Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
370/14.3TJCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: INSOLVÊNCIA
INSOLVÊNCIA CULPOSA
NEXO DE CAUSALIDADE
ATRASO NA APRESENTAÇÃO À INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 07/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – J.L.CÍVEL – J3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 186º, Nº 1, AL. A), 2 E 3, DO CIRE.
Sumário: I – Dispõe o n.º 1 do art.º 186.º do CIRE: “A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”.

II - De acordo com o n.º 2 deste mesmo artigo considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de facto ou de direito, tenham praticado algum dos factos previstos nas diversas alíneas desse número. O que significa que neste n.º 2 se consagram presunções de insolvência culposa.
III - Por força da exigência plasmada no nº 1 do art.º 186º do CIRE, quer as situações que se encontram prevenidas nas alíneas a), b), c), d), e), f) e g) do n.º 2 desse artigo, quer as situações descritas nas alíneas do seu nº 3 – v.g., a falta de apresentação tempestiva à insolvência e a omissão das obrigações discriminadas na al. b), atinentes às contas - embora fazendo presumir a culpa (grave, nos casos que se enquadrem no aludido nº 3) dos administradores, só autorizam a qualificar a insolvência como culposa se se evidenciar a existência de nexo de causalidade entre essas faltas e o estado de insolvência.
IV - As presunções ilidíveis estabelecidas no aludido nº 3, não abarcam o nexo causal entre as actuações omissivas aí previstas e a situação da verificação da insolvência ou do seu agravamento, pelo que, embora dispensando-se, na aludida norma, a demonstração do nexo causal entre o comportamento (presumido) gravemente culposo do devedor ou dos seus administradores e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência, é necessário, nas situações aí abarcadas, verificar se os aí descritos comportamentos omissivos criaram ou agravaram a situação de insolvência, não bastando a simples demonstração da sua existência e a consequente presunção de culpa que sobre os administradores recai.
V - A circunstância de o Apelante ter omitido o dever de requerer a insolvência da empresa não é suficiente para que se classifique esta (insolvência) como culposa.
VI - A violação, pelos administradores, v.g., do dever de requerer a insolvência, apenas permite presumir a culpa grave daqueles – mas já não a imputação da situação de insolvência, ou o seu agravamento, à respectiva conduta.
VII - O atraso na apresentação à insolvência não pode causar prejuízo aos credores com a invocação de que os juros se avolumam na medida em que continuam a ser contados até àquela apresentação.
VIII - Actualmente e em face do regime estabelecido no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os créditos continuam a vencer juros após a apresentação à insolvência, pelo que o atraso desta apresentação nunca ocasiona qualquer prejuízo aos credores.
IX - Conclui-se, assim, que, por falta de factualidade provada idónea a esse desiderato – v.g., a do prejuízo que, da falta de apresentação tempestiva à insolvência, decorreu para os credores -, não é possível, no caso “sub judice”, dar como verificada a situação que permitiu qualificar como culposa a insolvência da Requerida/recorrente, não sendo possível dar como preenchida a previsão da alínea a) do nº 3 do artigo 186º do CIRE.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1) - Declarada que foi, em 10 de Março de 2014, a insolvência da “I..., Ldª”, requerida pela credora ... em 10 de Fevereiro de 2014, seguiram-se os ulteriores trâmites, vindo J... e mulher, N..., pugnar pela qualificação da insolvência como culposa, a afectar P... e M...

Entre os vários fundamentos que aduziram para alicerçar a apontada qualificação da insolvência, invocaram a violação do dever de apresentação à insolvência (estabelecido no nº 1 do artigo 18º e nº 3, al. a), do artigo 186º, ambos do CIRE[1]);

2) - O IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, I.P., também veio requerer a qualificação da insolvência como culposa, entendendo que deveriam ser afectados por essa qualificação o sócio-gerente P... e o sócio M...;

3) - Declarado aberto o incidente de qualificação o Sr. Administrador da Insolvência veio emitir Parecer no qual pugnou pela requerida classificação da insolvência, entendendo estarem verificados os pressupostos previstos nas alíneas a), d) e h) do nº 2 do artigo 186º do CIRE.

4) - O Ministério Público também emitiu Parecer no sentido de qualificar a insolvência como culposa, sendo por ela afectados os sócios identificados no Parecer do Sr. Administrador da Insolvência, cujos fundamentos perfilhou;

5) - Os Requeridos P... e M... deduziram oposição, pedindo que a insolvência fosse qualificada como fortuita, tendo este último, entre o mais, alegado nunca ter sido gerente, de direito, ou de facto, da insolvente.

6) - O IAPMEI apresentou resposta, reiterando a posição que já manifestara.

7) - Notificada a comissão de credores para apresentar parecer, veio o IAPMEI, na qualidade de presidente daquela comissão, requerer que a insolvência fosse qualificada como culposa, sendo afectados pela qualificação os sócios e o gerente da insolvente P... e M...;

8) - A C... veio acompanhar o parecer emitido pelo IAPMEI

9) – Foi proferido saneador, identificou-se o objecto do litígio e enunciaram-se os temas da prova. Fixou-se o valor do incidente em €30.000,01, invocando-se, para o efeito, o disposto nos artºs 303º, nº 1, e 304º, nº 1, do novo Código de Processo Civil[2];

10) - Realizada que foi a audiência de julgamento na Instância Local - Secção Cível (J3), da Comarca de Coimbra, veio a ser proferida a sentença de 25/11/2016, em cujo dispositivo, se consignou:

«[…] atentas as disposições legais acima citadas e ainda os artigos 189º e 190º do CIRE, o tribunal decide:

• Qualificar a insolvência da “I..., Ldª”, como CULPOSA;

• Determinar que fica afectado pela qualificação supra efectuada P...;

• Em consequência, declarar P... inibido para o exercício do comércio durante um período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, bem como a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;

• Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pela pessoa afectada pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamentos desses créditos.

• Condenar P... a indemnizar os credores da devedora declarada insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respectivos patrimónios, sendo o montante da indemnização calculado de acordo com o valor total dos créditos reconhecidos, verificados e graduados na sentença proferida no apenso de reclamação de créditos que ainda não tenham sido satisfeitos.

Custas do presente incidente a cargo de P... afectado pela qualificação da insolvência culposa (artigo 527º, nºs 1 e 2, do C.P.C., aplicável por força do artigo 17º do CIRE). […]».B) - Inconformado com esta decisão, dela apelou o Requerido P... que, a findar as respectivas alegações de recurso, ofereceu as seguintes conclusões:


...

O Ministério Público, respondendo, terminou defendendo a improcedência do recurso e a manutenção da decisão impugnada.

C) - Questões a resolver:
Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”[3] e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.

Assim, o que importa resolver no presente recurso consiste em saber se ocorrem os pressupostos afirmados na sentença para classificar a insolvência como culposa e considerar o ora Apelante como afectado por essa qualificação, nos termos decididos.

II - Fundamentação:

A)- Os factos:

...

B) - O direito:

Dispõe o n.º 1 do art.º 186.º do CIRE: “A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”.

De acordo com o n.º 2 deste mesmo artigo considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de facto ou de direito, tenham praticado algum dos factos previstos nas diversas alíneas desse número. O que significa que neste n.º 2 se consagram presunções de insolvência culposa.

Tais presunções, atento o advérbio “sempre” utilizado no preceito e a ausência daquele na redacção do n.º 3 do mesmo artigo, leva a considerá-las como presunções “juris et de jure”, inilidíveis, pois, ao contrário daquilo que ocorre quanto às presunções que são também estabelecidas no mencionado n.º 3, que estão sujeitas à regra consignada no n.º 2 do art.º 350º do Código Civil[4].

Por força da exigência plasmada no nº 1 do art.º 186º do CIRE, quer as situações que se encontram prevenidas nas alíneas a), b), c), d), e), f) e g) do n.º 2 desse artigo, quer as situações descritas nas alíneas do seu nº 3 – v.g., a falta de apresentação tempestiva à insolvência e a omissão das obrigações discriminadas na al. b), atinentes às contas - embora fazendo presumir a culpa (grave, nos casos que se enquadrem no aludido nº 3) dos administradores, só autorizam a qualificar a insolvência como culposa se se evidenciar a existência de nexo de causalidade entre essas faltas e o estado de insolvência.

Foi este o entendimento que se seguiu no acórdão da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 2011 (Apelação nº 1283/07.0TJPRT-AG.P1)[5] onde, com referência às situações previstas no nº 3 do aludido artº 186º, se disse: «[…] Haverá ainda que atentar que, neste segundo grupo de situações, para além da actuação dolosa ou com culpa grave, se exige a alegação de que essa actuação esteve na origem da insolvência ou ao seu agravamento, já que só assim se poderá afirmar a situação de insolvência culposa, conforme se extrai do artº 186º, nº1 do CIRE.

E relativamente a esta última afirmação haverá de fazer-se a respectiva prova, já que não se encontra abrangida pela presunção estabelecida no nº 3 do artº 186º do CIRE. Com efeito este normativo é claro e inequívoco no sentido de que não admite, com o apoio mínimo no texto da lei, que o artº 9º, nº 2 do CC exige, uma interpretação mais abrangente, que inclua no âmbito da presunção estabelecida no nº 3 do artº 186º do CIRE também o exigido nexo de causalidade entre a actuação descrita naquele preceito legal e o despoletar da situação de insolvência ou o seu agravamento.

Nestas situações, sempre haverá pois não só de alegar-se a actuação culposa ou dolosa do devedor ou seus administradores, como alegar e comprovar, o nexo de causalidade entre essa actuação e a situação da insolvência, nos termos em que o exige o nº 1 do artº 186º do CIRE. […]».

Também o STJ, no seu Acórdão de 06 de Outubro de 2011 (Revista nº 46/07.8TBSVC-0.L1.S1) salienta que as presunções ilidíveis, estabelecidas no aludido nº 3, não abarcam o nexo causal entre as actuações omissivas aí previstas e a situação da verificação da insolvência ou do seu agravamento, pelo que, embora dispensando-se, na aludida norma, “a demonstração do nexo causal entre o comportamento (presumido) gravemente culposo do devedor ou dos seus administradores e o surgimento ou o agravamento da situação de insolvência”, é necessário, nas situações aí abarcadas, “verificar se os aí descritos comportamentos omissivos criaram ou agravaram a situação de insolvência”, não bastando a simples demonstração da sua existência e a consequente presunção de culpa que sobre os administradores recai.[6]

No Acórdão da Relação do Porto de 20 de Outubro de 2009 (Apelação nº 578/06.5TYVNG-A.P1), também se entendeu que a presunção prevista no n.°3 do art. 186º do CIRE «…apenas faz presumir a existência de culpa grave em relação à insolvência, mas é por si só insuficiente para qualificar a insolvência como culposa, porquanto, face aos requisitos exigidos pelo n.°1 do mesmo artigo, é ainda necessário demonstrar que o incumprimento que a lei presume gravemente culposo foi causa da criação ou de agravamento da situação de insolvência.».

Na sentença “sub judice”, eximindo-se de qualquer responsabilidade o Requerido M..., arrimou-se a qualificação da insolvência como culposa - afastando-se todos os restantes fundamentos que para tal haviam sido invocados -, apenas na circunstância de a conduta do gerente da insolvente P... integrar a previsão da alínea a) do nº 3 do artigo 186º do CIRE.

Para esse efeito escreveu-se, entre o mais:

«[…] No caso concreto, resulta dos factos provados que, no dia 10 de Fevereiro de 2014, a empresa L..., Ldª veio requerer a insolvência da I..., Ldª, na qualidade de credor pelo fornecimento de diverso material informático.

Nessa altura a dívida ao requerente totalizava a quantia de €5.600,00.

Todavia, resulta também dos factos provados que o gerente vinha incumprido as obrigações perante a Segurança Social pelo menos desde Fevereiro de 2013.

Acresce que os credores da insolvente têm créditos reconhecidos no montante total de €982.891,17.

Ora, como se sabe, e vem sido entendido pela Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores (cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.12.2012 e de 05.05.2011, disponíveis em www.trc.pt), o que caracteriza a situação de insolvência não é a impossibilidade de cumprimento de todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas, sendo que o que verdadeiramente interessa é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado, montante e circunstâncias concretas evidenciem a impotência, para o devedor, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.

Voltando ao caso dos autos, resulta dos factos provados que a insolvente vinha incumprindo a generalidade das suas obrigações pelo menos meados de 2013.

Deste modo, impendia sobre o gerente da insolvente o dever de apresentação à insolvência dentro dos 30 dias seguintes ao conhecimento da situação de insolvência, o que não aconteceu.

O gerente da I..., Ldª ao omitir o dever de apresentar a sociedade à insolvência, contribuiu para o agravamento daquela situação, porque a situação patrimonial da empresa se agravou, desde logo com o débito de juros.

Neste particular, o gerente da I..., Ldª não cumpriu com a obrigação que a lei lhe impunha, violando de forma manifesta um dos seus deveres legais – a apresentação da sociedade à insolvência, presumindo-se a existência de culpa grave a que alude o artigo 186º, nº 3, alínea a), do CIRE.

E ainda que se admitisse ser a presunção ilidível mediante prova em contrário, o certo é que o requerido não ilidiu, como lhe competia, tal presunção, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 342º do Código Civil.

Assim sendo, entendemos que, no caso concreto, está verificada a alínea a) do nº 3 do artigo 186º do CIRE.

(...) concluímos que as condutas do gerente da insolvente integram apenas a previsão da alínea a) do nº 3 do artigo 186º do CIRE, sendo forçoso concluir pela qualificação da insolvência como culposa. […]».

Saliente-se, no presente caso, que não tendo sido requerida a ampliação do objecto do recurso, nos termos do artº 636º, nº 1, do NCPC, é defeso a esta Relação sindicar, neste recurso interposto pelo Requerido, o acerto do afastamento dos restantes fundamentos que haviam sido invocados para que se qualificasse a insolvência como culposa.

Ora, como flui do acima exposto, a circunstância de o ora Apelante ter omitido o dever de requerer a insolvência da empresa, não é suficiente para que se classifique esta (insolvência) como culposa.

De facto, como resulta do que acima ficou exposto e se escreveu no Acórdão desta Relação de 07/02/2012 (Apelação nº 2273/10.1TBLRA-B.C1),[7] “a violação, pelos administradores, v.g., do dever de requerer a insolvência, apenas permite presumir a culpa grave daqueles – mas já não a imputação da situação de insolvência, ou o seu agravamento, à respectiva conduta”.

Ora, salvo o devido respeito, nada há na matéria de facto provada que permita, ainda que por ilação devidamente fundamentada, concluir pela verificação desse nexo de causalidade entre a apontada omissão do ora Apelante e a criação ou o agravamento da situação de insolvência da empresa, sendo que a única circunstância que na sentença se concretizou como constituindo agravamento da situação de insolvência da empresa, decorrente da falta de apresentação tempestiva à insolvência, foi a atinente ao débito de juros.

Porém, conforme se concluiu no Acórdão do STJ de 19/04/2012 (Revista nº 434/11.5TJCBR-D.C1.S1): «… O atraso na apresentação à insolvência não pode causar prejuízo aos credores com a invocação de que os juros se avolumam na medida em que continuam a ser contados até àquela apresentação.». 

Justificando-se tal conclusão, diz-se nesse aresto: «[…] o regime estabelecido na primeira parte do nº 2 do artigo 151º no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, que estabelecia a cessação da contagem dos juros “na data da declaração de falência” deixou de existir com o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, passando os juros a ser considerados créditos subordinados, nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 48º deste Código - neste sentido, ver Carvalho Fernandes e João Labareda “in” ob. cit., em anotação ao artigo 91º.

Quer dizer, actualmente e em face do regime estabelecido no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os créditos continuam a vencer juros após a apresentação à insolvência, pelo que o atraso desta apresentação nunca ocasionaria qualquer prejuízo aos credores. 

Dito doutro modo: se no regime anterior, estabelecido no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, se podia pôr a hipótese de quanto mais tarde o devedor se apresentasse à insolvência, mais tarde cessaria a contagem de juros, com o consequente aumento do volume da dívida, no regime actual, que se aplica ao presente processo, tal hipótese não tem cabimento, uma vez que os credores continuam a ter direito ao juros, com a consequente irrelevância do atraso da apresentação à insolvência para o avolumar da divida. […]».[8]

Conclui-se, assim, que, por falta de factualidade provada idónea a esse desiderato – v.g., a do prejuízo que, da falta de apresentação tempestiva à insolvência, decorreu para os credores -, não é possível, no caso “sub judice”, dar como verificada a situação que permitiu qualificar como culposa a insolvência da “I..., Ldª”, não sendo possível dar como preenchida a previsão da alínea a) do nº 3 do artigo 186º do CIRE.

Assim, ter-se-á de qualificar como fortuita a insolvência da “I..., Ldª”, deixando de subsistir, consequentemente, os efeitos que, quanto ao Apelante P..., acarretava a qualificação dessa insolvência como culposa.
III - Decisão:
Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a Apelação procedente e, consequentemente, revogando a decisão recorrida, qualificar como fortuita a insolvência da “I..., Ldª”.
Custas pela massa insolvente.
Coimbra, 12/07/2017
     (Luiz José Falcão de Magalhães)
    (António Domingos Pires Robalo)
                                               (Sílvia Maria Pereira Pires)


***



[1] Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março, com as subsequentes alterações, designadamente, as introduzidas pela Lei nº 16/2012, de 20/04, entrada em vigor a 20 de Maio de 2012.
[2] Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6, e que se passará a referir como NCPC.
[3] Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.
[4] Neste sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, vol. II, pág. 14.
[5] Consultável, tal como os restantes arestos da mesma Relação que vierem a ser citados sem referência de publicação, em “http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase”.”.
[6] Cfr., reflectindo a posição aqui assumida quanto ao nexo de causalidade, o Acórdão desta Relação de Coimbra de 10/07/2013 (Apelação nº 555/09.4TBPBL-A.C1), relatado pelo aqui relator e subscrito pela ora 2ª Adjunta); Cfr. tb, o Acórdão também desta Relação de 21/04/2009 (Apelação nº 369/07.6TBCDN-B.C1), relatado pela ora 2ª Adjunta, ambos consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase”. Na doutrina, cfr. Alexandre de Soveral Martins, in “Um curso de direito da insolvência”, 2016, 2.ª edição revista e actualizada, pág. 422 e Menezes Leitão, in Direito da Insolvência, 2009, pág. 271.
[7] Consultável, tal como os restantes Acórdãos da Relação de Coimbra que vierem a ser citados sem referência de publicação, em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase.
[8] Cfr., neste sentido, Acórdão desta Relação, de 26/02/1013, proferido nos autos de recurso de Apelação nºs 423/12.2TBVIS.C1, subscrito, enquanto Adjuntos, pelo ora Relator e pela aqui 2ª Adjunta.