Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
474/04.0TAAGD.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: EDUARDO MARTINS
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
Data do Acordão: 07/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – ÁGUEDA – 2º JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 105º,Nº 4 DO RGIT, LEI N.º 53-A/2006
Sumário: 1. A nova redacção introduzida ao nº105º-4/b do RGIT, vem distinguir/limitar a que situações ainda é dada uma possibilidade ao devedor, isto é, apenas se aplica àquelas situações em que o devedor comunicou a prestação à administração tributária através da correspondente declaração.
2. Por conseguinte, não há qualquer exigência no sentido de na notificação a que se refere o referido normativo se concretizarem valores em dívida.
Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO:   
No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 474/04.0TAAGD que corre termos na Comarca do Baixo Vouga, Águeda – Juízo de Instância Criminal – Juiz 2, a fim de serem julgados em processo comum, com intervenção do tribunal singular, o Ministério Público acusou:                                                                                                                               N..., casado, administrativo por conta doutrem, A..., casado, director fabril, J..., divorciado, engenheiro mecânico por conta doutrem, V..., divorciado, técnico de contas por conta doutrem, C..., divorciado, cerâmico por conta doutrem, “G... – Lda.”,                                                                    imputando a prática, a cada um dos cinco primeiros arguidos, como co-autores, de um crime continuado de abuso de confiança em relação à Segurança Social, p. p., à data da prática dos factos, pelos art.ºs 30.º, do Código Penal, e 27.º-B, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras – RJIFNA – (na redacção dada pelo D.L. n.º 394/93, de 24 de Novembro) e actualmente p. p. pelos art.ºs 30.º, do Código Penal, e 105.º, n.º 4, e 107.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho) – RGIT –; e a sociedade arguida pela prática de um crime continuado de abuso de confiança em relação à Segurança Social, p. p., à data da prática dos factos, pelos art.ºs 7.º, n.º 1, e 27.º-B, do RJIFNA, na redacção dada pelo D.L. n.º 394/93, de 24 de Novembro, e art.º 30.º, do Código Penal, e actualmente p. p. pelos art.ºs 30.°, do Código Penal, e 7.º, n.º 1, 105.º, n.º 4, e 107.°, do RGIT, nos termos constantes da acusação deduzida nos autos, que aqui se dá por reproduzida.                                                                                                                                  Tendo sido requerida a abertura da fase de instrução pelo arguido A..., por despacho de fls. 160 a 161, foi declarada a extinção do procedimento criminal em relação ao mesmo, em virtude do seu falecimento, tendo os autos sido remetidos para julgamento dos demais arguidos.                                                                                                O “Instituto da Segurança Social, I.P.” deduziu pedido de indemnização civil, requerendo a condenação dos demandados N..., J..., V..., C… e “G... – Fábrica de Louças de Forno e Mesa, Lda.” no pagamento da quantia de € 249.800,93, acrescida de juros de mora vencidos até Abril de 2008 no montante de € 173.394,16 e vincendos até integral e efectivo pagamento.                                                                Por despacho de fls. 333, não foi admitido o pedido de indemnização civil formulado pelo “Instituto da Segurança Social, I.P.”, que veio a ser objecto de interposição de recurso.           Apenas o arguido N... veio arrolar prova.

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Após realização da audiência de julgamento, na qual se operou uma alteração não substancial dos factos, conforme consta da respectiva acta, foi proferida a sentença constante dos autos a fls. 397 a 412, que aqui se dá por reproduzida, nela se decidindo condenar os arguidos nos seguintes termos:

. condenar o arguido N... pela prática, como co-autor material, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social na forma continuada, p. e p. pelos n.os 1, 3, 4 e 7 do art. 105º, aplicável por força dos n.os 1 e 2 do art. 107º do RGIT, na pena de 300 (trezentos) dias de multa à taxa diária de € 11,50 (onze euros e cinquenta cêntimos), perfazendo um total de € 3.450,00 ou subsidiariamente, caso não a cumpra, na pena de 200 dias de prisão;

. condenar o arguido J... pela prática, como co-autor material, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social na forma continuada, p. e p. pelos n.os 1, 3, 4 e 7 do art. 105º, aplicável por força dos n.os 1 e 2 do art. 107º do RGIT, na pena de 135 (cento e trinta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 15,00 (quinze euros), perfazendo um total de € 2.025,00 ou subsidiariamente, caso não a cumpra, na pena de 90 dias de prisão;

. condenar o arguido V... pela prática, como co-autor material, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social na forma continuada, p. e p. pelos n.os 1, 3, 4 e 7 do art. 105º, aplicável por força dos n.os 1 e 2 do art. 107º do RGIT, na pena de 165 (cento e sessenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 16,00 (dezasseis euros), perfazendo um total de € 2.640,00 ou subsidiariamente, caso não a cumpra, na pena de 110 dias de prisão;

. condenar o arguido C... pela prática, como co-autor material, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social na forma continuada, p. e p. pelos n.os 1, 3, 4 e 7 do art. 105º, aplicável por força dos n.os 1 e 2 do art. 107º do RGIT, na pena de 135 (cento e trinta e cinco)dias de multa à taxa diária de € 13,00 (treze euros), perfazendo um total de € 1.885,00 ou subsidiariamente, caso não a cumpra, na pena de 90 dias de prisão;

. sendo a arguida sociedade G... – Lda, responsável nos termos do nº 1 do art. 7º do RGIT, condenada na pena de 320 (trezentos e vinte) dias de multa à taxa diária de € 25,00 (vinte cinco euros), perfazendo um total de € 8.000,00.

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Na aludida sentença, deu-se como provado que:

. a arguida G... - Lda, com sede em  …teve como gerentes os arguidos N..., J..., V... e C... de 21.03.1999 a 21.08.2000 e, a partir de então, apenas o arguido N...;

. a arguida, na qualidade de entidade empregadora, ao pagar ou colocar à disposição dos trabalhadores as respectivas remunerações, encontrava-se obrigada a proceder ao desconto prévio dos valores das cotizações devidas à Segurança Social, bem como a proceder à sua entrega nos Cofres da Segurança Social até ao dia quinze do mês seguinte aquele a que disserem respeito, o que não fez, nem nos noventa dias volvidos sobre essa data;

. durante os exercícios de 1999 a 2003 os cinco primeiro arguidos, no âmbito das funções de gerência da firma arguida e nos períodos em que a exerceram, procederam mensalmente ao desconto prévio nas remunerações pagas aos seus trabalhadores do valor das cotizações devidas à Segurança Social;

. no entanto, os primeiros arguidos, em relação aos meses, montantes e categorias de rendimento que se irão discriminar e dentro dos respectivos períodos de gerência, decidiram, de comum acordo, não proceder à sua entrega à Segurança Social, conforme lhes era legalmente imposto;

. os arguidos passaram a dispor dos montantes das cotizações devidas à segurança social, deduzidas nos termos da lei que a seguir se discriminam, como se lhes pertencessem, destinando-os para os fins convenientes da arguida, não os entregando, como era obrigação legal, aos cofres da Segurança Social:

MêsAnoTrab Conta de Outrem

Abril2001€ 6.881,92
Maio2001€ 6.623,98
Junho2001€ 6.641,48
Julho2001€ 6.898,77
Agosto2001€ 6.854,19
Setembro2001€ 7.269,35
Outubro2001€ 11.741,67
Novembro2001€ 6.828,37
Dezembro2001€ 11.995,33
Janeiro2002€ 6.703,89
Fevereiro2002€ 6.130,87
Março2002€ 6.376,32
Abril2002€ 6.283,84
Maio2002€ 6.510,92
Junho2002€ 5.996,82
Julho2002€ 6.879,53
Agosto2002€ 11.050,39
Setembro2002€ 5.463,14
Outubro2002€ 5.373,22
Novembro2002€ 5.953,79
Dezembro2002€ 10.564,48
Janeiro2003€ 5.901,88
Fevereiro2003€ 5.915,16
Março2003€ 6.152,66
Abril2003€ 6.028,81
Maio2003€ 5.783,62
Junho2003€ 6.546,06
Julho2003€ 5.492,72
Agosto2003€ 5.314,70
Setembro2003€ 8.724,41
Outubro2003€ 4.752,84
Novembro2003€ 4.730,66
Dezembro2003€ 8.653,07

Total: € 229.008,87


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MêsAnoPensionistas por Velhice

Abril2001€ 136,17
Maio2001€ 136,17
Junho2001€ 136,17
Julho2001€ 136,17
Agosto2001€ 136,17
Setembro2001€ 136,17
Outubro2001€ 172,48
Novembro2001€ 136,17
Dezembro2001€ 272,34
Janeiro2002€ 136,19
Fevereiro2002€ 136,19
Março2002€ 136,17
Abril2002€ 136,17
Maio2002€ 136,17
Junho2002€ 136,17
Julho2002€ 136,17
Agosto2002€ 272,34
Setembro2002€ 136,17
Outubro2002€ 136,17
Novembro2002€ 136,17
Dezembro2002€ 306,90
Janeiro2003€ 187,30
Fevereiro2003€ 183,99
Março2003€ 187,30
Abril2003€ 183,99
Maio2003€ 187,30
Junho2003€ 187,30
Julho2003€ 183,99
Agosto2003€ 261,39
Setembro2003€ 779,17
Outubro2003€ 125,22
Novembro2003€ 130,59
Dezembro2003€ 285,88

Total: € 6.222,46


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MêsAnoBenf Órg Estatut/Equip

Novembro1999€ 648,44
Dezembro1999€ 1.296,87
Janeiro2000€ 667,89
Fevereiro2000€ 667,89
Março2000€ 667,89
Abril2000€ 667,89
Maio2000€ 667,89
Junho2000€ 667,89
Julho2000€ 1.886,83
Abril2001€ 174,58
Maio2001€ 174,58
Junho2001€ 174,58
Julho2001€ 174,58
Agosto2001€ 174,58
Setembro2001€ 174,58
Outubro2001€ 349,16
Novembro2001€ 174,58
Dezembro2001€ 349,16
Janeiro2002€ 174,60
Fevereiro2002€ 174,60
Março2002€ 174,58
Abril2002€ 174,58
Maio2002€ 174,58
Junho2002€ 174,58
Julho2002€ 174,58
Agosto2002€ 349,16
Setembro2002€ 174,58
Outubro2002€ 174,58
Novembro2002€ 174,58
Dezembro2002€ 349,16
Janeiro2003€ 174,58
Fevereiro2003€ 174,58
Março2003€ 174,58
Abril2003€ 174,58
Maio 2003€ 174,58
Junho2003€ 174,58
Julho2003€ 174,58
Agosto2003€ 174,58
Setembro2003€ 349,16
Outubro2003€ 174,58
Novembro2003€ 174,58
Dezembro2003€ 349,16

Total: € 14.648,22

. apesar de terem sido notificados para, em 30 dias, procederem, junto da entidade competente, ao pagamento da prestação tributária em falta, acrescida dos juros respectivos e da coima, a situação não foi regularizada;

. os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, de comum acordo, bem sabendo que se apropriavam de montantes pecuniários que não lhe pertenciam, pois que eram referentes aos descontos efectuados a titulo de cotizações à Segurança Social, a que estavam obrigados na qualidade de gerentes da arguida;

. actuaram ainda aproveitando a oportunidade favorável à prática dos ilícitos descritos, dado que após a prática dos primeiros factos, a arguida não foi alvo de qualquer fiscalização ou penalização e terem verificado persistir as possibilidades de repetir as suas condutas;

. os arguidos agiram, dentro dos respectivos períodos de gerência, na qualidade de gerentes da empresa arguida, no interesse desta;

. o arguido N... aufere mensalmente quantia não inferior a € 379,00;

. reside em casa de sua mãe;

. tem como habilitações literárias o 2º ano de comércio internacional;

. o arguido J... aufere quantia não inferior a € 1.300,00 mensais e a companheira € 700,00 por mês;

. tem dois filhos que se encontram a frequentar o Ensino Superior;

. reside em casa da companheira;

. tem como habilitações literárias o bacharelato em engenharia mecânica;

. o arguido V... aufere mensalmente quantia não inferior a € 1.900,00;

. tem dois filhos menores de idade, pagando globalmente € 300,00 a título de alimentos;

. o arguido C... aufere quantia não inferior a € 1.000,00 mensais;

. tem dois filhos;

. reside em casa de um familiar;

. tem como habilitações literárias o 7 ano (antigo);

. o arguido N... foi condenado, por sentença datada de 14.06.2005 na pena de 70 dias de multa à taxa diária de € 4,00 e na sanção acessória de proibição de conduzir por três meses pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo nº 1 do art. 292º do Código Penal;

. aos demais arguidos não são conhecidos antecedentes criminais;

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Na aludida sentença, deu-se como não provado que:

. todos os arguidos exerceram as funções de gerentes da arguida de 1999 a 2003;

. os arguidos agiram no seu próprio interesse, integrando os montantes referentes às cotizações nas suas próprias esferas patrimoniais.

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Os arguidos J..., V..., C... interpuseram recurso da sentença proferida.

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O Tribunal da Relação, conhecendo dos recursos interpostos, decidiu:              “a) Conceder provimento ao recurso interposto pelo Instituto de Segurança Social e, consequentemente revogar o despacho recorrido, ordenando-se agora que se admita o pedido civil formulado nos autos, procedendo-se oportunamente a novo julgamento, com vista à sua apreciação.                                                                                                                 b) Determinar, por razões diferentes, o reenvio do processo para novo julgamento, limitado às questões referidas (art°s 426° n° 1 e 426°-A, ambos do CPP).”                           As aludidas questões encontram-se expressas no referido acórdão, nos seguintes termos:                                                                                                                                         “... desde logo se nos afigura existir manifesta contradição entre a factualidade que foi dada como provada no ponto 1 e 3 e a alínea a) da matéria de facto dada como não provada.   Com efeito deu-se como provado no ponto 1 que a arguida G... –Lda, com sede em … teve como gerentes os arguidos N..., J..., V... e C... de 21.03.1999 a 21.08.2000 e, a partir de então, apenas o arguido N...;                                Porém logo de seguida no ponto 3 diz-se que durante os exercícios de 1999 a 2003 os cinco primeiro arguidos, no âmbito das funções de gerência da firma arguida e nos períodos em que a exerceram, procederam mensalmente ao desconto prévio nas remunerações pagas aos seus trabalhadores do valor das cotizações devidas à Segurança Social;                              Ora se se deu como provado que a partir de 2000.08.21, só o arguido N... passou a ser gerente, não se entende como é que se pode dar como provado que todos os arguidos exerceram a gerência de 1999 a 2003, tendo praticado os referidos actos.             E a confusão adensa-se quando se dá como não provado que todos os arguidos exerceram as suas funções de gerentes da arguida de 1999 a 2003.                                     (...)                                                                                                                                        Por outro lado alude-se no ponto 4 aos “ primeiros arguidos”.                                      Ora atenta a confusão quanto à referida factualidade não se sabe a que arguidos se pretende o Mm° Juiz referir.                                                                                              Por outro lado se se vier a entender que as gerências foram diferentes no período de 1999 a 2003, há que apurar a quem cabe a responsabilidade pela não entrega das quantias deduzidas, pois isso importa não só para efeitos de medida da pena eventualmente a aplicar.”                                                                                                                     Importava, assim, como é expresso na sentença ora em crise, proceder a julgamento com vista à apreciação do pedido civil formulado nos autos e com vista a definir os períodos em que cada um dos arguidos em concreto exerceu a gerência.

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Em obediência ao acórdão do Tribunal da Relação, admitiu-se o pedido de indemnização civil formulado pela Segurança Social, deu-se o respectivo contraditório e designou-se data para julgamento.                                                                                                         Não foram apresentadas contestações ao pedido de indemnização cível.                Procedeu-se à audiência de julgamento, observando-se o legal formalismo, conforme consta da respectiva acta, altura em que se deu cumprimento ao disposto no art.º 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, nada tendo sido requerido, por o tribunal entender poder vir a dar como provado, além do mais, que: 

. a arguida G... - Lda, com sede em …, teve como gerentes os arguidos N..., J..., V... e C... de 23.03.1999 a 21.08.2000 e, a partir de então, apenas o arguido N...;

. durante os exercícios de 1999 a 2003 o arguido N..., no âmbito das funções de gerência da firma arguida, que exerceu nesse período, procedeu mensalmente ao desconto prévio nas remunerações pagas aos seus trabalhadores do valor das cotizações devidas à Segurança Social;

. também os arguidos J..., V... e C... de 23.03.1999 a 21.08.2000, no âmbito das funções de gerência da firma arguida, que nesse período exerceram, procederam mensalmente ao desconto prévio nas remunerações pagas aos seus trabalhadores do valor das cotizações devidas à Segurança Social;

. no entanto, os arguidos N..., J..., V... e C..., em relação aos montantes que se irão discriminar referentes ao período de Novembro de 1999 a Julho de 2000 e à categoria de rendimento do sub-regime dos beneficiários dos órgãos estatutários ou equiparados, decidiram, de comum acordo, não proceder à sua entrega à Segurança Social, conforme lhes era legalmente imposto;

. e o arguido N... decidiu também, em relação aos demais meses, montantes e categorias de rendimento que se irão discriminar, não proceder à sua entrega à Segurança Social, conforme lhe era legalmente imposto.

                                                        ****

Realizada audiência de discussão e julgamento, por sentença de 21 de Dezembro de 2009, foi proferida a seguinte decisão:

         “Pelo exposto, o tribunal decide:
a) Condenar o arguido N... pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, p.p. pelos art.ºs 30.º, n.º 2, do Código Penal, e 105.º, n.ºs 1, 3, 4 e 7, aplicável por força do art.º 107.º, n.ºs 1 e 2, todos do RGIT, na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 4;
b) Condenar o arguido J... pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, p.p. pelos art.ºs 30.º, n.º 2, do Código Penal, e 105.º, n.ºs 1, 3, 4 e 7, aplicável por força do art.º 107.º, n.ºs 1 e 2, todos do RGIT, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 15;
c) Condenar o arguido V... pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, p.p. pelos art.ºs 30.º, n.º 2, do Código Penal, e 105.º, n.ºs 1, 3, 4 e 7, aplicável por força do art.º 107.º, n.ºs 1 e 2, todos do RGIT, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 9
d) Condenar o arguido C... pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, na forma continuada, p.p. pelos art.ºs 30.º, n.º 2, do Código Penal, e 105.º, n.ºs 1, 3, 4 e 7, aplicável por força do art.º 107.º, n.ºs 1 e 2, todos do RGIT, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 7,50;
e) Sendo a arguida sociedade G... – Lda, responsável nos termos do n.º 1 do art.º 7.º, do RGIT, condenada na pena de 320 dias de multa, à taxa diária de € 25,00.
f) Condenar os arguidos N..., J..., V..., C... e G... – Lda, nas custas do processo crime, com 3 UC de taxa de justiça e procuradoria fixada em ½ da taxa de justiça devida e ainda relativamente à arguida G... – Lda, com honorários legais a favor do seu defensor oficioso.
g) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pelo “Instituto da Segurança Social, I.P.”, condenando-se os demandados N... e G... – Lda, a pagarem ao demandante a quantia de € 249.800,93, acrescida de juros de mora nos termos legais vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento, e condenando-se os demandados J..., V... e C... a pagarem ao demandante a quantia de € 7.839,48, acrescida de juros de mora nos termos legais vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento, no mais se absolvendo os demandados J..., V... e C... do pedido.
h) Custas da parte cível a cargo dos demandados N..., J..., V..., C... e G... –Lda, e do demandante “Instituto da Segurança Social, I.P.” na proporção dos respectivos decaimentos, que se fixam em 44/50 para os demandados N... e G... –Lda, em 1/50 para os demandados J..., V... e C... e em 5/50 para o demandante “Instituto da Segurança Social, I.P.”.

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Inconformados com a decisão, dela interpuseram recurso os arguidos J..., V... e C…, em 26/1/2010, defendendo a revogação da sentença recorrida, e sua substituição por outra decisão que os absolva ou que os isente de pena, extraindo da sua motivação as seguintes Conclusões:

1. A fls. 33, foi ordenado se procedesse à notificação dos arguidos, nos termos do artigo 105º-4/b do RGIT, para que procedessem dentro do prazo de 30 dias a contar da notificação “ao pagamento junto da Segurança Social das prestações em causa nos presentes autos, acrescida dos respectivos juros e valor da coima aplicável”.

2. Prevendo o artigo 105º-4/b do RGIT uma condição objectiva de punibilidade, só depois de ter decorrido o prazo de trinta dias ali previsto, contado desde a efectivação dessa notificação à sociedade e aos seus gerentes, podia, designadamente, considerar-se verificada a referida condição objectiva de punibilidade.

3. A fls. 34, 35, 36, 37 e 38, consta o teor dos ofícios que, na sequência do determinado no referido despacho, foram elaborados tendo em vista a notificação dos arguidos N..., J..., V..., C... e G… Lda, respectivamente.

4. Nessas notificações, nada se refere quanto ao valor das prestações em dívida, nem quanto ao valor dos respectivos juros, nem também quanto ao valor das coimas aplicáveis.

5. A omissão da efectivação de notificações aos arguidos, que permitissem a todos eles saber qual o total das importâncias – ou seja, os concretos montantes das prestações em dívida, bem como dos respectivos juros e da coima aplicável – que teriam de pagar para que não se verificasse a referida condição objectiva de punibilidade, determina que nunca se poderia considerar que, através desses ofícios de fls. 34, 35, 36, 37 e 38, estava a ser dado cumprimento ao disposto no artigo 105º-4/b do RGIT.

6. Verifica-se, assim, ter incorrido em erro o Mmº Tribunal a quo, na parte em que julgou provado que “apesar de terem sido notificados para, em 30 dias, procederem, junto da entidade competente, ao pagamento da prestação tributária em falta, acrescida dos juros respectivos e da coima, a situação não foi regularizada”.

7. Na verdade, tendo em consideração, por um lado, o estatuído no artigo 105º-4/b do RGIT e, por outro lado, o conteúdo das notificações que nos autos foram feitas aos arguidos, alegadamente para dar cumprimento ao previsto nessa norma, nunca a aludida matéria de facto poderia ter sido incluída entre os factos provados, devendo ser correspondentemente alterada a resposta dada à matéria de facto.

8. Decorre do exposto ter o Mmº Tribunal a quo incorrido também em erro quando na sentença recorrida considerou que “uma vez que decorreu um prazo superior a 90 dias sobre a data em que a entrega deveria ter sido efectuada, não tendo ainda procedido à liquidação da quantia devida no prazo e uma vez notificados para o efeito, considerando a actual redacção do RGIT, encontram-se igualmente preenchidas as condições objectivas de punibilidade”.

9. Não tendo sido efectuadas aos arguidos as notificações nos termos e para os efeitos previstos no artigo 105º-4/b do RGIT, foram cometidas irregularidades que afectam o valor dos actos praticados.

10. Não obstante as referidas irregularidades serem do conhecimento oficioso, nos termos do artigo 123º-2 do CPP, essas irregularidades podem constituir fundamento para recurso da sentença, pelo que, de todo o modo, vão aqui arguidas nos termos do disposto no artigo 123º-1 do CPP.

Termos nos quais deverá ser revogada a decisão recorrida que, tendo considerado efectuadas aos arguidos as notificações previstas no artigo 105º-4/b do RGIT, considerou verificada a condição objectiva de punibilidade nessa norma estatuída, devendo, consequentemente, serem os arguidos absolvidos da prática do crime em que foram condenados.

11. Os pontos da matéria de facto dados como provados e que consideramos incorrectamente julgados são os pontos dezassete e dezoito.

12. Os pontos que consideramos incorrectamente dados como provados pelo tribunal recorrido são: os pontos quatro, cinco, seis e sete.                                                                                                                                                          Ponto quatro; “no entanto, os primeiros arguidos, em relação aos meses, montantes e categorias de rendimento que se irão discriminar e dentro dos respectivos períodos de gerência, decidiram, de comum acordo, não proceder à sua entrega à Segurança Social, conforme lhes era legalmente imposto;”                                Ponto cinco: “os arguidos passaram a dispor dos montantes das cotizações devidas à segurança social, deduzidas nos termos da lei que a seguir se discriminam, como se lhes pertencessem, destinando-os para os fins convenientes da arguida, não os entregando, como era obrigação legal, aos cofres da Segurança Social:”        Ponto seis: “apesar de terem sido notificados para, em 30 dias, procederem, junto da entidade competente, ao pagamento da prestação tributária em falta, acrescida dos juros respectivos e da coima, a situação não foi regularizada;”                                                                                                                                                 Ponto sete: “os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, de comum acordo, bem sabendo que se apropriavam de montantes pecuniários que não lhe pertenciam, pois que eram referentes aos descontos efectuados a titulo de cotizações à Segurança Social, a que estavam obrigados na qualidade de gerentes da arguida;”

13. Com o devido respeito, o Tribunal a quo não ponderou sobre a materialidade dos diversos eventos trazidos a julgamento.

14.  A instâncias do depoimento do arguido J... (2ª cassete, lado A, rotações 99º a 108º), foi por este proferido:

- “/…/ fomos chamados pelo Sr. A... para assinar um contrato de cessão de quotas, em que esse contrato foi elaborado por dois advogados, um contratado por nós e outro contratado pelo Sr. A... e pelo Sr. N...e nesse contrato na cláusula cinco dizia que todas as dívidas existentes na empresa seriam a partir dessa data assumidas por eles./…/”

15. A instâncias do depoimento do arguido V... (2ª cassete, lado A, rotações 517º a 522º), este declarou:

- “/…/sabíamos que existiam dívidas até que fizemos um contrato para as pessoas que lá ficassem se responsabilizassem por esses pagamentos.”

16. Consta dos autos, designadamente a fls. 353 e 354, o referido contrato de cessão de quotas a que aqueles arguidos se referem.

17. O arguido N... figurou nesse contrato como segundo outorgante e com a qualidade de cessionário (representado nesse acto pelo seu pai, arguido A...), os recorrentes como primeiros outorgantes e com a qualidade de cedentes.

18. Com efeito, os arguidos, de comum acordo, através dos seus anteriores mandatários (então constituídos para o efeito) clausularam o seguinte e que fielmente aqui se transcreve: “O segundo outorgante compromete-se a entregar aos primeiros outorgantes até á realização da escritura, declarações de todos os bancos juntos dos quais os primeiros outorgantes prestaram avais ou quaisquer outras garantias relativamente às referidas firmas e ainda à firma G…lda., com sede no …, bem como a substituir todos os cheques passados aos antigos sócios e declarações destes a isentá-los de quaisquer responsabilidades e ainda declaração de isenção de responsabilidades dos primeiros outorgantes junto do sector estatal.”

19. Resulta do depoimento dos arguidos aqui recorrentes que sempre confiaram e acreditaram que com a feitura e outorga deste contrato a sua responsabilidade seria transferida para o cessionário, designadamente a obrigação deste saldar a dívida à Segurança Social de 7.875,48 euros, referente ao período de Novembro de 1999 a Julho de 2000.

20. Tanto mais porque os técnicos envolvidos na feitura do contrato – Advogados – indirectamente apontaram para possibilidade legal da inserção da cláusula no referido contrato, acreditando os arguidos que nenhuma responsabilidade subsistiria (a partir daí) para com o Erário Público; e tanto mais porque os arguidos aqui recorrentes haviam renunciado ao cargo de gerentes em que estavam investidos, consolidando ainda mais essa ideia – cfr. fls.322.

21. Na verdade, o arguido N... assumiu pagar a dívida à Segurança Social e, caso o tivesse feito e honrado o que prometeu contratualmente fazer, de certo não acarretaria responsabilidade para os demais arguidos aqui recorrentes.

22. De acordo com o princípio da prova livre ou liberdade de prova (artigo 125º do CPP) que rege em matéria de aquisição da prova são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei. O presente documento é legalmente admissível e não foi valorado como devia pelo Tribunal a quo, fazendo parte ou não do tipo.

23. Com efeito, dele resulta que não se podia concluir que existiu uma actuação conjunta dos arguidos que livre, deliberada, intencional e em comunhão de esforços, previssem e quisessem apropriar dinheiros que não lhes pertenciam.

Antes pelo contrário (!).

24. Os arguidos aqui recorrentes, desde a data da outorga do contrato-promessa de cessão de quotas à notificação realizada a 19/1/2005 pela Segurança Social (cfr. fls. 325 a 327) não sabiam da subsistência da dívida, como desconheciam por completo que esta se tinha agingatado em mais 98%.

25. A obrigação dos recorrentes em cumprir com o pagamento devido à Segurança Social (2%) é efectivamente anterior ao acto de renúncia à gerência e celebração do contrato-promessa de cessão de quotas, todavia, a prestação ainda teria sido possível se o arguido N... cumprisse com o acordado com os recorrentes ou pelo menos os tivesse alertado que não ia cumprir.

26. Consabido é que o elemento volitivo, quando ligado ao elemento intelectual querido, é que verdadeiramente serve para indiciar (embora ainda não para fundamentar) uma posição ou atitude do agente contrária ou indiferente à norma de comportamento, numa palavra, uma culpa dolosa e a consequente possibilidade de o agente ser punido por dolo. Assim, só quando a totalidade dos elementos de facto estão presentes na consciência psicológica do agente se poderá afirmar que ele se decidiu pela prática do ilícito e deve responder por uma atitude contrária ou indiferente ao bem jurídico lesado pela conduta.

27. Os recorrentes, ao celebrar o referido contrato e tendo inclusive renunciado à gerência da arguida G… Lda., não representaram ou representaram erradamente os elementos do tipo ilícito objectivo.

28. E se por um lado se considerar que o crime já havia sido consumado – por outro lado a assunção de responsabilidades ocorrida pelo arguido N... preponderou determinantemente (e a partir daí) na falta de consciência da ilicitude dos arguidos aqui recorrentes.

Em consequência do que vem a ser dito, verifica-se um errado julgamento quanto aos pontos de facto em causa, impondo-se a consequente modificação da decisão do Tribunal a quo sobre matéria de facto (artigo 431º do CPP), por não se demonstrar que os mesmos agiram de comum acordo e em execução de plano gizado com o outro(s) arguido(s). – A absolvição dos arguidos.

VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 47º e 71º, AMBOS DO CÓDIGO PENAL

29. Ainda que o Tribunal a quo tivesse julgado correctamente os factos que se impugnaram supre – o que apenas por mera hipótese se concede – não deixarão os recorrentes de evocar as despiciendas penas ou cominações excessivas em que o Tribunal a quo os condenou.

30. O tribunal a quo não atendeu convenientemente ao grau de ilicitude do facto e do desvalor do resultado (até em termos comparativos com a condenação do outro arguido) sendo que o total dos montantes em causa representa cerca de 2% do valor devido à segurança social.

31. O referido valor é correspondente a 9 meses de gerência, sendo que o montante em questão nos autos é praticamente despiciendo face aos montantes que viriam a ser da inteira responsabilidade do período de gerência do arguido N... – 249.879,41 euros – a quem foi administrada uma pena muito próxima dos aqui recorrentes (!).

32. O tribunal recorrido não atendeu, como em nosso entender devia, ao contrato-promessa de cessão de quotas outorgado (pelos aqui recorrentes e arguido N...), no qual foi acordado ser o arguido N... a assumir a responsabilidade integral, entre outras, com o sector estatal.

33. Julgamos tratar-se de um documento de extrema importância para a fixação da pena que não depôs em nada a favor dos arguidos recorrentes. Em paralelo, os depoimentos dos arguidos aqui recorrentes, que sempre confiaram e acreditaram que com a feitura e outorga deste contrato a sua responsabilidade seria transferida para o cessionário N..., designadamente a obrigação de ser ele a saldar a dívida à Segurança Social de 7.875,48 euros (referente ao período de Novembro de 1999 a Julho de 2000.

34. O Tribunal a quo, consequentemente, não aferiu como devia da intensidade do dolo ou da negligência tida pelos aqui arguidos recorrentes. Ainda que tal documento, não tivesse como é claro, vinculasse terceiros. Consabido é que, quando ligado ao elemento intelectual querido, é que verdadeiramente serve para indiciar (embora ainda não para fundamentar) uma posição ou atitude do agente contrária ou indiferente à norma de comportamento, numa palavra, uma culpa dolosa e a consequente possibilidade de o agente ser punido por dolo.

35. Assim, só quando a totalidade dos elementos de facto estão presentes na consciência psicológica do agente se poderá afirmar que ele se decidiu pela prática do ilícito e deve responder por uma atitude contrária ou indiferente ao bem jurídico lesado pela conduta.

36. Os recorrentes, ao celebrar o contrato (e tendo inclusive renunciado à gerência da arguida G… Lda.) não representaram ou representaram erradamente os elementos do tipo ilícito objectivo.

37. E se por um lado o crime já se havia consumado, por outro lado, a assunção de responsabilidade ocorrida – do arguido N... – preponderou determinantemente na falta de consciência da ilicitude (pelo menos a partir daí) dos arguidos aqui recorrentes.

38. Nos termos do artigo 40.º do CP, toda a pena tem como finalidade “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e, em matéria de culpabilidade, diz o seu n.º 2 que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

39. Ora, a referência legal aos bens jurídicos conforma uma exigência de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado.

40. A doutrina vem defendendo que, se as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade, então, o processo de determinação da pena concreta a aplicar reflectirá, de um modo geral, a seguinte lógica:

- a partir da moldura penal abstracta procurar-se-á encontrar uma sub-moldura para o caso concreto que terá como limite superior a medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e como limite inferior o quantum abaixo do qual “já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229).

Quanto à culpa, para além de suporte axiológico-normativo de toda e qualquer repressão penal, compete-lhe estabelecer o limite inultrapassável da medida da pena a aplicar. Propendemos para considerar ter a sentença recorrida violado os critérios dosimétricos do artigo 71º, alíneas b), d) e e).

VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 72º e 73º, ambos do C.P.

42.(deixa-se aqui consignado que não existe n.º 41, nas conclusões apresentadas). Defendemos, ainda, que se verificam elementos para a concessão da atenuação especial da pena, uma vez que o tribunal não se pode subtrair a este poder vinculado, pelo que violou os artigos 72º e 73 do C.P., já que deveria ter-lhes atenuado especialmente a pena. Como agora pugnamos.

43. Designadamente, porque o tribunal recorrido não atendeu a que os factos em causa remontam ao ano de 1999 e 2000, tendo decorrido já sobre o início da prática dos mesmos mais de 9 anos e os recorrentes manterem uma boa conduta neste hiato de tempo!

44. Depois, e como insistentemente temos vindo a dizer, porque o Tribunal recorrido não atendeu, como em nosso entender devia, ao contrato-promessa de cessão de quotas outorgado (pelos aqui recorrentes e arguido N...) no qual foi acordado ser o arguido N... a assumir a responsabilidade integral, entre outras, com o sector estatal.

45. O tribunal a quo violou os artigos 72º e 73º do C.P., já que deveria ter atenuado aos recorrentes especialmente a pena.

46. A nosso entender e até em termos comparativos e critérios utilizados pelo tribunal a quo na fixação das penas aos demais arguidos no processo e dos preceitos legais a que não atendeu e já enunciados, são desajustadas, desproporcionais e desadequadas.

Ajustada, cremos nós, seria a isenção de pena ou a absolvição dos arguidos dos crimes de que vêm acusados.

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 O Ministério Público junto do Tribunal recorrido, em 12/3/2010, apresentou resposta, sem apresentar conclusões, defendendo a improcedência do recurso, sendo de salientar, em resumo, o seguinte do teor daquela:

1.Quanto à não verificação da condição objectiva de punibilidade prevista no artigo 105.º, n.º 4, al. b), do RGIT, nada   na lei permite concluir pela exigência acrescida de que o concreto montante em que as prestações, os juros e a coima a pagar se traduzem seja indicado na própria notificação, sendo certo que sempre estaríamos, em todo o caso, perante uma mera irregularidade que não foi arguida no local próprio nem atempadamente, pelo que, a existir, sempre estaria sanada.

2. No respeitante ao recurso relativo à matéria de facto, os arguidos limitam-se a contestar a convicção adquirida pelo tribunal recorrido sobre os factos dados como provados, contrapondo-lhes as suas próprias convicções, não existindo razão para que se modifique a decisão proferida.

3. No que tange à violação dos artigos 47.º e 71.º, ambos do C. Penal, a pena aplicada é consentânea com todos os critérios legais aplicáveis, não sendo excessiva.

4. No que concerne à violação dos artigos 72.º e 73.º, ambos do C. Penal, não assiste razão aos recorrentes, pois existe, sobre a atenuação especial da pena, norma diversa da geral (artigo 22.º, n.º 1, do RGIT), com elementos próprios que não se encontram preenchidos nos autos, sendo de realçar que nada consta nos autos no sentido dos recorrentes terem reposto a verdade sobre a situação tributária ou a verdade fiscal, pagando a prestação tributária e demais acréscimos legais.

                                                            ****

            O recurso foi, em 20/4/2010, admitido.

         Os autos subiram, em 3/5/2010, a este Tribunal da Relação de Coimbra.

Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunto, em 10/5/2010, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso, acompanhando integralmente a resposta ao recurso acima mencionada.

Cumpriu-se o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.

Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.


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II. Decisão Recorrida:

(…)
Mantém-se a regularidade do processo, a competência do tribunal e a legitimidade das partes, não tendo ocorrido quaisquer nulidades, excepções ou outras questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.                                                                                                          Com efeito, a conduta imputada em sede de acusação aos arguidos não se encontra descriminalizada, em face da Lei n.º 64-A/2008, de 31.12, que aprovou o Orçamento de Estado para 2009, pelo facto do art.º 113.°, da referida Lei n.° 64-A/2008, não ser aplicável ao crime de abuso de confiança contra a segurança social p.p. pelo art.º 27.º-B, do RJIFNA, e presentemente pelo art.º 107.º, do RGIT.
A redacção do art.º 105.º, n.º 1, do RGIT, vigente após a publicação da Lei n.º 64-A/2008, de 31.12, introduziu um limiar de tipicidade no crime de abuso de confiança fiscal, em função do montante da prestação tributária retida, que antes inexistia, tornando inequívoco que foi vontade do legislador restringir o leque de condutas puníveis àquelas que ultrapassem essa valoração - €7500 - e, inerentemente, despenalizar as condutas omissivas com expressão igual ou inferior.                                                                                                                                 Contudo, por um lado, a norma do art.º 107.º, do RGIT, manteve-se inalterada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31.12. Por outro lado, o plano interpretativo gramatical depõe no sentido de que o legislador pretendeu confinar a alteração ao abuso de confiança fiscal e não também ao crime de abuso de confiança contra a segurança social, cujo tipo incriminador se manteve intocado. Nele encontra-se – rectius continua a encontra-se - remissão para as penas cominadas no art.º 105.º, do RGIT, que em nada posterga a sua natureza autónoma, tendo o legislador reservado um capítulo próprio para a tutela criminal da segurança social, deixando claro que os bens jurídicos respectivos, embora próximos, não se confundem, e mais não tendo o legislador dado nenhum sinal verbal de que a despenalização teve, por alguma forma, em atenção o crime de abuso de confiança contra a segurança social. E nem a proposta de lei do Governo que conduziu à Lei do Orçamento, nem o Relatório do Orçamento do Estado para 2009, nem a discussão na Assembleia da República, comportam outro entendimento. Por outro lado, ao contrário do que acontece no domínio tributário, a descriminalização de condutas no domínio do abuso de confiança contra a segurança social deixaria esse comportamento omissivo, socialmente profundamente lesivo, sem qualquer consequência, na medida em que a falta atempada de entrega das contribuições à Segurança Social não é tipificada como contra-ordenação, mais se justificando o reforço da autonomia do regime punitivo das infracções contra a Segurança Social na necessidade premente de defesa da sua sustentabilidade fortemente ameaçada, em Portugal como na generalidade dos países europeus, pelo efeito conjunto de várias situações, nomeadamente o crescente envelhecimento da população, a redução da taxa de natalidade, o aumento progressivo do período contributivo (amadurecimento do sistema) e o crescimento das pensões a um ritmo superior ao das contribuições, as quais fazem perigar a própria manutenção do Estado Social.
Por outro lado, não obstante a declaração de insolvência da sociedade arguida, a liquidação da mesma ainda não foi encerrada, sendo certo que, como tem vindo a ser entendimento da jurisprudência corrente (vide, entre outros, Acs. RP de 21.12.05, 09.05.07 e 12.09.07, in www.dgsi.pt), apenas em face do registo do encerramento da liquidação da sociedade se pode considerar a mesma definitivamente extinta e, consequentemente, apenas nesse momento se pode declarar extinto o respectivo procedimento criminal.
É que a declaração de falência não extingue de per si a sociedade, mas tão só priva-a do poder de administrar e de dispor de bens que, a partir daquele momento, passam a integrar a massa falida que é administrada pelo liquidatário judicial – art.° 147.º, n. º 1, do CPEREF. Há como que uma inibição desses poderes, mas não a extinção da pessoa colectiva, nomeadamente para efeitos de responsabilidade criminal.                                                                                           Com efeito, dispõe o art.° 146.°, n.° 2, do CSC, que “A sociedade em liquidação mantém a personalidade jurídica e, salvo quando outra coisa resulte das disposições subsequentes ou da modalidade da liquidação, continuam a ser-lhe aplicáveis, com as necessárias adaptações, as disposições que regem as sociedades não dissolvidas.” Assim, conclui-se que as sociedades comerciais, após a declaração de falência, mantêm a personalidade judiciária, pelo que só se extinguem com o registo do encerramento da liquidação – cfr. art.° 160.°, n.° 2, do CSC.                                                                                        Sendo o registo da extinção da liquidação uma formalidade necessária para efeitos da extinção da sociedade, mesmo porque elemento constitutivo da extinção, enquanto tal registo não se mostrar efectuado a sociedade, de direito, não se encontra extinta e, assim sendo, o liquidatário continua a representá-la. É que, ao contrário das pessoas humanas, as pessoas jurídicas, pela sua própria natureza, estão mais dependentes de requisitos formais no que diz respeito à sua criação e extinção.
                                                           *                                                                                Da discussão da causa, restrita às questões oportunamente supra descritas, em obediência ao decidido pelo Tribunal da Relação, sem prejuízo de se proceder também à actualização dos factos atinentes à situação pessoal dos arguidos e às suas condições sócio-económicas, resultaram provados, para além dos que já foram dados anteriormente como provados e que não foram remetidos pelo Tribunal da Relação a este Tribunal para reapreciação, com a ressalva supra aludida referente à situação pessoal dos arguidos e às suas condições sócio-económicas, os seguintes factos:

. a arguida G... - Lda, com sede em …, teve como gerentes os arguidos N..., J..., V... e C... de 23.03.1999 a 21.08.2000 e, a partir de então, apenas o arguido N...;

. durante os exercícios de 1999 a 2003 o arguido N..., no âmbito das funções de gerência da firma arguida, que exerceu nesse período, procedeu mensalmente ao desconto prévio nas remunerações pagas aos seus trabalhadores do valor das cotizações devidas à Segurança Social;

. também os arguidos J..., V... e C... de 23.03.1999 a 21.08.2000, no âmbito das funções de gerência da firma arguida, que nesse período exerceram, procederam mensalmente ao desconto prévio nas remunerações pagas aos seus trabalhadores do valor das cotizações devidas à Segurança Social;

. no entanto, os arguidos N..., J..., V... e C..., em relação aos montantes que se irão discriminar referentes ao período de Novembro de 1999 a Julho de 2000 e à categoria de rendimento do sub-regime dos beneficiários dos órgãos estatutários ou equiparados, decidiram, de comum acordo, não proceder à sua entrega à Segurança Social, conforme lhes era legalmente imposto;

. e o arguido N... decidiu também, em relação aos demais meses, montantes e categorias de rendimento que se irão discriminar, não proceder à sua entrega à Segurança Social, conforme lhe era legalmente imposto;

 . o arguido N... foi condenado, por sentença datada de 14.06.2005, proferida no âmbito de processo sumaríssimo, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, e na sanção acessória de proibição de conduzir por três meses, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo nº 1 do art. 292º do Código Penal;

. aos demais arguidos não são conhecidos antecedentes criminais;

. a sociedade arguida foi alvo de acção especial de recuperação de empresa, com aprovação de providências de recuperação, não logrando contudo evitar o culminar em declaração de insolvência, no âmbito de processo posterior de insolvência;

. o arguido N... vive com a esposa, que está desempregada desde há cerca de meio ano;

. aufere o ordenado base líquido de € 400,50;

. paga prestação mensal de cerca de € 200 referente a empréstimo para aquisição de um veículo Fiat Punto;

. tem como habilitações literárias o 2.º ano do curso de comércio internacional;

. o arguido J... vive com a companheira, que é empregada de escritório e aufere € 600 mensais líquidos, e dois filhos de ambos, de 27 anos, que já trabalha, e 19 anos, estudante;

. aufere como vencimento de duas empresas cerca de € 1.250,00 mensais líquidos, posto que tem 1/3 do vencimento que aufere numa das empresas penhorado;

. tem como habilitações literárias o bacharelato em engenharia mecânica;

. o arguido V... vive com um filho, que já trabalha.

. aufere cerca de € 600 líquidos;

. tem como habilitações literárias o curso geral do comércio;

. o arguido C... vive sozinho;

. aufere € 461 mensais líquidos, uma vez que tem 1/3 do seu vencimento penhorado;

. paga prestação mensal de € 150 referente a empréstimo para realização de obras em residência;

. tem como habilitações literárias o 11.º ano de escolaridade.                      

                                                            *

Da discussão da causa, restrita às questões oportunamente supra descritas, em obediência ao decidido pelo Tribunal da Relação, não se provou o seguinte:

. os arguidos J..., V... e C... exerceram as funções de gerentes da arguida de 22.08.2000 a 2003.                                                                                                      *         

Quanto à decisão de facto, a convicção do tribunal funda-se numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto, apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do tribunal (art.ºs 127.º e 355.º, ambos do Código de Processo Penal), designadamente no depoimento das testemunhas de acusação ouvidas, técnica superiora e inspector da Segurança Social, que relataram o modo de apuramento das dívidas e o modo como decorreu a inspecção, diligências feitas, situações detectadas e quantias retidas e não entregues, explicando, com razão de ciência devidamente controlada, os procedimentos adoptados e as conclusões que retiraram, tendo a última testemunha realçado, designadamente, o facto de ter feito inspecção com levantamento de dados referentes aos anos de 1999 a 2003, o facto de ter verificado que o que havia sido declarado junto da Segurança Social ser o que constava dos registos da empresa, o facto de ter confirmado o pagamento de salários, o facto de a partir de determinada altura, coincidente com a renúncia de três gerentes, os valores referentes aos salários pagos a gerentes ter diminuído para valor bem inferior, mantendo-se a partir daí o valor equivalente à existência de um só gerente, e o facto de os saldos em caixa e bancários referentes à empresa serem diminutos, em conjugação com os documentos juntos aos autos e com os depoimentos das testemunhas IP…, que referiu lembrar-se da presença na empresa dos arguidos J... e C…, LS…, que referiu recordar-se do arguido N...na empresa, e RD…, que referiu que ia ao correio e aos bancos e que tratava de parte das encomendas, que apresentava documentos aos gerentes para assinatura, que estavam na empresa quatro gerentes, os arguidos V..., C..., J...e N..., e que a partir da saída dos três primeiros da empresa quem mandava mais era o Sr. A... e mais para o fim apenas o arguido N..., daí se podendo retirar que antes disso (da saída dos três gerentes) todos os gerentes tinham papel interventivo nas decisões e depois o arguido N...continuou a ter papel interventivo nas decisões.                                                        Ora, os elementos mencionados permitem concluir que todos os arguidos exerceram de facto funções de gerência e durante o período equivalente à menção dos mesmos como gerentes em sede registral, posto que, não constando como trabalhadores da empresa, outra razão não haveria para nela terem intervenção e nela estarem presentes, sendo-lhe atribuídos actos de gerência e constando como gerentes em sede registral, ao que acresce, com especial relevância, o facto de a partir da altura em que renunciaram à gerência os arguidos V..., C...e J...os valores declarados pela empresa referentes a salários de gerentes terem decrescido para cerca de ¼, sendo compatíveis os valores referentes a salários de gerentes de Julho de 2000 com acerto de contas em virtude precisamente da aludida renúncia.                  Mais acresce realçar que o documento de fls. 353 a 354 do inquérito desenvolvido pela Segurança Social não infirma de todo as conclusões vindas de descrever, reportando-se tão só a um mero contrato-promessa, que é coisa diversa do contrato prometido a que se reporta e que não consta que tenha sido celebrado, além de que o mesmo data de 11.08.2000, logo, é posterior à verificação dos factos em causa nos autos, além de que a sua cláusula quinta nem sequer é clara, não resultando compreensível como é que uma parte poderia obter declaração de isenção de responsabilidades de outra junto do sector público estatal.                                    Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, o tribunal teve em consideração os certificados do registo criminal juntos aos autos e no que respeita à situação pessoal dos arguidos e às suas condições socio-económicas, o tribunal ateve-se às próprias declarações dos arguidos, prestadas apenas nesse âmbito.

IV

Resulta, em face do que antecede, que a matéria de facto a ter em consideração no caso é a seguinte:

. a arguida G... - Lda, com sede em…, teve como gerentes os arguidos N..., J..., V... e C... de 23.03.1999 a 21.08.2000 e, a partir de então, apenas o arguido N...;

. a arguida, na qualidade de entidade empregadora, ao pagar ou colocar à disposição dos trabalhadores as respectivas remunerações, encontrava-se obrigada a proceder ao desconto prévio dos valores das cotizações devidas à Segurança Social, bem como a proceder à sua entrega nos Cofres da Segurança Social até ao dia quinze do mês seguinte aquele a que disserem respeito, o que não fez, nem nos noventa dias volvidos sobre essa data;

. durante os exercícios de 1999 a 2003 o arguido N..., no âmbito das funções de gerência da firma arguida, que exerceu nesse período, procedeu mensalmente ao desconto prévio nas remunerações pagas aos seus trabalhadores do valor das cotizações devidas à Segurança Social;

. também os arguidos J..., V... e C... de 23.03.1999 a 21.08.2000, no âmbito das funções de gerência da firma arguida, que nesse período exerceram, procederam mensalmente ao desconto prévio nas remunerações pagas aos seus trabalhadores do valor das cotizações devidas à Segurança Social;

. no entanto, os arguidos N..., J..., V... e C..., em relação aos montantes que se irão discriminar referentes ao período de Novembro de 1999 a Julho de 2000 e à categoria de rendimento do sub-regime dos beneficiários dos órgãos estatutários ou equiparados, decidiram, de comum acordo, não proceder à sua entrega à Segurança Social, conforme lhes era legalmente imposto;

. e o arguido N... decidiu também, em relação aos demais meses, montantes e categorias de rendimento que se irão discriminar, não proceder à sua entrega à Segurança Social, conforme lhe era legalmente imposto;

. os arguidos passaram a dispor dos montantes das cotizações devidas à segurança social, deduzidas nos termos da lei que a seguir se discriminam, como se lhes pertencessem, destinando-os para os fins convenientes da arguida, não os entregando, como era obrigação legal, aos cofres da Segurança Social:

MêsAnoTrab Conta de Outrem

Abril2001€ 6.881,92
Maio2001€ 6.623,98
Junho2001€ 6.641,48
Julho2001€ 6.898,77
Agosto2001€ 6.854,19
Setembro2001€ 7.269,35
Outubro2001€ 11.741,67
Novembro2001€ 6.828,37
Dezembro2001€ 11.995,33
Janeiro2002€ 6.703,89
Fevereiro2002€ 6.130,87
Março2002€ 6.376,32
Abril2002€ 6.283,84
Maio2002€ 6.510,92
Junho2002€ 5.996,82
Julho2002€ 6.879,53
Agosto2002€ 11.050,39
Setembro2002€ 5.463,14
Outubro2002€ 5.373,22
Novembro2002€ 5.953,79
Dezembro2002€ 10.564,48
Janeiro2003€ 5.901,88
Fevereiro2003€ 5.915,16
Março2003€ 6.152,66
Abril2003€ 6.028,81
Maio2003€ 5.783,62
Junho2003€ 6.546,06
Julho2003€ 5.492,72
Agosto2003€ 5.314,70
Setembro2003€ 8.724,41
Outubro2003€ 4.752,84
Novembro2003€ 4.730,66
Dezembro2003€ 8.653,07

Total: € 229.008,87


*

MêsAnoPensionistas por Velhice

Abril2001€ 136,17
Maio2001€ 136,17
Junho2001€ 136,17
Julho2001€ 136,17
Agosto2001€ 136,17
Setembro2001€ 136,17
Outubro2001€ 172,48
Novembro2001€ 136,17
Dezembro2001€ 272,34
Janeiro2002€ 136,19
Fevereiro2002€ 136,19
Março2002€ 136,17
Abril2002€ 136,17
Maio2002€ 136,17
Junho2002€ 136,17
Julho2002€ 136,17
Agosto2002€ 272,34
Setembro2002€ 136,17
Outubro2002€ 136,17
Novembro2002€ 136,17
Dezembro2002€ 306,90
Janeiro2003€ 187,30
Fevereiro2003€ 183,99
Março2003€ 187,30
Abril2003€ 183,99
Maio2003€ 187,30
Junho2003€ 187,30
Julho2003€ 183,99
Agosto2003€ 261,39
Setembro2003€ 779,17
Outubro2003€ 125,22
Novembro2003€ 130,59
Dezembro2003€ 285,88

Total: € 6.222,46


*

MêsAnoBenf Órg Estatut/Equip

Novembro1999€ 648,44
Dezembro1999€ 1.296,87
Janeiro2000€ 667,89
Fevereiro2000€ 667,89
Março2000€ 667,89
Abril2000€ 667,89
Maio2000€ 667,89
Junho2000€ 667,89
Julho2000€ 1.886,83
Abril2001€ 174,58
Maio2001€ 174,58
Junho2001€ 174,58
Julho2001€ 174,58
Agosto2001€ 174,58
Setembro2001€ 174,58
Outubro2001€ 349,16
Novembro2001€ 174,58
Dezembro2001€ 349,16
Janeiro2002€ 174,60
Fevereiro2002€ 174,60
Março2002€ 174,58
Abril2002€ 174,58
Maio2002€ 174,58
Junho2002€ 174,58
Julho2002€ 174,58
Agosto2002€ 349,16
Setembro2002€ 174,58
Outubro2002€ 174,58
Novembro2002€ 174,58
Dezembro2002€ 349,16
Janeiro2003€ 174,58
Fevereiro2003€ 174,58
Março2003€ 174,58
Abril2003€ 174,58
Maio 2003€ 174,58
Junho2003€ 174,58
Julho2003€ 174,58
Agosto2003€ 174,58
Setembro2003€ 349,16
Outubro2003€ 174,58
Novembro2003€ 174,58
Dezembro2003€ 349,16

Total: € 14.648,22

. apesar de terem sido notificados para, em 30 dias, procederem, junto da entidade competente, ao pagamento da prestação tributária em falta, acrescida dos juros respectivos e da coima, a situação não foi regularizada;

. os arguidos agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, sendo de comum acordo entre todos de 23.03.1999 a 21.08.2000, bem sabendo que se apropriavam de montantes pecuniários que não lhe pertenciam, pois que eram referentes aos descontos efectuados a titulo de cotizações à Segurança Social, a que estavam obrigados na qualidade de gerentes da arguida;

. actuaram ainda aproveitando a oportunidade favorável à prática dos ilícitos descritos, dado que após a prática dos primeiros factos, a arguida não foi alvo de qualquer fiscalização ou penalização e terem verificado persistir as possibilidades de repetir as suas condutas;

. os arguidos agiram, dentro dos respectivos períodos de gerência, na qualidade de gerentes da empresa arguida, no interesse desta;

. o arguido N... foi condenado, por sentença datada de 14.06.2005, proferida no âmbito de processo sumaríssimo, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, e na sanção acessória de proibição de conduzir por três meses, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo nº 1 do art. 292º do Código Penal;

. aos demais arguidos não são conhecidos antecedentes criminais;

. a sociedade arguida foi alvo de acção especial de recuperação de empresa, com aprovação de providências de recuperação, não logrando contudo evitar o culminar em declaração de insolvência, no âmbito de processo posterior de insolvência;

. o arguido N... vive com a esposa, que está desempregada desde há cerca de meio ano;

. aufere o ordenado base líquido de € 400,50;

. paga prestação mensal de cerca de € 200 referente a empréstimo para aquisição de um veículo Fiat Punto;

. tem como habilitações literárias o 2.º ano do curso de comércio internacional;

. o arguido J... vive com a companheira, que é empregada de escritório e aufere € 600 mensais líquidos, e dois filhos de ambos, de 27 anos, que já trabalha, e 19 anos, estudante;

. aufere como vencimento de duas empresas cerca de € 1.250,00 mensais líquidos, posto que tem 1/3 do vencimento que aufere numa das empresas penhorado;

. tem como habilitações literárias o bacharelato em engenharia mecânica;

. o arguido V... vive com um filho, que já trabalha.

. aufere cerca de € 600 líquidos;

. tem como habilitações literárias o curso geral do comércio;

. o arguido C... vive sozinho;

. aufere € 461 mensais líquidos, uma vez que tem 1/3 do seu vencimento penhorado;

. paga prestação mensal de € 150 referente a empréstimo para realização de obras em residência;

. tem como habilitações literárias o 11.º ano de escolaridade.                                  

                                                          *   

Cumpre, agora, determinar o enquadramento jurídico da matéria assente como provada.        Nos termos do disposto no art.º 27.º-B, do RJIFNA, “as entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações pagas aos trabalhadores o montante das contribuições por estes legalmente devidas, não o entregarem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, no período de 90 dias, do mesmo se apropriando, serão punidas com as penas previstas no artigo 24º”.                                                                                Por sua vez, estatui o art.º 24.º, do mesmo diploma legal, que “quem se apropriar, total ou parcialmente, de prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar ao credor tributário será punido com pena de prisão até três anos ou multa não inferior ao valor da prestação em falta nem superior ao dobro sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido.                                                                      Para os efeitos do disposto no número anterior, considera-se também prestação tributária a que foi deduzida por conta daquela bem como aquela que, tendo sido recebida, haja obrigação legal de a liquidar, nos casos em que a lei o preveja.                                      É aplicável o disposto no número anterior ainda que a prestação deduzida tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente.                                        Se no caso previsto nos números anteriores a entrega não efectuada for inferior a 250.000$00, o agente será punido com multa até 120 dias.                                                                    Se nos casos previstos nos números anteriores a entrega não efectuada for superior a 5.000.000$00, o crime será punido com prisão de um até cinco anos.                                           Para instauração do procedimento criminal pelos factos previstos nos números anteriores é necessário que tenham decorrido 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação”.                                                                                                                           Actualmente, este crime encontra-se previsto no n.º 1 do art.º 107.º, do RGIT, que dispõe que “as entidades empregadoras que, tendo deduzido do valor das remunerações devidas a trabalhadores e membros dos órgãos sociais o montante de contribuições por estes legalmente devidas, não o entreguem, total ou parcialmente, às instituições de segurança social, são punidas com as penas previstas nos n.os 1 e 5 do art. 105º”.                                          Por sua vez, estatui esta última disposição que “quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias”.                                                                                                                                                Para que se preencha o tipo objectivo do crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social tem de haver: a dedução, pela entidade empregadora, do montante de contribuições relativas ao valor das remunerações pagas aos trabalhadores ou aos membros dos corpos sociais; e a não entrega, total ou parcial, às instituições da Segurança Social.               O conceito geral de prestação encontra-se previsto na al. a) do art.º 11.º e no n.º 2 do art.º 105.º, do RGIT, assim como no art.º 3.º da Lei Geral Tributária – LGT –, englobando as deduzidas por conta (retidas na fonte, tendo a natureza de imposto por conta, conforme sucede com o IRC), assim como as que, tendo sido recebidas, haja obrigação de liquidar (o imposto é liquidado pelo sujeito passivo que exige à pessoa a quem cede os bens ou presta serviços, tal como sucede com o IVA).                                                                                                                     No tocante, em especial, às prestações não entregues às instituições de segurança social cabem: as deduções das contribuições devidas pelos trabalhadores feitas no valor das remunerações destes; deduções das contribuições devidas pelos membros dos corpos sociais feitas no valor das remunerações destes; prestação deduzida que tenha natureza parafiscal e desde que possa ser entregue autonomamente.                                                                            Na medida em que estejamos em face de retenção de quantias com vista à sua entrega à Administração Tributária, há uma relação de substituição tributária: a lei determina que a posição do devedor fiscal seja a de um substituto do contribuinte originário em virtude da relação, entre eles, de direito privado (n.º 1 do art.º 20.º, da LGT).                                                  A prestação retida ou deduzida é confiada à entidade substituta para que a devolva ulteriormente.                                                                                                                                            Ora, estatui o n.º 2 do art.º 5.º, do D.L. n.º 103/80, de 09.05, que “as contribuições dos beneficiários devem ser descontadas nas respectivas remunerações e pagas pela entidade patronal, juntamente com a própria contribuição, mediante guias fornecidas pela caixa”.          Por sua vez, dispõe o n.º 3, do mesmo preceito legal, que “o pagamento das contribuições deve ser feito no mês seguinte àquele a que disserem respeito, dentro dos prazos regulamentares em vigor”, sendo que no seu nº 6 se estabelece que “as entidades patronais são responsáveis perante as caixas de previdência pelas contribuições devidas pelos trabalhadores em relação ao tempo em que estiverem ao serviço…”.                                                             Por último, nos termos do n.º 2 do art.º 10.º, do D.L. n.º 199/99, de 08.06, “as contribuições (...) devem ser pagas até ao dia 15 do mês seguinte a que disserem respeito”, sendo as taxas contributivas do regime geral da segurança social de 11% para o trabalhador beneficiário e de 10% relativamente aos membros dos órgãos estatutários das pessoas colectivas (art.ºs 1.º, 3.º, 13.º,17.º, n.º 2, e 37.º).                                                                          No âmbito do RJIFNA era ainda exigida, para preenchimento do tipo objectivo do crime, a apropriação.                                                                                                                            O crime de abuso de confiança fiscal (e, por maioria de razão, à Segurança Social), tal como o crime de abuso de confiança (art.º 205.º, do Código Penal), exigia que o agente, que inicialmente obtém e detém a prestação tributária licitamente (ainda que a título precário e temporário – uti alieno), dela disponha uti dominus, para satisfazer compromissos de outra ordem, independentemente da obtenção de lucro.                                                                           A inversão do título da posse (art.º 1265.º, do Código Civil), tratando-se de coisa fungível, não se concretizava com a mera disposição injustificada da coisa ou com a sua não entrega no tempo e pela forma juridicamente previstos, sendo ainda necessário que acrescesse um “dolo de apropriação”, tradutor da inversão do título da posse ou detenção, assim se distinguindo o crime do mero incumprimento (Ac. RP de 15.12.2004, in www.dgsi.pt).               Com o RGIT, o legislador bastou-se com a não entrega dos montantes no prazo devido para a consumação do crime, prescindindo da referência ao elemento subjectivo da intenção de obtenção de uma vantagem patrimonial indevida ou de apropriação (Ac. RC de 23.04.2003, in CJ, XXVIII, III, 46 ss.).                                                                                                            Ao nível do tipo subjectivo estamos perante um crime doloso.                                    O dolo é, ao nível do tipo-de-ilícito e numa formulação simplificada, representação e vontade.                                                                                                                                            A dimensão cognitiva afirma-se quando o agente conhece as circunstâncias do facto que preenchem um tipo objectivo de crime e a dimensão volitiva quando dirige a sua vontade à sua realização, seja porque, como resulta do art.º 14.º, do Código Penal, é essa a finalidade almejada – caso em que se afirma um dolo directo –, é um pressuposto ou resultado necessário, lateral da conduta pretendida – dolo necessário –, ou ainda porque com ela se conforma – dolo eventual.                                                                                                                             Importa ainda acrescentar que, segundo o disposto no n.º 1 do art.º 7.º, do RJIFNA, “as pessoas colectivas e equiparadas são responsáveis pelos crimes previstos no presente Regime Jurídico quando cometidos pelos seus órgãos ou representantes, em seu nome e no interesse colectivo”, sendo que no n.º 1 do art.º 6.º se prevê que “quem, agir voluntariamente como órgão, membro ou representante de uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou de mera associação de facto, ou ainda em representação legal ou voluntária de outrem, será punido…”, disposição a que corresponde, na essência, o art.º 7.º, do RGIT.                                                                                                                                      Ora, em face da matéria de facto dada como provada, resulta que os arguidos, em representação da sociedade arguida e dentro do período em que cada um exerceu a gerência, retiveram quantias, todos os arguidos nos salários dos gerentes e o arguido N... também nos salários de trabalhadores e pensionistas, que deveriam ser entregues ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.                                                                                                       Por sua vez, canalizaram os montantes não entregues para o pagamento de despesas referentes à vida da sociedade, pese embora terem conhecimento que tais quantitativos não lhes pertenciam.                                                                                                                                 Encontra-se, assim, em face de todo o exposto, preenchido o tipo objectivo do crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social.                                                                                Dado terem consciência que tais quantitativos não eram seus, bem como que, ao utilizá-los, o que quiseram, incorriam em responsabilidade criminal, preencheram os elementos intelectual e volitivo do dolo do tipo, actuando com dolo directo e tendo consciência da ilicitude.                                                                                                                                      Uma vez que decorreu um prazo superior a 90 dias sobre a data em que a entrega deveria ser efectuada, não tendo ainda procedido à liquidação da quantia devida no prazo e uma vez notificados para o efeito, considerando a actual redacção do RGIT, encontram-se igualmente preenchidas as condições objectivas de punibilidade.                                                    Relativamente ao período de tempo em que todos os arguidos exerceram a gerência em simultâneo, ou seja, de 23.03.1999 a 21.08.2000, actuaram no âmbito de uma mesma vontade de colaboração na realização do tipo, ainda que tácita (neste sentido, Acs. STJ de 22.11.95, in CJSTJ, I, 221, e 14.06.95, in CJSTJ, II, 230), havendo um domínio funcional do facto, nas palavras de Roxin, ainda que em termos sucessivos, ou seja, que alguns arguidos hajam intervindo quando o plano se encontrava em execução parcial (co-autoria sucessiva). Importa também esclarecer que da matéria de facto provada resulta estarmos não em face de um conjunto de crimes praticados em concurso efectivo, mas de um crime continuado, que, nos termos do art.º 79.º, do Código Penal, “... é punível com a pena aplicável à conduta mais grave que integra a continuação.”                                                                                  Estando em causa uma realização plúrima do mesmo crime, e, como tal, o mesmo bem jurídico, sendo o comportamento repetido e sucessivamente reiterado dentro do período já aludido, traduz uma renovação de resoluções criminosas, numa linha psicológica de continuidade.                                                                                                                                      Por outro lado, o facto de as condutas dos arguidos dependerem da sua iniciativa, não terem sido objecto de fiscalização ou punição em face da primeira conduta, verifica-se uma conformação exterior que concorreu para determiná-los para a resolução de renovar a prática do crime, alargando o seu âmbito e tornando cada vez menos exigível que se comportem de maneira diferente, ou seja, de acordo com o Direito.                                                              Mais resulta ser, no caso, a conduta mais grave da situação referida de crime continuado relativamente ao arguido N... a que se reporta à não entrega à Segurança Social do montante de € 11.995,33 de contribuições de Dezembro de 2001 referente a trabalhadores por conta de outrem e relativamente aos demais arguidos a que se reporta à não entrega à Segurança Social do montante de € 1.886,83 de contribuições de Julho de 2000 referente a órgãos estatutários.                                                                                                 Por último, a arguida sociedade responde penalmente nos termos do nº 1 art. 7º do RGIT – diploma aplicável já que, tratando-se de crime continuado, considera-se cometido no momento da prática do último acto que integra a continuação criminosa, definindo, como tal a lei aplicável (art. 3º do Código Penal), ainda que mais severa (António Lopes Rocha, Aplicação da Lei Criminal no Tempo e no Espaço, in Jornadas de Direito Criminal, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1983, pág. 101 e ss.; Américo A. Taipa de Carvalho, Sucessão de Leis Penais, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pág. 92; Ac. STJ 11.03.1998, www.dgsi.pt; Ac. RP 14.01.2004, www.dgsi.pt) –, dado que os arguidos actuavam em seu nome e interesse.

VI

Importa agora escolher e determinar a medida da pena que, em concreto, se adeque ao comportamento dos arguidos.                                                                                                        De acordo com o disposto no art.º 70.º, do Código Penal, deve dar-se preferência às penas não privativas da liberdade sempre que estas realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e, atento o preceituado no art.o 71.º, do Código Penal, na determinação da medida da pena, tem de se atender à culpa do agente e às exigências de prevenção de futuros crimes, bem como a todas as circunstâncias que, não fazendo parte dos elementos essenciais da infracção, deponham a favor ou contra ele. Acrescenta ainda o RGIT que na fixação da pena deverá ter-se em conta o prejuízo causado pelo crime.             Analisando os factos em questão à luz desses critérios, importa salientar o particular circunstancialismo em que os arguidos, em representação da sociedade arguida, actuaram e a motivação que os determinou certamente, o que se permite ponderar em face do processo de recuperação de empresas que existiu, qual seja o pagamento de salários a trabalhadores e a fornecedores da sociedade arguida, procurando manter a sociedade em laboração, à custa do não pagamento de contribuições devidas à Segurança Social, face às dificuldades económicas e financeiras que a sociedade atravessava e no sentido de evitar o seu colapso. Ou seja, fizeram-no não com o propósito egoísta de se enriquecer a si e à sociedade à custa a final da sociedade em geral e com prejuízo dos objectivos sociais que preside ao pagamento das contribuições devidas à Segurança Social, mas para assegurar esses pagamentos, o que diminui a culpa, muito embora se não possa considerar de todo despiciendo, antes pelo contrário, o grau de ilicitude dos factos no que concerne ao arguido N..., tendo em atenção os valores violados, devendo, assim, atender-se ao montante global não entregue - € 249.879,41 - deduzido do referido valor de € 11.995,33, e não sendo também de desconsiderar o grau de ilicitude dos factos no que concerne aos demais arguidos, tendo em atenção os valores violados, devendo atender-se ao montante global não entregue - € 7.839,48 - deduzido do referido valor de € 1.886,83, que, no entanto, não passa da medianidade, a intensidade do dolo, na modalidade de dolo directo, mais relevando, em desfavor dos arguidos, fortes exigências de prevenção de ordem geral, face à significativa frequência deste tipo de ilícitos. Contra o arguido N... pesa ainda a condenação posterior de que foi alvo, se bem que por crime de natureza bem diversa.
Em favor dos arguidos, mais se atenderá ao tempo já decorrido desde a prática dos factos em causa nos autos sem conhecimento do cometimento de novos crimes, à juventude do arguido N... à data da prática dos factos, o que permite ponderar que a sua inexperiência terá certamente contribuído para essa mesma prática, e ainda à integração social, familiar e profissional dos arguidos e suas condições económicas.
Mais releva, em favor dos arguidos J..., V... e C..., a ausência de antecedentes criminais e de quaisquer condenações e, em favor do arguido N..., a sua primariedade criminal à data da prática dos factos em causa nestes autos.

Quanto à sociedade arguida, ter-se-á em consideração o facto de a mesma ter culminado em insolvência.                                                                                                                            Como já se referiu, o ilícito em causa nos autos é punido com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias para pessoas singulares e para pessoas colectivas ou sociedades os limites mínimo e máximo da pena de multa é elevado para o dobro (art.º 12.º do RGIT) - n.º 1, desse art.º 105.º, do RGIT -, fixando o art.º 15.º, do RGIT, os quantitativos diários a fixar em caso de pessoas singulares – entre € 1 e € 500 - e de pessoas colectivas – entre € 5 e € 5.000,00 -, em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos.       Ponderando todas as circunstâncias supra referidas e tendo em conta a moldura legal, afigura-se ajustado optar pela pena de multa, mesmo quanto ao arguido N..., que deverá espelhar no entanto o peso dos indicados elementos em desfavor do arguido.                              Mostram-se assim adequadas a pena de 300 dias de multa, à taxa diária de € 4, para o arguido N..., a pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 15, para o arguido J..., a pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 9, para o arguido V..., a pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 7,50, para o arguido C... e a pena de 320 dias de multa, à taxa diária de € 25, para a sociedade arguida.                                                                                                  VII                                                                                        No que respeita ao pedido de indemnização civil formulado pelo “Instituto da Segurança Social, I.P.”, não pode o mesmo deixar de se fundar na responsabilidade civil extracontratual.                                                                                                                        De acordo com o art.º 129.º, do Código Penal, a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.                                                                            Há, assim, que atender ao disposto no art.º 483.º, n.º 1, do Código Civil, que regula os casos de responsabilidade civil extra-contratual por factos ilícitos. Esta norma dispõe que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.                                                                                                      Os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito são, pois: a violação de um direito; a ilicitude do facto danoso; o nexo de imputação do facto ao agente; o dano; o nexo de causalidade entre o facto e os danos sofridos pelo lesado, que se encontram verificados, consubstanciados no crime que os arguidos/demandados levaram a efeito, que constitui evento ilícito, que causou danos ao demandante, o “Instituto da Segurança Social, I.P.”, imputável aos arguidos a título de dolo, fazendo-os incorrer na obrigação de indemnizar o lesado por esses danos.                                                                                                                                                Nos termos do art.º 562.º, do Código Civil, o responsável pela reparação de um dano deve reconstituir a situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto que obriga à reparação, sendo o dano o prejuízo real que o lesado sofreu e que se determina pela diferença entre a situação real actual e aquela em que se encontraria se não tivesse havido a lesão, abrangendo, por isso, não só os prejuízos directamente resultantes do facto, como ainda os benefícios que ele deixou de obter em consequência da lesão (art.º 564.º, do Código Civil).                          E a reposição na situação que existiria se não ocorresse a lesão passa necessariamente pelo pagamento das contribuições escamoteadas (devendo no entanto ter-se em consideração o disposto no art.º 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, em função do que a sentença não pode condenar em quantidade superior do que se pedir), no montante de € 249.800,93, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento, por parte do arguido N... e da sociedade arguida, e no montante de € 7.839,48, acrescido dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos até integral e efectivo pagamento, por parte dos arguidos J..., V... e C....                                                          Por fim, resta referir, que ao pedido de indemnização civil deduzido pela Segurança Social em processo comum fundado na prática de crime de abuso de confiança contra a segurança social é aplicável a taxa de juros de mora de 1% ao mês, aumentando uma unidade por cada mês de calendário ou fracção, se o pagamento se fizer posteriormente ao mês a que respeitarem as contribuições, nos termos do art.º 3.°, n.° l, do D.L. n.º 73/99, de 16 de Março, iniciando-se o prazo de contagem dos juros de mora no décimo quinto dia do mês seguinte àquele a que as contribuições dizem respeito, nos termos dos art.ºs 805.º, n.º 2, al. a), e 806.°, n.° 1, do Código Civil, 5.°, n.° 3, do D.L. n.° 103/80, de 9 de Maio, 16.°, n.°s 1 e 2, do D.L. n.° 411/91, de 17 de Outubro, e 10.°, n.° 2, do D.L. n.º 199/99, de 8 de Junho, uma vez que estamos perante obrigações com prazo certo, incorrendo o respectivo devedor em mora independentemente de interpelação.”

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III. Apreciação do Recurso:

De harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

            São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões». 

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas da correspondente motivação (artigos 403.º, n.º 1 e 412º, nº 1 do Código de Processo Penal), as questões que vêm colocadas pelos recorrentes são as seguintes:

1) Saber se a condição objectiva de punibilidade prevista no artigo 105º-4/b do RGIT se verifica nos autos, em virtude das notificações de fls. 34 a 38 não terem sido feitas nos termos legais;

            2) Saber se há erro de julgamento quanto aos factos dados como provados nos pontos 4, 5, 6 e 7;

            3) Saber se há violação do disposto nos artigos 41.º e 71.º, ambos do Código Penal, por ser excessiva a concreta pena aplicada a cada um dos recorrentes;

            4) Saber se há violação do disposto nos artigos 72.º e 73.º, ambos do Código Penal, por as penas não terem sido especialmente atenuadas (ou, até mesmo, deverem ser os recorrentes dispensados de pena)

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1) Da verificação da condição objectiva de punibilidade prevista no artigo 105º-4/b do RGIT:

         Esta questão está condensada nas conclusões do recurso (pontos 1 a 10).

            Em resumo, os recorrentes consideram que, nas notificações de fls. 34 a 38, nada é referido quanto ao valor das prestações em dívida, nem quanto ao valor dos respectivos juros, nem também quanto ao valor das coimas aplicáveis, o que implica que não tenha sido dado cabal cumprimento ao disposto no artigo 105º-4/b do RGIT, na medida em que, desse modo, os arguidos não ficaram a saber, em termos concretos, o total das importâncias em causa.

Para tanto, fazem apelo ao Acórdão do TRP, de 11/3/2009, Processo com o número convencional JTRP00042279, em que foi Relator o Exmo. Desembargador Ernesto Nascimento, in www.dgsi.pt, em que pode ser lido o seguinte:                                         “A cabal notificação que decorre da alínea b) do nº. 4 do artigo 105 do RGIT, importa o conhecimento do cálculo e a indicação concreta das importâncias que o notificando deve pagar - seja, o valor da coima, bem como a liquidação dos juros vencidos, sem olvidar a indicação das prestações em dívida, que constituem objecto - corpo de delito - do processo (pois que o notificando pode estar em dívida para com outras quantias que não estão incluídas no processo concreto onde foi ordenada a notificação e não está obrigado a pagá-las, no âmbito e para os efeitos de tal notificação).                                                                                                            Notificação que não contenha tais elementos não satisfaz nem a letra nem a ratio e finalidade da norma - de incentivo para o contribuinte relapso, regularizar a sua situação fiscal ou parafiscal.  Obviamente que a mera notificação – como alerta para a possibilidade de regularização da situação do devedor para com a entidade credora – nenhum sentido faz, para além do âmbito da apontada alteração legislativa, pois que ele bem sabe – por todos é sabido - que deve pagar os impostos e contribuições, bem como, sabe, as legais consequências para o facto de o não fizer, como ainda, que a qualquer momento por sua própria iniciativa e de forma espontânea, pode dirigir-se junto da entidade credora com vista a pagar, pelo menos, as prestações em dívida e respectivos juros de mora.                                                                                                             O notificando tem o direito a saber qual o objecto preciso da notificação, qual, afinal, a contrapartida concreta para que os factos não sejam puníveis, o que não pode deixar de lhe ser comunicado no acto da notificação. De outra forma, os seus direitos - enquanto arguido em processo de natureza criminal - não estão acautelados e mostram-se mesmo, grosseiramente, violados.

Acontece que, salvo o devido respeito, não aderimos a esta orientação que, aliás, não se apresenta como única, na medida em que seguimos uma outra que também encontra fundamento na jurisprudência.

De facto, em sentido contrário, podemos encontrar o Acórdão do TRP, de 24/9/2008, Processo com o número convencional JTRP00041647, em que foi Relatora a Exma. Desembargadora Maria Leonor Esteves, in www.dgsi.pt, no qual é expendida a seguinte posição:                                                                                                                            Nada na lei nos permite concluir pela exigência acrescida de que o concreto montante em que as prestações, os juros e a coima a pagar se traduzem seja indicado na própria notificação.                                O que o legislador teve em vista, na prossecução de objectivos de política criminal e fiscal que visavam não só a diminuição de processos, mas sobretudo uma mais rápida e fácil arrecadação de receitas, foi, tão só, dar aos agentes devedores uma segunda oportunidade de efectuarem o pagamento das quantias devidas a cada um daqueles títulos, interpelando-os para o efeito, e oferecendo-lhes como contrapartida (caso correspondam positivamente a essa interpelação), a impunibilidade criminal das respectivas condutas.                                           Ora, os devedores tributários que estejam interessados em fazê-lo dispõem de tempo mais do que suficiente para diligenciarem no sentido de, junto da entidade própria e que também é naturalmente aquela junto da qual o pagamento há-de ser efectuado, averiguarem o montante concreto e total que devem pagar, sendo certo que, pelo menos o montante das prestações ou contribuições já o saberão, além do mais porque já as declararam. E é evidente que, no caso de sentirem dificuldades em obter as informações necessárias junto daquelas entidades, sempre poderão transmiti-las ao tribunal, que não deixará de providenciar para que daí não resulte prejuízo para aqueles que só não efectuem o pagamento atempado devido a falhas que não sejam da sua responsabilidade.                                                                                                                                                                 Em conclusão: (…), assim como também nada impõe que a notificação contenha a concretização dos montantes que hão-de ser pagos a título de prestações ou contribuições, de juros ou de coima.                                       Donde resulta não assistir razão ao recorrente.

Bem se compreende que assim seja.

Na realidade, a lei, ao permitir a aludida notificação, pretendeu apenas dar uma oportunidade mais ao cidadão, no sentido de regularizar uma situação que não surge de surpresa na sua frente, antes está já sedimentada com o decorrer do tempo.

Face à notificação em causa, o visado pode optar por duas respostas:

a) dirige-se à entidade competente e paga as quantias em dívida, se as aceitar por boas;

b) dirige-se à entidade competente e não paga as quantias, por não as aceitar por boas, podendo, então, em tribunal apresentar documentos que as contrariem.

Consoante a resposta, no primeiro caso, não há responsabilidade criminal e, no segundo caso, em julgamento, será esclarecida a questão, nunca podendo o arguido vir a ser prejudicado por falhas a que seja alheio.

Tenhamos bem presente que a Lei n.º 53-A/2006, de 29 Dez (Lei do Orçamento do Estado para 2007), no seu art. 95º, veio apenas introduzir no crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105º do RGIT, uma nova condição objectiva de punibilidade – uma nova alínea b) ao n.º 4, visto que a al. a) era a redacção integral do n.º 4 do art. 105º.                        E, assim:                                                                                                                                4- Os factos descritos nos números anteriores só são puníveis se:                                        a) Tiverem decorrido mais de 90 dias sobre o termo do prazo legal de entrega da prestação;                                                                                                                                      b) A prestação comunicada à administração tributária através da correspondente declaração não for paga, acrescida dos juros respectivos e do valor da coima aplicável, no prazo de 30 dias após a notificação para o efeito.                                                                        

A nova redacção introduzida ao nº 4, do art. 105º, do RGIT, pela citada Lei n.º 53-A/2006, vem distinguir/limitar a que situações ainda é dada uma possibilidade ao devedor, isto é, apenas se aplica àquelas situações em que o devedor comunicou a prestação à administração tributária através da correspondente declaração.

Por conseguinte, não há qualquer exigência no sentido da notificação que é efectuada concretizar valores, pois o cidadão em causa não pode desconhecer o valor base, já que entregou a respectiva declaração, restando apenas o cálculo de juros a efectuar que, pela sua natureza, variará em função da data de pagamento, cuja taxa resulta da lei, assim como o valor da coima, não podendo, pois, ser invocado o seu desconhecimento.

 Refira-se, por último, que a incorrecção que os recorrentes vieram apontar à notificação que lhes foi efectuada nunca constituiria mais do que uma mera irregularidade, que não foi arguida nem no local próprio (em primeira linha, na 1ª instância), nem atempadamente (no prazo do nº 1 do art. 123º do C.P.P.), pelo que, a existir, já se encontraria há muito sanada.

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2) Do erro de julgamento:                                                                       Em sede de impugnação da matéria de facto, o recorrente pode invocar vícios oficiosos do artigo 410.º, do CPP (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova), ou pode visar a reapreciação  da matéria dada como provada, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do CPP.                                                                                                                       Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e, por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.                                                                                                                                                                 ****                                                               Estabelece o art. 410.º, n.º 2, do CPP, que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:                    a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;                                               b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;      c) Erro notório na apreciação da prova.                                                                      Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.                             A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.                                                                       A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.                                                                      Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.                                              Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.             O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).                                                                                                                  Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).                                                                                                                                  Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).                             Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.

                                                           ****                                                                          Por sua vez, o erro de julgamento, consagrado no artigo 412º, nº 3, do CPP, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.                          Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.                                                                       Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do CPP.                                                                                   Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.                                                                                                             E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo, que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder a uma tríplice especificação, estabelecendo o artigo 412.º, n.º3, do C.P.Penal:                    «3.Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:                                                                                                                                             a)- Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;                         b)-As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;                                            c)-As provas que devem ser renovadas».                                                                               A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.

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Pois bem, posto isto, necessário é concluir que os recorrentes se orientam, claramente, para um erro de julgamento, já que, expressamente, apontam para a reapreciação da matéria gravada, indicando, além do mais, quais as passagens relevantes da respectiva documentação, o que significa que a censura manifestada em relação à sentença recorrida não se situa ao nível da existência dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP. A crítica não se dirige ao teor da decisão em si, mas situa-se no âmbito de elementos estranhos à decisão (declarações, depoimentos, documentos).

Assente que a circunstância da recorrente discordar da valoração da prova feita pelo tribunal recorrido pertence ao domínio da impugnação da convicção do tribunal a quo, a questão deve, pois, ser analisada de acordo com o disposto  nos termos do artigo 412.º, n.º 3 e n.º 4, do CPP.

Como vem sendo entendido pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores – ver, nesse sentido, o Ac. do S.T.J. de 11/1/2001, proferido no Processo n.º 2191/00, 5ª Secção -, “impugnando no seu recurso a matéria de facto, impondo-se, consequentemente, a confrontação entre a prova produzida e o alegado na motivação, mas não satisfazendo o recorrente essa exigência não pode apreciar-se o thema decidendum, por ser impossível a dissecação ideológico-anatómica da prova”.

Com este enquadramento de ordem geral, importa, em seguida, reter que as mencionadas especificações não podem ser meras remissões para os números e lados das cassetes, devendo, antes, conter a indicação concreta das metragens da fita gravada.

Tenhamos presente, ainda, nesse sentido, o Ac. do S.T.J. de 24/10/2002, proferido no Processo n.º 2124/02, em que pode ser lido o seguinte: “(…) o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso de matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida – art.º 412.º, n.º 3, als. a) e b) do C.P.P. e levam à transcrição (n.º 4 do art.º 412.º do C.P.P.).

Se o recorrente não cumpre esses deveres, não é exigível ao Tribunal Superior que se lhe substitua e tudo reexamine, quando o que lhe é pedido é que sindique erros de julgamento que lhe sejam devidamente apontados com referência à prova e respectivos suportes”.

No caso dos autos, os recorrentes cumpriram o que está previsto na lei, ou seja, respeitaram o respectivo ónus de especificação.

Nesta matéria, há que ter sempre em consideração um princípio básico. Como se observa no Acórdão do S.T.J. de 26/1/2000, publicado na Base de Dados da DGSI (www.dgsi.pt) sob o n.º SJ200001260007483: “Não são os sujeitos processuais (nem os respectivos advogados) quem fixa a matéria de facto, mas unicamente o Tribunal que apura os factos com base na prova produzida e conforme o princípio da livre convicção (artigo 127.º, do Código de Processo Penal), aplicando, depois, o direito aos mesmos factos, com independência e imparcialidade”.

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Antes de entrarmos na análise concreta do caso em apreço, importa reter algo de importante.

Ao alegarem o que consta da sua motivação, os recorrentes, em resumo, estão a impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos aqueles adquiriram em julgamento, esquecendo-se da regra da livre apreciação da prova inserida no artigo 127.º, do C.P.P.

O citado artigo 127.º dispõe que “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

Prova livre não significa prova arbitrária ou caprichosa, antes quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos. Se o tribunal decidisse como lhe apetecesse não apreciaria livremente as provas, antes estaria a desprezá-las…

Ora, do texto da decisão recorrida, não se extrai que o tribunal tenha procedido a um julgamento arbitrário da prova produzida. E a valoração por este feita não tem que coincidir com aquela que o recorrente pretende ver operada.

A livre apreciação da prova significa, em resumo, que esta deve ser feita de acordo com a convicção íntima do juiz. Aliás, já Chiovenda o afirmava, citando o imperador Adriano, conforme pode ler-se no Digesto 3, 2, De testibus, 22, 5…

 À valoração do tribunal preside um juízo atípico, porque fundando-se nas regras da experiência, isto é em critérios generalizadores e tipificados, índices corrigíveis, critérios definidores de conexões de relevância, orientam os caminhos da investigação e oferecem probabilidades conclusivas, mas sempre tendo presente a individualidade histórica do caso concreto, tal como ela foi adquirida representativamente no processo, pelas alegações, respostas, inquirições e outros meios de prova disponibilizados[1].

E se é certo que o princípio da livre apreciação da prova não pode ser confundido como uma apreciação judicial arbitrária - ou, na expressiva fórmula de Paolo Tonini “o conflito entre a acusação e a defesa não pode ser resolvido com base num acto de fé[2] -, e que a livre convicção do juiz não pode ser meramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável[3], certo é, também, que a “verdade material que se busca em processo penal, não é o conhecimento ou apreensão absolutos de um conhecimento, que todos sabem escapar à capacidade de conhecimento humano; tanto mais que aqui intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes de possível erro, quer porque se trata do conhecimento de acontecimentos passados, quer porque o juiz terá as mais das vezes de lançar mão de meios de prova que, por sua natureza - e é o que se passa sobretudo com a prova testemunhal -, se revelam particularmente fiáveis».[4]

E assim, como ensina o insigne Professor, “a convicção judicial será suficientemente objectivável e motivável quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável. Não se tratará, pois, na “convicção”, de uma mera opção “voluntarista” pela certeza de um facto e contra toda a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável pelo menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse».

Consabidamente, a verdade que o direito encerra é a «processualmente demonstrada por recurso às provas carreadas para os autos, sujeita a todos os limites que, por definição, tem o espírito humano na tentativa de conhecer e compreender o real. O conhecimento da verdade (correspondente ao “pedaço de vida” acontecido) «na maioria das situações pressuporia uma impossível incursão na mente humana, empreitada essa, de patente que é, não necessita de ser sublinhada».[5]

Intimamente ligados ao princípio da livre apreciação da prova estão os princípios da continuidade da audiência, ou da concentração, oralidade e imediação da prova.

Quanto aos dois últimos, constituem a um tempo decorrência lógica do princípio da livre apreciação da prova e “conditio sine qua non” para a respectiva admissibilidade. Com efeito, apenas quem tenha assistido à produção da prova e às disposições assumidas pela acusação e pela defesa poderá estar capaz, no fim da discussão, de se considerar convicto de uma determinada verdade, podendo proceder ao julgamento. Paralelamente, a oralidade permite com muito maior probabilidade aceder a um discurso directo, espontâneo, não ensaiado e vivo, o que obviamente contribui para um aumento das possibilidades de descoberta da verdade e de formação de uma correcta convicção.

Quando a atribuição de credibilidade a uma dada fonte de prova se baseia numa opção do julgador assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só pode exercer censura crítica se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende patentemente as regras da experiência comum.

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Com efeito, perante uma sentença devidamente fundamentada, como é a do caso presente, para que seja a mesma alterada em sede de matéria de facto, impõe-se que sejam rebatidos, com base em razões materiais minimamente persuasivas, os seus fundamentos materiais, o mesmo é dizer, ou a legalidade dos meios de prova utilizados, ou conteúdo das declarações ou de outros meios de prova valorados pela sentença, ou a inconsistência, á luz dos princípios legais atinentes, da análise crítica e da apreciação em que repousa a decisão.                       Em termos de critérios de valoração da prova, a prova documental e a prova pericial estão sujeitas a critérios legais de apreciação vinculada - cfr., respectivamente, os artigos 169º e 163º do CPP.                                                                                                                              Já os depoimentos prestados oralmente em audiência (únicos meios de prova cuja valoração, em bom rigor é questionada, no caso) estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, nos termos previstos pelo artigo 127º do CPP.
           
A gravação dos depoimentos prestados oralmente em audiência permite, justamente, o controlo, pelo tribunal superior, da conformidade da decisão com as afirmações produzidas em audiência. Mas não substitui a plenitude da comunicação que se estabelece na audiência pública com a discussão cruzada dos meios de prova, a oralidade e imediação, no confronto dialéctico dos depoentes por parte dos vários sujeitos processuais, no exercício vivo do contraditório, na discussão cruzada levada a cabo na plenitude da audiência, pública, de discussão e julgamento.                                                                                                                   E só os princípios da oralidade e da imediação permitem avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Só eles permitem, por último, uma plena audiência desses mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso” – Cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, p. 233-234. Daí que os julgadores do tribunal de recurso, a quem está vedada a oralidade e a imediação, perante duas versões dos factos, só podem afastar-se do juízo efectuado pelo julgador da 1ª instância, naquilo que não tiver origem naqueles dois princípios, ou seja quando a convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum – cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, p. 126 e 127, que por sua vez cita o Prof. Figueiredo Dias e jurisprudência uniforme desta Relação, designadamente acórdãos 19.06.2002 e de 04.02.2004, nos recursos penais 1770/02 e 3960/03; 18.09.2002, recurso penal 1580/02; Ac. R. C. de 06.03.2002, publicado na CJ, ano 2002, II, 44.                                                           ****

No nosso caso, a decisão recorrida encontra-se bem fundamentada, oferecendo um raciocínio linear, lógico e perceptível, não sendo vislumbrada qualquer incorrecta apreciação da prova, nomeadamente quanto à medida e extensão da credibilidade que mereceram (ou não) os depoimentos prestados durante o julgamento, em conjugação com todos os outros elementos de prova.

Na realidade, foi dada credibilidade a determinadas fontes de prova, sendo certo que a opção do tribunal recorrido assentou na imediação e na oralidade, não tendo resultado que a mesma seja inadmissível perante as regras da experiência comum.

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Antes de aplicarmos estes princípios gerais ao caso concreto, importa deixar claro dois aspectos:

a) os recorrentes, nas suas conclusões (11 e 12), afirmam, de início, que se encontram incorrectamente julgados os pontos 17 e 18, 4, 5, 6 e 7, mas, logo em seguida, transcrevem apenas os pontos 4, 5, 6 e 7.

Não fica, assim, numa primeira aproximação, claro se os recorrentes entendem como incorrectamente julgados todos os pontos acima referidos ou apenas os quatro últimos (4, 5, 6 e 7), como sublinhado pelo Ministério Público, na sua resposta ao recurso (fls. 759).

Todavia, num segundo momento, tendo em consideração a globalidade da Motivação e das próprias Conclusões, podemos entender, sem receio de errar, que apenas estão em causas os pontos 4 a 7, na medida em que os restantes dois (17 e 18) dizem respeito à situação pessoal dos arguidos, sendo certo que esta não é colocada em causa em sede de erro de julgamento.

b) os recorrentes atribuem números aos factos provados, sendo certo que, na sentença recorrida, tal não se verifica.

Na realidade, a sentença ora em crise, proferida em 21/12/2009 (fls. 663 a 700), na parte respeitante aos factos provados e não provados, como resulta da transcrição acima feita, não contém números.

Note-se que, no respectivo relatório, e relativamente à primitiva sentença, é feita alusão a 24 factos provados (fls. 666 a 671) e a 2 factos não provados – Capítulo I.

Mais à frente, é referido que ficaram provados e não provados, no que tange à nova audiência de julgamento, “os seguintes factos: (…)” – sendo apresentados 22 factos provados e 1 não provado, cujo teor aqui se dá por reproduzido (fls. 677 a 679) – Capítulo II.

Por fim, no seu Capítulo IV, a sentença refere, expressamente, que “a matéria de facto a ter em consideração no caso é a seguinte: (…) – sendo descritos 28 factos provados, cujo teor aqui, também, se dá por integralmente reproduzido (fls. 682 a 688).

Sem dúvida que a sentença não apresenta a matéria de facto apurada com o auxílio de numeração, como usualmente é feito, o que, para este tribunal, permite uma mais fácil leitura e apreensão da matéria. Socorre-se antes de parágrafos distintos, separados por pontos.

Pois bem, os recorrentes criticam determinados pontos, afirmando que os mesmos estão incorrectamente julgados.

E, certamente para melhor compreensão, transcrevem aquilo que apresentam como pontos 4, 5, 6 e 7, os que estão aqui em jogo, como já vimos.

Aqui chegados, confronta-se este Tribunal com o seguinte problema:

1) os pontos 4, 5, 6 e 7 (entendidos como parágrafos) da sentença recorrida, proferida em 21/12/2009, no respectivo Capítulo IV, têm a seguinte redacção:

“. também os arguidos J..., V... e C... de 23.03.1999 a 21.08.2000, no âmbito das funções de gerência da firma arguida, que nesse período exerceram, procederam mensalmente ao desconto prévio nas remunerações pagas aos seus trabalhadores do valor das cotizações devidas à Segurança Social;

. no entanto, os arguidos N..., J..., V... e C..., em relação aos montantes que se irão discriminar referentes ao período de Novembro de 1999 a Julho de 2000 e à categoria de rendimento do sub-regime dos beneficiários dos órgãos estatutários ou equiparados, decidiram, de comum acordo, não proceder à sua entrega à Segurança Social, conforme lhes era legalmente imposto;

. e o arguido N... decidiu também, em relação aos demais meses, montantes e categorias de rendimento que se irão discriminar, não proceder à sua entrega à Segurança Social, conforme lhe era legalmente imposto;

. os arguidos passaram a dispor dos montantes das cotizações devidas à segurança social, deduzidas nos termos da lei que a seguir se discriminam, como se lhes pertencessem, destinando-os para os fins convenientes da arguida, não os entregando, como era obrigação legal, aos cofres da Segurança Social: (…)”

  2) os pontos 4, 5, 6 e 7 do recurso têm, contudo, a seguinte redacção:

Ponto quatro; “no entanto, os primeiros arguidos, em relação aos meses, montantes e categorias de rendimento que se irão discriminar e dentro dos respectivos períodos de gerência, decidiram, de comum acordo, não proceder à sua entrega à Segurança Social, conforme lhes era legalmente imposto;”                       Ponto cinco: “os arguidos passaram a dispor dos montantes das cotizações devidas à segurança social, deduzidas nos termos da lei que a seguir se discriminam, como se lhes pertencessem, destinando-os para os fins convenientes da arguida, não os entregando, como era obrigação legal, aos cofres da Segurança Social:”   Ponto seis: “apesar de terem sido notificados para, em 30 dias, procederem, junto da entidade competente, ao pagamento da prestação tributária em falta, acrescida dos juros respectivos e da coima, a situação não foi regularizada;”                                                                                                                                                             Ponto sete: “os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, de comum acordo, bem sabendo que se apropriavam de montantes pecuniários que não lhe pertenciam, pois que eram referentes aos descontos efectuados a titulo de cotizações à Segurança Social, a que estavam obrigados na qualidade de gerentes da arguida;”

Acontece que estes pontos correspondem aos parágrafos 4, 5, 6 e 7 da primeira sentença proferida nos autos (fls. 397 a 412), conforme pode ser constatado do relatório acima transcrito…

                                                             ****

Nesta matéria, uma vez mais tendo em linha de conta a globalidade da Motivação e das próprias Conclusões, forçoso é concluir que ocorreu um mero lapso na transcrição dos pontos 4 a 7, visto que aquilo que os recorrentes, em síntese, pretendem colocar em causa é o acordo de todos os arguidos, referente ao período compreendido entre Novembro de 1999 a Julho de 2000 (o que deu azo à sua condenação) – ver o n.º 39 da Motivação e o n.º 19 das Conclusões, pois só esse é determinante, após a realização da nova audiência de julgamento, não fazendo sentido estar a citar factos provados que fazem parte da primitiva sentença. 

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Pois bem, os recorrentes assentam a sua pretensão nas declarações dos arguidos J... e V..., assim como num documento junto aos autos (fls. 353 e 354).                                                                                                                                     Analisemos, então, se estes factores impõem uma alteração da matéria de facto.

Em primeiro lugar, salientam as declarações de dois arguidos e delas retiram que os recorrentes sempre confiaram e acreditaram que, com a feitura e outorga do contrato em causa, a sua responsabilidade seria transferida para o cessionário, designadamente a obrigação deste saldar a dívida à Segurança Social, referente ao período de Novembro de 1999 a Julho de 2000.

Quanto a isto, pouco há que dizer.

Como todos sabem, um arguido não presta juramento legal, não está vinculado a falar verdade e não tem obrigação de se auto-incriminar. Logo, aquilo que afirma em julgamento tem de ser ponderado nos seus devidos termos, com razoabilidade, sem esquecer toda a restante prova produzida em julgamento, em conjugação com as regras da experiência comum, e sem prejuízo, evidentemente, do respeito pela presunção de inocência.

Ora, havendo prova abundante nos autos contra os arguidos, devidamente referida na fundamentação da sentença (Capítulo III), em particular, ao nível documental, certamente que não podem ser as declarações dos arguidos, por si só, e muito menos quando assumem, sem mais, uma dimensão de pura negação, a impor uma alteração da matéria de facto, sob pena de se enveredar por um caminho abstruso de apreciação da prova, no qual aquilo que fosse dito por um arguido valeria mais do que o demais material probatório…

Em segundo lugar, e essencialmente com base na cláusula referida no n.º 18 das Conclusões, os recorrentes aludem ao documento de fls. 353 e 354 (contrato-promessa de cessão de quotas).

Relembre-se a citada cláusula:                                                                                    “O segundo outorgante compromete-se a entregar aos primeiros outorgantes até á realização da escritura, declarações de todos os bancos juntos dos quais os primeiros outorgantes prestaram avais ou quaisquer outras garantias relativamente às referidas firmas e ainda à firma G…, Lda., com sede no …, bem como a substituir todos os cheques passados aos antigos sócios e declarações destes a isentá-los de quaisquer responsabilidades e ainda declaração de isenção de responsabilidades dos primeiros outorgantes junto do sector estatal.”

Quanto a tal matéria, a análise feita pelo tribunal a quo não merece reparo.

Na verdade, consta da respectiva fundamentação de facto o seguinte:

Mais acresce realçar que o documento de fls. 353 a 354 do inquérito desenvolvido pela Segurança Social não infirma de todo as conclusões vindas de descrever, reportando-se tão só a um mero contrato-promessa, que é coisa diversa do contrato prometido a que se reporta e que não consta que tenha sido celebrado, além de que o mesmo data de 11.08.2000, logo, é posterior à verificação dos factos em causa nos autos, além de que a sua cláusula quinta nem sequer é clara, não resultando compreensível como é que uma parte poderia obter declaração de isenção de responsabilidades de outra junto do sector público estatal.”

Como todos sabem, o contrato-promessa é um acordo preliminar que tem por objecto uma convenção futura, o contrato prometido. Mas em si é uma convenção completa que se distingue do contrato subsequente. Gera uma obrigação de prestação de facto que tem apenas de particular consistir na emissão de uma declaração negocial. Trata-se de um pactum de contrahendo.

Ora, o documento invocado no recurso é um contrato-promessa, sendo certo que nada existe nos autos no sentido de que, mais tarde, o mesmo se tenha concretizado (celebração do contrato prometido).

Só isso bastaria para afastar qualquer relevo para a questão ora em análise.

Mas há mais.

Desde logo, o contrato-promessa surge após a prática dos factos – 11.8.2000.

Por último, um mero contrato, de natureza civil, não pode servir para apagar a responsabilidade penal de quem quer que seja.

Pelo exposto, não há que alterar a matéria de facto.

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3) Da violação do disposto nos artigos 47.º e 71.º, ambos do Código Penal:

         Embora os recorrentes, quanto a esta questão, façam menção expressa ao artigo 47.º, do Código Penal, relativo aos critérios da fixação da pena de multa, o que é certo é que, no seu desenvolvimento, não questionam, de modo concreto, os dias de multa aplicados pelo tribunal recorrido nem a respectiva quantia diária, não apresentando sequer a pena que entendem por equilibrada, o que condiciona a abordagem ao problema, já que apenas é perceptível o desejo de verem reduzidas as penas. Em que medida? Não é explicado.

            Vejamos.

Façamos, desde já, uma breve análise sobre as finalidades legais das penas com reflexos no seu doseamento e nos critérios legais concretos a observar neste doseamento.

Como dispõe o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim na filosofia da lei penal vigente a protecção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afectados.

Na protecção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).

As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.

No caso concreto a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.

Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.

Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização será encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, nos termos do artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena (cfr. nomeadamente Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª edição, pags. 238 a 255).

Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente à pena concreta e adequada, o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, preceitua, na senda do citado artigo 40.º, que a determinação concreta da pena, dentro dos limites legalmente definidos, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o n.º 2 do mesmo artigo determina que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido (a necessidade da pena revela-se desse modo em função da menor ou maior exigência do exercício da prevenção e da reintegração).

                                                           ****

Assim sendo, no que concerne ao crime em causa, as exigências de prevenção geral são avultadas, ponderando que a evasão fiscal configura um fenómeno generalizado e responsável por flagrantes injustiças de ordem social, na medida em que os trabalhadores dependentes, impedidos de se furtar às suas obrigações fiscais (uma vez que vêem as quantias devidas serem retidas na base do vencimento), acabam por ter que suportar encargos fiscais por aqueles que se evadem ao cumprimento das suas obrigações tributárias. Esta conjuntura conduz precisamente o Estado a rodear de especiais garantias os créditos de natureza fiscal.

É ainda certo que existe, em Portugal, quiçá por uma questão cultural que importa erradicar, um certo “espírito de impunidade” subjacente à prática dos tipos penais tributários.                                                                                                                            Não é esse o entendimento do Tribunal.

Com efeito, a confiança da Administração Fiscal na real capacidade contributiva dos cidadãos, configura um bem jurídico com assento Constitucional (art.º 103.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa) e reclama que seja garantido o seu respeito de forma efectiva.

Por via da conduta dos arguidos, viu-se frustrada a satisfação do crédito do Estado, repercutindo-se essa situação na satisfação das necessidades sociais dos demais cidadãos que cumprem as suas obrigações fiscais e contribuem para o bem-estar sócio-económico da restante comunidade.

Por outro lado, mostram-se reduzidas as exigências de prevenção especial, em face da ausência de antecedentes criminais dos arguidos pessoas singulares, em conjugação com a sua inserção sócio-profissional e familiar, não podendo ser esquecido o circunstancialismo da empresa em causa se encontrar em processo de recuperação.

Em resumo, pois, a determinação da medida concreta da pena deverá ocorrer entre estes dois vectores fundamentais previstos no art.º 40.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1, do Código Penal – culpa do agente e exigências de prevenção –, tomando-se em consideração todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), depuserem a favor do agente ou contra ele (art.º 71.º, n.º 2, alíneas a) a f), do Código Penal).

De outro lado, o art.º 13.º, do R.G.I.T. estipula que “Na determinação da medida da pena atende-se, sempre que possível, ao prejuízo causado pelo crime.”.

A favor dos arguidos pugnam as seguintes circunstâncias:

- Os motivos subjacentes aos factos, patenteados numa situação de precariedade de ordem financeira, perante a qual visaram cumprir os compromissos societários concernentes aos pagamentos devidos aos fornecedores e dos salários dos trabalhadores da sociedade arguida;

- A inserção profissional e sócio-familiar dos arguidos.

- A sua ausência de antecedentes criminais.

- A situação financeira de todos os arguidos, a qual se reputa deficitária.

- E depõem contra os arguidos as seguintes circunstâncias:

- O grau de ilicitude, que se reputa mediano, sendo manifestado no valor total das quantias retidas e no adjacente prejuízo causado à Administração Fiscal, bem como na extensão do período de perpetração da conduta típica (Novembro de 1999 a Julho de 2000);

- O dolo intenso, porquanto directo.

Nesta confluência e ponderando quanto acima ficou exposto, julga-se proporcional e adequada a pena aplicada a cada um dos recorrentes, tendo em conta a fundamentação constante da sentença que não merece qualquer reparo.

* * * *

         4) Da violação do disposto nos artigos 72.º e 73.º, ambos do Código Penal:

         Por último, os recorrentes defendem uma atenuação especial das penas aplicadas, nos termos dos artigos 72.º e 73.º, ambos do Código Penal.

            Não lhes assiste razão.

         Por um lado, há que ter presentes as linhas gerais do regime jurídico da atenuação especial, previstas no citado artigo 72.º. Neste, estabelece-se que “o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena”.

            Conforme ensina a doutrina, o legislador sabe estatuir, à partida, as molduras penais atinentes a cada tipo de factos que existem na parte especial do Código Penal e em legislação extravagante, valorando para o efeito a gravidade máxima e mínima que o ilícito de cada um daqueles tipos pode assumir.                                                                                                 Porém, entende, ainda, a doutrina, que o sistema só pode funcionar de forma justa e eficaz se contiver válvulas de segurança, vendo estas como circunstâncias modificativas.

            Por isso, quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo padrão de casos que o legislador teve em mente à partida, aí haverá um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa.

            Resumindo a tendência dominante na nossa jurisprudência, que segue a par a mencionada doutrina, podemos afirmar que a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, uma vez que, para a generalidade dos casos normais, existem as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios.                                                                                                                           Conforme se acentua, na linha do que vem de ser exposto, no Acórdão de 17/10/02, do S.T.J., Processo n.º 3210/02, da 5.ª Secção (Relator: Conselheiro Pereira Madeira): «Como instituto, a atenuação especial da pena surgiu em nome dos valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade. Surgiu da necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais - quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva - a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa».

            Posto isto, pode a consideração global da conduta dos arguidos, à luz do que vem de ser dito, preencher circunstâncias que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, apresentando-se com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em tal hipótese quando estatuiu os limites normais da moldura correspondente ao tipo ora em causa?

            A resposta só pode ser negativa.

            Na realidade, da análise da matéria de facto considerada provada não se extraem elementos que permitam o recurso à drástica alteração da moldura penal prevista para o facto, no sentido da sua atenuação especial.

            Os recorrentes, para justificarem a sua pretensão, invocam apenas o tempo decorrido sobre a prática dos factos, a sua boa conduta, desde então até hoje, assim como o convencimento com que ficaram após o contrato-promessa de cessão de quotas mencionado no recurso.                                                                                                                        Quanto a tais circunstâncias indicadas, não podem ser relevantes ao ponto de acarretarem uma acentuada diminuição da culpa ou da ilicitude ou mesmo da prevenção.    Como já vimos, a atenuação especial só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, o que não se verifica no caso em apreço, tanto mais que as penas aplicadas são, até, em bom rigor, brandas.                                                                                                                                                          ****

            Por outro lado, não esqueçamos que estamos no âmbito do RGIT, ou seja, estamos fora das disposições do Código Penal, existindo norma especial, no citado diploma, em sede de atenuação especial da pena – o artigo 22.º.

            Nesta mencionada norma, pode ser lido:

            “1 – Se o agente repuser a verdade sobre a situação tributária e o crime for punível com pena de prisão igual ou inferior a três anos, a pena pode ser dispensada se:

a) A ilicitude do facto e a culpa do agente não forem muito graves;

b) A prestação tributária e demais acréscimos legais tiverem sido pagos, ou tiverem sido restituídos os benefícios injustamente obtidos;

c) À dispensa da pena se não opuserem razões de prevenção.

            2 – A pena será especialmente atenuada se o agente repuser a verdade fiscal e pagar a prestação tributária e demais acréscimos legais até à decisão final ou no prazo nela fixado.”      Acontece que não resulta dos autos que os recorrentes tenham reposto a verdade sobre a situação tributária ou a verdade fiscal, pelo que afastada está a possibilidade de dispensa de pena ou atenuação especial da mesma.

            Vejam-se, no sentido de que deve ser observado este regime especial, no que tange a esta questão, o Acórdão do TRL, de 19/12/2006, Processo n.º 3360/2006, em que foi Relatora a Exma. Desembargadora Filipa Macedo, o Acórdão do TRP, de 4/2/2009, Processo n.º 3542/06, em que foi Relator o Exmo. Desembargador Ferreira Ramos, o Acórdão do TRC, de 11/6/2008, Processo n.º 53/06.8IDAVR.C1, em que foi Relator o Exmo. Desembargador Jorge Gonçalves.                                                                                                                                                                                                         ****

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IV. Decisão:

Nestes termos, é negado provimento ao recurso, confirmando-se, na íntegra, a decisão recorrida.

Custas a cargo dos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, para cada um deles, em 4 UC.

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         (elaborado e revisto pelo relator, antes de assinado)

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Coimbra, 14 de Julho de 2010
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   (José Eduardo Martins)

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        (Paulo Guerra)



[1] - cfr. Prof. Castanheira Neves, Sumários de Processo Penal, 1967/1968, n.º 4 - Os Princípios de Processo Penal.
[2] La Prova Penale, pág. 9 e segs.
[3] “A liberdade de apreciação da prova não pode estar mais longe das meras conjecturas e das impressões sensitivas injustificáveis e não objectiváveis” - Paulo Saragoça da Mata, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Organizadas pela Faculdade de Direito de Lisboa e pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, Coordenação Científica de Maria Fernanda Palma, Almedina, pág. 231.
[4] Cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, secção de textos da FDUC, 1988-9, págs. 140.
[5] Paulo Saragoça da Mata, ob. cit., pág. 251.