Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
223/07.1GCVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BRÍZIDA MARTINS
Descritores: ARGUIDO
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
CO-ARGUIDO
MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 02/08/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2.º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 125 A 128º E 140º Nº 2 CPP
Sumário: 1.- As declarações sobre factos de que possua conhecimento direto e que constituam objeto do processo prestadas por um arguido, seja tanto sobre factos que só a ele digam diretamente respeito, como sobre factos que também respeitem a outros arguidos, constituem um meio de prova a apreciar livremente pelo Tribunal.

2.- Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1.ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1.ª instância tem suporte na regra estabelecida no citado art.º 127.º, e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se.

Decisão Texto Integral: I – Relatório.

1.1. Conjuntamente com outros demais arguidos, A..., actualmente preso no Estabelecimento Prisional de Aveiro – fls. 189 –, e B..., ambos entretanto já melhor identificados, foram submetidos a julgamento, sob a aludida forma de processo comum colectivo, porquanto acusados pelo Ministério Público da prática indiciária de factos que os instituiriam:

a) A ambos, e conjuntamente com os co-arguidos C... e D..., na co-autoria material, sob a forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. através das disposições conjugadas dos art.ºs 204.º, n.º 2, als. a) e e), com referência ao art.º 202.º, alíneas b) e f), todos do Código Penal[1];

b) Ao arguido A..., ainda em autoria material, na forma consumada, com o ilícito anterior, de um crime de dano, p. e p. nos termos do art.º 212, n.º 1;

c) A ambos, e conjuntamente com os arguidos C..., F... e E..., na co-autoria material e consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo mesmo art.º 204.º, n.º 2 alíneas a) e e), com referência ao art.º 202, alíneas b) e f).

d) Novamente a ambos, e conjuntamente com os co-arguidos C... e E..., na co-autoria material e consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2 alíneas a) e e), com referência ao art.º 202.º, alíneas b), d) e e).

H... (W...), também mais identificado, deduziu pedido de indemnização civil contra os visados A...e B...(bem como demais co-arguidos C... e E...), peticionando a sua condenação a solverem-lhe a quantia de € 32.500,00, acrescida de juros vincendos até integral e efectivo pagamento, para ressarcimento dos danos sobrevindos em virtude de uma das condutas delitivas elencadas.

Igualmente o fez “Construções ZZ..., Lda.” (estaleiro), no valor de € 35.000,00, acrescido do montante a liquidar correspondente à diferença entre o valor dos materiais furtados e o preço de aquisição de materiais novos de substituição, tudo acrescido ainda de juros vincendos até integral e efectivo pagamento.

Bem como G... contra os mesmos A...e B...(bem como C..., E..., D... e F...[2]), nos seguintes termos:

a) Os requeridos A..., B..., C... e D..., no valor de € 152.452,00, a titulo de danos materiais;

b) Os requeridos A..., B..., C..., D..., E... e F..., no valor de € 93.935,24, a titulo de danos materiais;

c) Os requeridos A..., B..., C..., E..., D... e F..., no valor de € 5.000,00 a titulo de danos morais, e no valor de € 12.500,00 a titulo de lucro cessante.

Realizado o contraditório, proferiu-se aresto determinando, ao demais por ora irrelevante:

(Parte crime)

- Condenar os ditos arguidos A...e B..., pela prática, sob a forma consumada, em co-autoria material e em concurso efectivo, de um crime de furto qualificado (cometido na destilaria na noite de 18 para 19 de Março de 2007), p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 203.º, n.º1 e 204.º, n.º 2, alínea e), nas penas respectivas [A...e B...] de 6 (seis) e 4 (quatro) anos de prisão.

- Condenar os mesmos arguidos A...e B...[bem como C...; E...e F...], pela prática, sob a forma consumada, em co-autoria material e em concurso efectivo, de um crime de furto qualificado (cometido na mesma destilaria na noite de 11 para 12 de Setembro de 2007), p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), nas penas respectivas [A...e B...] de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

- Condenar ainda os apontados arguidos A...e B...[bem como C...], pela prática, sob a forma consumada, em co-autoria material e em concurso efectivo, de um crime de furto qualificado (cometido no estaleiro da “Construções ZZ..., Lda.” na noite de 14 para 15 de Junho de 2007), p. e p. pelas disposições conjugadas dos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), nas penas respectivas [A...e B...] de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão e de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

- Em cúmulo jurídico das penas parcelares assim aplicadas a cada um dos arguidos A...e B..., foram eles condenados nas penas únicas respectivas de 9 (nove) anos e de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva (s).

(Parte cível)

- Julgar os pedidos de indemnização civil parcialmente procedentes, por provados, e em consequência:

a) Condenar os arguidos/requeridos A..., B...[e C...] a pagarem solidariamente ao ofendido G... (danos patrimoniais do assalto à destilaria na noite de 18 para 19 de Março de 2007) a quantia de € 106.280,00 (cento e seis mil duzentos e oitenta euros).

b) Condenar os arguidos/requeridos A..., B..., [e C..., E...e F...] a pagarem solidariamente ao ofendido G... (danos patrimoniais do assalto à mesma destilaria na noite de 11 para 12 de Setembro de 2007) a quantia de € 81.775,42 (oitenta e um mil, setecentos e setenta e cinco euros e quarenta e dois cêntimos)[3], acrescida do montante a liquidar correspondente ao valor dos vinte aparadores em inox e três tampas em cobre furtado (+a) s.

- Condenar os arguidos/requeridos A..., B...[e C..., E...e F...] a pagarem solidariamente ao ofendido G... (danos morais e lucro cessante dos assaltos à mesma destilaria) a quantia de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros)[4].

- Condenar os arguidos/requeridos A..., B...[e C... e D...] a pagarem solidariamente à ofendida “Construções ZZ..., Lda.” (danos patrimoniais do assalto ao seu estaleiro na noite de 14 para 15 de Junho de 2007) a quantia de € 34.750,00 (trinta e quatro mil, setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação prevista no art.º 78.º, do Código de Processo Penal, até integral e efectivo pagamento.

- Condenar os arguidos/requeridos A..., B...[e C... e D...] a pagarem solidariamente ao ofendido H... (danos patrimoniais e morais do furto do seu W... e recheio na noite de 14 para 15 de Junho de 2007) a quantia de € 23.500,00 (vinte e três mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação prevista no citado art.º 78.º, até integral e efectivo pagamento.

1.2. Os arguidos A...e B..., porque desavindos com o teor do assim sentenciado, interpuseram competente recurso extraindo da motivação através da qual minutaram a irresignação, a seguinte ordem de conclusões:

(o arguido A...

1. O acórdão recorrido julgou incorrectamente todos os pontos dos itens I [furto ocorrido no U... na noite de 18 para 19 de Março de 2007], II [segundo furto ocorrido no U... na noite de 11 para 12 de Setembro de 2007] e dos itens III e IV [relativos ao furto ocorrido no Estaleiro da empresa ZZ…, Lda. e da viatura W... na noite de 14 para 15 de Junho de 2007], os pontos 27 a 34 e 37 a 40, dos factos dados como provados e consequentemente dos factos não provados.

2. Para formar a sua convicção relativamente à factualidade dada como provada e aqui colocada em crise, baseou-se essencialmente o Tribunal a quo nas declarações prestadas em sede de audiência de julgamento pelos arguidos E... (que se encontram gravadas em CD do dia 16 de Março de 2011, entre as 11:07:10 e as 12:15:03) e F... (cujas declarações se encontram gravadas em CD da mesma data, entre as 12:16:1 7 e as 12:39:59), os quais confessaram a prática dos factos que lhe eram imputados a si, como aos restantes arguidos, nomeadamente ao recorrente, assim como nas reconstituições dos furtos ocorridos no U... na noite de 18 para 19 de Março de 2007 e nos Estaleiros da Empresa ZZ…, Lda., na noite 14 para 15 de Junho de 2007 realizada com a colaboração do arguido C....

3. Sucede, entende o ora recorrente, que as declarações confessórias dos arguidos E...e F..., bem como os autos de reconstituição, que mais não são autos de declarações do arguido C..., na falta de outros elementos de prova que corroborassem os factos confessados, não eram suficientes para dar como provada a matéria de facto assim considerada como dito supra.

4. Para além de entender o ora recorrente que errou o Tribunal a quo na apreciação que fez das declarações prestadas pelos arguidos E...e F..., uma vez que as mesmas contém imprecisões, contradições e incongruências que não poderiam servir só e segundo as regras da experiência comum para dar como assente a matéria constante dos itens I, II e III dos factos provados (pelo menos no que diz respeito ao recorrente) e consequentemente ser julgada como provada e procedente a parte relativa aos pedidos de indemnização civil.

5. Pois, segundo a melhor doutrina e jurisprudência, não obstante as declarações dos arguidos constituírem prova ainda que de credibilidade especialmente diminuída, estas devem ser merecedoras de especial atenção por parte do julgador uma vez que podem ter subjacentes interesses pessoais e outras circunstâncias que afectam irremediavelmente a sua isenção e crédito.

6. Relativamente ao item I da matéria de facto provada, não pode o arguido concordar que o Tribunal a quo se tenha socorrido apenas da reconstituição feita pelo arguido C... em sede de inquérito do furto ocorrido no U... na noite de 18 para 19 de Março de 2007, assim como das declarações do arguido E...prestadas em sede de audiência de julgamento quanto a tal facto que nem foi por ele presenciado.

7. Isto porque, quanto à reconstituição desse primeira furto ocorrido no U... no mês de Março de 2007, entende o recorrente que tal prova não poderia servir para o Tribunal fundar a sua convicção quanto à autoria do mesmo, porquanto a mesma encerra necessariamente declarações prestadas por um arguido em sede de inquérito e não tendo sido observado o disposto no art.º 357.º do Código de Processo Penal, tal prova não poderia ter sido admitida e utilizada pelo Tribunal para dar como provados os factos do item I.

8. Ao ter admitido tal prova e ter fundado a sua convicção num meio de prova inadmissível, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 356.º e 357.º, ambos do Código de Processo Penal, o Tribunal a quo violou, consequentemente, o estatuído no art.º 355.º, do mesmo diploma legal.

9. No entanto, e caso por mera hipótese de raciocínio assim se não entenda, isto é, mesmo a sufragar-se da validade e admissibilidade da reconstituição realizada, sempre se deveria considerá-lo como uma forma de ludibriar a proibição de prova prevista nos citados art.ºs 355.º e 356.º, seu n.º 7, porquanto o mesmo contém ainda por tal forma declarações confessórias de um arguido.

10. Isto porque, o auto de reconstituição foi elaborado depois do arguido C..., que colaborou na realização do mesmo, ter sido constituído arguido e interrogado pela GNR – cfr. auto de reconstituição de fls. 416 a 418 e auto de constituição de arguido e interrogatório de fls. 288 a 291 dos presentes autos -.

11. Acresce que, não tendo o arguido C... estado presente nas várias sessões de julgamento, tal facto impediu o recorrente de poder aferir as concretas circunstâncias em que o mesmo foi realizado, pois a diligência de reconstituição foi feita pelo arguido C... na ausência de qualquer defensor que assegurasse o cumprimento da legalidade da mesma, nomeadamente os direitos do arguido e também na ausência do recorrente.

12. Tendo também a ausência do arguido C... determinado que a defesa do recorrente não exercesse o contraditório junto do mesmo, pois só na presença desse arguido faria sentido que o recorrente pudesse contraditar aquela prova, contrariamente ao que é referido no acórdão recorrido.

13. Para além do auto de reconstituição, socorreu-se também o Tribunal sob censura das declarações do arguido E...(que não participou nesse furto) em julgamento onde e quando afirmou ter ouvido dizer aos arguidos A..., B...e C... no dia seguinte ao furto ocorrido no U... na noite de 11 para 12 de Setembro, que estes já o tinham assaltado anteriormente.

14. Sustenta o arguido que também tais declarações não poderiam servir para dar como provada a prática do referido crime pelo recorrente e o ponto I dos factos provados na medida em que se trata inequivocamente de um depoimento indirecto, cuja valoração está vedada ao Tribunal para efeitos de formar a sua convicção, nos termos do art.º 129.º, do Código de Processo Penal.

15. Pelo que, ao admitir tal declaração do arguido D..., sem que este tivesse presenciado os factos, limitando-se a declarar aquilo que ouviu dizer e não estando os arguidos visados obrigados a prestar quaisquer declarações que confirmasse ou infirmassem tais afirmações, violou o mesmo Tribunal o mencionado art.º 129.º.

16. Ainda relativamente ao item I) e consequentemente ao primeiro assalto do U..., ficou o recorrente sem entender verdadeiramente que provas é que estiveram na base da sua condenação, uma vez que na reconstituição feita pelo arguido C... este apontou o arguido D... como tendo sido um dos co-autores daqueles factos.

17. No entanto e apesar de ter considerado o mencionado auto de reconstituição como prova válida e admissível para condenar o recorrente, o mesmo não aconteceu com o arguido D... que inexplicavelmente foi absolvido da prática dos factos de que vinha acusado.

18. Ao não fundamentar o acórdão na parte em que decidiu pela absolvição do arguido D..., quando este vinha acusado pelos mesmos factos dados como provados no item I contra o arguido A... e praticamente com base nas mesmas provas, violou o Tribunal a quo o art.º 374.º o que determina a nulidade do acórdão nos termos do art.º 379.º, tal como aquele, do Código de Processo Penal.

19. Para além de ter violado também o princípio constitucional da igualdade que impõe que impõe uma igualdade de tratamento a todos os cidadãos, que no caso sub judice não sucedeu, pois se o auto de reconstituição não serviu ou não foi suficiente para condenar o arguido D... também não deveria ser suficiente para permitir condenar o arguido A....

20. Ou pelo menos obrigava a que o Tribunal recorrido justificasse ou fundamentasse a opção de não valorizar a dita reconstituição no caso do arguido D..., o que não aconteceu.

21. Quanto aos factos dados como provados no item II (furto ocorrido no U... na noite de 11 para 12 de Setembro de 2007), III e IV (furto ocorrido no Estaleiro da empresa ZZ… , Lda. e da viatura W... que aí se encontrava aparcada), entende o recorrente que o Tribunal a quo fez uma deficiente e errada apreciação das declarações prestadas pelo arguido E...(que se encontram gravadas em CD no dia 16 de Março de 2011, entre as 11:07:10 e as12:15:03) e pelo arguido F...(que se encontram gravadas em CD, com a dita data, entre as 12:16:17 e as 12:39:59).

22. E concretamente quanto aos pontos II e IV não deveria ter admitido como prova ou na pior das hipóteses como prova suficiente para fundar a sua convicção e dar como provada toda a factualidade constante dos itens em causa, o auto de reconstituição de fls. 71 a 73 elaborado com a colaboração essencial do arguido C..., pelos mesmos motivos expostos nas conclusões 8.ª a 12.ª, aqui inteiramente reproduzidas.

23. Quanto às declarações do arguido D..., entende o recorrente que errou desde logo o Tribunal a quo na apreciação das mesmas e ao atribuir­-lhes credibilidade e isenção, pelo menos no que ao arguido A... diz respeito, porquanto é notório, através das mesmas, que o arguido E...nutre um inimizade pelo arguido A..., ao afirmar que este o tentou acusar, num outro julgamento, de promover a venda de todo o material furtado – cfr. minutos 10:50 a 11:05.

24. Ao demonstrar que não estaria muito satisfeito com o facto de o arguido A... já o ter acusado anteriormente, deveria o Tribunal a quo ter ficado com sérias reservas e dúvidas quanto à isenção das declarações do arguido E...e quanto às reais e verdadeiras intenções do mesmo ao delatar o arguido A....

25. Acresce que, também quanto ao seu relacionamento com o arguido D... o arguido E...apresentou diversas versões ao Tribunal, tendo começado por dizer que não tinham sido muitas as vezes em que tinham estado juntos e que as poucas vezes tinham a ver com a prática de furtos, pretendendo fazer crer o Tribunal que o tal arguido nada tinha a ver com a prática de quaisquer furtos e que nada sabia acerca dos mesmos, apesar de quase todo o material em causa nos presentes autos ter sido descarregado e ter permanecido na casa daquele – cfr. minutos 21:12 a 21:30 e 40:00 a 41:10.

26. No entanto, já no final da sua tomada de declarações, concretamente entre os minutos 01:01:10 e 01:03:00 acabou por referir que apesar de o arguido D... nunca ter participado nos furtos em que o arguido E...participou, que aquele sabia de toda a actuação criminosa dos arguidos, que estes utilizavam a sua residência para depositar o material furtado, tendo até relatado que houve pelo menos uma vez em que o próprio D... ajudou a descarregar alguns camiões e carrinhas.

27. Sendo defendido pela doutrina e pela jurisprudência que nas declarações dos arguidos o julgador deverá estar especialmente atento à forma como as mesmas são prestadas, uma vez que à partida tais declarações têm uma credibilidade diminuída, impunha-se que Tribunal a quo prestasse especial atenção a estas contradições e incongruências que pese embora o facto de nada terem a ver com os concretos factos relatados deverão servir para aferir da veracidade, credibilidade e isenção dos arguidos que as prestam.

28. Acresce, ainda relativamente ao arguido D..., ter este afirmado por diversas vezes que era o arguido A... que procedia à venda de todo o material que era furtado tendo o mesmo sucedido com o material objecto dos furtos descritos nos itens II, III e IV.

29. Tendo também o mesmo afirmado que o material proveniente do furto ocorrido no U..., em Setembro de 2007, terá sido vendido a um “ … ”, que se chama J..., aliás à semelhança do que acontecia com diverso material furtado – cfr. minutos 11:00 a 11:38.

30. No entanto, confrontado tal J... (cujo depoimento foi gravado em CD no dia 16 de Março de 2011, entre as 12:41:10 e as 16:46:39) em sede de audiência de julgamento, na qualidade de testemunha e sob juramento, este negou alguma vez ter adquirido qualquer material de sucata ao arguido A..., dado que desde 1998 que a testemunha não fala com este, devido a quezílias antigas – cfr. minutos 01:40 a 02:15 e 03:25 a 04:00.

31. Perante o depoimento desta testemunha, pergunta-se porque motivo decidiu continuar a acreditar no arguido D..., quando este relatou factos ao Tribunal a quo que foram completamente infirmados por testemunhas em julgamento?

32. E pergunta-se porque motivo a factualidade relatada pela testemunha Q... não consta na matéria de facto provada, uma vez não se vislumbrar motivo aparente para que à mesma não fosse conferida credibilidade pelo Tribunal a quo.

33. São estas incongruências e inconsistências e falta de verdade nas declarações do arguido E...que não deveriam ter determinado que o Tribunal recorrido tivesse dado como provada toda a factualidade dos itens II, III e IV dos factos provados.

34. E nem se diga que quanto à matéria do item II a mesma poderia ter sido sustentada pelas declarações do arguido F..., uma vez que este ainda entrou em mais contradições e inexactidões que o arguido D....

35. Instado acerca da participação do arguido C... no furto ao U... em Setembro de 2007, que aliás já tinha sido confirmada pelo arguido D..., o mesmo referiu não saber, não se lembrar, mesmo depois de lhe ter sido exibida fotografia do mesmo – cfr. minutos 01:50 a 02:30 -, facto que não deixa de ser estranho, uma vez é completamente diferente desmantelar um U... com a ajuda de mais um ou mais dois homens.

36. Além disso, em clara contradição também com o arguido D..., que relatou que os arguidos entraram no U... através de uma porta situada nas traseiras cuja fechadura foi arrombada pelo A..., afirmou que foi através do portão principal do U... que os arguidos acederam ao interior do mesmo e que tal portão foi aberto pelo A... com uma chave que este tinha para o efeito – cfr. minutos 04:40 a 06:00.

37. Sendo certo que tais declarações estão em clara contradição com o ponto 14 do item dos factos provados.

38. Não tendo também o arguido João sido suficientemente credível e convincente quando lhe pediram para explicar como é que os arguidos se deslocaram ao U..., bem como quanto aos veículos que levaram – cfr. minutos 03:00 a 03:55; 03:20 a 03:40 e 17:10 a 18:10.

39. Para além de que as explicações adiantadas por este arguido colidirem com aquilo que já             sido referido pelo arguido D....

40. Acresce que, também esta testemunha referiu e demonstrou sentimentos de inimizade e hostilidade para com o arguido A... ao referir no seu depoimento que já tinha sido agredido e ameaçado por familiares daquele, tendo até tais comportamentos sido julgados – cfr. minutos 21:50 a 22:30 e 23:20 a 23:36.

41. Ora, conforme já se referiu quanto ao arguido D..., entende o recorrente, conforme é também entendimento de Teresa Beleza, que as declarações prestadas por co-arguidos têm uma credibilidade diminuída, especialmente quando é notória e evidente a existência de desavenças entre arguidos ou se desconhecem (ou sejam duvidosas) as concretas motivações desses arguidos que decidem contar tudo em julgamento e incriminam outros co-arguidos.

42. Conforme assinala Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Volume II, Verbo, páginas 171-172, o valor deste tipo de declarações exige uma “especial ponderação por parte do julgador”, em ordem a aferir da sua própria coerência interna, corroborada com outros elementos de prova, corroboração essa que mais não é do que o esforço de percepção, através dos vários meios ao seu alcance, pelo julgador, do sentimento que as anima, se de inverdade, se pura sede de vingança, estratégia de defesa, pura conveniência, delação sem justificação ou afirmação de verdade, à margem de qualquer intuito prejudicial.

43. Ora, em face das contradições, incongruências, falta notória de isenção e credibilidade das declarações prestadas pelos arguidos E...e F..., assim como pelo facto de existirem desavenças entre os mesmos, entende o recorrente que o Tribunal a quo, em face das regras da experiência comum, errou na apreciação que fez dos seus depoimentos e não deveria tê-los considerado para formar a sua convicção e dar como provada a factualidade constante dos pontos II, III e IV dos factos provados, impondo-se ao invés que em face da debilidade da mesma que esses mesmos factos fossem antes dados como não provados, por falta de melhor prova que os corroborasse.

44. Caso tivesse feito uma correcta apreciação da prova, nomeadamente das declarações prestadas pelos arguidos, assim como das reconstituições dos assaltos, sempre o Tribunal a quo deveria ter ficado com sérias dúvidas acerca da autoria dos factos, pelo menos no que concerne ao recorrente.

45. Ao não ter apreciado correctamente a prova, no sentido supra indicado pelo recorrente e não tendo decidido pela sua absolvição quanto à prática dos crimes de furto, violou o Tribunal recorrido o princípio constitucional do in dúbio pro reo, previsto no art.º 32.º, da Constituição da República Portuguesa.

46. Uma vez que tal principio, enquanto expressão a nível da apreciação da prova do principio da presunção de inocência, se traduz precisamente na imposição de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido – a dúvida resolve-se a favor do arguido.

47. E no caso sub judice impunha-se que o Tribunal sindicado, em face da indigência da prova existente – apenas e só declarações confessórias de co-arguidos e os autos de reconstituição que mais não eram do que meras confissões do arguido que neles colaborou – ficasse com uma dúvida razoável acerca da alegada autoria dos factos que era imputada ao recorrente, pois as confissões dos arguidos desacompanhadas de quaisquer outros elementos de prova, não podia ser suficiente para fundamentar a condenação.

48. Sem prescindir de tudo o que se deixou exposto e no que concerne à medida quer das penas parcelares aplicadas a cada um dos crimes, quer à pena única aplicada em cúmulo jurídico, entende o recorrente que na determinação concreta das penas violou o Tribunal a quo o art.º 71.º, do Código Penal, uma vez que não pode deixar de considerar exagerada e desproporcional a pena que lhe foi imposta.

49. Na verdade, entende o recorrente que na operação de determinação das penas parcelares e única, o Tribunal a quo se alheou, por completo, do facto de quanto ao mesmo não serem elevadas as necessidades de prevenção especial e ressocialização, fazendo tábua rasa de praticamente tudo o que é relatado no relatório social elaborado.

50. Considerando, erradamente, que nenhuma atenuante existia em seu favor.

51. Para além de que na determinação da pena valorou indevidamente o prejuízo patrimonial elevado que a conduta do mesmo provocou às vítimas, pois que tal elemento já se encontrava contemplado no tipo legal que lhe foi imputado – furto agravado – assim como na correspectiva moldura penal aplicável.

52. Violando, consequentemente, o art.º 71.º, n.º 2, do Código Penal, o qual estipula que, na determinação da pena, o tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o arguido.

53. Não obstante o recorrente ter decidido legitimamente remeter-se ao silêncio durante o julgamento, o certo é que esse silêncio não poderia nunca ser relevado como agravante na determinação da pena a aplicar ao arguido conforme o fez o Tribunal a quo em clara violação aos art.ºs 343.º, n.º 1; e 61.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal.

54. Nem poderia contribuir para o Tribunal a quo considerar que o arguido nunca se mostrou arrependido, uma vez do relatório social resulta que o arguido se sente bastante revoltado consigo próprio e está ciente da gravidade dos factos, dos danos para os lesados e do sofrimento que causou à sua família, nomeadamente aos seus pais.

55. Acresce não ter devidamente considerado o Tribunal recorrido, nomeadamente para análise das necessidades de prevenção especial e ressocialização, o percurso exemplar e isento de reparos do recorrente no estabelecimento prisional e que vem descrito no Relatório Social.

56. Com interesse para a determinação da pena, resultava deste Relatório que:

- O arguido se encontra em reclusão desde Setembro de 2007;

- O arguido mostrou arrependimento;

- São-lhe reconhecidas capacidades de trabalho, quer pelos técnicos que o acompanham, bem como pelos familiares directos;

- Dentro do Estabelecimento Prisional tem-se destacado por assumir a execução de tarefas que lhe exigem una grau de confiança e responsabilidade acrescida, às quais tem respondido positivamente;

- Tem uma estrutura familiar, composta pelos seus pais, filhos e ex-companheira que o visitam regularmente e estão na disposição de lhe prestar todo o apoio material, emocional e até profissional assim que este for restituído à liberdade;

- O arguido mostra-se preocupado com o futuro dos seus dois filhos que são ainda menores;

- O arguido demonstrou estar disponível e receptivo a mudar a sua vida, tendo serias intenções de conseguir uma ocupação profissional no exterior e afastar-se em definitivo da prática de crimes;

57. Na tarefa de determinação da pena, ao desconsiderar toda essa factualidade, e ao entender que nenhuma circunstância militava a favor do recorrente, o Tribunal recorrido violou o disposto no art.º 71.º, do Código Penal.

58. Também mal andou esse Tribunal quando considerou que o recorrente revelava traços de uma personalidade mal adaptativa, de natureza anti-social sem que nos autos existam quaisquer perícias e relatórios médicos que o comprovem, pois tais conclusões pressupõem necessariamente conhecimentos técnicos e científicos.

59. Os factos em análise correspondem a um período mais conturbado da vida do recorrente, uma fase de grande instabilidade profissional e emocional sua.

60. No entanto, praticamente desde que essa fase da sua vida cessou que o arguido ainda não esteve em liberdade para que de facto pudesse demonstrar a sua mudança de atitude e de planos para a vida.

62. Todavia, e conforme é referido no relatório social, a conduta institucional do arguido tem sido correcta e participativa, revelando capacidades de trabalho e sempre contando com o apoio afectivo e material dos familiares de origem que se afiguram elementos fundamentais e facilitadores do seu processo de reinserção social.

63. Factos estes indevidamente considerados e valorados pelo Tribunal a quo, em preterição ao mencionado art.º 71.º, e que determinaram a aplicação de uma pena única exagerada e desproporcional.

Terminou pedindo que no provimento da impugnação, seja revogado o acórdão recorrido, substituindo-se por outro que determine a respectiva absolvição nos termos indicados, ou, ao menos, o condene em pena menos gravosa.

(a arguida B...)       

1. A prova de que a arguida participou no primeiro assalto, não é válida no caso, devendo ser absolvida de tal crime.

2. A confissão transmitida pelo arguido D..., relativamente ao arguido A..., não pode ser transposta para a recorrente.

3. A ilicitude da recorrente é manifestamente inferior à dos restantes arguidos que tiveram participação muito mais activa em cada um dos assaltos.

4. Deverá ser considerada a menor intensidade do dolo e da culpa, sendo-lhe aplicada pena substancialmente diferente que aos restantes arguidos.

5. Existem condições legais para suspender a execução da pena à arguida, mesmo que em comparação relativa com o arguido D....

6. Mostram-se violados pela decisão recorrida, os art.ºs 125.º; 128.º, n.º 1 e 150.º, do Código de Processo Penal, e 27.º; 50.º e 71.º, estes do Código Penal.

7. Pontos concretos de facto que considera erradamente julgados: os relativos ao primeiro furto ao U..., de 18 de Março de 2007.

8. Concretas provas que impõem decisão diferente: o facto de terem sido suportadas apenas na confissão do co-arguido D....

9. Provas que devem ser renovadas: as declarações do arguido D..., por terem sido em sede de fundamentação as únicas que suportaram a condenação.

10. Em aplicação do previsto no art.º 412.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, não é feita referência específica à passagem das declarações por terem sido na sua globalidade.

Terminou pedindo que no seguimento do expendido, seja “reposta a Justiça do caso concreto.”

1.3. Cumprido o disposto pelo artigo 413.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, respondeu o Ministério Público sustentando o improvimento dos dois recursos assim interpostos.

1.4. Proferido despacho admitindo-os e cumpridas as formalidades legais, foram os autos remetidos a esta instância.

1.5. Aqui, no momento processual a que alude o art.º 416.º daquele diploma adjectivo, a Ex.mo Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer conducente a idênticos improvimentos.

Após cumprimento do estatuído pelo subsequente art.º 417.º, n.º 2, do último diploma citado, no exame preliminar a que alude o n.º 6 deste mesmo inciso, consignou-se nenhuma circunstância impôr a apreciação sumária dos recursos, ou obstar ao seu conhecimento de meritis, donde que a deverem ambos prosseguir seus termos, com a recolha dos vistos devidos, e submissão à presente conferência.

Cabe, pois, apreciar e decidir.


*

II – Fundamentação de facto.

2.1. O acórdão sob censura teve por provada a seguinte factualidade:

I)


(U...)

1. Na noite de  … de 2007, a hora exacta não apurada, os arguidos C..., A... e, ao tempo a sua namorada, B..., sempre de comum acordo e na execução conjunta do propósito de retirarem e levarem consigo peças em cobre e outros bens de valor que ali encontrassem, embora actuando sob as instruções do arguido A..., dirigiram-se às instalações de um “U...”, sito na freguesia de … , área da comarca de Viseu.

2. Estabelecimento pertença do ofendido G... e que serve de destilaria de bagaço de uva.

3. Na ocasião os arguidos fizeram-se transportar na viatura, de marca “Mitsubishi, modelo Canter”, furtada em Condeixa.

4. Chegados ao local, o arguido A... rebentou a fechadura de um portão da destilaria, tendo os arguidos A... e C... entrado naquelas instalações, enquanto a arguida B...ficou no exterior a vigiar.

5. Na ocasião, na concretização do referido plano, os arguidos retiraram do interior das instalações e levaram consigo:

- 17 colunas/vasos completas (cubas em cobre) para fazer bagaço;

- 12 cântaras e 12 crivos, material em cobre;

- 20 tubos de rodopiar;

- duas escadas em alumínio, no valor total de € 90,00, duas chaves inglesas marca “Record”, no valor total de € 60.00, dois carrinhos de mão, no valor total de € 80,00, dois ferros alavanca com o comprimento de 1,80m cada, no valor total de € 50.00; e

- toda a documentação inerente à actividade do U... , nomeadamente a que se reportava à campanha de 2006, Livro de Vendas a Dinheiro e Documentos de Acompanhamento do Transporte de Produtos Vitivinícolas.

6. Os arguidos saíram do local, tendo transportado o material no veículo “Mitsubish”, supra referido.

7. As colunas em cobre tinham o peso de 4.250 kg, com o valor total de € 100.000,00 (cem mil euros), os tubos tinham o valor total de € 2.400,00 (dois mil e quatrocentos euros), os cântaros com valor total de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros) e os crivos de separação de bagaço com o valor total de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros).

8. O arguido C... pela sua intervenção nos factos supra referidos recebeu do arguido A... a quantia de € 250.00 (duzentos e cinquenta euros).

9. Os arguidos A..., B... e C..., agiram de forma livre, voluntária e consciente, mediante plano delineado pelo arguido A..., mas ao qual todos aderiram e em comunhão de esforços, bem sabendo e querendo entrar no U..., pela forma sobredita, com o propósito concretizado de fazerem seus os bens que ali encontrassem, como efectivamente sucedeu, apesar de saberem que não estavam autorizados a entrar no local e que os bens não lhes pertenciam, que actuavam contra a vontade do legitimo proprietário, causando-lhe prejuízo e obtendo assim um benefício a que não tinham direito.

10. O arguido A... agiu livre, voluntária e conscientemente, ao destruir a fechadura do portão de acesso à destilaria, sabendo que não lhe pertencia, que prejudicava o dono e inutilizava a fechadura.

11. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e que incorriam em responsabilidade criminal.

II)


(U...)

12. Na noite de  … de 2007, a hora exacta não apurada, mas situada entre as 00:00 horas e a 1:00 hora, os arguidos A..., B..., C..., E... e F..., sempre de comum acordo e na execução conjunta do propósito de retirarem e levarem consigo os bens que ali encontrassem, embora actuando sob as instruções do arguido A..., dirigiram-se às instalações do mesmo “U...”.

13. Para o efeito, os arguidos fizeram-se transportar numa viatura de marca “BMW”, conduzida pela arguida B..., ao tempo namorada do arguido A..., e na dita carrinha de marca “Mitsubishi, modelo Canter”, furtada em Condeixa, que o arguido C... conduzia.

14. Chegados ao local, o arguido A... rebentou a fechadura de uma porta da destilaria, tendo os arguidos A..., C... e F...entrado naquelas instalações, enquanto os arguidos B...e E... ficaram no exterior a vigiar.

15. Na ocasião, na concretização do referido plano, os arguidos retiraram no interior das instalações e levaram consigo 16 refrigerantes em cobre e 16 lentilhas em cobre, no valor total não inferior a € 80.000,00 bem assim 20 aparadores em inox e três tampas em cobre, de valor não apurado.

16. Além disso, no interior das instalações encontrava-se uma viatura pesada de mercadorias, marca “Mercedes Benz”, matrícula 00-85-MJ (foto fls. 95), ao tempo no valor de € 25.000,00 pertença do mesmo ofendido, no qual os arguidos resolveram carregar o material.

17. Carregado o camião Mercedes, o arguido A... entrou na viatura e colocou-a em funcionamento através de uma ligação directa à ignição, abandonando de seguida o local com o material supra descrito e a dita viatura (camião), dirigindo-se para a residência do arguido D..., .

18. O arguido C... e E... receberam do arguido A... a quantia de € 250,00 e € 200,00 respectivamente, pela sua intervenção neste assalto, sendo também a quantia de € 200,00 que o arguido A... se comprometeu pagar ao arguido F...pelo mesmo facto.

19. Os arguidos A..., B..., C..., F...e E... agiram livre, voluntária e consciente, mediante plano delineado pelo arguido A..., mas ao qual todos aderiram e em comunhão de esforços, bem sabendo e querendo entrar no U... pelo modo sobredito, com o propósito concretizado de fazerem seus os bens que ali encontrassem, como efectivamente sucedeu, apesar de saberem que não estavam autorizados a entrar no local e que os bens não lhes pertenciam, que actuavam contra a vontade do legitimo proprietário causando-lhe prejuízo e obtendo assim um benefício a que não tinham direito.

20. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e que incorriam em responsabilidade criminal.

21. Exceptuado o camião Mercedes, que o arguido A... posteriormente deixou abandonado junto do aeródromo de Viseu, onde foi encontrado e apreendido no dia 13 de Setembro de 2007, pelas 18:00 horas, os restantes bens foram vendidos pelo arguido A... a pessoa não concretamente identificada.

22. Como o camião Mercedes estivesse avariado, o ofendido G... teve de o rebocar do local de abandono até Viseu, despendendo o total de € 169,40, IVA incluído, com o reboque.

23. Em consequência da utilização efectuada pelos arguidos o camião ficou danificado, sofrendo diversas avarias designadamente ao nível do motor de arranque, bateria e sistema eléctrico, ascendendo a sua reparação ao valor de € 246,42 e € 1.359,60, IVA incluído.


--

24. Em consequência da subtracção de todos aqueles bens da sua destilaria, onde passava algum tempo da sua reforma, o ofendido G... sofreu um grande abalo moral, tristeza e desgosto.

25. Em consequência da perda do equipamento e material subtraído, a destilaria do ofendido G... esteve sem funcionar durante as campanhas vínicas de 2007, 2008 e 2009.

26. A referida destilaria gerava lucros líquidos anuais não inferiores a € 2.500,00 que o referido ofendido deixou de auferir naqueles anos.

III) e IV)


(Estaleiro e W...)

27. Na noite de 14 para 15 de Junho de 2007, a hora não apurada, mas situada após a 1:00 hora, os arguidos A..., B..., C... e E..., sempre de comum acordo e na execução conjunta do propósito de retirarem e levarem consigo os bens que ali encontrassem, embora actuando sob as instruções do arguido A..., dirigiram-se ao estaleiro sito junto do IP5 (actual A25), na freguesia de … , área da comarca de Viseu.

28. Estaleiro esse pertença da sociedade “Construções ZZ..., Lda.”, fazendo-se os arguidos transportar na mesma carrinha de marca “Mitsubishi, modelo Canter”, furtada em Condeixa.

29. No interior do referido estaleiro, o qual se encontra vedado com uma rede e cujo acesso ao interior se faz por um portão de ferro, situa-se ainda um telheiro e um armazém, este composto por barracão em blocos e cobertura em chapa de zinco, munido de uma porta com fechadura, onde se encontravam guardadas ferramentas e equipamentos.

30. Na concretização conjunta do citado plano, aqueles arguidos dirigiram-se para o estaleiro, conduzindo o arguido C... a citada carrinha de marca “Mitsubishi, modelo Canter”, furtada em Condeixa.

31. Ali chegados, os arguidos, por forma não apurada, cortaram a rede de vedação, em malha de ferro, e abriram o portão principal de acesso ao estaleiro, assim logrando aceder ao seu interior, exceptuada a arguida B...que ficou no exterior a vigiar.

32. De seguida, o arguido A... rebentou a fechadura da dita porta do armazém, que se encontrava fechada, tendo os arguidos entrado no mesmo e dali retirado 3 (três) martelos eléctricos, marca Hilti, no valor de € 1.000.00/cada, e as chaves de ignição da viatura de marca W... adiante referida.

33. Já do exterior do dito armazém, mas ainda do interior do estaleiro, os arguidos retiraram e levaram consigo:  

- 150 prumos de alumínio, Multiprop. 3,5 mts, no valor de pelo menos € 22.500,00;

- 50 empalmes de prumos de ferro, no valor de pelo menos € 2.500,00;

- 90 acrescentos de alumínio, Multiprop. 2,0 mts, no valor de pelo menos € 6.750,00.

34. Além disso, os arguidos retiraram o veículo de matrícula 80-93-VG, marca “Renault”, modelo “Laguna”, pertença de H..., funcionário da citada sociedade, e que este tinha deixado estacionado no estaleiro por debaixo do telheiro supra referido.

35. No interior desta viatura encontrava-se uma cadeira de criança, no valor de € 100,00, uma caixa com ferramentas no valor de € 200,00 e um auto-rádio com leitor de CD no valor de pelo menos € 200,00, tudo pertença do proprietário do veiculo e que os arguidos levaram consigo. 

36. Ao tempo o veículo tinha o valor nunca inferior a € 20.000.00 (vinte mil euros).

37. Os arguidos levaram consigo este veículo e os bens supra descritos, jamais recuperados, que na ocasião transportaram na referida carrinha de marca “Mitsubishi, modelo Canter”, assim os fazendo coisa sua, como era seu propósito.

38. O arguido C... e E... receberam do arguido A... a quantia de € 250,00 e € 200,00 respectivamente, pela sua intervenção neste assalto.

39. Os arguidos A..., B..., C... e E... agiram livre, voluntária e consciente, mediante plano delineado pelo arguido A..., mas ao qual todos aderiram e em comunhão de esforços, bem sabendo e querendo entrar no dito estaleiro pelo forma sobredita, com o propósito concretizado de fazerem seus os bens que ali encontrassem, como efectivamente sucedeu, e, ainda, a viatura que ali estava aparcada, apesar de saberem que não estavam autorizados a entrar no local, que os bens e a viatura não lhes pertenciam, que actuavam contra a vontade dos legítimos proprietários, causando-lhes prejuízo e obtendo assim um benefício a que não tinham direito.

40. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e que incorriam em responsabilidade criminal.

41. Em consequência da subtracção daquela viatura, o ofendido H... viu-se impossibilitado de a usar designadamente nas deslocações para o local de trabalho.

42. O ofendido H... viu-se obrigado a fazer um esforço financeiro para comprar em 21.08.2007 outra viatura, marca Renault, modelo Clio, a qual adquiriu pelo preço de € 6.500,00.

43. Não fora a subtracção do seu Renault mod. Laguna, o ofendido H... não teria adquirido naquela ocasião outro veículo.

44. Em consequência da subtracção do seu Renault modelo Laguna, o ofendido H... e a sua mulher sofreram tristeza, nervos e mal-estar.


--

(…)

52. O arguido A... é o mais novo de três filhos de um casal de emigrantes.

53. O seu processo de desenvolvimento decorreu na Alemanha, onde vivia com os pais e irmãs, beneficiando de ambiente familiar funcional e de adequadas condições de vida.

54. Fez o 1.º ciclo do ensino básico em Portugal, entregue a familiares, tendo regressado com cerca de 12 anos à Alemanha, onde prosseguiu os estudos num colégio até completar o 12.º ano, através de um curso profissional de hotelaria/turismo.

55. Casou em 1992 com K... de quem teve uma filha; o casal divorciou-se 5 anos depois, altura em que a menor e a mãe foram para França, cessando os contactos com o arguido.

56. Após o divórcio A... veio para Portugal.

57. Regressou à Alemanha onde, com a ajuda dos pais, iniciou nova actividade profissional numa empresa de transportes internacionais de mercadorias.

58. Encetou relação marital com L... de quem tem dois filhos gémeos, actualmente com 7 anos de idade. Do agregado faziam também parte dois filhos de anterior relação da companheira.

59. A dinâmica familiar não seria muito equilibrada, quer em relação às crianças, quer no que se refere a uma gestão inadequada dos recursos financeiros.

60. A partir de Fevereiro de 2007 o arguido A... passou a relacionar-se amorosamente com a arguida B..., relacionamento que mantiveram até aquele ser preso em 17.09.2007.

61. Ainda na Alemanha A... registou confrontos com o sistema judicial, com várias condenações de multa por crimes de fraude, ofensa corporal e infracção da lei de seguro obrigatório.

62. Também em Portugal voltou a envolver-se na prática de ilícitos, encontrando-se preso desde 17 de Setembro de 2007.

63. Como atrás referido, nos últimos anos na Alemanha, A... deslocava-se e permanecia em Portugal durante períodos mais ou menos longos, alegadamente devido à actividade profissional.

64. Durante a reclusão tem mantido um comportamento correcto e ocupação regular, ocupando postos de trabalho que implicam algum grau de confiança e de responsabilidade, aos quais tem correspondido positivamente.

65. Até à reclusão viveu uma fase de instabilidade e desorientação pessoal, decorrente da situação de perda económica, o que o levou a envolver-se na prática de crimes.

66. Até à idade de 27 anos A... Silva apresenta um trajecto de vida normativo, passado na sua maior parte na Alemanha, beneficiando de enquadramento familiar e social adequado e um trajecto escolar e laborai desenvolvido de forma regular, sendo mínimos os factores preditivos do seu percurso criminal.

67. O envolvimento em actividades ilícitas surge num primeiro momento limitado num curto espaço de tempo, após uma ruptura conjugal, tendo sofrido os primeiros confrontos com o sistema judicial e penitenciário.

68. No período seguinte logra aparentemente ultrapassar essas condutas, todavia a prática de novas actividades delituosas vem determinar a sua reclusão em 17.09.2007.

69. A sua conduta institucional tem sido correcta e participativa, revelando capacidades de trabalho.

70. Tem beneficiado de apoio afectivo e material dos familiares de origem que se afiguram elementos fundamentais e facilitadores do seu processo de reinserção social.

71. Tem vários antecedentes criminais, conforme CRC de fls. 996-1015, a saber:

1. Foi condenado, por acórdão proferido no dia 25 de Fevereiro de 2000, transitado em julgado no dia 13 de Março de 2000, no PCC n.º 172/99, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Lamego, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, pela prática de um crime de furto qualificado, cometido no dia 1 de Março de 1999;

2. Foi condenado, por acórdão proferido no dia 27 de Março de 2000, transitado em julgado no dia 5 de Junho de 2000, no PCC n.º 2/2000, do Tribunal Judicial da Comarca de Fornos de Algodres, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, pela prática de um crime de furto qualificado, cometido no dia 23 de Abril de 1999. Pena esta que foi declarada extinta;

3. Foi condenado, por acórdão proferido no dia 23 de Janeiro de 2001, transitado em julgado no dia 23 de Fevereiro de 2001, no PCC n.º 54/2000, do Tribunal Judicial da Comarca de Arganil, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, pela prática de um crime de furto qualificado, cometido no dia 27 de Março de 1999. Pena esta que foi declarada extinta;

4. Foi condenado, por acórdão proferido no dia 13 de Março de 2001, transitado em julgado no dia 28 de Março de 2001, no PCC n.º 231/2000, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, pela prática de um crime de furto qualificado, cometido no dia 21 de Abril de 1999; pena esta que foi declarada extinta;

5. Foi condenado, por acórdão proferido no dia 5 de Abril de 2001, transitado em julgado, no PCC n.º 6/2001, do Tribunal Judicial da Comarca de Arganil, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, pela prática de um crime de furto qualificado, cometido no dia 9 de Março de 1999. Neste processo procedeu-se ao cúmulo superveniente das penas aplicadas nesse processo e nos citados processos n.ºs 172/99 e 54/2000, ficando o arguido A... condenado na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, por acórdão de 3 de Julho de 2001, transitado em julgado no dia 3 de Julho de 2001;

6. Foi ainda condenado, por sentença proferida no dia 16 de Junho de 2004, transitada em julgado no dia 1 de Julho de 2004, no PCS n.º 65/99.6GTALQ, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Cartaxo, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de € 10,00 pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, cometido no dia 21 de Novembro de 1998; pena esta que o arguido cumpriu.

7. Foi ainda condenado, por sentença proferida no dia 15 de Março de 2001, transitada em julgado no dia 1 de Junho de 2005, no PCS n.º 27/99.3 GACLB, do Tribunal Judicial da Comarca de Celorico da Beira, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 2,50, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, cometido no dia 27 de Janeiro de 1999; pena que o arguido cumpriu, mediante cumprimento da prisão subsidiária;

8. Foi ainda condenado, por sentença proferida no dia 17 de Fevereiro de 2005, transitada em julgado no dia 20 de Dezembro de 2007, no PCS n.º 650/99.6 TBFIG, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Figueira da Foz, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, cometido no dia 27 de Janeiro de 1999;

9. Foi condenado, por acórdão proferido no dia 11 de Dezembro de 2007, transitado em julgado no dia 8 de Janeiro de 2008, no PCC n.º 8/99.7 GBGVA, do Tribunal Judicial da Comarca de Gouveia, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, pela prática de um crime de furto qualificado, cometido no dia 19 de Junho de 2002;

10. Foi ainda condenado, por sentença proferida no dia 14 de Abril de 2008, transitada em julgado no dia 14 de Maio de 2008, no PCS n.º 165/07.0 TASVV, do Tribunal Judicial da Comarca de Sever do Vouga, na pena de 8 meses de prisão, pela prática de um crime de evasão, cometido no dia 20 de Setembro de 2007;

11. Foi condenado, por acórdão proferido no dia 4 de Julho de 2008, transitado em julgado no dia 4 de Agosto de 2008, no PCC n.º 288/07.6 JAAVR, do Tribunal Judicial da Comarca de Sever do Vouga, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática de crimes de furto qualificado, roubo agravado, e detenção de arma proibida, cometidos no dia 4 de Setembro de 2007; neste processo procedeu-se ao cúmulo superveniente das penas aplicadas nesse processo e nos processos n.ºs 650/99.6 TBFIG e 165/07.0 TASVV, ficando o arguido A...Silva condenado na pena única de 5 anos, 9 meses e 60 dias de prisão, por acórdão de 7 de Novembro de 2008, transitado em julgado no dia 3 de Dezembro de 2008, conforme certidão de fls.1127 ss;

12. Foi condenado, por acórdão proferido no dia 27 de Outubro de 2009, transitado em julgado no dia 20 de Novembro de 2009, no PCC n.º 318/05.6 GASRE, do Tribunal Judicial da Comarca de Soure, na pena de 3 anos de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, cometido no dia 22 de Agosto de 2005; neste processo procedeu-se ao cúmulo superveniente das penas aplicadas nesse processo e nos processos 165/07.0 TASVV e 288/07.6 JAAVR, ficando o arguido A... condenado na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, por acórdão de 22 de Junho de 2010, transitado em julgado no dia 19 de Julho de 2010.

72. O arguido A... encontra-se preso no E.P. da Guarda, em cumprimento da pena de prisão aplicada neste PCC n.º 318/05.6 GASRE, do Tribunal Judicial da Comarca de Soure.

73. Na Alemanha o arguido A... tem também várias condenações em juízo, conforme CRC de fls. 996-1015, traduzido a fls. 1217-1224, a saber:

1. Pela prática de crime de burla cometido em 8.04.98, por decisão e 29.11.2000;

2. Pela prática de crime de infracção contra lei de seguro obrigatório cometido em 9.02.2002, por decisão de 6.05.2002;

3. Pela prática de crime de ofensa corporal dolosa, cometido em 27.11.2005, por decisão de 16.01.2006.

80. A arguida B... nasceu no seio de uma família numerosa, originária de … . Os pais, já falecidos, eram trabalhadores rurais e a família vivenciou ao longo do seu ciclo de vida dificuldades socio-económicas.

81. Dadas as dificuldades económicas da família, abandonou precocemente o sistema de ensino, com cerca de 13 anos de idade, apenas concluindo o 6.º ano de escolaridade.

82. Começou a trabalhar numa idade muito jovem e, ao longo do tempo, tem conseguido manter alguma regularidade em termos de exercício laboral.

83. Com a família nuclear já constituída, a arguida emigrou para os Estados Unidos da América, país de onde era natural o seu então marido, onde viveu durante cerca de cinco anos e trabalhou como supervisora numa fábrica de confecções.

84. Em termos emocionais a arguida iniciou uma relação de namoro em idade jovem, com aquele com quem viria a viver maritalmente e posteriormente casar-se. Deste matrimónio, nasceram os dois filhos da arguida.

85. Regressou a Portugal no ano de 2000 e, em conjunto com o então marido, iniciaram actividade no ramo da compra e venda de sucata, que mantiveram até 2006/2007, altura em que ocorreu também a ruptura da relação conjugal, ficando os menores entregues aos cuidados maternos.

86. Esta ruptura relacional é sentida pela arguida como um ponto de viragem na sua estabilidade emocional e económica.

87. Após a separação e posterior divórcio, a arguida sentiu dificuldades económicas.

88. À data dos factos a arguida mantinha uma relação de namoro com o arguido A..., vivenciando com este entre Fevereiro e Setembro de 2007 (data em que o então namorado foi preso) um período muito conturbado que corresponde à sua identificação em vários processos judiciais.

89. Tem revelado empenho em reorganizar a sua vida, mantendo ocupação laboral como empregada doméstica em casas particulares e trabalhando sazonalmente na agricultura no estrangeiro.

90. Desde o dia 15 de Fevereiro de 2011 frequenta um curso profissional, com equivalência ao 9.º ano de escolaridade, o que conseguiu por intermédio da sua inscrição no Centro de Emprego.

91. Encontra-se motivada para as aprendizagens, perspectivando poder vir a exercer na respectiva área de formação.

92. A arguida reside com os seus dois filhos e com a neta, com cerca de um ano de idade, fruto de uma gravidez não planeada da sua filha mais nova.

93. A situação económica da arguida fragilizou-se, tendo em conta as despesas decorrentes do nascimento da bebé bem como da renda de casa que agora paga, no valor de cerca de € 250,00 mensais.

94. A filha da arguida apresenta problemática comportamental, estando a ser apoiada pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens de  … e tendo sido entregue à avó a guarda da bebé.

95. A família é beneficiária do Rendimento Social de Inserção e, no âmbito do curso que a arguida frequenta, é também apoiada para o pagamento da mensalidade da creche da neta.

96. B... mostra-se empenhada em prosseguir um projecto de vida consentâneo com o ordenamento socio-jurídico, não existindo indicadores que a sua prática criminal tenha persistido no tempo.

97. Tem cumprido de forma satisfatória os objectivos e acções delineados no seu plano de reinserção social.

98. Na sua comunidade de residência goza actualmente de uma imagem social positiva, associada a hábitos de trabalho e adequada integração social. Beneficia do apoio próximo dos elementos da sua família de origem que ainda residem em … .

99. Tem vários antecedentes criminais, conforme CRC de fls. 817 ss, a saber:

1. Foi condenada, por sentença proferida no dia 14 de Janeiro de 2008, transitada em julgado no dia 19 de Fevereiro de 2008, no PCS n.º 129/04.6 TAVIS, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, na pena de 260 dias de multa, à taxa diária de €5,00 pela prática de um crime de burla qualificada, cometido no dia 4 de Dezembro de 2003;

2. Foi condenada, por acórdão proferido no dia 4 de Julho de 2008, transitado em julgado no dia 4 de Agosto de 2008, no PCC n.º 288/07.6 JAAVR, do Tribunal Judicial da Comarca de Sever do Vouga, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, pela prática de crimes de furto qualificado, roubo agravado, e detenção de arma proibida, cometidos no dia 4 de Setembro de 2007, conforme certidão de fls.1127 ss;

3. Foi condenada, por sentença proferida no dia 27 de Maio de 2010, transitada em julgado no dia 24 de Junho de 2010, no PCS n.º 58/09.7 IDVIS, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Mangualde, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de €10,00 pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, cometido no dia 5 de Junho de 2009.

2.2. Por outro lado, relativamente a factos não provados, consignou-se no mencionado aresto que:

De resto não se provaram outros factos relevantes para a boa decisão da causa designadamente que:

a) No primeiro assalto ao U... o arguido A...tivesse telefonado ao arguido C... para este se dirigir à residência da arguida B..., a fim de os acompanhar ao “U...”;

b) Neste assalto os arguidos tivessem utilizado a viatura de marca “Opel, modelo “Astra”;

c) Ainda neste primeiro assalto ao U..., os arguidos também tivessem subtraído 3 tampas em cobre de três colunas/vasos;

d) Após este primeiro assalto ao U..., os arguidos se dirigiram para a zona de Talhadas, Sever do Vouga, onde deixaram a carinha e o material escondidos, ali regressando o arguido A... e D... no dia seguinte para venderem o material numa sucata em Talhadas;

e) Ainda neste primeiro assalto ao U..., antes de saírem do local, o arguido A... destruiu a fechadura do portão localizado nas traseiras das instalações para assim iludir o proprietário e as autoridades quanto ao modo como acederam ao interior do U..., nomeadamente quanto à posse de chaves falsas;

f) Ainda neste primeiro assalto ao U..., os arguidos subtraíram cantaras e crivos em número superior ao dado como provado;

g) O fornecimento, montagem e tubagem de 16 grupos de colunas e refrigerantes, mais uma coluna e um aparador em inox, 20 capacetes ou tampas, 20 tubos de rodopiar e 20 crivos, tudo material novo, ascende ao montante total de € 233.232,00, IVA incluído;

h) Em consequência da perda do equipamento e material subtraído, a destilaria do ofendido G... esteve sem funcionar na campanha vínica de 2010 nem funcionará nas seguintes;

i) O arguido D... de algum modo tivesse participado em qualquer dos assaltos ao U...;

j) Para acederem ao interior do U..., em qualquer das ocasiões, os arguidos tivessem utilizado a chave da fechadura de qualquer porta daquele;

k) No assalto ao citado estaleiro a carrinha de marca “Mitsubishi, modelo Canter”, fosse conduzida pela arguida B...;

l) Os prumos, bases de ferro e acrescentos se encontrassem e tivessem sido retirados do interior do armazém do estaleiro;

m) Para substituir os objectos furtados, a sociedade “ZZ..., Lda.” irá adquirir outros novos que terão um custo bastante superior;

n) A actuação dos arguidos causou insegurança, preocupações, incómodos e despesas com deslocações à sociedade “ZZ..., Lda.”;

o) Com a aquisição da nova viatura o ofendido H... e a sua família ficaram com as suas finanças totalmente debilitadas.

2.3. Por fim, tem o teor que segue a motivação probatória constante da mencionada decisão recorrida:

Quanto às condições de vida dos arguidos o tribunal baseou-se nas declarações dos próprios a esse respeito, ressalvado o arguido C... que faltou à audiência de julgamento, conjugadas com os relatórios sociais dos arguidos A... e B..., bem assim o depoimento da testemunha L..., ex-companheira do arguido A..., que depôs sobre o relacionamento que teve com este, e das testemunhas  ……, estes das relações do arguido F..., a última sua companheira, que depuseram sobre o carácter e vivencia do mesmo.

Já sobre os factos típicos, na falta do arguido C... e silêncio dos arguidos A... e B..., o tribunal formou a sua convicção desde logo nas declarações dos arguidos E...e F...que no essencial confessaram os factos que lhes são imputados.

Assim, o arguido E...confirmou que desde Fevereiro de 2007 até à prisão do arguido A... (esta em 17.09.2007) integrou com os arguidos A..., C..., B... e F...um grupo organizado, chefiado pelo primeiro, que se dedicava exclusivamente à prática reiterada de assaltos como forma de obter proveitos para o respectivo sustento, não tendo qualquer deles outra profissão, actividade ou ocupação.

Esclareceu ainda que o arguido A... ficava com o produto dos assaltos, pagando a si e aos demais participantes, ressalvada a arguida B..., porque sua namorada, uma dada quantia, que explicou, pela participação em cada assalto, como ocorreu nos episódios em causa, facto também confirmado pelo arguido F....

Neste contexto o arguido E...confessou, tal como o arguido F..., o assalto ao citado U... na noite de 11 para 12 de Setembro de 2007, a hora que os dois indicaram[5], descrevendo ambos a sua dinâmica, os actos por todos praticados e os bens subtraídos, incluído o camião Mercedes ali aparcado que reconheceram na foto de fls. 95, mais esclarecendo os indivíduos que nele participaram e a medida da sua intervenção, tudo nos moldes descritos na factualidade provada.

Ambos excluíram de qualquer dos furtos em que participaram o arguido D..., factos aliás negados pelo próprio, tendo o arguido E...justificado de forma convincente que o arguido A... logrou abrir a destilaria mediante arrombamento da fechadura de uma das portas.

Confirmando detalhadamente como se deslocaram para o local e se propunham transportar os bens subtraídos, referiram que uma vez encontrado o camião no interior do U..., carregado o mesmo, abandonaram o lugar com o arguido A... ao volante desse veiculo, como tudo explicaram circunstanciadamente.

O arguido E...confirmou ainda o destino dos objectos assim subtraídos, inicialmente descarregados na residência do arguido D...,  , vindo o camião a ser encontrado e apreendido no dia 13 de Setembro de 2007, pelas 18:00 horas, junto do aeródromo de Viseu, conforme auto de apreensão de fls. 92, local onde fora abandonado pelo arguido A....

O arguido E...acrescentou que os arguidos A..., B...e C... lhe confessaram terem cometido o primeiro assalto ao mesmo U..., em momento anterior àquele em que participou, mais esclarecendo que nunca assaltavam o mesmo sítio sem deixar passar algum tempo.

Confirmando a subtracção da viatura, de marca “Mitsubishi, modelo Canter, furtada em Condeixa, o arguido E...adiantou que a mesma era habitualmente usada nos assaltos no transporte do material furtado.

De resto, também o arguido C... procedeu à reconstituição desse primeiro assalto no U...[6], do que foi lavrado o auto de fls. 416-8 e colhida a reportagem fotográfica constante de fls. 419-422, e do assalto ao estaleiro da sociedade “ZZ..., Lda.”, conforme auto de fls. 71-3 e reportagem de fls. 74-5 do apenso n.º 453/07.6 GCVIS (apenso verde), explicando o trajecto percorrido, as condições e meios utilizados para o transporte dos assaltantes e do material furtado, bem assim a dinâmica do assalto e actos praticados por aqueles, como indicou nos respectivos locais, conforme melhor explicitado no auto de reconstituição.

É inegável que estas reconstituições, devidamente documentadas em auto e registo fotográfico, valem como meio de prova autónomo sobre os factos a que se referem, isto é, como meio válido de demonstração da existência desses factos, a valorar, como os demais meios probatórios, segundo as regras a experiência e a livre convicção do tribunal – art.º 127.º, do C. Proc. Penal.

E dispondo-se o arguido C... a participar naquelas reconstituições, o que fez de livre e espontânea vontade, não se trata aqui de valorar as suas declarações prévias e/ou contemporâneas que tenham co-determinado os termos e o resultado dessas diligências[7].

De resto, possibilitado o respectivo contraditório, a defesa não adiantou em julgamento qualquer explicação plausível para a reprodução dos factos assim realizada e o modo como o arguido C... o fez.

Ademais, o arguido E...confessou também ter participado com os arguidos A..., B... e C... no assalto ao referido estaleiro na noite de 14 para 15 de Junho de 2007, descrevendo as circunstâncias de tempo e lugar em que tanto ocorreu.

Relatando a dinâmica deste furto, o arguido E...referiu de forma detalhada as condições e meios utilizados para o transporte e os actos praticados por cada um deles, afirmando ter sido o arguido A... quem rebentou a fechadura da porta do armazém situado no interior do estaleiro, confirmando os bens subtraídos designadamente a viatura Renault, modelo “Laguna”, ali estacionada num telheiro.

Acrescentou que o arguido A... também ficou com esta viatura, na qual apôs chapas de matricula alemã para circular com a mesma, facto aliás corroborado na reconstituição do arguido C..., conforme auto de fls. 71-3 do apenso n.º 453/07.6 GCVIS (apenso verde), que explicou ter visto esse veiculo com a matricula alemã.

De referir que a testemunha O..., 60 anos, construtor civil, sócio-gerente da sociedade “Construções ZZ..., Lda.”, confirmou o estado da rede e do portão de entrada do estaleiro, conforme relatório de inspecção e reportagem de fls. 6-9 do apenso n.º 453/07.6 GCVIS (apenso verde), em termos que sugerem para além de qualquer dúvida o sobredito modo como os assaltantes ali entraram, infirmando assim o afirmado pelo arguido E...quanto à introdução dos arguidos através de um buraco que já existia na rede, sendo todavia consonantes quanto ao rebentamento da fechadura do portão do armazém/barracão, do interior do qual – afirmou – foram retirados os martelos eléctricos e a chave da viatura aparcada no telheiro.

Foram ainda ponderadas as declarações sinceras, isentas e coerentes desta testemunha sobre a composição e utilidade do estaleiro assaltado, esclarecendo as circunstâncias em que ocorreu e indicando os bens furtados, sua localização e valores, conforme listagem já apresentada a fls. 167, aqui incluído o veículo de matrícula 80-93-VG, marca “Renault”, modelo “Laguna”, pertença de H..., funcionário da citada sociedade.

Corroborando as declarações prestadas pelo gerente da sociedade “ZZ..., Lda.”, a testemunha Artur Bastos Silva, 46 anos, e o ofendido H..., 38 anos, ambos funcionários desta sociedade, relataram os bens furtados do estaleiro, sua localização e valores, objectos jamais recuperados, aqui incluído o dito “W...”, propriedade deste último.

O ofendido H... depôs ainda sobre o estado da viatura e o recheio que ali se encontrava, cujo valor explicou.

Como nenhum destes bens foi recuperado, o ofendido H...teve de comprar, disse, um Renault Clio, pelo preço de € 6.500,00, o que só ocorreu em consequência da perda daquela outra sua viatura, cuja falta provocou tristeza, nervos e mal-estar ao casal, como é natural à luz da experiência comum.

Tanto mais que ao tempo o casal ainda estava a pagar o veiculo furtado, explicando o ofendido a utilização habitual do mesmo.

Já o demandante G..., 67 anos, reformado bancário, depôs sobre as circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreram os dois assaltos no seu U..., descrevendo o estado em que o encontrou em cada uma dessas ocasiões. 

Reportado a cada um dos assaltos, o ofendido identificou também os objectos subtraídos, suas características e estado, incluída a documentação retirada, em quantidade e valores nunca inferiores aos dados como provados, o que jamais foi recuperado, exceptuado o camião também furtado.

Confirmando a destruição do portão e respectiva fechadura, bem assim a fechadura da porta de uma coluna, o ofendido explicou o valor despendido com a sua reparação, à semelhança das relatadas despesas que teve com o reboque e reparação da sua viatura pesada de mercadorias, marca “Mercedes Benz”, matrícula  … (foto fls. 95), cujo valor também indicou, explicando as facturas/vendas a dinheiro de fls. 654-6.

Camião aparcado no U... e que os assaltantes também levaram aquando do segundo assalto, aparecendo abandonado junto do aeródromo de Viseu, onde foi encontrado e apreendido.

Referiu o sentimento de abalo, tristeza e desgosto provocados pela subtracção de todos aqueles bens da sua destilaria, onde passava algum tempo da sua reforma, vendo-a sem funcionar, por causa da falta do equipamento e material subtraído, durante as campanhas vínicas de 2007, 2008 e 2009, deixando de auferir nesses anos nunca menos de € 2.500,00 correspondentes lucro líquido anual da destilaria.

Referiram-se ainda à circunstância de G... ter ficado muito abatido com estes assaltos, as testemunhas … , ambos das relações do citado ofendido.

No tocante ao elemento subjectivo dos crimes em causa foram consideradas as regras da experiência comum em face do contexto e condições em que os factos foram praticados e da actuação dos arguidos.

Por fim, o tribunal assentou ainda a sua convicção:

- Do apenso n.º 223/07.1 GCVIS (principal): relatório de inspecção e reportagem de fls. 7-12, auto de apreensão do camião Mercedes de fls.92, foto de fls. 95, relatório de inspecção e reportagem de fls. 102-5, listagem de material furtado de fls. 167, auto de reconstituição e reportagem de fls. 416-422, facturas/vendas a dinheiro de fls. 654-6 e 664, relatório social de fls. 799-802 e 1250-5, certificados de registo criminal de fls. 817-859, 996-1015, 1018-9, fls. 1217-1224, certidão de decisão condenatória de fls. 1087-1093 e fls. 1127-1170; 

- Do apenso n.º 453/07.6 GCVIS (apenso verde): relatório de inspecção e reportagem de fls. 6-9, listagem de material furtado de fls.167, auto de reconstituição de fls. 71-3 e reportagem de fls. 74-5; todos examinados em julgamento.

Quanto aos factos não provados a convicção do tribunal alicerçou-se na falta de consistência da prova sobre os mesmos produzida, em resultado, nomeadamente, de não terem sido carreados para os autos outros elementos probatórios credíveis e com força bastante para os sustentar.

O tribunal baseou ainda na análise crítica e ausência de prova a este respeito nomeadamente testemunhal, já que os inquiridos revelaram nesta parte menor coerência, espontaneidade, segurança e consistência no seu testemunho, sendo certo que os documentos juntos tão pouco atestam por si só a matéria não provada como sucede com a proposta da Vieirinox de fornecimento de bens de fls. 657.

                                                        *

III – Fundamentação de Direito.

3.1. O objecto de um recurso penal é definido através das conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – art.ºs 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal –.

Na realidade, de harmonia com o disposto no n.º 1, daquele art.º 412.º, e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. – Acs. de 13 de Maio de 1998; de 25 de Junho de 1998 e de 3 de Fevereiro de 1999, in, respectivamente, BMJ´s 477/263; 478/242 e 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19 de Outubro de 1995, in Diário da República, I.ª Série – A, de 28 de Dezembro de 1995).

São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – ditos art.ºs 403.º, n.º 1 e 412.º, n.ºs 1 e 2. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2.ª edição, 2000, fls. 335, “Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões.”

Nesta perspectiva, e porque não ocorre qualquer circunstância conducente à aludida intervenção oficiosa, vistas as conclusões apresentadas pelos recorrentes, questões a resolver serão, pois:

(recurso do arguido A...)

- Aquilatarmos se o aresto sob censura padece de nulidade, por falta de fundamentação relativamente à decretada absolvição do arguido D... (conclusões 18.ª a 20.ª).

- Da indevida ponderação no mesmo, como provados, dos factos insertos nos itens I, II, III e IV, bem como dos pontos 27 a 34 e 37 a 40 (conclusões 1.ª a 17.ª e 21.ª 47.ª).

- Acaso se mantenha tal matéria, alterado o seu enquadramento jurídico, ou, concedendo, mesmo a subsistir o então efectuado, se, sempre, o sancionamento penal devido deve ser em medida inferior ao decretado (conclusões 48.ª a 63.ª).

(recurso da arguía B...)

- Da indevida ponderação como provados dos factos insertos no item I do acórdão sindicado (conclusões 1.ª e 2.ª).

- Acaso deva manter-se o sancionamento penal da recorrente, se, todavia, o quantum de pena aplicado o foi em medida excessiva (conclusões 3.ª e 4.ª).

- Devendo, após redução, ser decretado como suspenso na respectiva execução (conclusão 5.ª).

Embora esta constituísse a ordem lógica de apreciação (autónoma) de cada uma das questões elencadas, certo é que a ponderação da primeira delas apenas será feita (e aí perspectivada) aquando da apreciação da segunda oposta pelo arguido.

Na verdade, a reapreciação da matéria de facto, tal como colocada por este mesmo arguido, desdobra-se em várias vertentes e então assumirá real alcance também da alegada e pretensa nulidade.

Vejamos, então:

3.2. De acordo com o art.º 428.º, do Código de Processo Penal, As relações conhecem de facto e de direito.

Movendo-se no âmbito daquela primeira forma de impugnação, controverte o recorrente da prova dos factos elencados sob os itens I, II, III e IV, bem como dos pontos 27 a 34 e 37 a 40 do aresto em causa.

Por seu lado, aponta a recorrente da indevida consideração, como provado, do elencado sob I.

Para tanto, esgrime o primeiro, em redor do valor atribuído ou menosprezado pelo tribunal a quo relativamente a meios de prova e princípios essenciais que devem nortear a apreciação da prova, a saber: do limite que há-de conceder-se às declarações prestadas em audiência por um co-arguido; do valor probatório que comporta a reconstituição do facto; do alcance do princípio do in dúbio pro reo e, por fim, do conteúdo do princípio da livre apreciação da prova.

Já a arguida questiona do alcance das declarações do co-arguido E... para prova do consignado naquele item I.

Uma breve referência sumária relativamente a cada um desses temas, antecederá da ponderação do caso presente.

3.2.1. Integra hoje entendimento jurisprudencial pacífico aquele segundo o qual nada impede que um arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova – art.ºs 140.º, n.º 2 e 128.º, ambos do Código de Processo Penal –, ou seja, tanto sobre factos que só a ele digam directamente respeito, como sobre factos que também respeitem a outros arguidos[8]. Não estamos perante prova proibida, como resulta da conjugação dos art.ºs 125.º e 126.º, desse diploma. As declarações sobre o objecto do processo prestadas por um arguido, como todos sabem, constituem um meio de prova a apreciar livremente pelo Tribunal[9].

A propósito, coligimos no mencionado acórdão de que fomos relator dois outros arestos do STJ que acompanhamos e que passamos a citar, apesar da sua extensão, por serem elucidativos da posição ali seguida.

Assim, num primeiro exarou-se[10]:

“ (...) Quanto ao valor das declarações do co-arguido. Dispõe o art.º 133.º do CPP: «1. Estão impedidos de depor como testemunhas: a) O arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade; b) As pessoas que se tiverem constituído assistentes, a partir do momento da constituição; c) As partes civis. 2. Em caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo podem depor como testemunhas, se nisso expressamente consentirem.»

Face a este preceito, designadamente à al. a) do n.º 1, tem sido questionado se o arguido está absolutamente impedido de testemunhar no próprio processo em que figure com essa qualidade. A Doutrina já respondeu que os arguidos não estão impedidos de produzir prova “por declarações do arguido no decurso do julgamento, nos termos dos art.ºs 140.º e seguintes, como decorre, entre outros, do disposto nos art.ºs 343.º e 345.º, todos do CPP, mas que essas declarações – na decorrência de co-arguição – não podem validamente ser assumidas como meio de prova relativamente aos outros arguidos.

Rodrigo Santiago, (Reflexões sobre as “Declarações do Arguido” como Meio de Prova no CPP de 1987) conclui deste jeito: “1. os co-arguidos estão impedidos de ser testemunhas relativamente uns aos outros, adentro do mesmo processo, em caso de co-arguição e nos limites desta, como decorre do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 133.º do CPP; 2. não estão, todavia, impedidos de produzir prova “por declarações do arguido no decurso do julgamento, nos termos dos art.ºs 140.º e seguintes, como decorre, entre outros, do disposto nos art.ºs 343.º e 345.º, todos do CPP. Porém; 3. as declarações assim prestadas por um ou mais dos co-arguidos – na decorrência, repete-se, de co-arguição – não podem validamente ser assumidas como meio de prova relativamente aos outros; 4. servindo tais declarações, única e exclusivamente, como meio de defesa do arguido ou arguidos que as tiverem prestado – art.º 343.º, n.º 2 do CPP. Logo, se 5. da motivação da sentença, nos termos do art.º 374.º, n.º 2, in fine, do CPP constar que as declarações dos co-arguidos contribuíram irrestritamente para a formação da convicção do Tribunal, verifica-se uma nulidade do julgamento, por assunção de um meio de prova proibido.”

Mas a propósito da mesma questão do depoimento de co-arguido, enquanto meio proibido ou não de prova, também se concluiu pela não proibição, lembrando, no entanto, que se trata de um meio de prova frágil, que impõe o controle pela defesa do co-arguido e prefere a corroboração por outras provas. Teresa Beleza conclui assim (Revista do Ministério Público, Ano 19, 58 e 59): “O depoimento de co-arguido, não sendo, em abstracto, uma prova proibida em Direito português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito menos para sustentar uma acusação. Não tendo esse depoimento sido controlado pela defesa do co-arguido atingido nem corroborado por outras provas, a sua credibilidade é nula. Na medida em que esteja totalmente subtraído ao contraditório, o depoimento de co-arguido não deve constituir prova atendível contra o (s) co-arguido (s) por ele afectado (s). A sua valoração seria ilegal e inconstitucional.”

Entendeu o Tribunal Constitucional que é inconstitucional, por violação do art.º 32,º, n.º 5, da CRP, a norma extraída com referência aos art.ºs 133.º, 343.º e 345.º do CPP, no sentido em que confere valor de prova às declarações proferidas por um co-arguido em prejuízo do outro co-arguido quando, a instâncias deste outro co-arguido, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio (Ac. n.º 524/97, de 97/07/14, DR II S de 97-11-27). No mesmo sentido o Ac. do STJ de 25-2-99 (Acs STJ VII, 1, 229), “está vedado ao tribunal valorar as declarações de um co-arguido, proferidas em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio, sob pena de violação do art.º 32.º, n.º 5 da CRP.” Cfr. ainda o Ac. do STJ de 7-2-01 (proc. n.º 4/00-3): “As declarações que os arguidos prestem estão tuteladas na sua produção e no seu âmbito pelo estatuto próprio do arguido, devendo ser sujeitas ao princípio do contraditório na medida em que afectem o co-arguido, não valendo contra este se esse contraditório não puder ser estabelecido, mormente pela oposição do arguido produtor da prova.” No sentido de os cuidados que se impõem ao Tribunal deverem redobrar quando as circunstâncias ou direito ao silêncio impediram ou limitaram o exercício do contraditório pelo co-arguido, mas que não impede a livre apreciação por parte do tribunal, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques (CPP Anotado, I, pág. 727). E conclui-se igualmente que é a posição interessada do arguido, a par de outros intervenientes citados nesse art.º 133.º, que dita o impedimento, o que significa que nada obsta a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade, o que acarreta que, não sendo meio proibido de prova, as declarações do co-arguido podem e devem ser valoradas no processo, não esquecendo o tribunal a posição que ocupa quem as prestou e as razões que ditaram o impedimento deste artigo. Como referem aqueles autores (pág. 726-7): “Parece-nos, contudo, que a interpretação correcta deverá repousar na consideração de que o arguido, só porque o é, não estará sem mais impedido de prestar declarações no próprio processo em que se encontra envolvido. O legislador pretendeu, em primeira linha, construir no Código a figura do arguido, assegurando-lhe todos os meios de defesa mesmo através de si próprio, pelo que, se o entender necessário à sua defesa, poderá usar o amplo direito que lhe assiste a ser ouvido. E a defesa desta posição leva a que o arguido ou co-arguido não possam ser ouvidos no mesmo processo ou processos conexos como testemunhas, ou seja como intervenientes que não só são obrigados a prestar declarações, como a fazê-lo com verdade (art.º 91.º) por tal ser incompatível com a sua posição de interessados no desfecho do processo e com o seu direito ao silêncio. De notar que no mesmo n.º 1 deste artigo, nas als. b) e c), e por identidade (parcial) de razões, também os assistentes e as partes civis estão impedidos de depor como testemunhas, interessados que também são no mesmo desfecho. É, pois, esta posição interessada que dita o impedimento, posição reforçada no caso do arguido, dado o seu estatuto especial. Isso mesmo entendeu o STJ ao decidir que este artigo visa proteger o próprio impedindo-o de depor contra si, nada porém obstando a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade (Ac. de 96-10-17, BMJ, 460-399). Daqui decorre também que, não sendo meio proibido de prova, as declarações do co-arguido nele podem e devem ser valoradas no processo, não esquecendo o tribunal a posição que ocupa quem as prestou e as razões que ditaram o impedimento deste artigo. Cuidado que deve redobrar quando as circunstâncias ou direito ao silêncio impediram ou limitaram o exercício do contraditório, mas que não impede, a nosso ver, a livre apreciação por parte do tribunal.” Este Tribunal afirmou, impressivamente (Ac. de 3-5-00, Acs STJ VIII, 2, 180): “não há qualquer impedimento legal em que as declarações dos co-arguidos sejam valoradas, segundo o prudente critério do tribunal, em conjunto com os outros meios de prova.” E tem sido neste último sentido que se tem formado a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito decidiu-se que “ (1) a crítica feita no sentido de que não seria lícita a utilização das declarações dos arguidos como meio de prova contra os outros, não tem razão de ser em face do art.º 125.º, do CPP; (2) na verdade, este artigo estabelece o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, estabelecendo o art.º 126.º, aquelas que são proibidas, não constando deste elenco o caso das declarações dos co-arguidos. Estas são perfeitamente possíveis como meios de prova do ponto de vista da sua legalidade, como o são as declarações do assistente, das partes civis, etc.; (3) o que acontece é que a Lei Processual ao proibir que o arguido seja ouvido como testemunha, pretende, tão só, protegê-lo e impedi-lo, por exemplo, que venha a ser condenado por perjúrio” (Ac. do STJ de 03-06-1993, proc. n.º 44347). E que “o art.º 133.º do CPP apenas proíbe que os arguidos sejam ouvidos como testemunhas uns dos outros, ou seja, que lhes seja tomado depoimento sob juramento, mas não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo” (Ac. do STJ de 04-05-1994, proc. n.º 44383). “Nada impede que o arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só ele digam directamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos. O art.º 344.º, n.º 3 do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova, resultante das declarações do arguido” (Ac. do STJ de 30-05-1996, proc. n.º 498/96). No mesmo sentido o Ac. de 30-5-97 (proc. n.º 498/96): “(1) - Nada impede que um arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento e que constituam objecto de prova, quer de factos que só a ele digam directamente respeito, como sobre factos que também respeitem a outros arguidos. (2) - O n.º 3 do art.º 344.º do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova resultante das declarações do arguido, mas apenas que, nesses casos, as declarações do arguido não têm o valor de força probatória pleníssima que deve ser atribuída aos casos do n.º 2.” Claramente no sentido sustentado pelos últimos autores referidos, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça que a proibição constante do art.º 133.º do CPP, tem um objectivo muito próprio: o de garantir ao arguido o seu direito de defesa, que facilmente se mostraria incompatível com o dever de responder, e com verdade, ao que lhe fosse perguntado, com as sanções inerentes à recusa de resposta ou à resposta falsa. Porém, apesar do seu regime específico, as declarações de um co-arguido não deixam de ser um meio de prova, cujas limitações o não privam da virtualidade de influenciarem relevantemente, ou até fundamental ou exclusivamente, a convicção dos julgadores (Ac. do STJ de 10-12-1996, proc. n.º 48697). “O sentido da norma do art.º 133.º, n.º 1, al. a), do CPP é o de que com ela se intenta proteger o próprio arguido, impedindo-o de depor contra si próprio, nada obstando a que preste declarações, nomeadamente para se defender de uma acusação ou aligeirar a sua responsabilidade nela.” (Ac. do STJ de 31-01-2001, proc. n.º 3574/00-3). No mesmo sentido o Ac. de 29-3-00 (proc. n.º 1134/99): “(1) - O que o art.º 133.º, do CPP, pretende evitar é que o arguido ou co-arguidos prestem declarações que sejam incriminatórias de si próprios. (2) - Um arguido que decide prestar declarações, ao indicar factos ou circunstâncias que excluam ou diminuam a ilicitude ou a sua culpa, relevando para a minoração da medida da pena, pode directa ou indirectamente contribuir para a prova incriminatória de outros arguidos. (3) - A lei processual, com todas as garantias a que o arguido tem direito – entre as quais se destaca a de guardar silêncio quanto aos factos de que é acusado – não vai ao ponto de impedir a prestação de declarações, de forma livre e espontânea, sejam elas ou não incriminatórias ou agravatórias da responsabilidade de outros intervenientes nos factos criminosos. (4) - De molde a evitar que os co-arguidos possam usar de reivindicta ou se desresponsabilizem recíproca ou multilateralmente, mandam as regras da experiência comum que se use de cautela na valoração de tais declarações.” “Se é certo que os arguidos no mesmo processo ou em processos conexos não podem depor como testemunhas, não é menos verdade que sempre podem prestar declarações, que o tribunal valorizará dentro das balizas do art.º 127.º do CPP.” (Ac. do STJ de 30-11-2000, proc. n.º 2828/00-5). Cfr. ainda o Ac. do STJ de 26-3-98 (proc. n.º 44/98): “Não existe qualquer disposição legal que proíba que as declarações de co-arguido possam valer como meio de prova, pelo que as mesmas poderão ser objecto de valoração por parte do tribunal, para fundamentar a sua convicção sobre os factos que dá como provados, dentro da regra da livre apreciação da prova.” “As declarações de co-arguido são meios admissíveis de prova e, como tal, podem ser valoradas pelo tribunal para fundar a sua convicção acerca dos factos que dá como provados. O art.º 133.º do CPP, o que proíbe é que os co-arguidos sejam ouvidos como testemunhas, mas não impede que os arguidos da mesma infracção possam prestar declarações (cuja credibilidade é, naturalmente, mais diluída), no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo (art.º 343, n.º 1, do CPP) (Ac. do STJ de 23-10-1997, proc. n.º 679/97). Deve, assim, entender-se, em síntese, que é a posição interessado do arguido, a par de outros intervenientes citados no art.º 133.º do CPP, que dita o seu impedimento para depor como testemunha, o que significa que nada obsta a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade, o que acarreta que, não sendo meio proibido de prova, as declarações do co-arguido podem e devem ser valoradas no processo, não esquecendo o tribunal a posição que ocupa quem as prestou e as razões que ditaram o impedimento deste artigo. A crítica feita no sentido de que não ser lícita a utilização das declarações dos arguidos como meio de prova contra os outros, não tem razão de ser em face do art.º 125°, do CPP, pois este artigo estabelece o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, e do elenco das provas proibidas estabelecido no art.º 126.º do CPP não consta o caso das declarações dos co-arguidos, que são perfeitamente possíveis como meios de prova do ponto de vista da sua legalidade, como o são as declarações do assistente, das partes civis, etc. Pode, assim, afirmar-se que o art.º 133.º do CPP apenas proíbe que os arguidos sejam ouvidos como testemunhas uns dos outros, ou seja, que lhes seja tomado depoimento sob juramento, mas não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo, nada impedindo que o arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só ele digam directamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos. O art.º 344.º, n.º 3 do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova, resultante das declarações do arguido. Tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça que a proibição constante do art.º 133.º do CPP, tem um objectivo muito próprio: garantir ao arguido o seu direito de defesa, que facilmente se mostraria incompatível com o dever de responder, e com verdade, ao que lhe fosse perguntado, com as sanções inerentes à recusa de resposta ou à resposta falsa, mas, apesar do seu regime específico, as declarações de um co-arguido não deixam de ser um meio de prova, cujas limitações o não privam da virtualidade de influenciarem relevantemente, ou até fundamental ou exclusivamente, a convicção dos julgadores (Cfr. neste sentido os Acs. do STJ de 28-6-01, proc. n.º 1552/01-5, de 5.6.03, proc. n.º 976/03, de 22/06/2006, proc. n.º 1426/06-5 e de 8-2-2007, proc. 28/07-5, com o mesmo Relator). No mesmo sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no aresto citado e com a limitação indicada, hoje normativizada na nova redacção do art.º 345.º, n.º 4 do CPP dada pela Lei n.º 48/2007 de 29 de Agosto. Assim, não merece censura a posição das instâncias de que podiam valorar as declarações prestadas pelos co-arguidos.”

Por seu turno, escreveu-se no segundo deles[11]:

“ (...) Lateralmente os recorrentes... vêm renovar a decantada questão do depoimento do co-arguido sujeitando-o à necessidade de uma conjugação com outros meios de prova.

Reafirma-se sobre a questão o que oportunamente se referiu no Acórdão desta 3.ª secção de 12 de Março de 2008 nomeadamente no sentido de que não se desconhece o teor de algum posicionamento doutrinal que se suscitou anteriormente à Lei 48/84 sobre o valor das declarações do arguido como meio de prova. Arrancava tal assunção opinativa de um eixo fundamental: - a consideração de que o silêncio do arguido não poderia, em circunstância alguma, desfavorecê-lo. Todavia, o mesmo silêncio acabaria por prejudicar tal sujeito processual de forma efectiva, caso se aceitassem, como meio de prova as declarações do co-arguido, porquanto se o mesmo estivesse disposto a declarar, bem poderia ter abalado a eficácia da convicção atribuída a quem, com verdade, ou contra a verdade, concordou em prestar declarações. Na mesma lógica argumentativa se referia que o silêncio nunca podia desfavorecer o arguido sendo o exercício do direito ao silêncio a concretização do princípio da presunção de inocência ligado agora directamente ao princípio da preservação da dignidade. l. A culminar tal raciocínio afirmava-se que, atribuindo a lei a faculdade do arguido não estar presente em julgamento, a prestação de declarações por parte dos co-arguidos presentes não poderia ser contraditada pelos ausentes. Assim, concluíam os defensores de tal posição pela validade das seguintes regras processuais em relação aos depoimentos dos arguidos: 1 - Os co-arguidos estão reciprocamente impedidos de ser testemunhas, adentro do mesmo processo, em caso de co-arguição e nos limites desta, como decorre do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 133.º do Código de Processo Penal; 2 - Não estão, todavia, impedidos de produzir prova – a chamada prova por declarações do arguido – mesmo no decurso da audiência de julgamento, nos termos dos artigos 140.º e seguintes, como decorre, entre outros, do disposto nos artigos 343.º e 345.º, todos do Código de Processo Pena. Porém, 3 – As declarações assim prestadas, maxime as que o forem em audiência de julgamento, por um ou mais dos co-arguidos – na recorrência, repete-se, de co-arguição – não podem validamente ser assumidas como meio de prova relativamente aos outros, 4 – Servindo tais declarações, no âmbito da co-arguição, única e exclusivamente como meio de defesa. l do arguido ou arguidos que as tiverem prestado artigo 343.º, n º 2 do Código de Processo Penal. Logo, 5 – Se da motivação da sentença, nos termos do artigo 374.º, n.º 2, in fine, do referido diploma, constar que as declarações dos co-arguidos – verificados os supostos premonidos nas conclusões 1.ª e 3.ª, isto é, a circunstância da co-arguição – contribuíram irrestritamente para a formação da convicção do Tribunal, verifica-se uma situação de nulidade do julgamento, por violação do disposto nos artigos 323.º, alínea j) e 327.º, n.º 2, entre outros, todos do Código de Processo Penal. (Confrontar por todos R. Santiago R.P.D.C). Numa outra linha de orientação, menos assertiva, se situavam aqueles que integram as declarações do arguido num tertium genus, admitindo a sua valoração, desde que acompanhada por outros meios de prova. A este propósito, Teresa Beleza refere que “o depoimento do co-arguido, não sendo, em abstracto, uma prova proibida em Direito Português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito menos para sustentar uma condenação”, in Revista do Ministério Publico, n.º 74, pág.58. Outros autores entendiam que as declarações do co-réu deviam ser corroboradas, isto é o julgador teria de se socorrer de outros meios de prova que lhe permitam confirmar a credibilidade das mesmas (Medina de Seiça, in O conhecimento probatório do co-arguido, págs. 212 e segs.) concluindo, também, que, quando as declarações dos réus, referentes a co-réus não se encontravam corroboradas por qualquer outra prova o tribunal deveria ser entendido que não constituíam prova suficiente dos factos relatados, dando-os como não provados (conf. José Vasquez Sotelo, in Presuncion de Inocencia del Imputado e Intima Conviccion del Tribunal pág 134).” Relativamente à evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em relação a esta matéria nos dá noticia o Acórdão de 27 de Novembro de 2007. O eixo do posicionamento jurisprudencial do Supremo Tribunal de Justiça radica na ideia de que, fundamentalmente, o que está em causa é a posição interessada do arguido, que, assumido o seu impedimento para depor como testemunha, não obsta a que preste declarações, nomeadamente para esclarecer o tribunal sobre a sua responsabilidade criminal numa postura de colaboração na procura da verdade material. Sendo um meio de prova legal cuja admissibilidade se inscreve no artigo 125.º do Código de Processo Penal as declarações do co-arguido podem, e devem, ser valoradas no processo. Como referem Leal Henriques e Simas Santos, “Parece-nos, contudo, que a interpretação correcta deverá repousar na consideração de que o arguido, só porque o é, não estará sem mais impedido de prestar declarações no próprio processo em que se encontra envolvido. O legislador pretendeu, em primeira linha, constar no Código a figura do arguido, assegurando-lhe todos os meios de defesa mesmo através de si próprio, pelo que, se o entender necessário à sua defesa, poderá usar o amplo direito que lhe assiste a ser ouvido. E a defesa desta posição leva a que o arguido ou co-arguido não possam ser ouvidos no mesmo processo ou processos conexos como testemunhas, ou seja como intervenientes que não só são obrigados a prestar declarações, como a fazê-lo com verdade (art.º 91.º) por tal ser incompatível com a sua posição de interessados no desfecho do processo e com o seu direito ao silêncio. De notar que no mesmo n.º 1 deste artigo, nas als. b) e c), e por identidade (parcial) de razões, também os assistentes e as partes civis estão impedidos de depor como testemunhas, interessados que também são no mesmo desfecho. É assim a especial posição do arguido que dita o impedimento do mesmo a depor como testemunha dado o seu estatuto especial, nada porém obstando a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade.” Subscrevemos tal entendimento adiantando ainda que, em nosso entender, importa precisar alguma confusão que está subjacente à cruzada empreendida contra o arguido que produz depoimento incriminatório. Na verdade uma coisa são proibições de prova que são verdadeiros limites à descoberta da verdade, barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem objecto do processo e outra, totalmente distinta, a valoração da prova. Nesta ultima está implícita uma apreciação da credibilidade da prova produzida em termos legais. Portanto a questão que se coloca é tão só, e singelamente, saber se é válida processualmente a admissibilidade do depoimento do arguido que incrimina os restantes co-arguidos. A resposta é, quanto a nós, frontalmente afirmativa e dimana desde logo da regra do artigo 125.º do Código Penal que dispõe que são admitidas as provas que não forem proibidas por lei; por outro lado não se sente qualquer apoio numa interpretação rebuscada da Constituição que aponte a inconstitucionalidade de uma tal interpretação. Bem pelo contrário, a consideração de que o depoimento do arguido que é, antes do mais, um cidadão no pleno uso dos seus direitos, reveste à partida de uma capitis diminutio só pelo facto de ser arguido ofende o princípio da igualdade dos cidadãos. Portanto a questão que se coloca neste caso é, como em relação a todos os meios de prova, uma questão de credibilidade do depoimento do co-arguido. Esta credibilidade, como adiante precisaremos, só pode ser apreciada em concreto face às circunstâncias em que é produzida. O que não é admissível é a criação de regras abstractas de apreciação da credibilidade retornando ao sistema da prova tarifada, opção desejada pelo sistema inquisitorial. Assim, dizer em abstracto e genericamente que o depoimento do co-arguido só é válido se for acompanhado de outro meio de prova é uma subversão das regras da produção de prova sem qualquer apoio na letra ou no espírito da lei. Na verdade, conforme refere o Prof. Figueiredo Dias, o processo penal não pode existir validamente se não for presidido por uma directa intenção ou aspiração de justiça e de verdade. O que é tanto mais evidente quanto se recorde que por detrás da imposição de uma pena está uma finalidade de prevenção geral de integração e, portanto, uma exigência de verdade e de justiça na aplicação da sanção. Por outro lado, não obstante a descoberta da verdade material ser uma finalidade do processo penal não pode ela ser admitida a todo o custo, antes havendo que exigir da decisão que ela tenha sido lograda de modo processual válido e admissível e, portanto, com o integral respeito dos direitos fundamentais que no processo se vêem envolvidas. A protecção perante o Estado dos direitos fundamentais das pessoas surge, assim, também ela, como finalidade do processo penal. Afirmá-lo é também proteger o interesse da comunidade de que o processo penal decorra segundo as regras do Estado de Direito. São precisamente estas regras do Estado de Direito – que se prendem com os direitos fundamentais das pessoas e que exigem que a decisão final tenha sido lograda de um modo processualmente válido – que vão impedir, em certas situações, a obtenção da verdade material. Isto pode ocorrer, em concreto e p. ex., com a proibição da valoração das provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em gera/, ofensa da integridade física ou moral das pessoas. Se isto é assim, também é, no entanto, verdade que aquela que foi historicamente a arma do Estado de Direito a persistência na convicção de que, em todas as circunstancias, os direitos de cada um devem ser defendidos e a sua liberdade salvaguardada - tem vindo a ser relativizada: o Estado de Direito não exige apenas a tutela dos interesses das pessoas e o reconhecimento dos limites inultrapassáveis, dali decorrentes, à prossecução do interesse oficial na perseguição e punição dos criminosos. Ele exige também a protecção das suas instituições e a viabilização de uma eficaz administração da justiça pena, já que pretende ir ao encontro da verdade material. Assim, e vendo agora as coisas sob um outro prisma, em certas circunstâncias, para que os interesses assinalados se concretizem, necessário se torna pôr em causa direitos fundamentais das pessoas. O remédio para esta impossibilidade de harmonização integral das finalidades do processo penal, adianta o referido Mestre, estará numa tarefa – infinitamente penosa e delicada - de operar a concordância prática das finalidades em conflito. Tal tarefa implica, relativamente a cada problema concreto uma mútua compressão das finalidades em conflito, de forma a atribuir a cada uma a máxima eficácia possível: de cada finalidade há-de salvar-se, em cada situação, o máximo conteúdo possível, optimizando-se os ganhos e minimizando-se as perdas axiológicas e funcionais. Se o critério geral reside assim, não na validação da finalidade preponderante à custa da de menor hierarquia ao estilo da teoria do direito de necessidade jurídico-penal – mas sim numa optimização das finalidades em conflito, situações há no entanto em que se torna necessário eleger uma só das finalidades, por nelas estar em causa a intocável dignidade da pessoa humana. Do que se trata então é do princípio axiológico que preside à ordem jurídica de um Estado de Direito material: o principio da dignidade do homem, da sua intocabilidade e da consequente obrigação de a respeitar e proteger. Mas será que tal núcleo fundamental estará por alguma forma violado quando se admite como válido o depoimento incriminatório do arguido e em relação aos restantes arguidos. Será que os direitos de defesa dos seus companheiros no banco dos arguidos são minimamente atingidos se forem observadas as regras processuais de produção de prova? Será que o arguido que opta pelo direito ao silêncio adquire ope legis um direito de veto à produção de outra prova que não aquela que lhe convém? O direito de não se auto incriminar do arguido é conflitual como a colaboração do co-arguido na procura da verdade material? Estamos em crer que a resposta tem de ser necessariamente negativa. A admissibilidade do depoimento do arguido como meio de prova em relação aos demais co-arguidos não colide minimamente com o catálogo de direitos que integram o estatuto inerente àquela situação e está adequada á prossecução de legítimos e relevantes objectivos de política criminal nomeadamente no que toca á luta contra criminalidade organizada. Como refere o Professor Costa Andrade é evidente que ninguém coloca em causa o principio do nemo tenetur se ipsum accusare que deriva desde logo da tutela jurídico constitucional de valores ou direitos fundamentais como a dignidade humana, a liberdade de acção e a presunção de inocência em geral referenciados como a matriz jurídico constitucional do principio. A lei processual penal portuguesa contém uma malha desenvolvida e articulada de normas através das quais se assegura acolhimento expresso às mais significativas exigências do princípio nemo tenetur. A começar e em se tratando de factos pertinentes à culpabilidade ou medida da pena, o Código de Processo Penal garante ao arguido um total e absoluto direito ao silêncio (art.º 61.º, n.º 1, al. c). Um direito em relação ao qual o legislador quis deliberadamente prevenir a possibilidade de se converter num indesejável e perverso privilegium odiosum, proibindo a sua valoração contra o arguido. E tanto em se tratando de silêncio total (art.º 343.º, n.º 1) como em se tratando de silêncio parcial (art.º 345.º, n.º 1). Para garantir a eficácia e reforçar a consistência do conteúdo material do princípio nemo tenetur a lei impõe às autoridades judiciárias ou órgãos de polícia criminal, perante os quais o arguido é chamado a prestar declarações, o dever de esclarecimento ou advertência sobre os direitos decorrentes daquele principio (cfr., v. g., art.ºs 58.º, n.º 2; 61.º, n.º 1, al. a); 141.º, n.º 4 e 343.º, n.º 1). A eficácia de tais normas é contrafacticamente assegurada através da sanção da proibição de valoração. Porém, a proibição de valoração incide sobre o silêncio que o arguido adoptou como a melhor estratégia processual e, como é evidente, não poderá repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal e que venha a precisar e demonstrar a responsabilizar criminalmente o arguido. Seria necessária uma visão fundamentalista, e unilateral do processo penal, defender que o exercício do direito ao silêncio tivesse potencialidade para inquinar todo o meio de prova que, não obstante a sua regularidade, viesse a demonstrar a falência de tal estratégia de silêncio. É evidente que tal argumentação não é aceite para quem, nos processos de grande criminalidade organizada, aposta a defesa dos arguidos no seu silêncio conjunto por uma questão de estratégia processual. Porém, não são tais visões parcelares e parciais que irão contribuir para elucidar a questão em apreço. Bem ao contrário daquela perspectiva, estamos em crer que o eixo fundamental da mesma questão reside no facto de o depoimento incriminatório estar sujeito ás mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, a sua sujeição á regra da investigação; da livre apreciação e do princípio in dúbio pro reo. Assegurado que esteja o funcionamento de tais princípios e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo artigo 32.º da Constituição nenhum argumento subsiste á validade de tal meio de prova. Aliás, a partir do momento em que o arguido depõe no exercício do seu direito de defesa é evidente que as suas palavras têm uma dupla conotação: sendo emergentes de um inviolável direito de defesa elas são também um meio de prova. Não é possível, em termos práticos, separar aquela realidade concreta que é o depoimento do arguido considerando ora como um exercício legítimo de um direito ora como meio de prova.

Tal visão, para além de um inequívoco maniqueísmo, esquece que o processo penal visa a descoberta da verdade material e não de tantas realidades quanto aquelas que interessam aos diversos sujeitos processuais. Um dos eixos argumentativos aduzidos em favor da inadmissibilidade do referido depoimento situa-se num eventual direito á mentira que constaria da colectânea de direitos dos arguidos. Assim, argumenta-se, como credibilizar um depoimento produzido por alguém que tem o direito de mentir? A respeito de tal argumentação é importante esclarecer que uma mentira não é verdade pelo facto de ser repetida até á exaustão e que tal pressuposto é agora, como sempre foi, falso. Nenhum Estado de Direito digno desse nome outorga aos seus cidadãos o direito de mentir em qualquer circunstância e muito menos num processo penal. Já em 1974 Figueiredo Dias se pronunciava sobre um invocado direito a mentir repudiando-o decididamente. Afirmava o mesmo Professor que nada existe na lei, com efeito, que possa fazer supor o reconhecimento de um tal direito. As soluções legais em matéria de silêncio e de cessação do dever de colaboração explicam-se perfeitamente pela oposição que assim, se quer fazer à velha e odiosa ideia inquisitória, segundo a qual o arguido, enquanto meio de prova, poderia ser obrigado, inclusivamente através de meios de coacção física e psíquica, sem excluir a própria tortura, à prestação de declarações que o incriminassem. E sabe-se como todo o processo penal reformado fez de uma tal oposição um dos seus propósitos mais salientes. Mas sendo assim, poderia pensar-se (e não faltam autores a lançarem-se, mais ou menos profundamente, nesta via de compreensão das soluções legais) que, podendo o arguido optar livremente entre o silêncio ou o prestar declarações, caso escolhesse esta segunda possibilidade continuaria a recair sobre ele um dever de verdade, ou como mero dever moral, ou mesmo como verdadeiro dever jurídico. A verdade, porém, é que do reconhecimento de um tal dever não ressaltam quaisquer consequências práticas para o arguido que minta, uma vez que tal mentira não deve ser valorada contra ele, quer ao nível substantivo autónomo das falsas declarações, quer ao nível dos direitos processuais daquele.”

3.2.2. A reconstituição do facto vem autonomizada na sistemática do Código de Processo Penal como um dos meios de prova típicos (art.º 150º - Capítulo V do Título II), definindo a lei os respectivos pressupostos e procedimento.

Abordando problemática semelhante à invocada pelo recorrente in casu, depararam-se-nos igualmente dois outros arestos perfilhando entendimento a que aderimos. Daí que os citemos, naquilo que de conexo com o caso presente contenham.

No primeiro deles, datado de 5 de Janeiro de 2005[12], escreveu o Ex.mo Conselheiro Henriques Gaspar:

“ (…) A reconstituição do facto «consiste – é a definição da lei – na reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto e na repetição do modo de realização do mesmo», e vem regulada, em pormenor, no n.º 2 do artigo 150.º, com indicação dos respectivos pressupostos procedimentais, que devem ser fixados no despacho que determinar a reconstituição.

Previsto como meio de prova, autonomizado por referência aos demais meios de prova típicos, uma vez realizado e documentado em auto ou por outro modo (eventualmente em registo audiovisual - artigo 150.º, n.º 2, 1.ª parte, in fine do CPP), vale como meio de prova, processualmente admissível, sobre os factos a que se refere, isto é, como meio válido de demonstração da existência de certos factos, a valorar, como os demais meios, «segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente» – artigo 127.º do CPP.

Pela sua própria configuração e natureza – reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma ou se supõe ter ocorrido o facto – a reconstituição do facto, embora não imponha nem dependa da intervenção do arguido, também a não exclui, sempre que este se disponha a participar na reconstituição, e tal participação não tenha sido determinada por qualquer forma de condicionamento ou perturbação da vontade, seja por meio de coação física ou psicológica, que se possa enquadrar nas fórmulas referidas como métodos proibidos enunciados no artigo 126.º do CPP.

O meio de prova previsto no artigo 150.º do CPP só não será, pois, admissível e validamente adquirido se na reconstituição, ou para criar os pressupostos de facto necessários à reconstituição, tiver sido utilizado qualquer meio (tortura, coacção, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral) que afecte a liberdade de determinação, o consentimento ou a disponibilidade do arguido para a participação na reconstituição do facto.

A reconstituição do facto, como meio de prova tipicamente previsto, uma vez realizada no respeito dos pressupostos e procedimentos a que está vinculada, autonomiza-se das contribuições individuais de quem tenha participado e das informações e declarações que tenham co-determinado os termos e o resultado da reconstituição. As declarações (rectius, as informações) prévias ou contemporâneas que tenham possibilitado ou contribuído para recriar as condições em que se supõe ter ocorrido o facto, diluem-se nos próprios termos da reconstituição, confundindo-se nos seus resultados e no modo como o meio de prova for processualmente adquirido.

6. A autonomia do meio de prova previsto no artigo 150.º do CPP determina, pois, que tal meio, se não tiver sido inquinado nos seus pressupostos, formais ou de execução, e se não tiver utilizado qualquer método proibido de condicionamento da vontade de algum interveniente na reconstituição, nomeadamente do arguido, valha por si e possa ser processualmente adquirido como meio de prova e administrado como prova, submetido, então, à mediação substancial de avaliação e valoração nos limites traçados pelo princípio inscrito no artigo 127.º do CPP.

A questão releva, assim, apenas da aquisição do meio de prova e da sua utilização na função probatória que lhe couber no contexto de avaliação prudencial dos meios de prova.

É, por isso, estranha à questão problemática do recurso aquela a que o artigo 356.º, n.º 7 (e o 357.º, n.º 2) do CPP pretende dar resposta.

Estas disposições têm um âmbito de intervenção bem delimitado. Referem-se a declarações (prova pessoal) e pretendem prevenir a utilização probatória indirecta na audiência de declarações que a lei não permite que sejam utilizadas, como as que são prestadas anteriormente, em outro momento processual, e cuja leitura (e, consequentemente, a sua utilização probatória) não seja permitida. No caso de declarações do arguido, resulta do regime específico de leitura previsto no artigo 357.º do CPP que, optando pelo silêncio na audiência, não pode haver leitura de declarações anteriores e, consequentemente, os órgãos de polícia criminal não podem der inquiridos como testemunhas sobre tais declarações.

Esta interpretação, que imediatamente resulta da projecção literal do norma e da consideração dos elementos e das noções aí empregues, não suscita dúvidas, nem, nestes termos, dificuldades de aplicação.

A dificuldade tem surgido apenas relativamente a casos em que o conteúdo do depoimento dos órgãos de polícia criminal incidiria, não sobre declarações processualmente registadas, mas sobre declarações avulsas, não formalizadas, “informais” e, por isso, não submetidas à disciplina (processual e delimitada) da permissão, ou proibição, de leitura.

No que respeita a este ponto, os princípios estruturantes do processo penal e, especialmente, os atinentes ao conteúdo essencial do direito de defesa, não permitem a descaracterização indirecta, mediada por terceiros, do direitos do arguido a não responder a perguntas ou a não prestar declarações (artigo 61.º, n.º 1 e artigo 343.º, n.º 1 do CPP), enquanto tradução da garantia contra a auto-incriminação (“privilege against self-incrimination”), que significa que o acusado não pode ser constituído, contra a sua vontade, em fonte de prova contra si próprio, e que não pode ser compelido a testemunhar em seu desfavor.

O privilégio contra a auto-incriminação significa que o arguido não pode ser obrigado, nem deve ser condicionado a contribuir para a sua própria incriminação, isto é, tem o direito a não ceder ou fornecer informações ou elementos (v.g., documentais) que o desfavoreçam, ou a não prestar declarações, sem que do silêncio possam resultar quaisquer consequências negativas ou ilações desfavoráveis no plano da valoração probatória (cfr., v. g., acórdão de 3 de Maio de 2001, do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, no caso J. B. c. Suíça).

A possibilidade de colaboração co-determinante no processo, desde a fase de recolha da prova (aquisição da prova), até ao momento de administração relevante e contraditória (utilização) das provas encontra-se porém, na disponibilidade do arguido, que pode livremente colaborar na investigação e contribuir para aquisições probatórias substanciais autónomas das simples declarações que as proporcionam, e que, nessa medida, não podem ser eliminadas posteriormente pela invocação da garantia contra a auto-incriminação.
E, nesta medida, os termos da colaboração prestada pelo arguido e as consequências derivadas no plano da aquisição probatória, não devem ser postos em causa, caso venha a invocar em momento posterior o direito ao silêncio, salvo se, como se referiu, a vontade e a determinação tiver sido perturbada, constrangida ou condicionada de tal modo que a situação possa ser enquadrada nas proibições de prova do artigo 126.º do CPP.

Mas os meios de prova derivados, na medida em que sejam autónomos (recte, em que ganhem autonomia como meios de prova), não se confundem com eventuais informações transmitidas pelo arguido e que tenham possibilitado a identificação e a correspondente aquisição probatória, ou a realização e a prática de actos processuais com formato e dimensão própria na enumeração dos meios de prova.

Sendo, porém, este o conteúdo do direito, estão situadas fora do seu círculo de protecção as contribuições probatórias, sequenciais e autónomas, que o arguido tenha disponibilizado ou permitido, ou que informações prestadas tenham permitido adquirir, desde que, como se salientou, a colaboração ou as informações não estejam inquinadas por vícios do consentimento ou da vontade, suposto que o arguido foi informado dos direitos que lhe assistem e que integram o seu estatuto processual, ou pela utilização de métodos proibidos.

Em tais circunstâncias, ou seja, se a contribuição do arguido para a aquisição probatória na fase processual de recolha estivesse afectada pela utilização de métodos proibidos, poderiam eventualmente ser discutidos os efeitos consequenciais – o chamado “efeito à distância”, “Femwirkung des Beweisverbot”, ou, na formulação americana, “fruit of the poisonous tree”.

No entanto, esta é questão que não importa desenvolver, porque não vem sequer problematizada. Com efeito, nem está referida a existência, ou a simples alegação, de algum modo ou intervenção impróprio que tenha condicionado a contribuição do arguido na reconstituição, nem, por outro lado, o processo penal parece acolher a extensão da exclusão probatória determinada pelo efeito de contaminação [cfr., sobre o sentido e extensão da exclusão (“exclusionary rule”) da aquisição probatória pelo “efeito à distância”, e as limitações que necessariamente comporta, o acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 198/2004, de 24/3/04, no DR, II Série, de 2/6/04].

7. Delimitados, assim, os termos em que deve ser discutida e decidida a questão que constitui o objecto de recurso, vê-se que lhe é estranha a dimensão normativa que apresentam o n.º 7 do artigo 356.º e n.º 2 do artigo 357.º do CPP.

Não estão, com efeito, em causa declarações formalizadas e processualmente adquiridas como meio de prova pessoal, cuja leitura não seja permitida em audiência (artigos 356.º, nºs. 1 a 6 e 357.º, n.º 1, a contrario), nem é caso das chamadas «conversas informais» que, em rE...processual, não existem (cfr., v. g., os acórdãos deste Supremo Tribunal de 30/10/2001, proc. 2630/01; de 3/10/2002, proc. 2804/02 e de 19/7/2003, proc. 615/03; na doutrina, Damião da Cunha, “O Regime Processual de Leitura de Declarações na Audiência de Julgamento (art.ºs 356.º e 357.º do CPP)”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 7, Fasc. 3.º, Julho-Setembro de 1997, p. 403 ss, desig. 422-433).

Por outro lado, como tem sido aceite de forma sedimentada na jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr., v. g., acórdãos de 16/5/96, proc. 230/96; de 11/12/96, proc. 780/96; e de 22/4/2004, proc. 902704), a proibição constante dos artigos 365.º, n.º 7 e 357.º, n.º 2 do CPP não atinge as declarações dos órgãos de polícia criminal sobre factos e circunstâncias de que tenham obtido conhecimento por meios diferentes das declarações do arguido (ou de outro interveniente processual) que não possam ser lidas em audiência.

Nesta perspectiva de compreensão, e vista a dimensão da reconstituição do facto como meio de prova autonomamente adquirido para o processo (artigo 150.º do CPP), e a integração (ou confundibilidade) na concretização da reconstituição de todas as contribuições parcelares, incluindo da arguido, que permitiram, em concreto, os termos em que a reconstituição decorreu e os respectivos resultados, os órgãos de polícia criminal que tenham acompanhado a reconstituição podem prestar declarações sobre os modo e os termos em que decorreu; tais declarações referem-se a elementos que ganham autonomia, e como tal diversos das declarações do arguido ou de outros intervenientes no acto. Todavia – adverte-se – por força da necessária documentação processual da reconstituição, este meio deve bastar-se por si próprio enquanto meio de prova adquirido para o processo, e deve dispensar, no rE...das coisas, confirmações ou adjunções complementares, não estando, no entanto excluído que os intervenientes, possam prestar esclarecimentos sobre a concreta natureza e os precisos termos em que se decorreu a reconstituição.

(…).”

Por seu turno, no segundo deles, exarou o Ex.mo Desembargador Paulo Guerra, aliás coligido no aresto recorrido[13]:

“ (…) 2.º - A reconstituição feita nos autos não pode ser valorada em sede de prova, uma vez que o recorrente se remeteu ao silêncio em julgamento?

A este propósito, limitamo-nos a aderir aos fundamentos apostos no acórdão recorrido, assente que ele, a fls. 30, reconhece que a reconstituição levada a cabo nos autos possui suficiente e autónomo valor probatório para servir à criação de uma convicção.

Baseamo-nos também no douto Acórdão do STJ, de 20/4/2006 (P.º 06P363) que decidiu assim, a este propósito:

«15. A reconstituição constitui prova autónoma, que contem contributos do arguido, mas que não se confunde com a prova por declarações, podendo ser feita valer em audiência de julgamento, mesmo que o arguido opte pelo direito ao silêncio, sem que tal configure violação do art.º 357.º do CPP.

16. A verbalização que suporta o acto de reconstituição não se reconduz ao estrito conceito processual de «declarações», pois o discurso ou «declarações» produzidos têm valor autónomo, dado que são instrumentais em relação à recriação do facto.

17. As chamadas «conversas informais» são declarações prestadas pelo arguido a órgãos de policia criminal à margem do processo, sem redução a auto e, portanto, sem respeitarem o principio da legalidade processual decorrente dos artigos 2.º, 57.º e segs., 262.º e segs., 275.º, 355.º a 357.º do CPP e art.º 29.º da Constituição (nulla pena sine judicio), não podendo as declarações assim produzidas serem valoradas como meio de prova e concorrerem para a formação da convicção do tribunal.

18. As informações prestadas pelo arguido no acto de reconstituição não são declarações feitas à margem do processo a órgão de polícia criminal; são a verbalização do acto de reconstituição validamente efectuado no processo, de acordo com as normas atinentes a este meio de prova e particularmente com o prescrito no art.º 150.º do CPP, e mesmo que prestadas, neste e naquele passo, a solicitação de órgão de policia criminal ou do Ministério Público, destinam-se no geral a esclarecer o próprio acto de reconstituição, com ele se confundindo.

19. Se o arguido que faz a reconstituição envolve outro arguido, a prova que daí resulta contra este último será havida como corroborada, numa exigência acrescida de prova, se ela for confirmada por outros elementos probatórios, derivados de provas directas e indirectas, que, devidamente conjugadas entre si e com as regras da experiência, mostrem a veracidade da reconstituição relativamente a esse arguido, que no julgamento optou pelo direito ao silêncio, bem como o que procedeu à reconstituição.

20. Tendo todas estas provas e nomeadamente a reconstituição sido produzidas e examinadas na audiência e como tal sujeitas ao principio do contraditório, não podendo a recorrente invocar a opção pelo silêncio de ambos os arguidos para arguir, por exemplo, a violação do principio da cross examination em relação às «declarações» que incorporam o próprio acto de reconstituição, pois uma tal pretensão está para além do círculo de interesses que constituem a protecção essencial daquele direito, integrado no direito á defesa.

21. As provas indirectas são as que permitem a apreensão dos factos probandos a partir de deduções e induções objectiváveis a partir de factos indiciários, segundo as regras gerais da experiência.

22. Se a impossibilidade de ouvir a fonte citada pelas testemunhas de ouvir dizer resultar do direito ao silêncio a que se remeteram os arguidos, que assim nada decla­raram sobre os factos versados nos depoimentos, estando presentes na audiência, essa impossibilidade não é substancialmente diferente da situação prevista na lei de impossibilidade de a pessoa indicada ser encontrada; e se a isso acrescer que a prova dos factos não resultou em exclusivo dos referidos depoimentos indirectos, pois foi mais um elemento (não decisivo) no conjunto das provas produzidas, e que o tribunal agiu com a prudência que a impossibilidade de ouvir a fonte impunha e de acordo com as regras da lógica e da experiência, será de concluir que a valoração dos depoimentos nesses termos relativos não ofendeu o disposto no art.º 129.º do CPP, em correlação com os direitos dos arguidos, nomeadamente o direito de defesa consignado no art.º 32.º, n.ºs 1 e 5 da Constituição.

23. A lei só exclui o testemunho das entidades policiais que verse o conteúdo de declarações por elas tomadas, sendo completamente descabido que as referidas entidades não pudessem depor sobre todos aqueles factos em relação aos quais o seu posicionamento não foi outro senão o de observadoras ou de intervenientes e observadoras, que, por terem neles participado, tiveram desses factos um conhecimento privilegiado».

Adianta o Prol. Doutor Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, 196, que «a reconstituição dos factos, como meio de prova, tem por finalidade verificar se um facto poderia ter ocorrido nas condições em que se afirma ou supõe a sua ocorrência e na forma da sua execução”.

Com efeito, através da reconstituição do facto visa-se conseguir a reprodução, tão fiel quanto possível, das condições em que se afirma (arguido, assistente, testemunhas, partes civis) ou supõe (Tribunal, MP e advogados) ter ocorrido um determinado facto.

Trata-se de comprovar se um dado acontecimento histórico poderá ter ocorrido de determinada forma e, já não de comprovar a existência do facto histórico, em si mesmo, podendo estar em causa circunstâncias de tempo, modo ou lugar. Lateralmente pode ainda servir a finalidade de se perceber, se por exemplo, determinada testemunha poderá ou não ter presenciado os factos a partir do local em que se encontrava.

Para que a reconstituição adquira valor probatório consistente impõe-se que parta de um máximo possível de premissas comprováveis. Para tal mostra-se necessário que haja já sido recolhida prova indiciária bastante, pois de outro modo não se estará em condições de afirmar ou supor, de que modo é que determinado facto poderá ter ocorrido.

Dito de outro modo, não deverá a investigação alicerçar­-se neste elemento de prova.

A reconstituição do facto não tem, de facto, por finalidade apurar a existência de factos em si, mas se podiam ter ocorrido de determinada forma.

Tendo este meio de prova a virtualidade de materializar e objectivar um acontecimento histórico, levando em consideração contributos, que podem provir, também do próprio arguido e dado que poderá vir a ser utilizado e sede de audiência, pois que depois de documentado vale por si, quando na reconstituição participa o arguido é de todo aconselhável que este se mostre já acompanhado de defensor, para que seja assegurado o efectivo exercício do seu direito de defesa.

(…).”

3.2.3. O princípio do in dúbio pro reo mostra-se como um dos princípios estruturantes do processo penal, ao qual a regra da livre apreciação da prova está sujeita.

Na verdade, o artigo 32.º da Lei Fundamental inclui entre as garantias do processo criminal, no seu n.º 2, a de que “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (…).”

O princípio da presunção de inocência, ali consagrado, “integra uma norma directamente vinculante e constitui um dos direitos fundamentais dos cidadãos (art.º 18.º, n.º 1 da CRP.)”[14].

“A presunção de inocência é também uma importantíssima regra sobre a apreciação da prova, identificando-se com o princípio in dúbio pro reo, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. A dúvida sobre a culpabilidade do acusado é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado o esforço processual para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de ónus de prova a seu cargo baseado na prévia presunção da sua culpabilidade. Se a final da produção de prova permanecer alguma dúvida importante e séria sobre o acto externo e a culpabilidade do arguido impõe-se uma sentença absolutória.”[15]

O princípio in dúbio pro reo é, pois, uma emanação do princípio da presunção de inocência e surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal.

Pressupondo a violação deste princípio um estado de dúvida no espírito do julgador, deve a mesma ser tratada, nesta perspectiva, como erro notório na apreciação da prova.

Assim sendo, para que se possa afirmar a existência de erro notório na apreciação da prova por violação do princípio in dúbio pro reo, terá de resultar de forma evidente do texto da sentença recorrida – por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, ou então dos juízos lógicos que possam ser efectuados sobre a factualidade em apreço, ou a prova documental plena que não haja sido atendida – que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.

O que está em causa não é uma qualquer dúvida subjectiva, mas sim uma dúvida razoável e insanável, que seja objectivamente perceptível no contexto da decisão proferida, de modo a que seja racionalmente sindicável.

3.2.4. De acordo com a regra geral contida no art.º 127.º, do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

Prova livre não significa, porém, prova arbitrária ou caprichosa, antes quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos.

Se o tribunal decidisse como lhe apetecesse não apreciaria livremente as provas, antes estaria a desprezá-las.

A livre apreciação da prova significa, em resumo, que esta deve ser feita de acordo com a convicção íntima do juiz. Aliás, já Chiovenda o afirmava, citando o imperador Adriano, conforme pode ler-se no Digesto 3, 2, De testibus, 22, 5.

À valoração do tribunal preside um juízo atípico, porque fundando-se nas regras da experiência, isto é em critérios generalizadores e tipificados, índices corrigíveis, critérios definidores de conexões de relevância, orientam os caminhos da investigação e oferecem probabilidades conclusivas, mas sempre tendo presente a individualidade histórica do caso concreto, tal como ela foi adquirida representativamente no processo, pelas alegações, respostas, inquirições e outros meios de prova disponibilizados[16].

E se é certo que o princípio da livre apreciação da prova não pode ser confundido como uma apreciação judicial arbitrária – ou, na expressiva fórmula de Paolo Tonini “o conflito entre a acusação e a defesa não pode ser resolvido com base num acto de fé”[17] –, e que a livre convicção do juiz não pode ser meramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável - “A liberdade de apreciação da prova não pode estar mais longe das meras conjecturas e das impressões sensitivas injustificáveis e não objectiváveis”[18] -, certo é, também, que a “verdade material que se busca em processo penal, não é o conhecimento ou apreensão absolutos de um conhecimento, que todos sabem escapar à capacidade de conhecimento humano; tanto mais que aqui intervêm, irremediavelmente, inúmeras fontes de possível erro, quer porque se trata do conhecimento de acontecimentos passados, quer porque o juiz terá as mais das vezes de lançar mão de meios de prova que, por sua natureza – e é o que se passa sobretudo com a prova testemunhal –, se revelam particularmente fiáveis”[19].

E assim, como ensina o insigne Professor, “a convicção judicial será suficientemente objectivável e motivável quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável. Não se tratará, pois, na “convicção”, de uma mera opção “voluntarista” pela certeza de um facto e contra toda a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável pelo menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse”.

Consabidamente, a verdade que o direito encerra é a “processualmente demonstrada por recurso às provas carreadas para os autos, sujeita a todos os limites que, por definição, tem o espírito humano na tentativa de conhecer e compreender o real. O conhecimento da verdade (correspondente ao “pedaço de vida” acontecido) «na maioria das situações pressuporia uma impossível incursão na mente humana, empreitada essa, de patente que é, não necessita de ser sublinhada”[20].

Intimamente ligados ao princípio da livre apreciação da prova estão os princípios da continuidade da audiência, ou da concentração, oralidade e imediação da prova.

Quanto aos dois últimos, constituem a um tempo decorrência lógica do princípio da livre apreciação da prova e “conditio sine qua non” para a respectiva admissibilidade.

Com efeito, apenas quem tenha assistido à produção da prova e às disposições assumidas pela acusação e pela defesa poderá estar capaz, no fim da discussão, de se considerar convicto de uma determinada verdade, podendo proceder ao julgamento.

Paralelamente, a oralidade permite com muito maior probabilidade aceder a um discurso directo, espontâneo, não ensaiado e vivo, o que obviamente contribui para um aumento das possibilidades de descoberta da verdade e de formação de uma correcta convicção.

Quando a atribuição de credibilidade a uma dada fonte de prova se baseia numa opção do julgador assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só pode exercer censura crítica se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende patentemente as regras da experiência comum.

Tendo em vista possibilitar o controlo sobre se a apreciação da prova foi feita nestes termos, dispõe o art.º 374.º, n.º 2, também do Código de Processo Penal, que, Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

A sentença cumpre assim o dever de fundamentação quando os sujeitos processuais seus destinatários são esclarecidos sobre a base jurídica e fáctica das reprovações contra eles dirigidas. Segundo o enunciado da lei não se pode abdicar de uma enunciação, ainda que sucinta mas suficiente, para persuadir os destinatários e garantir a transparência da decisão[21].

Como se escreve no acórdão do mesmo STJ, de 26 de Março de 2008, disponível in www.dgsi.pt, fazendo referência à jurisprudência do Tribunal Constitucional, em relação à fundamentação da sentença “O que tem de deixar claro, de modo a que seja possível a sua reconstituição, é o porquê da decisão tomada relativamente a cada facto – cf. Ac. do STJ de 11-10-2000, Proc. n.º 2253/00 - 3.ª, e Acs. do TC n.ºs 102/99, DR, II, de 01-04-1999, e 59/2006, DR, II, de 13-04-2006 –, por forma a permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo”.

O dever de fundamentar a sentença exige também a indicação dos motivos de credibilidade das testemunhas, documentos ou exames e, designadamente, a indicação dos motivos por que não se atende a provas de sentido contrário[22].

Por outro lado, pelo respeito destes princípios, o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, se se evidenciar que decidiu contra o arguido não obstante terem subsistido (ou deverem ter subsistido) dúvidas razoáveis e insanáveis no seu espírito ou se a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum. Assim, para impugnar eficientemente a decisão sobre a matéria de facto, a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção.

Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão. É que o tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si. Dito de outra forma, o recurso da matéria de facto não visa a prolação de uma segunda decisão de facto, antes e tão só a sindicação da já proferida, e o tribunal de recurso em matéria de exame crítico das provas apenas está obrigado a verificar se o tribunal recorrido valorou e apreciou correctamente as provas.

A reponderação de facto não é ilimitada, antes se circunscreve à apreciação das discordâncias concretizadas pelo recorrente já que a Relação não fará um segundo/novo julgamento, pois o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em 2.ª instância; a actividade da Relação cingir-se-á a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação.

Em conclusão: os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente para uma resposta diferente da que foi dada pela 1.ª instância. E já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, porque nestes últimos a resposta dada pela 1.ª instância tem suporte na regra estabelecida no citado art.º 127.º, e, por isso, está a coberto de qualquer censura e deve manter-se.

Revertamos, pois, ao caso presente.

3.3. A argumentação essencial do recorrente no sentido de infirmar da validade de comprovação dos factos indicados como assentes, radica, resumidamente, no seguinte:

- O tribunal a quo alicerçou a sua convicção nas declarações confessórias realizadas pelos co-arguidos E... e … , bem como nas reconstituições [que, aliás, mais não constituem do que meras declarações do próprio] operadas pelo co-arguido C... quanto aos furtos perpetrados no U..., na noite de 18 para 19 de Março de 2007, e nos Estaleiros da empresa ZZ..., Lda., na noite de 14 para 15 de Junho de 2007.

Ora, sucede que tais elementos probatórios, só por si e desacompanhados de quaisquer outros, não eram suficientes para que a correspectiva matéria de facto fosse considerada como provada.

- Além de que se mostraram as ditas declarações eivadas de imprecisões, incongruências e contradições, apontando a idêntica impossibilidade de prova, tudo sem que se pudesse ter menosprezado o carácter frágil que tal meio de prova comporta.

- A reconstituição dos factos relativos ao primeiro dos furtos no U... cinge-se a meras declarações do co-arguido E... prestadas no decurso do inquérito e, atenta a inobservância do disposto pelo art.º 357.º, do Código de Processo Penal, não poderia ter fundamentado a convicção do tribunal a quo pois que em preterição ainda ao estatuído pelos art.ºs 356.º e 355.º, ambos do mesmo diploma.

- Sucedendo que, mesmo a sufragar-se da sua admissibilidade, sempre ocorreria, por tal forma, um ludibriar da proibição de prova que tais normativos comportam.

- Pois que elaborado o auto de reconstituição após o C... ter sido constituído arguido e nessa qualidade interrogado por OPC.

- Acresce, vista a ausência deste co-arguido a julgamento, que o recorrente viu cerceado, por impossibilidade de exercício do contraditório, o direito a aquilatar das circunstâncias em que ocorreu tal reconstituição, também feita, aliás, à sua revelia.

- O tribunal a quo preteriu ademais o art.º 129.º, do Código de Processo Penal [depoimento indirecto], pois que se alicerçou ainda nas declarações do co-arguido E... relativamente ao elencado em I, quando este arguido não tendo participado nesses factos, se limitou a afirmar, em audiência, ter ouvido, na noite de 11 para 12 de Setembro de 2007, aos arguidos A..., B...e C..., que já não era a primeira vez que ali (ao U...) iam.

- O tribunal a quo, apesar de ter acolhido a reconstituição feita pelo E... relativamente ao assalto de I, e sendo que nela também implicava o co-arguido D..., certo é que, sem qualquer fundamentação, absolveu este último, violando, consequentemente, o art.º 374.º, do Código de Processo Penal e, acrescidamente, o princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.

- O que vem de se dizer quanto à insuficiência e inadmissibilidade do auto de reconstituição vale igualmente para os factos de II e IV.

- As declarações do co-arguido E... mostram-se eivadas de ressentimento relativamente ao recorrente (e ao co-arguido D...), pelo que não deveriam ter tido acolhimento no tribunal recorrido, ou, pelo menos, impunha-se que fossem acolhidas com fundadas dúvidas sobre a sua autenticidade, determinando a aplicação do princípio do in dúbio pro reo.

- Declarações essas também com contradições e incongruências quando confrontadas com as de outros sujeitos processuais, e, por isso, com reduzido e acrescido desvalor probatório.

- O que igualmente sucedeu com as declarações prestadas pelo co-arguido F....

Por seu turno, a arguida B...controverte da extensão da confissão realizada pelo co-arguido D..., relativamente ao co-recorrente A..., quanto á sua pretensa e igual participação no primeiro dos ilícitos em causa.

Tão-somente lembra da fragilidade probatória das primeiras, enquanto desacompanhadas de outros meios de prova, além de especificidades que, quanto ao segundo, redundariam em preclusão de outros normativos legais.

Acresce das incongruências, imprecisões e contradições nos depoimentos acolhidos que, em seu entender, ao menos reclamavam a aplicação do princípio do in dúbio pro reo.

Por outro lado, questiona a recorrente da validade daquele primeiro meio de prova.

3.4. Resulta da motivação probatória do acórdão sindicado, que a motivação probatória respectiva dos furtos cometidos pelos recorrentes se estribou primacialmente em dois meios de prova:

- declarações confessórias do co-arguido D..., relatando a sua própria comparticipação no 2.º furto ao U... [ademais com os co-arguidos C... e F...], e aos perpetrados no Estaleiro da empresa ZZ..., Lda. [também sendo interveniente o C...], bem como, ainda, as suas declarações mencionando que os co-arguidos A...; B...e C... lhe relataram haverem procedido todos conjuntamente ao 1.º assalto no U...;

- declarações confessórias do co-arguido F..., relatando igual intervenção com os recorrentes no 2.º assalto ao U...; e,

- reconstituição dos factos realizada pelo co-arguido C... relativamente a todos os furtos em causa.

Ora, de acordo com o que acima se expôs supra em 3.2.1. e 3.2.2., mostra-se inquestionável da admissibilidade de ambos, a deverem ser considerados no âmbito lato do princípio primacial que rege a produção da prova, qual seja o da sua livre apreciação.

Antes, de anotar que não procede nenhum dos argumentos aduzidos à sua não valoração.

Desde logo, o expendido no sentido em que as declarações dos co-arguidos E...e F...implicando os recorrentes nos factos que elencou cada um deles, redundem num “depoimento indirecto” arredio ao regime consignado pelo art.º 129.º.

Com o Ministério Público na 1.ª instância, urge anotar que não cai nessa previsão o acto de, em julgamento, alguém revelar o teor de uma conversa de natureza confessória mantida, fora do processo, com o agente do crime. Tal depoimento reporta-se apenas a uma percepção directa (a confissão do facto-crime) do seu autor.

Isto é, ao invés do que propugna o recorrente não constitui “depoimento indirecto” a declaração do co-arguido E... acerca da confidência que ele lhe terá feito (e, acrescentou, fizeram também os co-arguidos B...e C...), quanto ao primeiro assalto ao U....

A propósito, aliás, escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido a 10 de Setembro de 2008, no processo 0844418, disponível em ITIJ ­Bases Jurídico-Documentais:

“A questão do depoimento indirecto só se coloca em relação ao que se ouviu dizer a outra testemunha, nunca em relação ao que se ouviu dizer ao arguido.”

Tudo porque sendo o arguido a fonte da revelação, importa não olvidar o correspectivo estatuto de sujeito processual, no qual sobressaem amplos poderes de conformação e cuja presença é, em princípio, obrigatória em audiência. Ou seja, ainda que de “depoimento indirecto” se tratasse, nada obstaria a que o Tribunal a quo o considerasse, pois que presente em audiência aquele a quem ele era oposto. Sucede, todavia, haver o co-recorrente A... exercitado o seu direito de defesa e contraditório precisamente pelo exercício do direito ao silêncio, conquanto tal não o inibisse de poder, nesta parte, contraditar a versão do E... (o que não fez), pois que tal opção não o vinculava à obrigação de prestar quaisquer outras declarações.

E, no que concerne às reconstituições levadas a cabo pelo co-arguido C...?

Afirma o recorrente que as mesmas redundaram numa forma de ludibriar a proibição de prova prevista nos art.ºs 355.º e 356.º, n.º 7.

Improcede a afirmação porquanto:

Revendo-se os autos, depara-se-nos que à data da sua realização já esse C... havia sido constituído como arguido e, consequentemente, informado dos direitos e deveres que enquanto tal lhe cabiam, sucedendo, por outro lado, que não era processualmente obrigatória a assistência de defensor na diligência. Acresce que o Tribunal a quo não determinou que se procedesse à inquirição dos órgãos de polícia criminal que dirigiram a sua realização, segundo as indicações do arguido C..., que nelas participou. Mais uma vez com a resposta citada da 1.ª instância que mencionámos, de realçar e relembrar que os elementos probatórios relevantes dos autos em causa não são, em si, as informações que, lógica e necessariamente, o arguido teria de ir fornecendo para o efeito, mas a consignação em auto, numa arrumação cronológica, de sucessivas e determinantes etapas do curso do evento reconstituído, especialmente através das reportagens fotográficas que os integram, que traduzem e fixam a participação física e gestual daquele na definição lógica, participativa e sequencial dos factos.

Por fim, a não colher também, como sufraga o recorrente, que a ausência do dito C... à audiência, lhe coarctou a possibilidade de exercitar o direito ao contraditório que lhe cabia.

Vendo-se a motivação probatória da decisão recorrida, alcança-se que o meio de prova assim controvertido apenas teve importância relativa na formação da convicção do Colectivo acerca da (com) participação do recorrente nos furtos elencados. Carácter decisivo foi antes o assumido pelos relatos feitos pelos co-arguidos E...e F....

Por outro lado, sendo a posição do recorrente a de negar qualquer participação nos factos em questão, não se antolha qual a utilidade de eventual participação nas próprias reconstituições, acrescendo que, mesmo se acaso tivesse estado presente em audiência, também o C... poderia ter optado pelo seu direito ao silêncio.

Mas, mesmo concedendo que presente o C... em audiência, como poderia o recorrente contraditá-lo, de forma proveitosa, quanto à sua presença nos locais dos crimes, ou quanto à concreta evolução dos factos, se, na sua própria versão, não esteve lá?!

Ao recorrente foi permitido contraditar não tanto as questionadas reconstituições dos factos isoladamente consideradas, vista a sua relativa importância na contribuição para a formação da convicção do Colectivo, mas todas as provas incriminatórias, sopesadas na sua globalidade dialéctica – prestando declarações, eventualmente apresentando a sua versão negatória, como, aliás, fez o co-arguido D..., e que aquele Tribunal escalpelizou.

Assente, pois, da admissibilidade de todos os meios de prova utilizados, mostra-se acertado o juízo conclusivo do Tribunal recorrido?

Mais uma vez a resposta aponta para a adequação do entendimento aí acolhido.

No intuito de questionar o juízo conclusivo assumido, descortina o recorrente imprecisões, contradições e incongruências nas declarações dos co-arguidos E... e … , ademais movidos por um sentimento de vingança que ambos contra si nutririam.

Auditando-se as declarações respectivas, é possível delas extrair em essência, que:

(versão do co-arguido D...)

O co-arguido integrou, desde Fevereiro de 2007, e até 17 de Setembro do mesmo ano, com os ora – e com os também co-arguidos C... e F...–, um grupo organizado, chefiado A..., que se dedicava exclusivamente à prática reiterada de assaltos como forma de obter proveitos para o respectivo sustento, não tendo qualquer deles outra profissão, actividade ou ocupação. De entre eles, era o recorrente aquele que ficava com o produto dos assaltos, pagando ao declarante e demais – ressalvada a recorrente porque então sua companheira e que, pensa, receberia metade do valor dos bens –, uma determinada quantia [€ 250,00 ou 200,00, consoante conduzissem ou não veículos transportando os objectos furtados]. In casu, o declarante apenas recebeu pelo 1.º dos assaltos, pois que cometido o 2.º, o A... foi entretanto detido.

O co-arguido D..., primo do recorrente, não esteve presente nos assaltos em que participou o co-arguido depoente, sendo que apenas a sua residência,  era utilizada para descarga dos bens furtados, e um seu veículo – de marca BMW –, serviu para meio de transporte dos co-arguidos aos locais de cometimento dos assaltos.

No 2.º assalto praticado no U..., foi o co-arguido recorrente quem logrou abrir a destilaria mediante arrombamento da fechadura de uma das portas.

A viatura de marca Mitsubishi, Canter, foi furtada em Condeixa, sendo habitualmente usada nos assaltos para ulterior transporte do material furtado.

Os bens furtados eram vendidos pelo recorrente a diversos sucateiros, nomeadamente a um …  de  … – a testemunha J...–, irmão da recorrente B..., sucedendo que o A... mencionou a determinada altura que, ao invés, foi o E...quem vendeu esses bens.

Foi o recorrente quem retirou o camião Mercedes aquando do assalto perpetrado em 11/12 de Setembro, carregado de bens subtraídos e que depois de descarregarem mais uma vez em casa do D..., vieram a abandonar no local em que foi recuperado, como consta dos autos. Neste episódio a Mitsubishi ficou estacionada à frente do Cemitério.

A sua relação actual é de inimizade com os demais co-arguidos, atenta a posição processual que vem assumindo nos processos conexionados com as condutas delitivas mantidas à época.

(versão do co-arguido F...)

Participou no assalto ao U... ocorrido em 11/12 de Setembro, a convite do recorrente, que lhe pagava € 200,00, por cada assalto (o depoente participou, com efeito, noutros demais, já julgados – fls. 1.128 e segs).

Os bens subtraídos foram transportados no camião Mercedes que se encontrava no interior, mais tarde abandonado.

Por ter confessado factos que o implicaram, bem como também, nomeadamente, aos ora recorrentes no âmbito de um outro processo criminal que tramitou pelo Círculo de Aveiro – ditas fls. 1.128 e segs. -, foi sujeito de sevícias perpetradas por vários indivíduos, de entre eles um irmão da recorrente, entretanto já julgado por tal facto, no tribunal de Mangualde.

Nos depoimentos assim prestados, nenhumas discrepâncias significativas se antolham. Na verdade, é de sintonia quem os dirigia; quem neles participou; como se processaram e destino dos bens.

E, sobretudo, não colhe a tentativa de os descredibilisar, porquanto alegadamente movidos por despeito de vingança.

Considerando tudo o que está em causa na responsabilização que se almeja obter, assume menor relevo saber quem vendia as peças furtadas aos sucateiros, sendo até sintomática a forma desprendida como o co-arguido E... respondeu em julgamento à questão, além de que se mostrou esse co-arguido ciente da responsabilidade em relatar o efectivamente ocorrido, pois que o pior inimigo dos restantes arguidos, ávidos de vingança, mas que, nessa perspectiva, não tornam lógica a sua assumpção, senão a verdadeira, dos factos.

O que também ocorre relativamente ao co-arguido F..., alvo já de vindicta de familiares da recorrente por ter confessado e assumido a verdade nos autos certificados a fls. 1.128 e segs, nos quais acabaram condenados os dois ora recorrentes e o co-arguido D.... Assim sucedendo, também não assume sentido que também neste processo o F...estivesse agora estimulado para se vingar do recorrente, mentindo contra o mesmo.

Colige ainda o recorrente pretensa contradição entre as declarações do co-arguido E...e da testemunha J...que depondo negou alguma vez ter comprado material de sucata àquele, até porque há muito tempo que não fala com ele.

Urge todavia precisar que tal co-arguido quando instado referiu contudo não ter a certeza se o produto do segundo assalto ao U... foi vendido ao … , de Mangualde (seu irmão). Isto sem que se menospreze da “credibilidade” que o tribunal a quo sempre podia dar ao depoimento da testemunha mesmo se em confronto total com as declarações do co-arguido.

Tudo conjugado, nada mais pois do que a mera valorização de declarações e depoimentos orais que o Tribunal a quo ponderou adequadamente, tal como decorre da motivação probatória, suficientemente explícita na menção que faz sobre o conteúdo de cada um deles e credibilidade atribuída, quando dialecticamente confrontadas de acordo com os demais elementos probatórios acolhidos.

Vistos os sucessivos assaltos cometidos, não descredibilisa a veracidade do núcleo essencial do sucedido, qualquer discrepância entre portas que se abriram por arrombamento; veículos utilizados e o que e quem em cada um deles se terá transportado. Aliás, a mais das vezes, são os depoimentos que em tais circunstâncias surgem demasiado “sintonizados” pelo pormenor, aqueles que menor veracidade assumem.

Na concreta situação controvertida do assalto de 11 para 12 de Setembro, anote-se inclusive que para além de uma porta, teve necessariamente que ser aberto também um portão, de modo a possibilitar aos assaltantes retirarem o camião carregado do seu interior.

Credibilidade das versões dos co-arguidos E... e do F...que se acentua quando por intermédio da certidão dos aludidos autos n.º 1.128 e segs, mais se comprova que nessa noite, ambos e, pelo menos, os ora recorrentes, estiveram juntos nas imediações do local em questão, assaltando o camião da Patinter carregado de pneus ali estacionado.

Ainda quanto a este ilícito, decisivo elemento probatório adjuvante às declarações dos dois co-arguidos, a reconstituição feita pelo co-arguido C... o qual assumindo a sua participação, torna mais verosímil a comparticipação do recorrente pois que integrando então ambos o grupo de assaltantes chefiado pelo A..., e de que tal co-arguido era um mero peão.

Last but not least, de não desbaratarmos que o 2.º assalto era o finalizar de um trabalho já iniciado com o antes cometido em Março desse ano.

Perante o exposto, anote-se, por fim, que nada impunha o apelo ao princípio do in dúbio pro reo.

Lendo-se o acórdão recorrido, em ponto algum resulta que tendo persistido na dúvida em relação a qualquer facto, o Tribunal a quo haja decidido contra o recorrente.

Ao invés, o que sobressai dessa peça processual, relativamente a ambos os recorrentes (e demais arguidos, diga-se), é uma fundamentação da convicção extraída feita com critério e cuidado, resolvendo e afastando exactamente qualquer dúvida que acaso pudesse subsistir.

Seja, então, da manutenção do acervo factual tal como acolhido, in totum.

Afirmação que naturalmente faz intuir do destino da arguição de nulidade oposta pelo recorrente no sentido, relembra-se, de que sendo idênticas as provas apresentadas contra o co-arguido D..., mormente reconstituição feita pelo C..., conduziram à responsabilização dos recorrentes, mas, sem fundamentação, levaram ao eximir de responsabilidade daquele.

Menospreza-se, assim, que: quer o D..., quanto o F..., excluíram de qualquer dos furtos em que participaram o arguido D...; a reconstituição do facto realizada pelo co-arguido C... relativamente ao primeiro assalto não constitui, só por si, prova idónea à comprovação de tal facto; contrariamente ao recorrente, o próprio D..., prestando declarações em julgamento, negou a sua participação nos assaltos em causa.

Ou seja, nesta perspectiva, nenhuma nulidade se vislumbra, pois.

Resolvidas das questões suscitadas nas conclusões 18.ª a 20.ª; 1.ª a 17.ª; 21.ª a 47.ª, pelo recorrente, e 1.ª e 2.ª, pela recorrente, indaguemos se procede da invocada por aquele conforme conclusões 51.ª e 52.ª, isto é:

3.5. Se integrada a descrita conduta do recorrente na previsão conjugada dos art.ºs 204.º, n.º 2, al. a) e 202.º, al. b) – serem os bens subtraídos de valor consideravelmente elevado –, mal haver considerado o Tribunal sindicado, na tarefa de determinação da medida da pena, o prejuízo patrimonial sobrevindo às vítimas, como corolário dos ilícitos em causa.

É certo, de acordo com Figueiredo Dias, in As Consequência Jurídicas do Crime, § 314, pág. 234, que “não devem ser utilizadas pelo juiz para determinação da medida da pena circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura penal do facto; e portanto não apenas os elementos do tipo de ilícito em sentido estrito, mas todos os elementos que tenham sido relevantes para a determinação legal da pena”. Por outras palavras, pois, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime não devem ser tomadas em consideração na medida da pena; ou seja, v.g., os factos que consubstanciam um crime de homicídio qualificado não podem ser novamente valorados na quantificação da culpa para efeitos da medida da pena.

Nesta senda, escreve Teresa Serra, in Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, reportando-se a esse concreto ilícito, mas por forma válida para o em causa nestes autos, a págs. 103/4, e a propósito da proibição do duplo aproveitamento ou da dupla valoração de elementos do tipo de crime na determinação da medida concreta da pena, prevista no n.º 2 do artigo 71.º: “Nestes termos, é proibido aproveitar mais uma vez circunstâncias que levaram à formação da moldura penal, e que são pressupostos da sua aplicação, na fixação da medida da pena no caso individual”. Explica: “A fundamentação desta proibição é evidente: os elementos do tipo de crime foram já ponderados no âmbito da determinação da moldura penal e, desse modo, constituem já pressupostos da medida concreta da pena, que há-de ser escolhida dentro dos limites daquela moldura, sem que os referidos elementos a possam voltar a influenciar.”

A proibição tem uma natureza “logicamente inimpugnável”, afirmando que “a proibição do duplo aproveitamento constitui uma verdade jurídico-penal banal e um princípio cuja violação é considerado um erro crasso.”

Em linha com o expendido, pode ler-se na jurisprudência, por exemplo, o Ac. do STJ, de 25 de Fevereiro de 2010, prolatado no âmbito do processo n.º 108/08.4 PEPDL.L1.S1-5.ª, referindo que as circunstâncias que serviram para a qualificação do crime não podem ser novamente consideradas na graduação da pena.

Sucede, porém, no caso vertente, que a argumentação do recorrente parte de um equívoco manifesto. Na verdade, embora na acusação deduzida lhe tivesse sido assacada a co-autoria indiciária dos vários crimes de furto qualificado, mormente através do funcionamento da citada al. a), do n.º 2, do art.º 204.º, certo é que no aresto proferido já o respectivo sancionamento apenas adveio do funcionamento da al. e) do mesmo preceito, isto é, sem apelo à elencada al. a).

Logo, e patentemente, mostra-se insubsistente a questão colocada.

3.6. Tarefa subsequente a de ponderarmos das questões constantes das conclusões 48.ª a 63.ª do recorrente, e, 3.ª e 4.ª da arguida, rectius, da medida [singular e única] da pena a ambos cominada e, no que à segunda concerne, ainda, da sua substituição, decretando-se a suspensão da respectiva execução.

Antecedendo a solução reclamada, breves apontamentos sobre as finalidades legais das penas com reflexos no seu doseamento e nos critérios legais concretos a observar neste doseamento; do apuramento da pena única, em caso de concurso efectivo de infracções, e, por fim, dos pressupostos legalmente impostos para que se possibilite a suspensão da pena de prisão.

3.6.1. Como dispõe o art.º 40.º, n.º 1, A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim na filosofia da lei penal vigente a protecção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afectados.

Na protecção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).
As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.

No caso concreto a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.

Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.

Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização será encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, nos termos do n.º 2 do aludido art.º 40.º, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena – cfr, nomeadamente, Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 238 a 255 –.

Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente à pena concreta e adequada, o art.º 71.º, n.º 1, preceitua, em linha com aquele art.º 40.º, que A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e, o n.º 2 do mesmo artigo, impõe que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido (a necessidade da pena revela-se desse modo em função da menor ou maior exigência do exercício da prevenção e da reintegração).
Em resumo, tendo como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, ou seja, tendo como primeira referência a culpa, a fixação da medida da pena perseguirá concomitantemente a prevenção (que, neste contexto, exige fixação de pena que seja entendida pela sociedade como a necessária à tutela do direito e adequada à confiança na aplicação da justiça) e, sempre, objectivos pedagógicos e ressocializadores, tudo tendo em vista a protecção de bens jurídicos e a reinserção social do agente.

3.6.2. Maia Gonçalves, in Código Penal Anotado e Comentado, 15.ª edição, pág. 277, salienta que “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença. Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário.”

A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever-ser jurídico-penal.

Como acentua Figueiredo Dias, em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, págs. 183 a 185, “ (…) o substrato da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-jurídicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-jurídicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal.

A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena.”

Perante concurso de crimes e de penas há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos.
Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo condenado é a expressão de uma tendência criminosa ou se a repetição emerge antes de factores meramente ocasionais – cfr., v.g., acórdão do STJ, datado de 20 de Janeiro de 2010, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Raul Borges, no âmbito do processo n.º 392/02.7 PFLRS.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt.
No que concerne à determinação da pena única deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso – cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., 1993, § 420, págs. 290/1 –, e cuja inobservância determinará, de acordo com a jurisprudência maioritária, a nulidade da decisão cumulatória, nos termos do art.º 379.º, n.º 1, alínea a) e/ou c), do Código de Processo Penal.
Mais acentua o mesmo Autor – § 421, págs. 291/2, da ob. cit. – que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Acrescenta ainda: “ De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).”
Como se extrai do acórdão do Supremo Tribunal de 6 de Maio de 2004, in Colectânea de Jurisprudência (STJ), 2004, Tomo 2, pág. 191, a propósito dos critérios a atender na fundamentação da pena única, nesta operação o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido.

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Na expressão de arestos do mesmo STJ – Acórdãos de 20-02-2008, processo n.º 4733/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2500/08-3.ª, e de 8-10-2008, processo n.º 2858/08-3.ª –, na formulação do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude; já a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade.

Como refere B...Líbano Monteiro – A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166 –, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.

A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.

3.6.3. Atento o princípio constitucional da intervenção mínima do direito penal [art.º 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa], sempre a determinação de uma sentença condenatória privativa da liberdade, deverá restringir-se aos casos de manifesta necessidade, adequação ou idoneidade e proporcionalidade, respeitando-se os respectivos pressupostos e limites de não perpetuidade das penas de prisão [art.ºs 27.º, n.º 2 e 30.º, n.º 1 da mesma Lei Fundamental], bem como as finalidades da punição.

Por sua vez, atento o disposto no art.º 50.º, n.º 1, “O tribunal apenas suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

A actual redacção deste preceito, resultante da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, alterou de 3 para 5 anos de prisão aquele primeiro pressuposto objectivo ou formal, muito embora sujeite obrigatoriamente a regime de prova os períodos de suspensão superiores a 3 anos ou quando o condenado não tiver ainda completado 21 anos, à data do cometimento do correspondente crime [art.º 53.º, n.º 3].
A jurisprudência tem assim vindo a acentuar, que a suspensão da pena de prisão é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido, estando na sua base um juízo de prognose social favorável ao condenado – Acórdãos do STJ de 9 de Janeiro de 2002, e, de 18 de Outubro de 2007, in, respectivamente, recursos n.ºs 3026/01-3.ª e 3185/07 –. 

Tal juízo deverá assentar num risco de prudência entre a reinserção e a protecção dos bens jurídicos violados, reflectindo-se sobre a personalidade do agente, as suas condições de vida, a sua conduta ante et post crimen e sobre todo o circunstancialismo envolvente da infracção.

Daí que a suspensão da execução surja como um nítido factor de inclusão social, optando-se, ao fim e ao cabo, por manter o condenado em liberdade, ainda que limitada por certos deveres ou condições ou mesmo sujeito a regime de prova, possibilitando que se mantenham ou incrementem as condições de sociabilidade e evitando-se os riscos de fractura familiar, social ou laboral.

Assim, essa suspensão é uma nítida opção pela socialização em liberdade do condenado, sem que isso signifique que tenha de existir uma plena certeza que este venha efectivamente a reinserir-se.
Aliás, o facto de o condenado já ter anteriormente sofrido outras condenações poderá até nem ser um obstáculo à suspensão da execução da pena de prisão, principalmente quando os crimes foram todos praticados anteriormente à primeira condenação – cfr. Acórdão do STJ de 31 de Janeiro de 2008, in CJ (S), Tomo I -.

Para o efeito, será de atender que a pena de prisão suspensa, sujeita ou não a certas condições ou obrigações, é a reacção penal por excelência que exprime um juízo de desvalor ético-social e que não só antevê, como propicia ao condenado, a sua reintegração na sociedade, que é um dos vectores dos fins das penas (função de prevenção especial de reinserção ou positiva).

Porém, outros dos seus vectores é a protecção dos bens jurídicos violados (função de prevenção geral) e, naturalmente, a protecção da própria vítima e da sociedade em relação aos agentes do crime, de modo que, responsabilizando suficientemente estes últimos, se possa esperar que os mesmos não venham a adoptar novas condutas desviantes (função de prevenção especial defensiva ou negativa).

Na protecção dos bens jurídicos, será igualmente de destacar que a reacção penal a aplicar deve, tanto quanto possível, neutralizar o efeito do delito, passando este a surgir, sem sombra de dúvidas, como um exemplo negativo para a comunidade e contribuindo, ao mesmo tempo, para fortalecer a consciência jurídica da mesma (função de prevenção geral).
Pretende-se, assim, dar satisfação ao sentimento de justiça do mundo circundante que rodeia o arguido, através do mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica – Acórdão do STJ de 26 de Setembro de 2007, in recurso n.º 2579/07 –.

Daí que, muitas vezes, e sobrepondo-se à ressocialização, seja necessária a execução de uma pena de prisão para defesa do ordenamento jurídico, designadamente quando o comportamento desviante for revelador de uma atitude generalizada e consequente de não se tomar a sério o desvalor de certas condutas relevantemente ofensivas da vida comunitária, de acordo com os princípios constitucionais relevantes de um Estado de Direito Democrático.

Será pois na dupla perspectiva de ressocialização do condenado e de tutela do ordenamento jurídico, na vertente de obtenção da paz jurídica, que deverá ser perspectivado e efectuado aquele juízo de prognose favorável à suspensão da correspondente pena de prisão.
No entanto o ponto de partida será sempre o momento da decisão condenatória e não da prática do crime, podendo circunstâncias posteriores à prática criminosa influenciar positiva ou negativamente esse juízo de prognose – Acórdão do STJ de 24 de Maio de 2001, in CJ (S), II, pág. 201 -.

E isto porque é no momento em que se procede a julgamento que se poderá antever se a suspensão poderá ou não favorecer a integração do arguido na sociedade, sem pôr em causa as finalidades político-criminais de aplicação das penas.

3.7. O acórdão recorrido consignou a propósito da determinação da medida da pena única a cominar a cada um dos ilícitos perpetrados pelo recorrente, que:

“Por se reflectir na pena, através da culpa, antes de mais, há que considerar como factor de graduação daquela, a ilicitude típica que, no caso concreto, se afigura elevado em relação a todos os crimes no quadro da gravidade suposta pela respectiva moldura abstracta.

Em qualquer dos casos, o prejuízo ocasionado às vítimas foi muito elevado, implicando a diferente grandeza de cada um deles justificada gradação das penas correspondentes a cada um dos ilícitos, embora no assalto ao estaleiro tenham sido duas as vítimas do furto ali praticado.

Também a reiteração destes comportamentos por parte dos arguidos A..., (…) legitima uma diferenciação das penas relativamente ao arguido (…), como o justifica para o arguido A... a circunstância de ser o mentor deste bando organizado de ladrões.

Realçando-se o modus operandi da actuação dos arguidos, onde se destaca o uso alarmante de viaturas furtadas, os assaltos em causa denotam profissionalismo no seu empreendimento. 

Considerando o modo e circunstâncias como sempre actuaram, o dolo dos arguidos foi directo e intenso em qualquer dos seus comportamentos.

O arguido A... revela uma personalidade fortemente censurável, como os factos e os seus antecedentes criminais o ilustram.

Não mostra sinais de arrependimento, nem de interiorização do desvalor da sua conduta, como o comprova a falta de colaboração em julgamento (…).

De qualquer modo a conduta institucional do recluso A... tem sido correcta e participativa, revelando capacidades de trabalho.

(…)

Todos os arguidos têm antecedentes criminais designadamente por crimes contra o património, destacando-se pela sua quantidade e/ou gravidade aqueles registados aos arguidos A... (…).

(…)

Contra os arguidos depõe a circunstância de jamais terem reparado os prejuízos ocasionados.

Avultando as exigências de prevenção geral no tocante aos crimes em apreço, também no plano da prevenção especial mostra-se necessária uma importante resposta punitiva que previna a prática de comportamentos da mesma natureza, fazendo sentir aos arguidos a antijuridicidade e gravidade das suas condutas.

A favor do arguido A... não se vislumbra nenhuma circunstância atenuante digna de relevo.

Apresenta traços de personalidade mal adaptativos, de natureza anti-social ou dissocial, não se importando com a verdade, não aprendendo com os erros que comete, tendendo a repeti-los.

Atentos os respectivos antecedentes criminais e a actividade ilícita que vinha desenvolvendo, aliada ao seu modo de vida, já que sem hábitos de trabalho, sem inserção social, profissional ou familiar equilibrada, o arguido A... revela acentuada propensão para a prática de crimes

(…).”

Ora, assim sendo, por forma alguma colhe o juízo negativo alegado pelo arguido em causa, que de Conrado guardando o prudente silêncio, apenas agora pretende clamar por um arrependimento que no momento processual asado não exercitou de forma a merecer credibilidade.

O percurso exemplar que erige manter no EP, assume relevo relativo que em nada mitiga o demais que o Tribunal a quo ponderou, com critério.

A operação de determinação da medida das sanções parcelares reclamadas coligiu todos os elementos que os autos comportavam, nenhum elemento novo ou não considerado assumindo realce.

Isto é, em síntese, também aqui nenhuma censura urge fazer à peça sindicada.

O mesmo se diga quanto à recorrente.

No que concerne, além das considerações genéricas feitas tal como aos demais arguidos, atentou o tribunal da 1.ª instância que “De qualquer modo quanto à arguida B...cumpre realçar que, à data dos factos, era delinquente primária, sendo que apenas o crime de burla objecto da condenação no cit. PCS n.º 129/04.6 TAVIS foi cometido em data anterior ao inicio do seu namoro com o arguido A... em Fevereiro de 2007, tudo sugerindo que a actividade delinquente da arguida foi potenciada pela sua vivência com aquele arguido, já que esse período conturbado corresponde à sua identificação em vários processos judiciais.

De resto, a arguida tem revelado empenho em reorganizar a sua vida, mantendo ocupação laboral e frequentando curso profissional.”

Invoca agora a recorrente que no que à mesma diz respeito A ilicitude… é manifestamente inferior à dos restantes arguidos que tiveram participação muito mais activa em cada um dos assaltos, devendo ser considerada a menor intensidade do dolo e da culpa, sendo-lhe aplicada pena substancialmente diferente que aos restantes arguidos.

Não colhe esta argumentação da arguida.

Com efeito, não minora o grau de ilicitude, nem de culpa, a circunstância de a sua participação no sucedido ter consistido em manter-se de vigia, “cobrindo” por tal forma a actuação dos demais intervenientes nos assaltos. Dentro da estratégia urdida em conjunto, a cada um dos elementos era cometida uma tarefa concreta. Nada mais, nem menos, do que isso.

Em todo o caso, o tribunal a quo não menosprezou o que de distinto encontrou em cada uma das singulares condutas, pois que sancionou a recorrente em penas menos severas do que aquelas que cominou a cada um dos demais participantes nos eventos praticados.

3.8. Surpreendendo-se a imagem global dos factos em análise, atendendo-se ao fio condutor presente na repetição criminosa, e ensaiando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade dos recorrentes, denota-se que vista a similitude de crimes cometidos, todos contra o património, e mínimo hiato temporal entre eles intercedente, o que os autos denotam era o emergir de uma tendência criminosa a que a sanção penal reclamada deverá procurar pôr cobro.

Pena única assim devida, aquela que não menospreze essa ideia e que o aresto sob censura adequada e proporcionadamente logrou, fixando as penas únicas correspectivas para cada um dos ora recorrentes.

3.9. Afirmação esta que preclude da necessidade de ponderação da última das questões elencadas, qual fosse a da possível aplicação à recorrente da pena de substituição.

Na verdade, como resulta do elencado art.º 50.º, n.º 1, requisito formal essencial a que se indague da possibilidade de suspensão de execução da pena é, desde logo, o de que o agente haja sido condenado em pena de prisão não superior a cinco anos.

Ora, a pena única aplicada à arguida B...foi de cinco anos e seis meses de prisão.


*

IV – Decisão.

Perante todo o exposto, decide-se, consequentemente, negar provimento a ambos os recursos interpostos.

Custas pelos recorrentes A... e B..., fixando-se a taxa de justiça individualmente devida em, respectivamente, 8 e 5 UCs.

Notifique.


*

Brízida Martins (Relator)

Orlando Gonçalves



[1] E diploma de que serão os preceitos doravante a citar, quando sem menção expressa da origem.

[2] Sucedendo que, no início da audiência, foram absolvidos dessa instância cível os também inicialmente requeridos Paulo Sérgio Branco e J...Henriques.

[3] €81.775,42 = €80.000 + €169,40 + €246,42 + €1.359,60.
[4] €12.500 = €7.500 + €5.000,00

[5] O arguido José João recordou que esse assalto ocorreu na mesma noite daquele outro dos pneus no camião da Patinter, pelo qual foram julgados e condenados no Tribunal de Sever de Vouga no cit. PCC n.º 288/07.6 JAAVR.

[6] Com efeito, além de não envolver os arguidos José João e D..., o arguido C... não refere a subtracção do camião Mercedes subtraído na noite de 11 para 12 de Setembro de 2007. 
[7] A este propósito e em torno da autonomização da reconstituição do facto enquanto meio de prova, mesmo perante o silêncio do arguido em julgamento, vide o recente Ac. STJ 20.04.2006 (Rodrigues da Costa), www.dgsi.pt (no mediatizado caso Joana). No mesmo sentido o Ac. STJ 5.01.2005, in CJ, t.1, 159, Ac. STJ 22.04.2004, CJ, t.2, pg.165, o Ac. do STJ de 11.7.2001, CJ, T. III, pg.166 e ss, o Ac. do STJ de 11.12.96, in BMJ 462º/299. Recentemente no mesmo sentido vide o Ac. RC 11.08.2010 CJ, t.4, pg. 36.

[8] Vg., aresto de que fomos relator, a 30 de Março de 2011, no âmbito do recurso n.º 484/02.2 TATMR.C2, bem como aresto deste mesmo Tribunal, prolatado a 30 de Novembro seguinte, sendo relator o Ex.mo Desembargador Eduardo Martins, no recurso n.º 51/07.4 GBMGL.C1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.jtrc.
[9]  Ver Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, C.E.J., pág. 249, e Ac. desta Relação de Coimbra, de 13 de Março de 2002, in C.J. XXVII, Tomo 2, pág. 45. Fundamental é que seja respeitado o princípio do contraditório – neste sentido, o Ac. do S.T.J., de 20 de Junho de 2001, in C.J., Acs. do S.T.J., Tomo 2, pág. 230.
[10] Datado de 7 de Maio de 2009, relatado pelo Exmo. Conselheiro Arménio Sottomayor, e acessível no site www.dgsi.pt, sob o n.º 08P1213.
[11] Relatado pelo Exmo. Conselheiro Santos Cabral, a 3 de Setembro de 2008, igualmente acessível no site mencionado, sob o n.º 08P2044.
[12] Proferido no âmbito do recurso n.º 3.276/04, e publicado na CJ, Acs STJ, Ano XIII, Tomo I, págs. 159 e segs.

[13] Prolatado com data de 8 de Setembro de 2010, no processo n.º 23/08.1 TAANC.C1 deste Tribunal da Relação, publicado na CJ, Ano XXXV, Tomo IV, págs. 37/8.

[14] Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, t. II, p. 108.
[15] Cfr. Constituição Portuguesa Anotada de Jorge Miranda e Rui Medeiros, t. I, pág. 356.

[16]  Cfr. Prof. Castanheira Neves, Sumários de Processo Penal, 1967/1968, n.º 4 – Os Princípios de Processo Penal.
[17] La Prova Penale, págs. 9 e segs.

[18] Paulo Saragoça da Mata, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Organizadas pela Faculdade de Direito de Lisboa e pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, Coordenação Científica de Maria Fernanda Palma, Almedina, pág. 231.

[19] Cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Lições coligidas por Maria João Antunes, secção de textos da FDUC, 1988-9, pág. 140.
[20] Paulo Saragoça da Mata, ob. cit., pág. 251.

[21] Vd. Ac. do STJ de 29 de Janeiro de 2007, processo 3193/06, 3.ª secção, in Sumários de Ac. do STJ.

[22] Ac. do TC n.º 546/98, disponível in www. tribunalconstitucional.pt.