Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
194/13.5IDLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: MEDIDA DA PENA
PENA DE MULTA
TAXA DIÁRIA
INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Data do Acordão: 02/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS. 40.º, 47.º E 71.º, DO CP; ART. 15.º DO RGIT; ART. 410.º, N.º 2, AL. A), DO CPP
Sumário: I - Sobrepondo-se, de algum modo, as circunstâncias agravantes às circunstâncias atenuantes, e sendo significativas as exigências de prevenção geral, entendemos que a pena decretada, situada um pouco acima do ponto médio da moldura penal abstracta, assegura adequada e suficientemente, atentos os critérios enunciados, as finalidades da punição, pelo que não merece censura.

II - O quantitativo diário da pena de multa, independentemente de o arguido ser pessoa singular ou pessoa colectiva, é fixado em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos.

III - Quanto às pessoas singulares, haverá que considerar a totalidade dos rendimentos próprios do arguido, independentemente da sua fonte, deduzidos de impostos, deveres jurídicos de assistência e obrigações duradouras sobre os rendimentos (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª Edição, 2013, pág. 47).

IV - Para as pessoas colectivas designadamente, para as sociedades comerciais, adaptando o critério, haverá que atender à totalidade dos proveitos de exploração, deduzidos os respectivos custos e impostos, bem como quaisquer encargos com o seu financiamento, sendo elemento importante, mas não, essencial, porque sintetiza aqueles outros, a existência de lucro ou de prejuízo de exploração.

V - Afirmando a sociedade arguida que o montante da taxa diária é excessivo, face à completa omissão factual da situação económica e financeira da arguida e à ausência de qualquer justificação na sentença para tal omissão – designadamente, a impossibilidade de obtenção de elementos de prova minimamente capazes de sustentarem a definição da omitida situação [e nem se perspectiva tal impossibilidade, posto que a concreta situação económica da sociedade poderia ser apurada através da última declaração de IRC disponível] – resta reconhecer que a matéria de facto provada relativa ao aspecto em referência é insuficiente para permitir a decisão de direito que teve por objecto o quantitativo fixado.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


I. RELATÓRIO

No [já extinto] 1º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Pombal o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, dos arguidos, A..., Lda. e B... , com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art. 105º, nºs 1 e 2, do RGIT, conjugado com os arts. 2º, nº 1, a), 26º, nº 1 e 40º, nº 1, a), do CIVA.

Por sentença de 27 de Junho de 2014 foram os arguidos condenados, pela prática do imputado crime de abuso de confiança fiscal, a arguida, na pena de 400 dias de multa à taxa diária de € 15, e o arguido na pena de 220 dias de multa à taxa diária de € 10.


*

                Inconformados com a decisão, recorreram os arguidos, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

                1) A sentença recorrida considera que não há factos que a atenuem ou agravem para além do ponto intermédio.

2) Valorou de forma exagerada a sentença recorrida as exigência de prevenção geral quando se trata de cerca de doze mil euros.

3) Já no campo das exigências de prevenção especiais, considerou a sentença recorrida que não se mostram as mesmas muito acentuadas.

4) As penas concretas aplicadas encontram-se elevadas, sem que a situação concreta justifique tais valores.

5) Neste processo, para uma dívida fiscal de cerca de € 12.000,00, foram fixadas no global multas do valor de € 8.000,00.

6) Perante tais factos, deveria a moldura penal, a medida concreta da pena de multa aplicada, ter sido inferior à que foi decidida para ambos os arguidos/recorrentes.

7) E isto porque, já o próprio M.P. havia proposto nos autos as multas de 750 € e 1.250 €, respectivamente, para o sócio gerente e empresa.

8) Normas violadas: Artigo 71º C. Penal e artigos 12/3 e 105/1 do RGI.

Termos em que, deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente e, por consequência, ser alterada a sentença recorrida, reduzindo-se os montantes das multas criminais em que foram os recorrentes condenados, aos valores diários e de número de dias anteriormente propostos pelo M.P., só assim se fazendo JUSTIÇA!


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                Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público alegando, em síntese, que a sentença aplicou os princípios e critérios de determinação da medida da pena, com a devida ponderação das concretas circunstâncias atendíveis, observando o disposto nos arts. 40º e 71º do C. Penal e 13º do RGIT, sendo as penas decretadas proporcionais e adequadas ao caso em apreço, e concluiu pela improcedência do recurso.


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, subscrevendo a contramotivação do Ministério Público e afirmando a proporcionalidade e justeza das penas aplicadas, e concluiu pela improcedência do recurso.


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Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

                Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A excessiva medida das penas;

- O excessivo quantitativo diário das penas de multa.


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                Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

“ (…).

1. A arguida A..., Lda., é uma sociedade por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Pombal com o n.º 503277401 e que tem por objeto social atividades dos serviços relacionados com silvicultura e exploração florestal.

2. Possui contabilidade organizada e está enquadrada, para efeitos do IVA, no regime normal de periodicidade trimestral.

3. O arguido B... é, desde a sua constituição, o seu sócio gerente, exercendo todos os poderes de administração e gestão da sociedade arguida, sendo o responsável por toda a atividade nela desenvolvida, dando as instruções e ordens a ela atinentes, nomeadamente no tocante à liquidação e cobrança do I.V.A. devido pelos produtos adquiridos, produzidos e vendidos e pelos serviços prestados, para posterior entrega à Administração Fiscal.

4. Com efeito, no exercício da sua atividade, a arguida A..., Lda. e o arguido B..., na qualidade de sócio gerente e em sua representação, estava obrigada a liquidar IVA nas faturas emitidas aos seus clientes, pelos serviços prestados, e a entregar uma declaração relativa às operações efetuadas no exercício da sua atividade, com a indicação do IVA devido ou do crédito existente e, bem assim, dos elementos que servem de base ao respetivo cálculo, até ao décimo quinto dia do segundo mês seguinte àquele a que respeitam as operações tributárias.

5. Mais estava ainda obrigada, caso houvesse imposto a liquidar, a proceder à entrega do respetivo montante.

6. Nesta conformidade, a sociedade arguida e o arguido B..., este no exercício das suas funções e em representação daquela, no período correspondente ao 2º (segundo) trimestre se 2010, apresentaram a declaração periódica de I.V.A. sem que da mesma constasse qualquer movimento.

7. No entanto, nesse período, a arguida A..., Lda. e o arguido B... liquidaram, após as deduções legais, o I.V.A. por produtos vendidos e serviços prestados e pagos pelos seus clientes, no valor de € 12.352,14.

8. A mencionada quantia de I.V.A., foi efetivamente paga e recebida dos clientes pelos arguidos, na sua totalidade.

9. Todavia, o arguido não procedeu à entrega ao Estado da mencionada quantia devida a título de I.V.A., a qual não fez constar da declaração periódica enviada, no prazo legal, nem durante o prazo de noventa dias posterior.

10. O arguido, notificado para proceder, ao pagamento daquela quantia, respetiva coima e juros de mora, no prazo de trinta dias a contar da notificação que lhe foi feita, não o fez nessa data nem até ao presente.

11. O arguido B..., por si e enquanto legal representante da A..., Lda., ao não entregar nos cofres do Estado o IVA – por si liquidado e recebido dos seus clientes – integrou na sua esfera patrimonial a prestação tributária deduzida nos termos da lei durante o período supra referido, bem sabendo que, deste modo, recebia benefícios patrimoniais a que não tinha direito e que, como tal, causava ao Estado prejuízo de valor equivalente.

12. O arguido B..., por si e enquanto legal representante da A..., Lda. agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

13. A arguida não tem antecedentes criminais.

14. O arguido tem antecedentes criminais: no âmbito do processo n.º 599/11.6TATNV que correu termos no 2º Juízo deste Tribunal, por factos de 01.06.2007, foi condenado por sentença de 07.11.2012, transitada em julgado em 07.12.2012, por um crime de falsificação de boletins, atas ou documentos, p. e p. pelo artigo 256º n.º 1, al. d) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 180 dias de multa à taxa diária de € 10,00.

15. O arguido aufere uma remuneração de € 600,00 como gerente da sociedade arguida; vive com a mãe que é reformada; contribui para as despesas da economia doméstica; não tem outros encargos fixos mensais; tem o 6º ano de habilitações literárias.

(…)”.

B) E dela consta a seguinte fundamentação quanto à escolha e medida das penas:

“ (…).

O crime de abuso de confiança fiscal em causa é punido, em abstrato, com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias.

5.1. Admitindo-se a aplicação, em alternativa, de duas penas principais, cumpre proceder, antes do mais, à determinação da espécie de pena que concretamente irá ser aplicada, atendendo, não apenas ao que resulta da combinação dos artigos 40º e 70º do Código Penal, mas ainda, e necessariamente, à intencionalidade subjacente ao respetivo regime legal.

No domínio da chamada criminalidade fiscal e considerando, em particular, um determinado tipo de realidade que frequentemente lhe está associada, tem-se vindo a entender que a colocação da pena de multa em primeiro plano representa "um tratamento privilegiado (…), com a cominação e a aplicação de sanções de fraco índice estigmatizador", tratamento esse que, "além de não corresponder, nos casos mais graves de evasão, aos danos causados, repercutir-se-á negativamente na respetiva prevenção e contribuirá para uma erosão ainda maior da consciência fiscal" (vd. Augusto Silva Dias, O novo direito penal fiscal, Fisco, Julho de 90, ano 2). No âmbito, pois, das infrações fiscais, tem-se entendido que a afirmação social de certos valores de justiça constitucionalmente reconhecidos e incorporados por força da lei no sistema tributário não podem ser realizadas, com os níveis de eficácia desejados, através da aplicação de uma simples pena de multa. A função que pela via da prevenção geral positiva ao direito penal é assinalada neste domínio – intervir no sentido do reforço ou da consolidação da consciência coletiva relativamente às questões fiscais – suporá, deste ponto de vista, a aplicação, em regra, da pena de prisão. Aqui, tem-se essencialmente em vista um certo tipo de criminalidade, protagonizada por pessoas que, manipulando os usos e regras da vida económica e revelando uma intolerável indiferença pelos objetivos de justiça distributiva para que se encontra vocacionado todo o sistema fiscal, praticam condutas altamente lesivas dos interesses coletivos, orientados pela ambição de enriquecimento.

Não cremos, porém, em face da prova produzida, ser esse o caso dos presentes autos. A omissão da entrega da prestação de imposto liquidado e cobrado, apesar de corresponder a uma prática ilícita, socialmente e criminalmente censurável, pode, neste particular contexto, ser reconduzida à concretização dos riscos e das contingências inerentes ao mundo empresarial, razão pela qual, não reclamará, do ponto de vista do reforço das representações coletivas, a aplicação da pena de prisão prevista no tipo a título principal. A função de promoção dos princípios informadores do sistema tributário que, neste particular domínio, à pena é assinalada, surge, pois, plenamente realizável através da opção pela aplicação de uma pena de multa. Não sendo contrariada pelas exigências de prevenção geral, a opção pela pena de multa é também, do ponto de vista da prevenção especial, a que melhor satisfaz a necessidade de prevenir o cometimento de novas infrações, atenta a ausência de antecedentes criminais da sociedade arguida e do arguido.

Opta-se, assim, sobre a pena de multa.

5.2. Posto isto, há que passar à operação seguinte que será a determinação da medida concreta da pena.

Sobre essa operação, diz-nos logo o artigo 71º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, circunstâncias essas de que aí se faz uma enumeração exemplificativa e podem relevar pela via da culpa ou da prevenção.

À questão de saber de que modo e em que termos atuam a culpa e a prevenção responde o já referido artigo 40º, ao estabelecer, no nº 1, que "a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" e, no nº 2, que "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa". Assim, a finalidade primária da pena é a de tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, de reinserção do agente na comunidade. À culpa cabe um papel limitador, constituindo a sua medida um teto que não pode ser ultrapassado.

Estas regras vêm sendo explicitadas na obra de Figueiredo Dias, podendo afirmar-se na esteira dos seus ensinamentos: A pena tem como finalidade primordial a tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto, traduzida na necessidade de tutela da confiança e das expectativas comunitárias na manutenção da vigência da norma violada. Por outras palavras, a aplicação de uma pena visa acima de tudo o "restabelecimento da paz jurídica abalada pelo crime". Uma tal finalidade identifica-se com a ideia da "prevenção geral positiva ou de integração" e dá "conteúdo ao princípio da necessidade da pena que o artigo 18º nº 2, da CRP consagra de forma paradigmática". Há uma "medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar", mas que não fornece ao juiz um quantum exato de pena, pois "abaixo desse ponto ótimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efetiva e consistente e onde portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem perda da sua função primordial".

Dentro desta moldura de prevenção geral, ou seja, "entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de defesa do ordenamento jurídico)" atuam considerações de prevenção especial, que, em última instância, determinam a medida da pena. A medida da "necessidade de socialização do agente é, em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial", mas, se o agente não se "revelar carente de socialização", tudo se resumirá, em termos de prevenção especial, em "conferir à pena uma função de suficiente advertência" (vd. Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2007, páginas, 79 a 82). Noutra obra, sintetizando estes ensinamentos, o mesmo autor escreveu: "(…) o modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é "aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato de pena, dentro da referida "moldura de prevenção", que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente" (vd. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril – Dezembro 1993, páginas 186 e 187).

Aplicando os sobreditos ensinamentos à situação concreta, temos de atender a que a ilicitude se situa num patamar médio para este tipo de crime – sendo o valor global da conduta criminosa de € 12.352,14

A este propósito, refira-se que o artigo 13º do RGIT refere que "na determinação da medida da pena se deve atender, sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime".

Ora, no caso em apreço os arguidos não procederam ao pagamento, nem mesmo parcial dos quantitativos em dívida ao Estado, pese embora o lapso de tempo entretanto decorrido.

A culpa situa-se num nível regular, para este tipo de crime, não havendo prova de factos que a atenuem ou agravem para além daquele ponto intermédio.

No que se refere às exigências de prevenção especiais não se mostram as mesmas muito acentuadas, quer em função do prejuízo causado pelo crime, quer pelo facto do arguido se encontrar profissionalmente inserido e não ter antecedentes criminais pela prática deste tipo de ilícito, assim se afigurando este episódio como único na sua vida e irrepetível. Não obstante, o arguido tem antecedentes criminais pela prática de um crime de falsificação de documentos.

Já quanto às exigências de prevenção geral as mesmas são já elevadas importando que a pena aplicada seja também capaz de garantir a revalidação da norma junto dos cidadãos.

Assim, ponderados todos aqueles fatores e os ensinamentos supra referidos, entende-se adequado fixar a pena de 220 (duzentos e vinte) dias de multa.

Há que, neste momento, fixar o quantitativo diário da multa, sendo que, sobre isso nos diz o artigo 15º, nº 1 do RGIT que a cada dia de multa corresponde uma quantia entre (euro) 1 e (euro) 500, tratando-se de pessoas singulares, que o tribunal deverá fixar em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.

Assim, fixa-se o quantitativo diário, não perdendo da memória que deve ser fixado em termos de consubstanciar um sacrifício real para os arguidos, e atendendo-se às suas condições pessoais, em € 10,00 (dez).

Quanto à sociedade arguida temos que, da conjugação dos artigos 12º, n.º 2 e 3, 107º, nº 1 e 105º, n.º 1, resulta uma moldura entre 20 e 1920 dias de multa.

Os critérios para a determinação da medida concreta da pena serão aqueles supra referidos, exceto, obviamente, naquela parte em que não sejam aplicáveis às pessoas coletivas.

Tendo em conta os montantes globais envolvidos, o benefício que ilicitamente a pessoa coletiva conseguiu com a conduta ilícita dos seus gerentes e o prejuízo causado à Administração Tributária, o Tribunal entende adequada fixar a pena de 400 (quatrocentos) dias de multa.

Quanto ao quantitativo diário desta pena de multa, esclarece o artigo 15º, nº 1 do RGIT que o mesmo se deverá fixar entre (euro) 5 e (euro) 5000, tratando-se de pessoas coletivas.

Assim, fixa-se o quantitativo diário, atendendo-se às suas condições, em € 15,00 (quinze).

(…)”.


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                Da excessiva medida das penas

                1. Alegam os recorrentes que, tal como se foi considerado na sentença em crise, sendo médio o grau de ilicitude e não sendo acentuadas as exigências de prevenção especial, o tribunal a quo valorou de forma exagerada as exigências de prevenção geral e daí que, face à moldura penal em questão, as penas concretas sejam elevadas. Vejamos se assim é.

1.1. Estabelece o art. 40º, nº 1 do C. Penal que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por sua vez, dispõe o nº 2 do mesmo artigo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena são, portanto, prevençãoe culpa, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena (art. 40º, nºs 1 e 2, do C. Penal). A medida da pena irá resultar da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena.

1.2. Frequentemente a determinação da pena, em sentido amplo, passa pela operação de escolha da pena, o que sucede, designadamente, quando o crime é punido, em alternativa, com pena privativa e com pena não privativa da liberdade. Nestes casos, o critério de escolha da pena encontra-se fixado no art. 70º do C. Penal segundo o qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.  

1.3. Escolhida a pena, há que determinar a sua medida concreta. Para tanto, o tribunal deve atendera todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal). Entre outras, haverá que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art. 71º do C. Penal).

2. O crime de abuso de confiança fiscal por cuja prática foram os arguidos condenados, é punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, de 10 a 360 dias, para o arguido, e de 20 a 1920 dias, para a arguida (arts. 12º, nºs 1 e 3 e 105º, nº 1 do RGIT).
O tribunal recorrido pela aplicação de pena não privativa da liberdade, opção que, embora não integre o objecto do presente recurso, se nos afigura correcta.

3. Não vem questionado, nem existem dúvidas, quanto a terem os arguidos praticado um crime deabuso de confiança fiscal, cumprindo então apreciar a bondade das penas de multa concretamente decretadas.

Como dissemos, a determinação da medida concreta da pena é feitaem funçãodas necessidades de prevenção e da culpa do agente, devendo para tanto, o tribunal atendera todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal).

Na sentença recorrida a Mma. Juíza considerou médio o grau de ilicitude do facto, em função do valor do prejuízo causado à Fazenda Nacional. Considerou também médio o grau de culpa do arguido. Considerou elevadas as exigências de prevenção geral e não acentuadas as de prevenção especial, dada a inserção profissional do arguido e a inexistência de antecedentes criminais pela prática do mesmo crime. E daqui, fixou uma pena de 220 dias de multa para o arguido.

Já para a sociedade arguida, ponderando o benefício ilicitamente obtido com a conduta do seu gerente, e o correspondente prejuízo sofrido pela Fazenda Nacional, fixou uma pena de 400 dias de multa.

Pois bem.

i) Relativamente ao arguido, também consideramos mediano o grau de ilicitude do facto, e não sendo de desprezar as suas consequências, elas também não assumem expressão de relevo.

O arguido agiu com dolo intenso – dolo directo.

São efectivamente elevadas as necessidades de prevenção geral, dada a frequência com que vem sendo praticado este tipo de ilícito.

Não sendo elevadas as necessidades de prevenção especial, não só o arguido tem antecedentes criminais, como da matéria de facto provada não resulta, como tal, qualquer circunstância demonstrativa de ter interiorizado o desvalor da sua conduta.

Por último, o arguido está inserido, profissional, familiar e socialmente.

Sobrepondo-se, de algum modo, as circunstâncias agravantes às circunstâncias atenuantes, e sendo significativas as exigências de prevenção geral, entendemos que a pena decretada, situado um pouco acima do ponto médio da moldura penal abstracta, assegura adequada e suficientemente, atentos os critérios enunciados, as finalidades da punição, pelo que não merece censura.

ii) No que concerne à sociedade arguida, tendo em conta natureza da sua responsabilidade, que é inteiramente decorrente da conduta do arguido, enquanto seu gerente, e a ausência de qualquer condenação anterior da mesma, consideramos que a pena decretada pela 1ª instância, porque situada ligeiramente acima do primeiro quarto da moldura penal abstracta, assegura igualmente, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, sendo, por isso, de manter. 


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                Do excessivo quantitativo diário das penas de multa

                4. Alegam os recorrentes que para uma dívida fiscal de cerca de € 12.000 foram fixadas multas que totalizam € 8000, quando o Ministério Público havia proposto as de € 750 [150 dias x € 5] e € 1.250 [250 dias x € 5], para arguido e arguida, respectivamente, devendo ser alterados os valores diários para estas penas fixados. Vejamos.

                O critério de determinação do quantitativo diário da pena de multa aplicável aos crimes fiscais encontra-se previsto no art. 15º, nº 1 do RGIT e corresponde, sem qualquer diferença substancial, ao critério geral consignado no art. 47º, nº 2 do C. Penal.

                Assim, o quantitativo diário da pena de multa, independentemente de o arguido ser pessoa singular ou pessoa colectiva, é fixado em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos. Haverá portanto, quanto às pessoas singulares, que considerar a totalidade dos rendimentos próprios do arguido, independentemente da sua fonte, deduzidos de impostos, deveres jurídicos de assistência e obrigações duradouras sobre os rendimentos (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª Edição, 2013, pág. 47). Para as pessoas colectivas designadamente, para as sociedades comerciais, adaptando o critério, haverá que atender à totalidade dos proveitos de exploração, deduzidos os respectivos custos e impostos, bem como quaisquer encargos com o seu financiamento, sendo elemento importante, mas não, essencial, porque sintetiza aqueles outros, a existência de lucro ou de prejuízo de exploração.

                Posto isto.

                i) O arguido, como vem provado, aufere mensalmente a retribuição de € 600, como gerente da sociedade arguida, vive com a mãe que recebe uma reforma, contribui para as despesas da economia familiar, não tendo outros encargos.

                A retribuição mensal do recorrente em pouco excede o montante fixado para o salário mínimo nacional pelo que, face ao demais factualismo apurado, será razoável concluir que a sua situação económica é modesta.

Porém, a multa e uma pena criminal e como tal, tem sempre que representar um sacrifício para o condenado. Ora, se a situação económica do arguido não é brilhante, está, felizmente, longe da indigência, pelo que a fixação da taxa diária no montante por si pretendido [€ 5, correspondente ao limite mínimo previsto no art. 47º, nº 2 do C. Penal que, no entanto, é superior ao mínimo fixado no art. 15º, nº 1 do RGIT, sem justificação aparente], não respeitaria o critério legal. Acresce que a lei não deixou de prever, em função das reais dificuldades do condenado, mecanismos de flexibilização do pagamento da multa (cfr. art. 47º, nº 3 do C. Penal).   

Não merece pois, censura o montante diário da multa aplicada ao arguido que, por isso, deve ser mantida.

ii) Diferentemente se passam as coisas relativamente à sociedade arguida. Quanto a ela, a sentença recorrida fixou a taxa diária da pena de multa em € 15, «atendendo-se às suas condições», como singelamente naquela peça processual se lê.

E quais são essas condições? Não sabemos, pois em lado algum e, especificamente, nos factos provados, a sentença recorrida os refere.

Afirmando a sociedade arguida que aquele montante é excessivo, face à completa omissão factual da situação económica e financeira da arguida e à ausência de qualquer justificação na sentença para tal omissão – designadamente, a impossibilidade de obtenção de elementos de prova minimamente capazes de sustentarem a definição da omitida situação [e nem se perspectiva tal impossibilidade, posto que a concreta situação económica da sociedade poderia ser apurada através da última declaração de IRC disponível] – resta reconhecer que a matéria de facto provada relativa ao aspecto em referência é insuficiente para permitir a decisão de direito que teve por objecto o quantitativo fixado.

Padece pois a sentença, quanto à concreta questão da fixação do montante diário da pena de multa aplicada à sociedade arguida, do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410º, nº 2, a) do C. Penal, de conhecimento é oficioso (cfr. Acórdão nº 7/95, de 19 de Outubro, DR, I-A de 28 de Dezembro de 1995).

Não constando dos autos, como se disse, qualquer meio de prova designadamente, prova documental, que permita ao tribunal de recurso a modificação da decisão sobre a matéria de facto (cfr. art. 431º, a) do C. Processo Penal), a existência do apontado vício e a consequente impossibilidade de decidir a causa determina o reenvio do processo para novo julgamento apenas quanto à questão concretamente identificada (art. 426º, nº 1 do C. Processo Penal), devendo na sentença a proferir ser observada a proibição de reformatio in pejus (art. 409º, nº 1 do C. Processo Penal).


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                III. DECISÃO

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso.

Consequentemente, decidem:

A) 1. Julgar verificado o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410º, nº 2, a) do C. Penal, relativamente à questão da fixação do montante diário da pena de multa aplicada à sociedade arguida.

     2. Revogar a sentença recorrida na parte em que fixou em € 15 (quinze euros) o quantitativo diário da pena de multa aplicada à sociedade arguida.

                     3. Determinar o reenvio do processo para novo julgamento apenas quanto à concreta questão identificada e delimitada no ponto 1 que antecede.   


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B) Confirmar, quanto ao mais a sentença recorrida.

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O arguido suportará as custas, pelo decaimento total, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs. (art. 513º, nºs 1 e 3 do C. Processo Penal e art. 8º, nº 9, do R. Custas Processuais e Tabela III, anexa).

Sem custas, quanto à sociedade arguida, atenta a parcial procedência (art. art. 513º, nº 1 e do C. Processo Penal).


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Coimbra, 4 de Fevereiro de 2015


(Heitor Vasques Osório - relator)


(Fernando Chaves - adjunto)