Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
143/17.1T8GRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO AMBIENTAL
ADMOESTAÇÃO
SANÇÃO ACESSÓRIA
Data do Acordão: 11/15/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (JL CRIMINAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: DL N.º 46/2008, DE 12/3; LEI N.º 50/2006, DE 29/8, COM ALTERAÇÕES DA LEI N.º 89/2009, DE 31/8 E DA LEI 114/2015, DE 28/8
Sumário: I - No caso de obras particulares, o cumprimento do regime legal de gestão de resíduos de RCD constitui condição a observar na execução das obras de urbanização ou nas obras de edificação, restauração ou demolição.

II - Ao proceder à descarga de RCD, em local não autorizado, não agiu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, sendo certo que pretendia que os resíduos fossem reutilizados no restauro e beneficiação de um caminho agrícola, devia ter diligenciado antes nesse sentido, assegurando a respectiva gestão.

III - Embora a lei-quadro das contra-ordenações ambientais não preveja expressamente a aplicação de admoestação, não podemos ter o entendimento de que tal instituto não lhes seja aplicável, pois o legislador não o afastou expressamente e não há razão para as contra-ordenações ambientais terem um regime mais severo nesta matéria do que o aplicável para os crimes.

IV - O legislador, ainda que de forma desproporcional à conduta em concreto, considerou a contra-ordenação em causa como muito grave e como tal, está excluída a possibilidade de lhe ser aplicada a admoestação.

V - O arguido, logo que foi advertido pela GNR, de que os materiais deviam ser obrigatoriamente encaminhados para um operador de gestão de resíduos licenciado para o efeito, procedeu de imediato à regularização da situação.

VI - No caso concreto não se verifica necessidade de aplicar qualquer sanção acessória a salvaguardar as preocupações do legislador, uma vez que a conduta do arguido não trouxe qualquer perigo para a saúde e em termos ambientais foi imediatamente solucionada pelo próprio arguido, com sacrifício económico, ao despender €73,52, com o encaminhamento dos materiais para uma entidade gestora de resíduos.

VII - Não faria sentido que sendo esta a única sanção acessória, como condição, que se adequava a ser aplicada ao arguido, não se pudesse suspender a execução da coima, por se mostrar já cumprida e sem qualquer prejuízo ou risco de saúde e a relativa perturbação ambiental com o depósito foi sanada.

Decisão Texto Integral:









Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
 
I - Relatório
No processo supra identificado, o arguido A... , titular do cartão de cidadão n.º (...) , residente em (...) ,  fls. 76 a 89, veio ao abrigo do art. 59.º, do Regime Geral das Contra-Ordenações, aprovado pelo DL n.º 433/82, de 27 de Outubro (doravante, RGCO), interpor recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) que lhe aplicou, no âmbito do processo de contra-ordenação n.º CO/001831/11, uma coima no valor de €5.000,00 (cinco mil euros), acrescida de custas no valor de €75,00 (setenta e cinco euros), pela prática de uma contra-ordenação ambiental qualificada de muito grave, p. e p. pelo 18.º, n.º 1, do DL n.º 46/2008, de 12 de Março, conjugado com o artigo 22.º, n.º 4, al. b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.
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O tribunal a quo julgou totalmente improcedente a impugnação judicial do arguido e manteve a decisão da entidade administrativa.
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O arguido interpôs recurso, da sentença que manteve a condenação pela contra-ordenação, pugnando pela sua absolvição, ou quando assim se não entender que lhe seja aplica admoestação ou dispensá-lo de coima, conclusões:
«1. O Recorrente agiu sem culpa, por se encontrar em erro sobre a ilicitude, atendendo a que desconhecia o regime legal que o obrigava a proceder ao encaminhamento dos resíduos para entidade de gestão licenciada para esse efeito.
2. Se é que lhe seria alguma vez aplicável o quadro normativo – e consequente quadro contra-ordenacional nele previsto – sub iudice, em sede da respectiva imputação objectiva, o que, atendendo a todo o antes exposto, se nega uma vez que, nos termos do disposto no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de Março, sob a epígrafe “Responsabilidade da gestão de RCD”, que estatui, no seu n.º 1, que a gestão dos referidos RCD (resíduos de construção e demolição) é da responsabilidade de todos os intervenientes no seu ciclo de vida, desde o produto original até ao resíduo produzido, na medida da respectiva intervenção no mesmo.
3. Exceptuando o respectivo n.º 2 os RCD produzidos em obras particulares isentas de licença e não submetidas a comunicação prévia.
4. Mesmo que se considere a incursão do Recorrente na contra-ordenação que lhe vem imputada, o certo é que aquele actuou fiel ao Direito, agindo no sentido e com o propósito de realizar um valor com relevância positiva para a ordem jurídica, designadamente, em benefício da comunidade onde se encontra inserido.
5. Na ausência de imputação objectiva, deverá o processo ser arquivado e não ser aplicada qualquer coima ao Recorrente.
6. Se assim não se entender (o que sem conceder se equaciona por mera cautela de patrocínio), e já em sede de imputação subjectiva, a culpa do Recorrente é, pelo menos, muito reduzida, devendo a respectiva punição limitar-se à prolação de mera admoestação.
7. Impondo-se recorrer no presente caso a critérios de justiça material que melhor adaptem a decisão a proferir às especificidades do presente caso.
8. Ainda se ainda assim não se entender, sem conceder, deverá o Recorrente ser dispensado de pena, por aplicação do disposto no artigo 74.º, n.º 1, do Código Penal.
9. Tudo visto, o Tribunal a quo errou na aplicação do Direito ao desconsiderar o disposto no n.º 2, do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12 de Março, pois que se assim não fosse, considerando, portanto, que o Recorrente não produziu qualquer RCD resultante de obras particulares isentas de licença e não submetidas a comunicação prévia, não teria condenado o Recorrente no pagamento de qualquer coima pela suposta actuação contra o disposto no referido diploma legal.
10. Deveria o Tribunal, nos melhores termos de Direito, proferir uma mera admoestação».
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Notificado o Ministério Público apresentou resposta, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.
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Nesta instância a Exmo. Procurador-geral Adjunto, emitiu douto parecer, no sentido de que que deve proceder o recurso, aplicando ao arguido uma mera admoestação, atendendo ao diminuto grau d ilicitude dos factos, sendo certo que o arguido procedeu ao depósito de resíduos num caminho, provenientes de restos de telhas, em consequência da substituição do telhado de um casa de habitação.
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Cumprido que foi o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido não respondeu.
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Colhidos os vistos legais e indo os autos à conferência, cumpre decidir.
Vejamos a factualidade apurada.
Factos provados:
«A) No dia 2 de Julho de 2011, em (...) , (...) , freguesia de (...) , concelho da (...) , existiam depositados materiais constituídos por telhas velhas e restos de cimento.
B) Tais materiais haviam sido depositados no local pelo aqui recorrente A... , e foram provenientes de uma obra que o mesmo recorrente havia realizado na sua casa de habitação, sita na (...) , a qual consistiu na recuperação do telhado de tal habitação, nomeadamente com a substituição das respectivas telhas por outras.
C) Caso a GNR não tivesse intervindo no dia 2 de Julho de 2011, o recorrente iria destinar e reutilizar as aludidas telhas velhas e restos de cimento na recuperação e tapagem de buracos de um caminho agrícola público existente naquele local e que se encontrava danificado e colocava em causa a segurança da circulação de tractores agrícolas que amiúde o utilizavam.
D) No dia dos factos, a GNR explicou ao aqui recorrente que as aludidas telhas velhas e restos de cimento constituíam resíduos e que, como tal, não poderiam ter sido ali depositados nem reutilizados, antes tendo obrigatoriamente de ser encaminhados para um operador de gestão de resíduos licenciado para o efeito.
E) E perante tal advertência por parte da autoridade, o recorrente de imediato procedeu nesse sentido, assim tendo procedido à regularização da situação, mediante o que despendeu a quantia de €73,52.
F) Ao proceder como se deu como provado, o recorrente não procedeu com o cuidado a que estava obrigado e de que era capaz, pelo menos quanto ao dever de conhecer e de se informar sobre a legalidade da sua conduta.
G) O recorrente declarou para efeitos fiscais um rendimento de €11.145,09 no ano de 2009».
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II - O Direito
As conclusões formuladas pela recorrente delimitam o âmbito do recurso, nos termos do art. 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal.
São apenas as questões suscitadas pela recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
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Questões a decidir:
a) Apreciar o enquadramento contra-ordenacional, designadamente se a conduta do arguido se enquadra no art. 3.º, n.º 2, do DL 46/2008, de 12/3, por se tratar de RCD (resíduos de construção e demolição), produzidos em obras particulares isentas de licença e não submetidas a comunicação prévia.
b) Apreciar se há fundamento para não aplicar coima, ou a não se entender assim se deve ser aplicada mera admoestação, atendendo que a imputação subjectiva resulta de culpa reduzida ou ainda se o arguido pode ser dispensado de coima, por aplicação do art. 74.º, n.º 1, do CP.

Apreciando:
a) Do enquadramento contra-ordenacional
Nos termos do art. 75.º, do D. L. 433/82 de 27 de Outubro, este tribunal conhece apenas da matéria de direito, pelo que se devem ter por assentes os factos apurados pelo tribunal a quo, a não ser que resultem da existência dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP.
Atenta a matéria de facto dada como provada e respectiva fundamentação, não se vislumbram fundamentos para modificar a matéria de facto com base na existência de quaisquer dos vícios.
Está assente nos autos que no dia 2 de Julho de 2011, em local da freguesia de (...) , concelho da (...) , existiam depositados materiais constituídos por telhas velhas e restos de cimento, os quais foram depositados pelo recorrente A... , provenientes de uma obra que este havia realizado na sua casa de habitação, que consistiu na recuperação do telhado de tal habitação, nomeadamente com a substituição das respectivas telhas por outras.
O arguido pretendia destinar e reutilizar as aludidas telhas velhas e restos de cimento na recuperação e tapagem de buracos de um caminho agrícola público naquele local e que se encontrava danificado.
O arguido foi advertido de que os resíduos não podiam ser ali depositados e deviam ser encaminhados para um operador de gestão de resíduos licenciado para o efeito, situação que regularizou, dependendo para o efeito a quantia de €73,52.
O DL 46/2008, de 12/3, conforme dispõe no seu art. 1.º, “estabelece o regime das operações de gestão de resíduos resultantes de obras ou demolições de edifícios ou de derrocadas, abreviadamente designados resíduos de construção e demolição ou RCD, compreendendo a sua prevenção e reutilização e as suas operações de recolha, transporte, armazenagem, triagem, tratamento, valorização e eliminação”.
Quanto à responsabilidade da gestão de RCD, dispõe o art. 3.º:
“1 - A gestão dos RCD é da responsabilidade de todos os intervenientes no seu ciclo de vida, desde o produto original até ao resíduo produzido, na medida da respectiva intervenção no mesmo, nos termos do disposto no presente decreto-lei.
2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os RCD produzidos em obras particulares isentas de licença e não submetidas a comunicação prévia, cuja gestão cabe à entidade responsável pela gestão de resíduos urbanos.
3 - Em caso de impossibilidade de determinação do produtor do resíduo, a responsabilidade pela respectiva gestão recai sobre o seu detentor.
4 - A responsabilidade das entidades referidas nos números anteriores extingue-se pela transmissão dos resíduos a operador licenciado de gestão de resíduos ou pela sua transferência, nos termos da lei, para as entidades responsáveis por sistemas de gestão de fluxos de resíduos”.
No caso de obras particulares o cumprimento do regime legal de gestão de resíduos de RCD constitui condição a observar na execução das obras de urbanização ou nas obras de edificação, restauração ou demolição.
Ora, não tendo o arguido, assegurado a gestão de RCD, a que legalmente caberia, nos termos do art. 3.º a sua responsabilidade mantém-se.
Nesta conformidade, o abandono e a descarga de RCD pelo arguido, em local não licenciado ou autorizado para o efeito, constitui contra-ordenação ambiental muito grave, nos termos do art. 18.º, n.º 1, do DL 46/2008, de 12/3.
A factualidade descrita é subsumível à previsão da contra-ordenação p. e p. pelos art. 18.º, n.º 1, do DL n.º 46/2008, de 12/3 e 22.º, n.º 4, al. a), da Lei n.º 50/2006, de 29/8, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31/8, em vigor à data da prática dos factos., punível com coima de 20.000,00€ a 30.000,00€.
Entretanto o art. 22.º, n.º 4, al. a), da Lei n.º 50/2006, de 29/8, na redacção dada pela Lei 114/2015, de 28/8, passou a estatuir que às contra-ordenações (ambientais) muito graves praticadas por pessoas singulares, corresponde uma coima de 10.000,00€ a 100.000,00€ em caso de negligência, e de €20.000,00 a €200.000,00 em caso de dolo.
Esta é pois a lei aplicável por se a mais favorável, nos termos do art. 3.º, do RGCO..
O DL 178/2006, de 5/9, aprovou o regime geral de gestão de resíduos, transportando para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2006/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 5/4 e Directiva n.º 91/689/CEE do Conselho de 12/12.
Nos termos do art. 1.º do DL 46/2008, de 12/3, este diploma estabelece o regime das operações de gestão de resíduos resultantes de obras ou demolições de edifícios ou de derrocadas, compreendendo a sua prevenção e reutilização e as suas operações de recolha, transporte, armazenagem, triagem, tratamento, valorização e eliminação.
Conforme dispõe o art. 9.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, as contra-ordenações ambientais são puníveis a título de dolo ou negligência, sendo que a negligência é sempre punível.
Ora, o art. 18.º, n.º 1, do DL 46/2008, de 12/3 prevê como “contra-ordenação ambiental muito grave o abandono e a descarga de RCD em local não licenciado ou autorizado para o efeito”.
Por força do art. 22.º, n.º 4, al. a), da Lei n.º 50/2006, de 29/8, na redacção dada pela Lei 114/2015, de 28/8 a conduta doa arguido foi punida a título de negligência.
Ao proceder à descarga de RCD, em local não autorizado, não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, sendo certo que se pretendia que os resíduos fossem reutilizados no restauro e beneficiação de um caminho agrícola, devia ter diligenciado antes nesse sentido, assegurando a respectiva gestão.
Inquestionavelmente que o arguido com a sua conduta praticou a contra-ordenação ambiental p. e p. pelos art. 18.º, n.º 1, do DL n.º 46/2008, de 12/3 e 22.º, n.º 4, al. a), da Lei n.º 50/2006, de 29/8, na redacção dada pela Lei n.º 114/2015, de 28/8, punível com coima de 10.000,00€ a 100.000,00€.
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b) Da dispensa de coima e admoestação
A Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, atentas as circunstâncias em que os factos ocorreram, atenuou especialmente a coima, nos termos dos art. 23.º-A e 23.º-B, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, na redacção dada pela Lei n.º 114/2015, de 28/8, reduzindo assim os limites mínimo e máximo a metade, que passaram a ser de 5.000,00€ a 50.000,00€.
Ao arguido, com a atenuação especial prevista nos termos dos art. 23.º-A e 23.º-B, Lei n.º 50/2006, foi aplicada a coima pelo mínimo de 5.000,00€ (cinco mil euros).
Vejamos agora se pode proceder o segundo fundamento da motivação de recurso da arguida ao pretender que seja dispensado de coima ou que lhe seja aplicada apenas admoestação.
Nos termos do art. 18.º, n.º 1, do DL 433/82, de 27/10, a coima é determinada em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico alcançado.
Também o art. 20.º, n.º 1, da Lei 50/2006, na redacção dada pela Lei n.º 114/2015, de 28/8 é praticamente um decalque daquele normativo, quando prevê:
«A determinação da coima e das sanções acessórias faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa do agente, da sua situação económica e dos benefícios obtidos com a prática do facto».
Por outro lado o n.º 2, também à semelhança do que sucede na determinação da medida da pena, dispõe que se deve atender personalidade do agente, quando preceitua:
«Na determinação da sanção aplicável são ainda tomadas em conta a conduta anterior e posterior do agente e as exigências de prevenção».
E por fim o n.º 3, não descortina a colaboração do infractor na descoberta da verdade material, particularmente importante nas contra-ordenações ambientais:
«São ainda atendíveis a coação, a falsificação, as falsas declarações, simulação ou outro meio fraudulento utilizado pelo agente, bem como a existência de atos de ocultação ou dissimulação tendentes a dificultar a descoberta da infracção». 
Quanto à dispensa de coima, a Lei 50/2006, de 29/8, que prevê os termos da punibilidade das contra-ordenações ambientais, não prevê a dispensa de pena e se o legislador se o quisesse tinha-o dito, o que não fez em todas as intervenções na alteração à lei original, com a Lei n.º 89/2009, de 31/8; Lei n.º 114/2015, de 28/8 e DL n.º 42-A/2016, de 12/8, apesar das alterações neste domínio.
Por outro aldo, o RGCO, regulando de forma exaustiva a panóplia de sanções e termos da punibilidade relativamente às infracções de natureza contra-ordenacional, não prevê igualmente a dispensa de coima e não faria sentido lançar mão, subsidiariamente ao instituto da dispensa de pena, exclusivamente aplicável às infracções de natureza criminal. Neste sentido também se pronunciou o Ac. do TRE, de 28/11/2013 – Proc. 3342/12.9TASTB.E1, in www.dgsi.pt/jtre.
A lei-quadro das contra-ordenações ambientais não prevê expressamente a aplicação de admoestação.
Não podemos ter o entendimento de que tal instituto não seja aplicável no caso das contra-ordenações ambientais, apesar de em regra estas merecerem maior censurabilidade pela comunidade e terem regime mais apertado relativamente às contra-ordenações em geral.
Tal argumento não colhe, pois o legislador não os afastou expressamente e não há razão para as contra-ordenações ambientais terem um regime mais severo nesta matéria do que o aplicável para os crimes.
Ora, nos termos do art. 2.º, da Lei 50/2006, de 29/8, é subsidiariamente aplicável às contra-ordenações ambientais o regime geral das contra-ordenações, aplicando-se em consequência o instituto de admoestação previsto no art. 51.º do RGCO.
Segundo dispõe o art. 51.º, do RGCO, pode ser aplicada a sanção de admoestação “quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique”.
Já vimos qua as contra-ordenações ambientais, para determinação da coima aplicável, tendo em conta a relevância dos direitos e interesses violados, nos termos do art. 21, n.º 1, da Lei 50/2006, de 29/8 se classificam em leves, graves e muito graves.
Ao descarregar e manter em depósito RCD (telhas velhas e restos de cimento) em local não licenciados ou autorizados para o efeito, o arguido negligenciou a obrigação que lhe era imposta, de diligenciar pela preservação e controle da qualidade do ambiente, em vez de os encaminhados para um operador de gestão de resíduos licenciado para o efeito, o que constitui contra-ordenação muito grave, de acordo com o disposto no art. 18.º, n.º 1, do DL 46/2008, de 12/3.
A contra-ordenação, em causa, classificada muito grave, é punível, a título de negligência, de acordo com o disposto no art. 24.º, n.º 4, al. a), com coima de €10.000,00 a €100.000,00, não lhe sendo aplicável por isso a admoestação.
Conforme sustenta Pinto de Albuquerque, in Comentário do Regime Geral das Contra-ordenações à luz da Constituição da República Portuguesa e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, págs. 222 e 223, “a admoestação é uma sanção…trata-se de uma medida para os casos de pouca relevância do ilícito contra-ordenacional e da culpa do agente, isto é, para contra-ordenações leves ou simples” (concordam esta posição Simas Santos e Lopes de Sousa, 2011, 394, anotação 2.ª ao artigo 51.º e Sérgio Passos, 2009, 370, anotação 2.ª ao artigo 51º).
Ora, o legislador, ainda que de forma desproporcional à conduta em concreto, considerou a contra-ordenação em causa como muito grave e como tal, está excluída da possibilidade de lhe ser aplicada a admoestação.
Aliás tem sido este o entendimento dos tribunais superiores, cfr. entre outros o Ac. do TRP, de 17/9/2014 – Proc. 656/13.4TBPNF.P2, in www.dgsi.pt/jtrp; Ac. do TRC, de 23/11/2016 – Proc. 524/16.8T8GRD.C1 e de 28/1/2015 – Proc. 28/14.3TBIDN.C1, ambos in www.dgsi.pt/jtrc; Ac. do TRE, de 11/9/2012 – Proc. 29/12.6TBARL.E1, in www.dgsi.pt/jtre;
A Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, em decisão que o tribunal a quo confirmou, atenuou especialmente a coima que fixou pelo mínimo de €5.000,00.
Os materiais (telhas velhas e restos de comento), eram provenientes de uma obra de restauração que o arguido A... havia realizado na sua casa de habitação e haviam sido depositados naquele local, não licenciado e se a GNR não tivesse intervindo no dia 2/7/2011, iria reutilizá-los na tapagem de buracos de um caminho agrícola público próximo e que se encontrava danificado e colocava em causa a segurança da circulação de tractores agrícolas.
A lei, designadamente em termos sancionatórios, não pode ser aplicada de forma cega, sem ter em conta o espírito e o fim para que foi criada.
E aqui fazemos apelo ao princípio consignado no art. 9.º, do CC, segundo o qual, “a interpretação da lei não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”.
Podemos dizer que, não obstante a infracção ser classificada legalmente como muito grave, o arguido, que ocasionalmente procedeu ao depósito de telhas velhas e restos de cimento, que restaram de uma obra de restauração da sua habitação, em local não licenciado, fê-lo com intuito de os vir a reutilizar no arranjo de uma caminho agrícola, convencido de estar a praticar um benefício para comunidade local.
Por outro lado há ainda a considerar a natureza dos materiais, que são susceptíveis de ser reutilizados, por não representarem especial perigo em termos ambientais.
Acresce por fim que o arguido, logo que foi advertido pela GNR, de que os materiais deviam ser obrigatoriamente encaminhados para um operador de gestão de resíduos licenciado para o efeito, procedeu de imediato à regularização da situação, despendendo para tal a quantia de €73,52.
Estamos pois, quer pelo facto dos materiais em questão não representarem particular perigo em termos ambientais, quer pela conduta do arguido em repor prontamente a situação, perante uma situação em que a coima mesmo atenuada se mostra deveras severa, face à culpa diminuta com que o arguido actuou e á relativa gravidade da ilicitude.  
Nesta conformidade, importa agora determinar se é admissível a suspensão da execução da coima, e em que termos e se justifica a sua aplicação ao caso concreto.
Como segundo segmento da motivação de recurso, alega a recorrente que foram retirados do local os resíduos pelo seu sócio gerente no decurso do julgamento, facto que deve ser reconhecido, devendo por isso ser suspensa da coima aplicada, dado que a mesma é primária e sempre se ateu ao cumprimento da legalidade.
A Lei n.º 50/2006, de 29/8, que aprova a lei-quadro das contra-ordenações ambientais, na redacção da Lei 89//2009, de 31/8, em vigor à data da prática dos factos (2/7/2011) não previa a suspensão da execução da coima.
Tal resulta da estrutura daquela lei que na Título III trata das coimas e sanções, nos seguintes termos:
Capítulo I (Da sanção aplicável) – artigo 20.º. 
Capítulo II (Coimas) – artigos 21.º a 28.º.
Capítulo III (Sanções acessórias) – artigos 29.º a 39.º.
Apenas no art. 39.º, inserido no Capítulo III se previa a suspensão da execução das sanções acessórias, sendo omissa a lei-quadro quanto à suspensão da suspensão da execução das coimas, cujo regime se encontra estipulado no Capítulo II.
O legislador se fosse essa a sua intenção tinha-o dito, pelo que o seu silêncio se tem de interpretar como não admitir a suspensão da suspensão da execução das coimas.
Neste sentido, se decidiu no Ac. do TRC de 25/3/2015 – Proc. 14/14.3T8SCD.C1, in http://www.dgsi.pt/jtrc.
Conclui-se assim que a Lei n.º 50/2006, de 29/8, na redacção da Lei 89//2009, de 31/8, em vigor à data da prática dos factos não previa a suspensão da execução da coima.
Porém, a Lei 114/2015, de 28/8, aplicada já na aplicação da coima, por ser a mais favorável,  revogou o art. 39.º, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, inserido no Capítulo III dedicado às sanções acessórias e que previa a suspensão da execução destas e só destas.
Por outro lado, esta mesma Lei 114/2015, de 28/8, além de revogar o art. 39.º, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, adicionou a este diploma o art. 20.º-A, inserido no Capítulo I (Da sanção aplicável), onde se prevê a suspensão da execução da coima e das sanções acessórias.
Nesta conformidade, devemos ter em conta que a contra-ordenação praticada ocorreu em (2/7/2011), devendo por isso aplicar-se a norma do art. 20.º-A, na redacção da Lei 114/2015, de 28/8, que passou a contemplar a suspensão da execução da coima em contra-ordenações ambientais, nas condições ali previstas, por se mostrar mais favorável á arguida, por força art. 4.º, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, na redacção da Lei 114/2015, de 28/8, que reproduz o art. 3.º, do DL n.º 433/82, de 27/10.
O art. 20.º-A adicionado à Lei n.º 50/2006, de 29/8, contempla a suspensão da execução da sanção, aqui se prevendo no n.º 1 a suspensão da coima e condições de que o legislador a faz depender e nos n.º 2 a 6 a suspensão da sanção acessória e respectivo regime, que mereceu mais atenção e desenvolvimento, relativamente ao consignado no anterior art. 39.º revogado, quanto à fixação, cumprimento e revogação. 
Este é o regime actualmente em vigor quanto à suspensão da execução da coima em contra-ordenações ambientais.
A suspensão da execução da sanção acessória, continua a ter um regime mais flexível, relativamente à suspensão da execução da coima, continuando a ser admissível em termos idênticos ao regime que vigorava anteriormente, embora mais especificado nos termos em que funciona, sendo admissível independentemente de ser ou não decretada a suspensão da execução da coima.
Diversamente a suspensão da execução da coima obedece a um regime mais apertado, com se alcança da leitura do art. 20.º-A, fazendo-a depender das seguintes condições cumulativas:
«1 - Na decisão do processo de contra-ordenação, a autoridade administrativa pode suspender, total ou parcialmente, a aplicação da coima, quando se verifiquem as seguintes condições cumulativas: 
«a) Seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infracção e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma; 
b) O cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente. 
(…)».
A contra-ordenação foi praticada a título de negligência.
O arguido procedeu ao depósito em local não licenciado de RCD (telhas velhas e restos de cimento), provenientes de obras de restauração na sua habitação própria.
Não tem antecedentes contra-ordenacionais.
Destinava os materiais ao arranjo de um caminho agrícola.
Logo que que foi advertido pela GNR, de que era obrigado a encaminhar os RCD para uma entidade gestora de resíduos, procedeu imediatamente à regularização da situação, despendendo com tal operação a quantia de €73,52.
Para efeitos fiscais declarou um rendimento de €11.145,09 no ano de 2009.
Importa cuidar e prevenir a preservação do ambiente, que é património de toda a comunidade, não apenas pela via sancionatória, mas também através de medidas pedagógicas, isto é, o legislador preocupou-se ao introduzir o regime de suspensão da execução da coima nas contra-ordenações ambientais, fazendo-a depender de condições que visem atingir aquele fim, impondo obrigações aos infractores.
Esta é a filosofia que se extrai do actual regime de suspensão da coima em contra-ordenações ambientais.
Educar, impondo obrigações para melhor prevenir.
Face ao exposto, mostram-se reunidos os requisitos que se aplique a suspensão da execução da coima.
Mas a tal suspensão só é de decretar uma vez verificadas as condições as condições cumulativas, previstas no art. 20.º-A, n.º 1, da Lei 50/2006, de 29/6, na redacção dada pela Lei 114/215, de 28/8: 
«a) Seja aplicada uma sanção acessória que imponha medidas adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infracção e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma
b) O cumprimento da sanção acessória seja indispensável à eliminação de riscos para a saúde, segurança das pessoas e bens ou ambiente».
Ora, a sanção acessória a aplicar, tratando-se de um particular e não uma sociedade que se destine à actividade de produzir, na sua laboração RCDs será precisamente, como medida adequada, a de repor a situação anterior à infracção e a minimização dos efeitos decorrentes da mesma e eliminação dos riscos para a saúde ou ambiente. 
E essa sanção acessória seria precisamente a prevista no art. 30.º, n.º 1, al. j), da Lei 50/2006, de 29/6:
«Imposição das medidas que se mostrem adequadas à prevenção de danos ambientais, à reposição da situação anterior à infração e à minimização dos efeitos decorrentes da mesma».
Porém, carece este tribunal de necessidade de aplicar qualquer sanção acessória a salvaguardar aquelas preocupações do legislador, uma vez que a conduta do arguido não trouxe qualquer perigo para a saúde e em termos ambientais foi imediatamente solucionada pelo próprio arguido, com sacrifício económico, ao despender €73,52, com o encaminhamento dos materiais para uma entidade gestora de resíduos.
Ora, não faria sentido que sendo esta a única sanção acessória, como condição, que se adequava a ser aplicada ao arguido, não se pudesse suspender a execução da coima, por se mostrar já cumprida e sem qualquer prejuízo ou risco de saúde e a relativa perturbação ambiental com o depósito foi sanada.
Seria um contra-senso.
Neste sentido, atento o espirito que presidiu à intenção do legislador, na suspensão da execução da coima em contra-ordenações ambientais, que é educar para prevenir, mostram-se reunidos os requisitos, para declarar a suspensão da execução da coima aplicada, nos termos do art. 20.º-A, n.º 1, uma vez a sanção acessória que seria de aplicar se mostra cumprida pelo arguido.
E não faria sentido que se não suspendesse a execução da coima, por a sanção acessória de que se fazia depender, estar já cumprida.
Prevê nos termos do art. 20.º-A, n.º 1, da Lei 50/2006, a coima pode ser suspensa na sua execução total ou parcialmente.
Considerando a situação económica do arguido e atendendo que se trata de uma contra-ordenação muito grave, será adequado que o infractor suporte parcialmente a coima, de forma a sentir o efeito sancionatório em termos preventivos no cometimento de contra-ordenações ambientais.
A Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, aplicou a coima de €5.000,00 (cinco mil euros).
Face ao que deixamos exposto, temos por adequado que o arguido deve pagar o montante de €1.000,00 (mil euros), ficando suspensa a coima na parte restante de €4.000,00 (quatro mil euros), pelo prazo de 2 anos, nos termos do art. 20.º-A, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, na redacção dada pela Lei 114/2015, de 28/8, não se aplicando a sanção acessória, prevista no art. 30.º, n.º 1, al. j), do mesmo diploma legal, por se encontrar cumprida.
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III- Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decidem os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:
a) Conceder, parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A... , e, em consequência suspende-se parcialmente a execução da coima aplicada de €5.000,00 (cinco mil euros), relativamente à quantia de €4.000,00 (quatro mil euros), pelo prazo de 2 anos, nos termos do art. 20.º-A, n.ºs 1 e 4, da Lei n.º 50/2006, de 29/8, na redacção dada pela Lei 114/2015, de 28/8.
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b) Manter o pagamento parcial da coima na quantia de €1.000,00 (mil euros), pela contra-ordenação ambiental, p. e p. pelo 18.º, n.º 1, do DL n.º 46/2008, de 12 de Março, conjugado com o artigo 22.º, n.º 4, al. b), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, na redacção dada pela Lei 114/2015, de 28/8.
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c) Sem custas, nos termos do art. 513.º, n.º 1, do CPP.
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NB: O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 

Coimbra, 15 de Novembro de 2017
(Inácio Monteiro - relator)
(Alice Santos - adjunta)