alíneas a) e c), do art. 204.
10- E foi o que a Mma. JIC fez, decorrente das exigências cautelares plasmadas nas als. a) e c), do art. 204, do C. P. Penal, ao considerar não estarem suficientemente acauteladas com apresentações mensais, pelo que lhe aplicou a apresentação diária.
11- Acresce que a lei processual penal, por ser de carácter adjetivo, é de aplicação imediata, como resulta do art. 5, n.º 1, do C. P. Penal.
12- Inexiste norma transitória que excecione a aplicabilidade da nova redação do art. 194, do C. P. Penal.
13- Por esse motivo, estamos convictos que se o legislador tivesse querido excecionar a aplicação da nova lei nesse caso, seguramente que tê-lo-ia dito, como teve o cuidado de fazer quanto à leitura das declarações de arguido em audiência de julgamento, em que determinou que continuaria a aplicar-se a anterior redação do art. 357, do C. P. Penal, aos processos pendentes na data de entrada em vigor da nova lei em que o arguido já tivesse sido interrogado, o que fez no art. 4, da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro.
14- Se outras situações não indicou terá sido por essa intenção não ter.
15- Tendo em conta a opção legislativa que o legislador adotou, que se retira do mencionado art. 4, do diploma que aprovou as alterações ao C. P. Penal, por se tratar de norma especial, sempre seria de afastar a aplicabilidade do art. 5, n.º 2, al. a), da lei processual penal.
16- Mas mesmo que desse modo não se entenda, sempre o disposto no art. 5, n.º 2, al. a) não afetaria a validade da posição da Mma. JIC, porquanto o seu despacho de aplicação de obrigação de apresentação diária, quando o Ministério Público tinha promovido mensal, não implicou um agravamento sensível da situação processual da arguida.
17- E não implicou, desde logo, uma vez essa medida ter sido aplicada em substituição da prisão preventiva a que antes esteve sujeita.
18- Por outro lado, sempre estaremos perante a mesma medida, nem mais nem menos que a obrigação de apresentação periódica, pelo que nem haveria qualquer agravamento da sua situação processual.
19- Mas mesmo que esse entendimento não se perfilhe, por se considerar que passar uma apresentação mensal para diária seria de considerar um agravamento da situação processual de um arguido, nunca esse agravamento poderia ser entendido como sensível, porquanto sensível será tudo o que contende com direitos fundamentais, mormente com os direitos, liberdades e garantias vertidos na Constituição da República portuguesa, como se elenca a título exemplificativo no normativo, v. g. o direito à defesa, que não é o caso.
20- Em súmula, não enferma de qualquer nulidade o despacho da Mma. JIC, nem tão pouco a interpretação efetuada da norma dos arts. 5 e 194, do C. P. Penal padece de inconstitucionalidade.
21- Por conseguinte, dado não ter sido violada qualquer disposição legal, deve ser julgado improcedente o recurso interposto pela arguida e mantida a decisão judicial recorrida.
Foi proferido despacho de sustentação, no qual se refere ter sido aplicada a redação da lei de 2013, já que o legislador nada excecionou relativamente à matéria de aplicação de medidas de coação, como o fez relativamente a leituras permitidas de declarações do arguido- art. 4 nº 2 da referida lei.
Nesta instância o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, emite parecer no sentido da improcedência do recurso, por entender que a posição processual da arguida não é ”sensivelmente agravada com uma apresentação mais frequente”.
No entanto, tem como suficiente a apresentação semanal.
Foi cumprido o disposto no art. 417, n.º 2, do Cód. Proc. Penal.
Foi apresentada resposta, na qual a arguida conclui como na motivação do recurso e, entendendo que o parecer do Mº Pº nesta Instância entende o agravamento como sensível ao referir que a medida proposta e a aplicada se encontram nos antípodas.
Foram colhidos os vistos legais.
Realizada a conferência, cumpre-nos decidir.
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Conhecendo:
Em causa no recurso, a aplicação da lei processual penal no tempo, relativamente às alterações introduzidas pela lei 20/2013 de 21 de Fevereiro, quanto a alteração da medida de coação proposta pelo Mº Pº no inquérito.
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Durante o inquérito, a medida de coação a aplicar é-o a requerimento do Mº Pº, sob pena de nulidade –art. 194 nº 1 do CPP.
No caso vertente o Mº Pº requereu a aplicação da obrigação de apresentação periódica. Requereu a periodicidade mensal e, o Juiz de instrução aplicou a periodicidade diária.
O art. 194 do CPP, na redação dada pelo art. 1 da L. nº 48/2007 dispunha no seu nº 2: “- Durante o inquérito, o juiz não pode aplicar medida de coação ou de garantia patrimonial mais grave que a requerida pelo Ministério Público, sob pena de nulidade”.
Norma que foi revogada pelo art. 2 da L. nº 20/2013, passando a dispor: “2 - Durante o inquérito, o juiz pode aplicar medida de coação diversa, ainda que mais grave, quanto à sua natureza, medida ou modalidade de execução, da requerida pelo Ministério Público, com fundamento nas alíneas a) e c) do artigo 204.
3 - Durante o inquérito, o juiz não pode aplicar medida de coação mais grave, quanto à sua natureza, medida ou modalidade de execução, com fundamento na alínea b) do artigo 204. nem medida de garantia patrimonial mais grave do que a requerida pelo Ministério Público, sob pena de nulidade”.
Por outro lado, dispõe o art. 5 do CPP: “«Aplicação da lei processual penal no tempo»
1- A lei processual penal é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos atos realizados na vigência da lei anterior.
2- A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar:
a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa; ou
b) Quebra da harmonia e unidade dos vários atos do processo”.
Entendeu-se no despacho recorrido aplicar a lei “nova” e, que se justifica no despacho de sustentação se justifica por o legislador não excecionar como fez em relação ao art. 357 do CPP, como se pode verificar do art. 4 nº 2 da L. 20/2013.
Mas, temos que essa norma não interfere no caso em análise. O CPP tem regras sobre a aplicação da lei processual penal no tempo, que constam do mencionado art. 5 e, é face a esta norma que o caso deve solucionar-se.
Assim, há que averiguar se da aplicação imediata da lei “nova” resulta agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, e se isso acontecer, a lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência.
A primeira questão é que, a lei de 2007 reportava-se a “medida de coação mais grave”, enquanto a lei de 2013 se reporta a “medida de coação diversa, ainda que mais grave, quanto á sua natureza, medida ou modalidade de execução”.
A lei de 2007 reportava-se a medida de coação. Era apenas cada uma das enunciadas nos arts. 196 a 202 (medida de coação diversa), ou abrangia o agravamento de cada uma em concreto (das que podiam ser agravadas, como a ora em análise)?
Temos que tem de se entender que abrangia o agravamento dentro da mesma medida, ou seja, tinha-se o entendimento que a redação de 2013 veio explicitar no nº 3 e abrangia medida de coação mais grave quanto à natureza, medida ou modalidade de execução.
Não se pode considerar que é a mesma medida de coação a que implique a apresentação diária com a que implique apresentação mensal. Tem de se ter em conta a medida concreta requerida e a aplicada, nomeadamente tendo em conta a modalidade de execução.
“Refere-se no Ac. desta Relação de 24-02-2010, no proc. nº 380/08.0JAAVR-A.C1, “como resulta da redação dada à referida alínea, a lei não define o que deve entender-se por agravamento sensível da situação processual do arguido, ficando por isso ao prudente critério do julgador a sua determinação perante cada caso em concreto.
Simas Santos e Leal Henriques dizem-nos Código de Processo Penal Anotado, I Vol., pág. 84. “que o agravamento sensível reflete um sentido simultaneamente quantitativo e qualitativo, querendo insinuar agravamento palpável, significativo, importante, com repercussão na esfera jurídica processual do arguido”.
Assim, a medida de coação, obrigação de apresentação periódica diária, é medida de coação mais grave que a obrigação de apresentação periódica mensal, para efeitos de aplicação do art. 194 nº 3 do CPP na redação dada pela lei 48/2007.
E que é muito mais grave o salienta indiretamente o Exmº PGA no seu parecer: “Como se divisa do despacho recorrido o mesmo está quase nos antípodas do proposto. E se este refreava a necessidade de controlo que importa ter sobre a recorrente nesta fase do processo, aquele colocava-o numa posição que se poderia dizer quase extrema, pois tal apresentação diária com manifestos problemas de exequibilidade, que o despacho de 21/6 dá conta, e que evidencia demasiada complicação e excesso de formalismo para uma medida que é simples, tolhe excessivamente a liberdade de movimentos à recorrente, impossibilitando-o, na prática, de pernoitar a alguma distância da habitação, quando é consabida a sua ligação com os pais na Figueira da Foz, que assim fica bastante coartada, sem necessidade visível”.
E, a lei ao estatuir que não podia ser aplicada medida de coação mais grave levava a que o arguido se defendesse e tentasse demonstrar a inexistência das exigências cautelares que justificassem a medida de coação requerida pelo Mº Pº e não outra mais grave.
O prof. Nuno Brandão in RPCC, ano 18, nº 1, pág. 81 e segs. refere a pág. 88 que “a aplicação de medida de coação deverá em regra ser precedida, por imposição legal (arts. 194 nº 3 e 141) e constitucional (arts. 28 nº 1 e 32 nº 1, 2 e 5 da CRP), da concessão ao arguido da oportunidade de defesa, com vista a, querendo, apresentar a sua versão sobre os factos e a necessidade de aplicação da medida de coação requerida, no sentido de refutar ou enfraquecer a consistência dos indícios do crime imputado, de demonstrar a inexistência das exigências cautelares que justifiquem a medida de coação requerida ou ainda a sua inadequação ou desproporcionalidade.
Assim, que não possa vir a ser “surpreendido” com medida de coação mais gravosa. A lei de 2007 não o permitia.
A aplicação de medida de coação mais grave acarreta agravamento sensível e ainda evitável da situação processual da arguida, pelo que não tem aplicação a lei “nova” aos processos iniciados anteriormente à sua vigência – art. 5 nº 2 do CPP.
Assim o entendem os intervenientes processuais.
Entende-o a recorrente e, com esse fundamento interpôs recurso.
Entende-o o Juiz no despacho recorrido e, por isso procedeu á alteração e, só assim se acautelam “os perigos intensos que existem”. E no despacho de sustentação chega a haver alguma contradição, já que se diz, “era manifestamente insuficiente a apresentação periódica mensal. Daí ter sido aplicada a apresentação periódica diária” e mais abaixo, “assim, não houve qualquer agravamento da situação processual da arguida, muito menos um agravamento sensível”.
Entende-o O Magistrado do Mº Pº nesta Relação ao referir, “como se divisa do despacho recorrido o mesmo está quase nos antípodas do proposto”, algo contraditório com o antes dito, “não me parece que a posição processual da recorrente seja sensivelmente agravada com uma apresentação mais frequente”.
A obrigatoriedade de apresentação diária quase implica uma obrigação de permanência em determinado local.
Esta alteração da medida de coação requerida pelo Mº Pº implica um agravamento sensível da situação processual do arguido.
Como refere o Ac. do STJ, no Proc. n.º 463/06.0GAEPS-E.S1 -5.ª Secção “Quando ocorre sucessão de normas processuais materiais a questão da aplicação da lei no tempo a um processo ou a uma determinada fase do processo deverá ser resolvida por aplicação do regime que se mostre mais favorável ao arguido, analogamente ao disposto no art. 2.º, n.º 4, 1.º segmento, do CP: concretamente, em matéria de alteração dos prazos da prisão preventiva, o problema da sucessão de leis penais deve ser resolvido por aplicação do regime que, nessa fase, se mostre mais favorável ao arguido”.
Daí que o recurso deve ser julgado procedente.
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Decisão:
Pelo que exposto ficou, acordam nesta Relação e Secção Criminal em, julgar procedente o recurso interposto pela arguida A... e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que não aplique medida de coação mais grave que a requerida pelo Mº Pº.
Sem custas.

Jorge Dias (Relator)
Orlando Gonçalves