Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2081/13.8TBPBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PRAZO
NEGOCIAÇÕES
Data do Acordão: 10/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE POMBAL – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 17º-A, 17º-D E 17º-F DO CIRE.
Sumário: I – Nos termos do n.º 1 do art.º 17º-A do CIRE o processo especial de revita­lização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respecti­vos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.

II - Dispõe o n.º 5 do art.º 17º-D do CIRE: Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.

III - O prazo para a conclusão das negociações apenas depende da publicação da lista provisória de créditos no portal Citius, iniciando-se nesse momento o prazo para a respectiva impugnação e findo o prazo para estas serem deduzidas logo se ini­cia o prazo para a conclusão das negociações.

IV - Decorre claramente do art.º 17º-F, n.º 1, do CIRE, que a con­clusão das negociações não está dependente da homologação do plano de recuperação aprovado, pois neste preceito está prevista a recusa da sua homologação pelo juiz.

V - A aprovação do plano tem de ser efectuada dentro do prazo da fase das negociações, fase esta que comunga do carácter de urgência que é genericamente atribuído ao processo de revitalização pelo art.º 17º-A, n.º 3, do CIRE.

VI - Inserindo-se a aprovação do plano de recuperação dentro da fase das negociações, uma vez decorrido o prazo máximo destas sem a aprovação unânime daquele impõe-se a não homologação do plano por ter sido aprovado em violação de norma legal imperativa – n.º 1 do art.º 17º-G conjugada com o n.º 5 do art.º 17º-D, ambos do CIRE.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

Os Requerentes em 19 de Novembro de 2013 comunicaram ao Tribunal a intenção de iniciarem negociações com os seus credores, conducentes à sua revitali­zação mediante aprovação de um plano de recuperação, ao abrigo do disposto no artigo 17º-C, nº 3, alínea a), do CIRE.

Por despacho proferido a 4.12.2013 foi nomeado o administrador judicial provisório.

Em 14.3.2014, na sequência de requerimento apresentado pelo administra­dor provisório, foi prorrogado o prazo das negociações por mais um mês.

Por requerimento que deu entrada em juízo em 10.4.2014, os Requerentes informaram que se tinha concluído a fase do período das negociações, com a elaboração do Plano de Recuperação, revisto de acordo com as condições negociadas, na sua versão definitiva, juntando tal plano e informando que, de acordo com as regras definidas pelo Sr. Administrador Judicial Provisório e nos termos do disposto no artigo 211º do CIRE, aplicável por remissão do nº 4 do artigo 17º-F, tinham fixado o prazo de 10 dias para os credores votarem, sob pena de se ter por conferida a sua adesão ao plano, sendo os votos remetidos ao administrador judicial provisório.

De igual forma, o administrador judicial provisório veio em 14.4.2014 informar que se concluiu no dia 10.4.2014 o período das negociações, com a elaboração do Plano de Recuperação, e que tinha sido fixado o prazo de 10 dias para os credores votarem por escrito o Plano.

Por requerimento de 9.5.2014, os Requerentes informaram que o Plano de Recuperação apresentado reuniu a maioria dos votos, tal como previsto no nº 2 do art.º 17º-F, do CIRE, e apresentaram o plano aprovado, requerendo a sua homologa­ção.

Da acta de abertura de votos efectuada em 7.5.2014 consta que o plano de recuperação foi votado favoravelmente por 72,32% dos votos, tendo votado contra a sua aprovação 27,68%.

Veio a ser proferida decisão que recusou a homologação do plano de recu­peração, com fundamento em violação não negligenciável de norma imperativa.

Inconformados com a decisão os Requerentes interpuseram recurso, for­mulando as seguintes conclusões:

...

Não foi apresentada resposta.

1. Do objecto do recurso

Estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, cumpre apreciar a seguinte questão:

No processo especial de revitalização a aprovação não unânime do plano de recuperação em data posterior ao fim do prazo das negociações não determina a sua não homologação pelo juiz?

2. Os factos

Com interesse para a decisão da causa são de considerar como provados os factos processuais acima relatados.

3. O direito aplicável

Nos termos do n.º 1 do art.º 17º-A do CIRE o processo especial de revita­lização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respecti­vos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.

Este processo inicia-se com a manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação – art.º 17º-C, n.º 1 –, declaração essa que será entregue no tribunal competente juntamente com a comunicação de que o devedor pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação, ao que o juiz deverá nomear, de ime­diato, administrador judicial provisório – art.º 17º-C, n.º 3, a).

Após a notificação do despacho de nomeação do administrador judicial provisório, o devedor deve, nos termos impostos pelo n.º 1 do art.º 17º-D do CIRE, comunicar de imediato e por meio de carta registada a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração inicial de encetamento de negociações, que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso.

A partir da publicação no portal Citius do despacho de nomeação do administrador judicial provisório os credores têm 20 dias para reclamar créditos, perante o administrador judicial provisório – art.º 17º-D, n.º 2 –, tendo, por sua vez, o administrador judicial provisório cinco dias para elaborar lista provisória de créditos, a qual é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius - n.ºs 2 e 3 do mesmo preceito.

A lista provisória de créditos pode ser impugnada no prazo de 5 dias úteis, dispondo o juiz de igual prazo para decidir sobre as impugnações – n.º 3 do art.º 17º-D.

 Finalmente, dispõe o n.º 5 do art.º 17º-D:

Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.

O prazo para a conclusão das negociações apenas depende da publicação da lista provisória de créditos no portal Citius, iniciando-se nesse momento o prazo para a respectiva impugnação e findo o prazo para estas serem deduzidas, logo se ini­cia o prazo para a conclusão das negociações.[1]

Acresce que decorre claramente do art.º 17º-F, n.º 1, do CIRE, que a con­clusão das negociações não está dependente da homologação do plano de recuperação aprovado, pois neste preceito está prevista a recusa da sua homologação pelo juiz.

No caso que nos ocupa o período de negociações iniciou-se no dia seguinte ao fim do prazo para a impugnação da lista provisória de créditos, ou seja no dia 11.1.2014 e, considerando a prorrogação que teve lugar, terminou no dia 11.4.2014.

O plano de recuperação junto aos autos no decurso daquele prazo – 10.4.2014 – sem que no entanto tivesse sido objecto de votação, estando ainda a decorrer o prazo para a mesma, só tendo ocorrido em 7.5.2014 a contagem dos votos.

Face a esta factualidade e como acima referido foi proferida decisão que recusou a homologação do plano, julgando não negligenciável a violação de uma regra procedimental imperativa, o n.º 5 do art.º 17º-D do CIRE.

Defendem os Recorrentes que o prazo fixado no  art.º 17º-D, n.º 5, do CIRE para as negociações – num máximo de três meses após o fim do prazo para a impugnação da lista provisória de créditos – não é um prazo peremptório, pois, prolongando-se aquelas justificadamente para além do mesmo, desde que seja alcançado o acordo de credores, não existe fundamento para a recusa da homologação do plano aprovado.

Do que acima se expôs não nos restam dúvidas que a aprovação do plano tem de ser efectuada dentro do prazo da fase das negociações, fase esta que comunga do carácter de urgência que é genericamente atribuído ao processo de revitalização pelo art.º 17º-A, n.º 3.[2]

A propósito da natureza deste prazo escrevem, na obra referida, Carvalho Fernandes e João Labareda:

Nos termos em que está concebido, trata-se de um prazo de caducidade, razão pela qual, se o acordo só for obtido para além dele, não pode já ser homolo­gado por violação não negligenciável da lei – art.º 215º, aplicável por imperativo do art.º 17º-F, n.º 5. Aliás, segundo a disposição expressa do art.º 17º-G, n.º 1, o processo negocial é encerrado se for ultrapassado o prazo aqui estabelecido.

Por esta mesma ordem de razões, para poder ser válido e eficaz, o acordo de prorrogação entre o devedor e o administrador terá de ser concluído antes de terminado o prazo inicial, exactamente porque doutra forma há a caducidade que não é reversível.

Nos autos a aprovação do plano de recuperação não foi efectuada por acordo unânime dos credores, só se podendo a mesma considerar perfeita com o encerramento da votação e subsequente contagem dos votos, conforme decorre do disposto no art.º 17º-F, n.º 3 [3],  e da parte final do n.º 2, do mesmo artigo [4], sendo, pois,  forçoso concluir que aquela  ocorreu fora do prazo máximo das negociações, ou seja em data posterior a 10.4.2014.

Inserindo-se, assim, a aprovação do plano de recuperação dentro da fase das negociações[5], uma vez decorrido o prazo máximo destas sem a aprovação unânime daquele, impunha-se, tal como decidido na 1ª instância, a não homologação do plano por ter sido aprovado em violação de norma legal imperativa – n.º 1 do art.º 17º-G conjugada com o n.º 5 do art.º 17º-D, ambos do CIRE.

Face ao exposto, improcede o recurso.

Decisão

Nos termos expostos, julgando-se improcedente o recurso confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Coimbra, 21 de Outubro de 2014.

Sílvia Pires (Relatora)

Henrique Antunes

Artur Dias

[1] Neste sentido os acórdãos:

do T. R. C., de 26.2.2013, relatado por Arlindo Oliveira,

do T. R. G., de 10.10.2013, relatado por Isabel Rocha, e

do T. R. L., de 13.3.2014, relatado por Jorge Leal, todos acessíveis em www.dgsi.pt  e Carvalho Fernandes e  João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 161, 2ª ed. 2013, Quid Juris.

[2] Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. e pág. citadas.

[3] Considera-se aprovado o plano de recuperação que reúna a maioria dos votos prevista no n.º 1 do artigo 212º, sendo o quorum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17º-D, podendo o juiz computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida.

[4] A este respeito, Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit. pág. 172:

Vê-se, em todo o caso, da parte final do n.º 2 que o plano remetido ao tribunal para homologação deve estar já aprovado o que significa que o processo de aprovação é necessariamente anterior à remessa e, consequentemente, decorre sem nenhuma intervenção do tribunal,

[5] Neste sentido os acórdãos dos T. R. de Coimbra e Lisboa citados na nota 1 e o do T. R. P. de 12.11.2013, relatado por João Diogo Rodrigues.