Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1434/16.4T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: ACÇÃO JUDICIAL
GERÊNCIA
SUSPENSÃO
DESTITUIÇÃO
SOCIEDADE
SÓCIO GERENTE
JUSTA CAUSA
Data do Acordão: 05/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU, VISEU, INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO DE COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 64.º, N.º 1, 254.º E N.º 4 DO ARTIGO 257.º DO CSC
Sumário: 1. É admissível (facultativamente) o recurso à via judicial, por qualquer sócio, com fundamento na existência de justa causa, para a suspensão/destituição de gerente, mesmo nos casos em que a sociedade tenha mais de dois sócios, nos termos do n.º 4 do artigo 257.º do CSC.

2. Deve ser suspenso da gerência das sociedades por justa causa, o sócio que exerce uma actividade concorrente a estas - assim violando o dever de não concorrência consagrado no artigo 254.º do CSC-, e que usou os bens das referidas sociedades em seu exclusivo proveito e “paralisando” a respectiva actividade em benefício da sociedade que criou, violando o disposto no seu artigo 64.º, n.º 1.

Decisão Texto Integral:

            Comarca de Viseu, Viseu, Instância Central – Secção de Comércio

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

A... , residente na Rua (...) S. Cristóvão de Nogueira, intentou o presente Procedimento cautelar de suspensão de gerentes nos termos do art. 1055º do C.P.C., contra os ora Requeridos:

B... , casado, residente na Rua (...) Vila Nova de Famalicão;

C... , casado, residente na Rua (...) Vila Nova de Gaia;

“D... , Lda , com sede na Rua (...) S. Cristóvão de Nogueira; e

“E... , Lda.” , com sede na Rua (...) S. Cristóvão de Nogueira;

Pedindo que se decrete a:

- Suspensão do Requerido B... das funções de gerente.

- Nomeação do Autor como gerente das duas sociedades Requeridas ou, assim não se entendendo, nomeação de pessoa que o Tribunal julgue adequada para o exercício dessas funções.

Para tal e em resumo, o requerente, alega que o requerido B... é o gerente único das duas sociedades Requeridas. A partir de meados de 2015 as sociedades foram diminuindo progressivamente a sua actividade até chegarem ao ponto de não terem qualquer actividade ou esta ser muito reduzida. Todavia, nos meses em que a actividade das sociedades foi praticamente nula, as despesas relacionadas com a sua actividade continuaram a existir.

Estas despesas suportadas pelas sociedades Rés são efectuadas em benefício de uma outra sociedade – “I... ” – de que o Requerido B... é o gerente de facto e que pertence uma sua irmã. Esta sociedade tem o mesmo objecto social das sociedades Rés, sendo que os clientes têm vindo a ser desviados para esta nova sociedade. A isto acresce que o gerente B... tem celebrado negócios de venda de veículos que o Requerente classifica de ruinosos.

Procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas pelo requerente e foi, este, ouvido, em declarações de parte, cf. acta de fl.s 88 e 89.

Após o que foi proferida decisão de fl.s 90 a 97, na qual se procedeu ao saneamento tabelar dos autos, se fixou a matéria dada como provada e não provada e respectiva motivação e a final, se decidiu o seguinte:

“ Nesta conformidade, e pelo exposto, o tribunal decide:

- Julgar parcialmente procedente o presente incidente se suspensão do cargo de gerente das sociedades Requeridas.

- Decretar a suspensão do Requerido B... do cargo de gerente da Requerida “ D... , Lda.”.

- Nomear o Autor A... como gerente desta sociedade.

- Custas pelo Requerente, a atender a final

- Proceda-se ao registo oficioso da decisão.”.

Inconformado com a mesma, dela interpôs recurso o requerente A... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo – (cf. despacho de fl.s 223 v.º), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

A) - Nas sociedades com mais de dois sócios é admissível o recurso ao Tribunal para destituição de um gerente com base na justa causa;

B) - O n.º 5 do art. 257º do CSC, ao impor o recurso à via judicial nas sociedades com apenas dois sócios, não está a impedir que o mesmo caminho possa ser seguido naquelas que têm mais sócios;

C) - A redação do n.º 4 desta disposição legal reforça esta ideia, ao estabelecer que "qualquer sócio" pode requerer judicialmente a suspensão, existindo justa causa;

D) - Salvo melhor opinião, o Tribunal não fez a melhor interpretação do art. 257º, n.ºs 4 e 5 do CSC,

E) - Sendo este o único obstáculo, colocado na decisão recorrida, a tal, deverá ela ser revogada e suspenso o R. B... da gerência da Ré " E... , Ldª", e nomeado gerente o A.;

F) - Na verdade a matéria provada (arts. 12 a 16, 62 a 70) reflete de forma inequívoca a violação grave dos seus deveres também enquanto gerente da" E... , Ldª"

Termos em que o recurso deve merecer provimento, e revogada a douta decisão na parte em que improcedeu, sendo o R. B... suspenso da gerência da Ré " E... , Ldª", e nomeado gerente o A., com todas as consequências legais.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

A. Se nas sociedades com mais de dois sócios é admissível o recurso à via judicial, com vista à destituição de um gerente, com base em justa causa e;

B. Se o requerido deve ser, também, suspenso da gerência da requerida “ E... , L.da” e, em sua substituição, ser nomeado o ora requerente.

 

É a seguinte a matéria de facto dada como indiciariamente provada na decisão recorrida:

1. O Requerente e o Requerido B... são os únicos sócios da Ré “ D... , Lda.”, sendo cada um detentor de uma quota no valor nominal de €2.500,00, correspondente a 50% do capital social.

2. A sociedade foi constituída em 1992, tem como objeto social o apoio técnico à agricultura, e o CAE principal 016120-R3 - especificamente dedica-se à podologia animal.

3. A sociedade começou com dois sócios-gerentes a prestar-lhe dois tipos diferentes de colaboração: o Requerido B... estava especializado no que era específico de atividade da sociedade, ou seja, o apoio técnico à agricultura, e o Requerente A... ocupava-se da sua gestão e dos aspectos organizativos, logísticos, e financeiros.

4. Em 15-01-2007 foi alterado o contrato de sociedade, e passou a bastar a assinatura de um gerente.

5. Nessa ocasião o Requerente renunciou à gerência, a qual ficou a ser exercida apenas pelo Requerido B... .

6. Ao longo dos anos a Requerida “ D... , L.da” cresceu de forma sustentada.

7. Seguindo aconselhamento fiscal Requerente e Requerido B... constituíram nova sociedade - a Requerida “ E... , L.da” - em Setembro de 2014, com objecto similar, e o mesmo CAE Principal (01620-R3).

8. Requerente e Requerido B... planearam dividir pelas duas sociedades a atividade e os clientes.

9. Convidaram para sócio da “ E... , Lda.” o Requerido C... .

10. No capital social de €5.000,00, o Requerente ficou titular de quota no valor nominal de €2.000,00, o Requerido B... de outra no valor do mesmo valor, e o Requerido C... de uma quota no valor nominal de €1.000,00.

11. Nos termos do pacto social bastava a assinatura de um gerente para obrigar a sociedade, e para a gerência foi designado apenas o Requerido B... .

12. A partir de então ficou a atividade dividida pelas duas sociedades Requeridas, com uma única pessoa a gerir as duas: o Requerido B... .

13. A partir de meados de 2015 o Requerido B... , com vista ao afastamento do Requerente, e em seu proveito próprio, arquitetou um plano que passava por esvaziar as duas sociedades, criar uma nova, fazer o arranque desta nova sociedade à custa das outras duas (sociedades Rés), seja transferindo para ela os ativos destas (clientes, património, pessoal, etc), seja utilizando ativos delas e pondo-as a suportar os seus custos.

14. Em data indeterminada, mas anterior a 9/10/2015, data em que a registou na Conservatória, fez constituir a “ I... Unipessoal, Lda.”, com o capital social de €30.000,00, cuja quota única pertence a sua irmã F... , e a sede é em casa dela (Rua (...) , Vila nova de Gaia).

15. Esta sociedade só formalmente pertence à irmã, e foi para ela que o Requerido B... foi passando a atividade das duas sociedades de que era e é gerente.

16. Simultaneamente foi diminuindo a sua atividade ao serviço das duas sociedades requeridas, levando as vendas até ao ponto zero, mas continuando com todo o tipo de custos e despesas, incluindo consumíveis, em benefício da " I... ", e para ela transferindo património.

17. A evolução de vendas da Ré “ D... , Lda” em 2015, em número de faturas e valores, foi a seguinte: Janeiro - 28 faturas - valor total €16.733,00; Fevereiro - 32 faturas - valor total €11.717,00; Março - 42 faturas - valor total €15.863,50; Abril - 33 faturas - valor total €11.824,00; Maio - 17 faturas - valor total €6.127,00; Junho - 29 faturas - valor total €8.828,00; Julho - 45 faturas - valor total €18.242,00; Agosto - 19 faturas - valor total €7.577,00; Setembro - 36 faturas- no valor total €12.286,00; Outubro - 36 faturas - no valor de €11.691,00; Novembro - 0 faturas - no valor de €0,00 ; e Dezembro - 0 faturas - no valor de €0,00.

18. Neste ano de 2016 não houve faturação nenhuma.

19. A Requerida “ D... Lda”, para além da atividade do Requerido B... , ainda contava com um trabalhador, irmão dele ( H... ), e ambos continuaram a ser remunerados.

20. A Requerida “ D... , Lda.” adquiriu ferramentas de desgaste rápido e materiais cujos valores significam menos de 20% do valor da facturação; mas a partir de Julho passaram a estar acima de 50% e sempre a aumentar até final do ano.

21. Continuaram a existir despesas com alimentação, combustível, comunicações, oficina, materiais diversos.

22. Foram comprados telemóveis novos e acessórios de informática, botas de trabalho.

23. Foi adquirido material consumível para tratamento de animais

24. Continuaram a ser pagas portagens de via verde.

25. Entre as viaturas com despesas de via verde, encontrava-se uma com a matrícula (...) JU, que já tinha sido vendida ao filho do Requerido B... .

26. A atividade central das sociedades Requeridas consiste em fazer deslocar os veículos até às explorações agrícolas, e aí tratar os animais.

27. Para isso é necessário adquirir veículos de caixa aberta, e neles instalar um tronco hidráulico (uma espécie de mesa em inox que desliza para fora do veículo, e à qual é amarrado o animal a tratar).

28. Cada tronco hidráulico, instalado, custa ente €6.000,00 a €7.000,00.

29. A Requerida “ D... , Lda.” tinha seis veículos, quatro dos quais com tronco hidráulico - isto é, adaptados para o tratamento dos animais.

30. Estes veículos adaptados são indispensáveis para a atividade que a Ré “ D... , Lda.” exercia, assim como são indispensáveis para a atividade da sociedade constituída em nome da irmã do Requerido B... - a acima referida " I... Unipessoal, Ldª".

31. A E... foi vendido pela Requerida “ D... , Lda.” em 16-11-2015 o veículo Isuzu com a matrícula (...) OE, com tronco hidráulico, pelo preço de €14.000,00, acrescido de IVA, mas apenas faturado em 27-11-2015.

32. Em 28-11-2016, já a " I... " estava a celebrar um contrato de seguro para este veículo.

33. O veículo não foi ainda registado em nome da “ I... ”.

34. É a " I... " que usa o veículo referido em 31.

35. O veículo tinha incorporado um tronco hidráulico que só por si valia 7.000,00 €, e que só tinha dois anos de idade.

36. Ao veículo NISSAN Navara, com a matrícula (...) CD, foi-lhe instalado, em 14-10-2015, um tronco hidráulico novo.

37. Passados seis dias o veículo sofre um acidente, sem intervenção de terceiros..

38. O veículo deu entrada para peritagem na oficina de E... .

39. É considerado perda total, e é paga à Requerida “ D... , Lda.” pela seguradora a quantia de €6.769,00, correspondente ao limite dos danos próprios, descontado do valor atribuído ao salvado (€2.400,00), ou seja €4.369,70.

40. O valor de mercado do veículo, segundo o auto de peritagem, será de €18.490,00.

41. Há veículos iguais e com a mesma idade à venda por esse valor.

42. O E... deu um orçamento de €6.971,87 para reparar o veículo.

43. A “ D... , Lda.” vendeu o veículo referido em 36 a E... por €4.488,00.

44. O veículo continua porém registado em nome da Ré “ D... Lda.”.

45. Era também a Requerida “ D... , Lda.” proprietária do veículo automóvel de passageiros VW Passat, com a matrícula (...) JU que, em 23-09-2015, vendeu ao filho do Requerido B... por €1.000,00.

46. O valor de mercado era entre €3.500,00 e €4.000,00.

47. Só foi registado em nome do filho, G... , em 07-11-2015.

48. As despesas relacionadas com este veículo - portagens, combustível, seguro - continuaram a ser suportadas pela Ré “ D... , Lda”.

49. Em 06-11-2015, já depois de ter cessado toda a atividade, a Requerida “ D... , Lda.” comprou um veículo novo, um Mitsubishi 210-L200, por €27.000,00.

50. A compra do veículo foi uma forma de transformar parte dos fundos que estavam depositados em conta bancária em património com características específicas, para ser utilizado ao serviço da " I... ".

51. Em 19-10-2015, quando a Ré D... , Lda.” já estava sem atividade, comprou um tronco hidráulico novo para aplicar no veículo com matrícula (...) GF, do qual era proprietária

52. E... facturou à Requerida “ D... , Lda.”, em 31 de Agosto de 2015, para um Isuzu, serviços de €1.252,62, incluindo 4 pneus; em 7 de Outubro de 2015, para o Isuzu, 2 pneus; e em 25 de Novembro de 2015, para o Isuzu, 2 pneus.

53. A Garagem JJ... , de “J... Unipessoal, Lda”, facturou à Requerida “ D... , Lda.”, em 25 de Agosto de 2015, €412,29 de diversos serviços (sem referir para que veículo); em 15 de dezembro de 2015 uma reparação sem qualquer descriminação, à viatura (...) GF, no valor de €1.603,00.

54. Mas também outro tipo de equipamento da Requerida “ D... , Lda.”, que não veículos, foi reparado já em fase da inatividade.

55. O irmão do Requerido B... , H... , trabalhador da Requerida “ D... , Lda.”, recebeu uma indemnização por despedimento de €15.156,29.

56. O mencionado H... o foi trabalhar para a “ I... ”.

57. O Requerido B... mudou o irmão para a nova sociedade por si promovida para ele continuar a exercer a mesma atividade e para os mesmos clientes, mas agora ao serviço dela.

58. Antes, fez com ele um acordo que incluía o pagamento de uma indemnização.

59. A Requerida “ D... , Lda.”, pagava ao Requerido B... uma renda mensal de €300,00 para ele aparcar em sua casa o veículo da sociedade pelo menos desde Julho de 2015.

60. O Requerido B... andava num veículo da sociedade, pago por ela, com o combustível e tudo o mais por ela suportado, incluindo deslocações para casa dele.

61. O Requerido B... continuou a pagar-se com a remuneração mensal de gerência de €1.200,30.

62. A Requerida “ E... , Lda” não teve qualquer facturação neste ano de 2016.

63. A sua faturação teve em 2015 a seguinte evolução: Janeiro - 26 faturas - valor total €8.7720,00; Fevereiro - 37 faturas - valor total €11.717,00; Março - 37 faturas - valor total €13.443,00; Abril - 22 faturas - valor total €7.207,50; Maio - 19 faturas - valor total €6.553,00; Junho - 30 faturas - valor total €9.855,00; Julho - 31 faturas - valor total €12.184,50; Agosto - 26 faturas - valor total €10.038,00; Setembro - 7 faturas- no valor total €2.100,00; Outubro - 13 faturas - no valor de €3.905,00; Novembro - 13 faturas - no valor de €2.051,00; Dezembro - 2 faturas - no valor de €1.351,00.

64. Apesar desta evolução, mantiveram-se despesas de alimentação, combustível e acessórios.

65. Em 9 de Novembro de 2015 ainda foram comprados dois telemóveis novos, pelo preço de €639, 80.

66. E continuaram a ser comprados materiais para a atividade.

67. A Requerida “ E... , Lda.” efectuou despesas com a viatura (...) IZ no valor total de €5.504,41, assim descriminadas: Fatura de 12.06.2015 - €709,68; Fatura de 22.09.2015 - €147,84; Fatura de 28.10.2015 - €476,95; Fatura de 05.11.2015 - €650,74; Fatura de 15.11.2015 - €3.075,00; e Fatura de 27.11.2015 - €444,20.

68. O Requerido B... continuou sempre a receber remuneração de gerência no valor mensal de €530,00.

69. E o Requerido C... continuou a receber remuneração como trabalhador, no montante de €1.200,30.

70. O Requerido B... exerce de facto a gerência da “ I... ”, sendo ele que designadamente mantém, em nome da " I... ", os contactos com clientes e com fornecedores, tendo enviado em nome, e do email da " I... ", um pedido de preços ao fornecedor L... , tendo este respondido para o email da “ D... , Ldª a perguntar se era ele, B... , que tinha enviado o email em nome da " I... " e vindo dela.

Factos não provados:

- O comportamento do Requerido B... contou com o apoio do Requerido C... .

- A irmã do Requerido B... nada percebe de gestão de sociedades, nem da actividade a que se dedica a “ I... ” ("podologia animal, bem como outros serviços de cuidados especiais com gado de criação e produção de leite").

- Nunca foi empresária, e nunca se dedicou à referida atividade, ou a qualquer outra relacionada com a agricultura.

- Sofre de doença limitadora e incapacitante para uma actividade desse tipo (epilepsia), e só se dedica a tarefas domésticas, tratando ainda de um irmão com problemas mentais.

- A Requerida “ D... , Lda.” usufruiu no abastecimento de combustível de cartão de frota.

- E... é amigo do Requerido B... .

- O veículo com a matrícula (...) GF já tinha tronco hidráulico, usado mas ainda utilizável.

- O irmão do Requerido B... , H... , não foi despedido.

- O H... está inscrito na Segurança Social, como trabalhador da “ I... ” desde 16-11-2015.

- O despedimento do irmão foi uma forma de poder retirar dinheiro da conta da Requerida “ D... , Lda.”, que estava, como sempre esteve, bem provisionada, e assim arranjar fundos para poder investir na nova sociedade " I... ".

- A sociedade “ E... , Lda.” tinha pouco equipamento e por isso os Requeridos tinham menos a aproveitar dela, pelo que chegaram a formalizar a ideia da sua dissolução - mas sem esclarecer todas as questões pendentes.

- As despesas com a viatura (...) IZ não visaram necessidades desta viatura, mas sim para suportar despesas da " I... " e dos Requeridos.

 

A. Se nas sociedades com mais de dois sócios é admissível o recurso à via judicial, com vista à destituição de um gerente, com base em justa causa.

Como resulta do relatório que antecede, o recorrente defende que apesar de o recurso ao tribunal para obter a destituição de um gerente ser obrigatório, no caso de sociedade com apenas dois sócios, não se impede que, em caso de a sociedade ter mais de dois sócios, se possa, igualmente, recorrer à via judicial, para obter a suspensão de gerente, com base na existência de justa causa, sendo, no primeiro caso obrigatório que assim suceda e facultativamente, no segundo.

Na decisão recorrida, ao invés, fez-se consignar que só se considera admissível o pedido de destituição judicial de gerente, no caso de a sociedade ter apenas dois sócios, em consequência do que só se apreciou a pretensão do requerente, relativamente à requerida “ D... , L,da” – que só tem dois sócios – e já não quanto à outra requerida “ E... , L.da”, com o fundamento em esta ter três sócios.

No que esta questão concerne, importa ter em linha de conta o que se estipula no artigo 257.º, do Código das Sociedades Comerciais (a seguir referido como CSC), que tem o seguinte teor (no que ora releva):

“1. Os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes.

2. O contrato de sociedade pode exigir para a deliberação de destituição uma maioria qualificada ou outros requisitos; se, porém, a destituição se fundar em justa causa, pode ser sempre deliberada por maioria simples.

(…)

4. Existindo justa causa, pode qualquer sócio requerer a suspensão e a destituição do gerente, em acção intentada contra a sociedade.

5. Se a sociedade tiver apenas dois sócios, a destituição da gerência com fundamento em justa causa só pelo tribunal pode ser decidida em acção intentada pelo outro.”.

Resulta deste preceito, nomeadamente do seu n.º 1, que se consagrou nesta matéria a regra da “livre destituição dos sócios”.

Como refere Coutinho de Abreu, in CSC Em Comentário, Vol. IV, Almedina, a pág. 117 “A regra, portanto, é a da destituição livre: a todo o tempo (independentemente de o gerente ter sido designado por prazo certo ou por tempo indeterminado e do período já decorrido), com ou sem justa causa.”

O mesmo defende Raúl Ventura, in Sociedades por Quotas, Vol. III, Almedina, a pág. 104.

No entanto, como acrescenta Coutinho de Abreu, ob. cit., a pág. 122 “A deliberação dos sócios não é a única via para destituir gerentes. Havendo justa causa, é possível a destituição judicial: via facultativa nalguns casos (n.º 4 do art. 257.º), via obrigatória em outros (n.os 3 e 5 do art.257.º).”.

Especificando a pág.s 123 e 124, que a acção será facultativa, no caso de existência de justa causa, em que pode qualquer sócio requerer a suspensão, conferindo aos sócios minoritários o propósito de minorar o risco de gerentes sócios maioritários ou apoiados pela maioria, se manterem indevidamente na gerência, em prejuízo da sociedade ou dos sócios e terá de ser obrigatoriamente mediante o recurso à via judiciária, no caso do n.º 3 (sócio com direito especial à gerência) ou no caso de a sociedade ter apenas dois sócios (e um deles ou ambos forem gerentes), hipótese em que a suspensão/destituição de sócio gerente, com fundamento em justa causa, só pelo tribunal pode ser decidida em acção intentada pelo outro (n.º 5 do artigo 257.º).

Radicando a justificação para tal, no facto de serem apenas dois os sócios e como o gerente a destituir não poder votar em deliberação para o efeito, ficaria refém da vontade do outro (e único sócio para além dele) em o destituir.

Como este mesmo autor refere in Curso de Direito Comercial, Vol. II, das Sociedades, 5.ª Edição, Almedina, a pág. 592, neste caso (sociedade com dois sócios), “a acção judicial é a única via possível para a destituição com fundamento em justa causa.”.

Mas, tal não significa que nas sociedades com mais de dois sócios, também não se possa recorrer ao tribunal com vista a obter a suspensão/destituição de gerente, com base em justa causa.

Existindo esta, o recurso à via judicial, não é, agora, obrigatório mas facultativo, com base no n.º 4 do artigo 257.º do CSC, que confere esse direito a “qualquer sócio”.

Ou seja, mesmo no caso de uma sociedade com mais de dois sócios, pode qualquer deles requerer a suspensão/destituição de gerente, por via judicial, se assim não for deliberado pelos demais sócios, ao abrigo da possibilidade que lhes é conferida no n.º 1, do preceito em referência.

Como refere Raúl Ventura, in ob. cit., pág. 111, o artigo 257.º, n.º 4 do CSC, confere a um sócio individualmente o direito de requerer a destituição judicial do gerente, com fundamento em justa causa.

Explicitando a pág. 116 que o n.º 4 do artigo 257.º “confere a qualquer sócio – seja qual for o número de sócios – o direito de requerer judicialmente a suspensão e a destituição do gerente. O efeito especial do n.º 5 consiste em, nas sociedades de dois sócios, a destituição com fundamento em justa causa não poder ser efectuada por deliberação social, sendo sempre indispensável a intervenção do tribunal - «só pelo Tribunal pode ser decidida».”.

O mesmo defende Paulo Olavo Cunha, in Direito Das Sociedades Comerciais, 5.ª Edição, Almedina, a pág.s 687 e 688, que ali refere que “se a sociedade tiver apenas dois sócios, (…) a destituição (do sócio gerente) deverá ser decidida judicialmente” se baseada em justa causa, mas não já se se trata de destituição ad nutum, dado que naquele caso, apenas um dos sócios votaria, mas sem que tal derrogue as regras da destituição livre ou condicionada, tal como prevista nos n.os 1, 2 e 4, do referido artigo 257.º.

Pelo que, contrariamente ao considerado na decisão recorrida, tem de se concluir que é admissível (facultativamente) o recurso à via judicial, por qualquer sócio, com fundamento na existência de justa causa, para a suspensão/destituição de gerente, mesmo nos casos em que a sociedade tenha mais de dois sócios, nos termos do n.º 4 do artigo 257.º do CSC.

Assim, no que a esta questão respeita, procede o presente recurso.

B. Se o requerido deve ser, também, suspenso da gerência da requerida “ E... , L.da” e, em sua substituição, ser nomeado o ora requerente.

Defende o recorrente que assim se deve decidir, porque tal suspensão apenas não foi decretada por se ter considerado que, no caso desta sociedade, por ter três sócios, estava vedado o recurso à via judicial, com vista a obter tal desiderato e os factos provados, demonstrarem que o mesmo actuou em prejuízo das sociedades em que exerce a gerência em benefício da que criou e que desenvolve o mesmo objecto social das ora, também, requeridas.

Uma vez que no artigo 257.º, n.º 4 do CSC, se faz depender o pedido de suspensão/destituição de gerente da existência de justa causa, importa analisar o que se entende, para os efeitos pretendidos, por “justa causa”.

Refere Coutinho de Abreu, in CSC Em Comentário, acima citado, pág. 119, “que é justa causa a situação que, atendendo aos interesses da sociedade e do gerente, torna inexigível àquela manter a relação orgânica com este, designadamente porque o gerente violou gravemente os seus deveres, ou revelou incapacidade ou ficou incapacitado para o exercício normal das suas funções.”.

E que se consubstancia na violação de deveres legais específicos; deveres (legais gerais) de cuidado; deveres de lealdade; incapacidade para o exercício das funções; quer situações referíveis aos gerentes enquanto tais, v.g., desentendimentos frequentes entre gerentes que comprometam a boa marcha dos negócios sociais, bem como o aproveitamento em benefício próprio de oportunidades de negócio ou de bens da sociedade e a perda, intencional ou por desleixo, de condições necessárias ou convenientes para a vida da sociedade (cf. mesmo autor, in Curso, já citado, pág.s 577 e 578).

Raúl Ventura, ob. cit., a pág. 91 e seg.s, aponta como constituindo justa causa “a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respectivas funções”, dando como exemplo concreto, por reporte ao disposto no artigo 254.º do CSC, a violação do dever de não concorrência, que é, expressamente, qualificada como justa causa de destituição.

Nos dizeres de Paulo Olavo Cunha, ob. cit., a pág.s 688 e 689, a lei enuncia que a justa causa ocorre mediante a violação grave dos deveres do gerente, a incapacidade para o exercício normal das funções ou o exercício não autorizado de uma actividade concorrente, que compromete e desaconselha a manutenção do vínculo e, relativamente ao exercício de uma actividade concorrente, tal constitui causa de justificação ainda que se não prove o prejuízo, sendo, por isso, suficiente que a sociedade demonstre que o gestor exerce uma actividade (de administração) que recaia sobre um objecto análogo ao seu.

De acordo com o disposto no n.º1 do art. 64º do C.S.C.:

“Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:

a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e

b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses em jogo de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, clientes e credores.”.

Por outro lado, de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 254º do C.S.C.:

“Os gerentes não podem, sem consentimento dos sócios, exercer por conta própria ou alheia, actividade concorrente com a da sociedade.”

 E no seu n.º 5 prevê-se que

“A infracção do disposto no nº1, além de constituir justa causa de destituição obriga o gerente a indemnizar a sociedade pelos prejuízos que esta sofra.”.

Ora, em face da matéria indiciariamente dada por provada, designadamente do que consta dos respectivos itens 12 a 16 e 62 a 70, constata-se que, relativamente à “ E... , L.da”, se verificam os mesmos condicionalismos que os referentes à “ D... ”, designadamente que o requerido exerce uma actividade concorrente a estas, assim violando o dever de não concorrência consagrado no artigo 254.º do CSC, bem como, em violação do disposto no seu artigo 64.º, n.º 1, usou os bens das referidas sociedades em seu exclusivo proveito e “paralisando” a respectiva actividade em benefício da sociedade que criou, tal como descrito nos itens 14.º a 16.º, o que corporiza a existência de justa causa, o que justifica o pedido formulado pelo requerente, em função do que se suspende o requerido do cargo de gerente da “ E... , L.da” e em sua substituição, nomeia-se, provisoriamente, o requerente.

Efectivamente, como se refere no Acórdão do STJ, de 30/09/2014, Processo 1195/08.0TYLSB.L1.S1, disponível no respectivo sítio do itij “o dever de lealdade está associado à obrigação de não concorrência, à obrigação de não aproveitar em benefício próprio possíveis oportunidades de negócio, a actuação de boa-fé ao respeito pelo princípio da confiança e à omissão de procedimentos que provoquem conflitos de interesses”, o que, manifestamente, face à factualidade indiciariamente, tida por provada, se não pode dizer que o requerido tenha cumprido.

Pelo que, igualmente, quanto a esta questão, procede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, no que se refere à requerida “ E... , L.da”, ficando, em consequência, igualmente, o requerido B... , suspenso da respectiva gerência e nomeando-se, provisoriamente, em sua substituição, o requerente, A... e;

mantendo-a quanto ao mais, ou seja, quanto à decretada suspensão da gerência da “ D... , L.da”.

Custas, do presente recurso, a fixar a final.

Coimbra, 17 de Maio de 2016.

Arlindo Oliveira (Relator)
Emidio Francisco Santos
Catarina Gonçalves