Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
445/11.0TBTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: CASO JULGADO
PRESSUPOSTOS
FACTOS INSTRUMENTAIS
AUTORIDADE
Data do Acordão: 05/07/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TONDELA 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 493, 494, 495, 497, 498, 673 CPC
Sumário: 1. À identidade de sujeitos e de pedido a que aludem os n.ºs 2 e 3 do art. 498.º CPC, como requisitos do caso julgado, não obsta o facto de na segunda acção não estarem todos os sujeitos da primeira, e de não terem sido deduzidos todos os pedidos ali formulados, se aqueles que agora são partes também eram partes na primeira acção, e os pedidos ora formulados visam obter nesta acção o mesmo efeito jurídico pretendido contra eles naquela.
2. Verificando-se na segunda acção que a autora, aduz factos e pedidos instrumentais que têm como fundamento o facto essencial e o pedido principal que configura a relação jurídica processual em litígio, estes não são idóneos a concluir que não existe identidade de causa de pedir.

3. Ao invés, concluindo-se que a pretensão deduzida pela autora em ambas as acções, procede do mesmo facto jurídico - a invocação de que o terreno em que foi efectuada uma construção, lhe pertence -, que funda o pedido de declaração de nulidade da doação efectuada aos réus, existe identidade de causa de pedir entre ambas as acções, verificando-se a tríplice identidade a que alude o artigo 498.º do CPC, fundadora da excepção de caso julgado.

4. Mas, mesmo que assim não se entendesse, sempre a autoridade do caso julgado formado pela acção anterior, em que se julgaram improcedentes os pedidos formulados pela autora, por esta não ter logrado demonstrar que o terreno em que a construção foi efectuada lhe pertencia, obstaria ao prosseguimento desta acção onde a autora visava novamente discutir esta questão essencial à peticionada declaração de nulidade da doação.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

1. A (…), instaurou contra M (…) e marido, C (…), a presente acção declarativa sob a forma de processo sumário, pedindo que seja:

a) declarada a nulidade da doação identificada no artigo 13º da petição na parte relativa ao prédio inscrito no artigo 739 da freguesia de (...), concelho de Tondela, com fundamento em falsidade de declaração constante da escritura, quanto à omissão da descrição do mesmo na Conservatória do Registo predial de Tondela; e subsidiariamente,

b) Declarada a nulidade da doação identificada no artigo 13º, na parte relativa ao prédio inscrito no artigo 739 da freguesia de (...), por se tratar de doação de coisa alheia; e, em consequência,

c) declarada a nulidade da descrição predial, com a ficha 1802/20020402 da Conservatória do Registo Predial de Tondela, ordenando-se o respectivo cancelamento.

Em fundamento, alegou, em síntese, que:

É proprietária do prédio identificado no artigo 1º da petição, o qual corresponde à agregação dos prédios identificados no artigo 4º da mesma peça processual, sendo um prédio urbano implantado no prédio rústico aí identificado;

Esse prédio rústico descrito sob o número 1757, foi adquirido por s (...) - com quem a autora foi casada até à morte deste, no regime da comunhão geral de bens -, no ano de 1968, por compra a M (…), prima daquele;

Na década de setenta, o S (…) e a autora permitiram que M (…) efectuasse no prédio rústico uma construção destinada à criação de aves, a qual passou a usar a referida construção bem sabendo que estava implantada em terreno alheio;

Em 1973 a referida M (…) sem o conhecimento e consentimento da autora e do seu falecido marido procedeu à inscrição matricial da referida construção, em seu nome, facto do qual a autora só teve conhecimento em 2007, previamente à instauração da acção n º 83/07.2TBTND que correu termos pelo 2º Juízo deste Tribunal, tendo a essa construção sido atribuído o artigo 739 da freguesia de (...);

Tal inscrição matricial referida foi instruída com a falsa declaração de que o prédio em questão confrontava, a nascente, com a própria MM (…)a fim de evitar o indeferimento do pedido com fundamento no encravamento do prédio;

Em 08-02-2002 a referida M (…), outorgou numa escritura de doação do prédio correspondente ao artigo 739, juntamente com outra, na qualidade de doadora, sendo a ora Ré, M (…), a donatária; 

A ora Ré requereu a descrição predial do prédio correspondente ao artigo matricial 739 da freguesia de (...), concelho de Tondela, e a inscrição a seu favor em 2002, na Conservatória do Registo Predial, correspondendo a esse prédio a ficha 1802 da freguesia de (...);

Tal escritura de doação é falsa quanto ao conteúdo, pois, ali é declarado que a construção inscrita na matriz sob o artigo 739º confronta a nascente com (...), o que é falso, uma vez que está totalmente implantada sobre terreno pertencente à autora, sendo ainda falso o declarado na escritura quanto ao facto de o prédio se encontrar omisso pois o prédio sobre o qual a construção foi edificada já se encontrava descrito, pelo que a ficha n º 1802/200020402 foi efectuada com base num título aquisitivo falso, sendo, por isso nula;

Alega ainda que assim não se entenda, sempre o facto de a construção inscrita sob o artigo 739º se encontrar totalmente implantada sobre terreno alheio determinaria que a doação do prédio a terceiro fosse nula.

2. Contestaram os RR., por excepção, invocando para além do mais a excepção de caso julgado, em virtude de haver uma identidade de sujeitos, causas de pedir e pedidos entre esta e a acção n.º 83/07.2TBTND que correu termos pelo 2.º Juízo daquele Tribunal a qual já transitou em julgado; impugnaram os factos alegados e deduziram o seguinte pedido reconvencional: c) Ser reconhecida e assim se declarando e condenando a autora a reconhecer a propriedade dos réus sobre o prédio descrito no registo predial sob o n º 1802 de (...), tendo este um logradouro sito na frente e com a área de 75 m2, o qual importará corrigir em sede de registo predial e inscrição matricial; d) Condenar-se a autora a reconhecer que aquele prédio dos réus é contíguo ao prédio rústico com o artigo matricial 482º; subsidiariamente ou em alternativa: e) Ser reconhecida e assim se declarando e condenando a autora a reconhecer a propriedade dos réus sobre o prédio descrito no registo predial n º 1802 nas condições e com os elementos constantes desse registo; f) Condenar-se a autora a reconhecer que aquele prédio dos réus é contíguo ao prédio rústico com o artigo matricial 482º; g) Condenar-se a autora a reconhecer que a anexação das descrições dos seus prédios antes correspondente às descrições 1756 e 1757 de (...), são falsas, por assentarem em declarações e planatas falsas e ou assinadas apenas por parte dos confinantes pois que pelo menos ali falta a assinatura dos réus; h) Consequentemente determinar-se o cancelamento da descrição n º 3069 lavrada com origem da supra dita anexação, ficando em vigor as anteriores descrições prediais 1756 e 1757; i) Após condenar-se a autora a reconhecer que sobre o seu prédio rústico a que corresponde a descrição 1757 está constituída por usucapião e a favor do prédio urbano dos réus (descrição 1802) uma servidão de passagem a pé, de carro e de tracção manual, animal ou a motor, durante todo o ano e a qualquer hora do dia, nos termos do artigo 35º da contestação/reconvenção.

3. Em resposta a Autora, invocou que não existe identidade de sujeitos, pedidos, nem causa de pedir numa e noutra acção, pugnando pela improcedência da invocada excepção de caso julgado, e pedindo que a reconvenção seja julgada improcedente por não provada.

4. Foi determinada a junção aos autos da certidão de fls. 133 e seguintes contendo a petição, contestação e sentença proferida no âmbito da acção de processo sumário n.º 83/07.2TBTND.

5. Em seguida foi proferido despacho saneador no qual se julgou admissível a deduzida reconvenção, improcedentes as excepções de ineptidão que aos pedidos reconvencionais haviam sido opostas; procedente a excepção de caso julgado invocada pelos RR, absolvendo-os da instância; e considerando prejudicada a apreciação dos pedidos deduzido em sede reconvencional pelos RR., porquanto os mesmos apenas haviam sido subsidiariamente deduzidos para a hipótese de improcedência da invocada excepção de caso julgado.

6. Inconformada com a procedência da excepção de caso julgado, a Autora apresentou o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

(…)

7. Os RR. não apresentaram contra-alegações.

8. A Mm.ª Juiz considerou que não se verificava a arguida nulidade da sentença.

9. Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.


*****

II. O objecto do recurso[1].

As únicas questões a apreciar no presente recurso de apelação são a de saber se:

- a sentença proferida é nula por falta de fundamentação de direito, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil[2];

- a sentença proferida é nula por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea c) do CPC.

- se verifica a excepção de caso julgado, entre a presente e a acção n.º 83/07.2TBTND que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela, e cuja sentença já transitou em julgado.


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III – Fundamentos

III.1. – De facto

São os seguintes os factos que importam à decisão da suscitada questão, para além dos que quanto a esta acção já constam do relatório supra:

A). No âmbito da acção sumaria com o número 83/07.2TBTND, que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela, e cuja sentença transitou em julgado, a ora autora A (…), foi a ali autora, sendo ali também réus os ora réus M (…) e marido C (…), e ainda G (…) que não é parte na presente acção.

B). Na referida acção sumária a autora pediu para o tribunal: a) Declarar a propriedade da autora sobre o prédio rústico com a área de 290 m2, sito na freguesia de (...), concelho de Tondela, que confronta a norte com (...), a sul com (...), a nascente com estrada e a poente com (...), descrito na Conservatória do Registo predial de Tondela, sob a ficha 1757/151001 da dita freguesia e inscrito na matriz sob o artigo 482; b) Declarar a nulidade da procuração supostamente outorgada por M (…), em 20/12/2001, no Cartório Notarial de Viseu e em consequência, c) Declarar a nulidade da doação do prédio correspondente ao artigo matricial 739 da freguesia de (...), por escritura outorgada em 08/02/2002, pela ré, G (…); d) ordenar o Cancelamento da descrição predial correspondente à ficha 1802 da freguesia de (...), concelho de Tondela, da Conservatória do Registo Predial de Tondela; e) Condenar os réus M (…) e marido a entregar á autora a construção identificada no artigo 5º.

C). Em fundamento do peticionado, a autora alegou naquela acção que é dona do prédio rústico ali identificado no artigo 1º da petição, o qual foi adquirido pelo falecido marido da autora S (…) em 1968 por compra a M (…); que na década de 70 a autora e seu falecido marido, permitiram a M (…) que efectuasse no prédio identificado no artigo 1º uma construção destinada à criação de aves, bem sabendo esta que tal construção se encontrava implantada em terreno alheio; porém, sem o conhecimento e consentimento da autora e seu falecido marido, esta procedeu à inscrição matricial urbana da referida construção em seu nome em 1973, tendo à mesma sido atribuído o artigo 739º; a autora teve conhecimento da doação da referida construção efectuada aos ora também RR. nos termos aludidos nos artigos 9º e 10º da petição na qual interveio como procuradora da doadora G (…) sendo a procuração que lhe conferiu poderes falsa.

E). Em sede de contestação os ali réus alegaram que a construção do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 739, foi levantada por M (…) em data anterior à aquisição da autora e seu marido do prédio aludido no artigo 1º daquela petição, alegando os demais caracteres da posse e da sua aquisição do referido prédio por usucapião; e impugnaram a demais matéria quanto à invocada falsidade da procuração que serviu de base à doação.

F). Efectuado o julgamento, foram dados como provados no âmbito daquela acção os seguintes factos:

“1 - Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Tondela sob o n.º 01757/151001 da Freguesia de (...), um prédio rústico sito em Vinha, com a área de 290 m2 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 482, composto de terreno de videiras, laranjeiras, fruteiras e oliveira, a confrontar do Norte com (...), do Sul com (...), do Nascente com estrada e do Poente com (...), estando inscrita, pela Ap. 01/151001, a sua aquisição a favor da A., por sucessão de (…) (documento de fls. 16 e 17 do processo em papel, ora dado por integralmente reproduzido), seu marido e que faleceu em 4 de Fevereiro de 1987 (documentos de fls. 111 a 114 do processo em papel, também dados por reproduzidos na íntegra). (Alínea A) dos Factos Assentes)

2 - Por procuração outorgada no Cartório Notarial de Viseu em 20 de Dezembro de 2001, M (…) declarou constituir sua bastante procuradora G (…)a quem conferiu poderes para doar à R. M (…) quaisquer prédios rústicos ou urbanos sitos nas Freguesias de (...) e (...) (documento de fls. 105 a 107 do processo em papel, igualmente dado por integralmente reproduzido). (Alínea B) dos Factos Assentes)

3 - Por escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Viseu em 8 de Fevereiro de 2002, M (…), representada pela sua procuradora G (…), declarou doar à R. M (…), que declarou aceitar, o prédio urbano sito em (...), Freguesia de (...), Concelho de Tondela, inscrito na matriz sob o artigo 739 (documento de fls. 100 a 104 do processo em papel, ora dado por integralmente reproduzido), sendo que esse prédio está actualmente descrito na Conservatória do Registo Predial de Tondela sob o n.º 1802/20020402 da Freguesia de (...), estando ai inscrita a sua aquisição a favor da R. MF, pela Ap. 7 de 2002/04/02, por doação de M (…) (documento de fls. 88 a 89 do processo em papel, dado por reproduzido na sua totalidade). (Alínea C) dos Factos Assentes)

4 – M (…) faleceu em 18 de Outubro de 2004 (documento de fls. 107 e 108 do processo em papel, ora dado por integralmente reproduzido). (Alínea D) dos Factos Assentes)

5 – S (…) e a A. permitiram que M (…) efectuasse uma construção destinada à criação de aves, passando esta última, desde então, a usar essa construção, sabendo que a mesma se encontrava implantada em terreno alheio, sendo que M (…) procedeu, em 1973, à inscrição matricial dessa construção como o prédio descrito em 3º. (Resposta ao Art. 1º e Arts. 2º e 3º da Base Instrutória)

6 – M (…) construiu o aviário existente no prédio referido em 3º, tendo, depois, ampliado o mesmo para habitação, sendo que a mesma aí criou pintos e galinhas, fez obras, pagou as contribuições e habitou, ininterruptamente e durante mais de 25 anos, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja. (Resposta aos Arts. 6, 7º e 8º e Art. 9º da Base Instrutória)”.

G). Em sede de fundamentação de direito daquela decisão o Mm.º Juiz aduziu que:

“Assim, nada obsta, não tendo sido ilidida a presunção de que a A. é dona do prédio registado em seu nome, ao reconhecimento do direito de propriedade da A. sobre esse prédio, sendo que, não obstante, não se deu como provado que esse prédio corresponda e abranja a construção edificada por M (…) e que os RR. pretendem pertencer-lhes. Ipso est, não se deu como provado que a parcela de terreno onde foi edificada a construção em questão pertença à A. e que os RR. ou a referida M (…) tenham violado o direito de propriedade da A., o que conduz, necessariamente, à improcedência, com excepção do reconhecimento do direito de propriedade da A. sobre o seu prédio, dos diversos pedidos formulados pela A., não se tendo dado também como provado que tivesse havido qualquer invalidade/falsidade que afectasse o valor da procuração outorgada pela referida M (…) ou da doação do prédio em questão (não havendo, assim, também qualquer fundamento para ordenar o cancelamento da descrição predial desse prédio)”. E mais adiante:

“Esta falência probatória da A., que não conseguiu provar que fosse dona da parcela de terreno onde foi edificada uma construção por M (…)e que os RR. tivessem violado o seu direito de propriedade, nada se provando também que conduza à invalidade da procuração impugnada ou da posterior doação efectuada com base nessa procuração, conjugada com as referidas regras de repartição do ónus da prova, conduz, assim, a que a presente acção procederá apenas no que diz respeito ao reconhecimento do direito de propriedade da A.”.

 H) – Em consequência do que proferiu a seguinte decisão:

«Pelos fundamentos expostos, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:

a) Declaro que a A. (…) é proprietária do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Tondela sob o n.º 01757/151001 da Freguesia de (...) como sendo um prédio rústico sito em Vinha, com a área de 290 m2 e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 482, composto de terreno de videiras, laranjeiras, fruteiras e oliveira e a confrontar do Norte com (...), do Sul com (...), do Nascente com estrada e do Poente com (...);

b) Absolvo os RR. M (…) e marido, C (…), e G (…) pedidos contra si deduzidos pela A. (…)».


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III.2. – O mérito do recurso

Como decorre da transcrição das conclusões das alegações da Recorrente supra transcritas, facilmente se alcança que a mesma entende que no caso dos autos não se verifica a necessária identidade dos sujeitos, do pedido, e da causa de pedir, entre a presente acção e a acção sumária que com o número 83/07.2TBTND, correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela, razão pela qual considera que não se verifica a decretada excepção de caso julgado.

Mais aduz que a decisão recorrida enferma das duas indicadas nulidades. Comecemos por esta apreciação, atenta a sua natural primazia face ao invocado erro de julgamento.


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III.2.1. – A nulidade por falta de fundamentação de direito

Invocou a autora a este respeito que a presente acção está movida contra M (…) e marido, C (…), e a acção que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela, sob o n.º 83/07.2TBTND foi movida àquelas mesmas pessoas e ainda a G (…), razão pela qual, decidindo pela existência de identidade entre os sujeitos de ambas as acções o Tribunal a quo viola, por erro de aplicação, os arts. 497.º, n.º 1, e 498.º, n.º 2, ambos do CPC.

Mais aduz que o Tribunal a quo não fundamenta a sua decisão quanto à consideração da identidade de sujeitos que entende existir, limitando-se a declarar que o facto de na primeira acção ter figurado uma R. que não foi demandada na segunda é irrelevante para a não verificação do caso julgado, considerando que a decisão é, portanto, nesta parte nula, por falta de fundamentação de direito [art.º 668, n.º 1, b), do CPC], constituindo essa nulidade fundamento do presente recurso, nos termos do artigo 668.º, n.º 4, do CPC.

Em face do preceituado no artigo 668,º, n.º 1, al. b), do CPC é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

A previsão desta nulidade encontra-se em harmonia com o disposto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que impõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente sejam fundamentadas na forma prevista na lei, e com a consagração na lei ordinária do mesmo dever de fundamentação, por via da expressa previsão do artigo 158.º, n.º 1, do Código de Processo Civil[3], de acordo com o qual as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.

A fundamentação consiste na expressão do conjunto das razões quer de facto quer de direito ou jurídicas, em que assenta a decisão; ou seja, na indicação dos motivos pelos quais se decide de determinada forma, com vista a permitir aos destinatários sindicar a motivação do julgador[4].

Como é pacífico, este vício da sentença ocorre quando houver falta absoluta dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, e já não quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, incompleta, não convincente, medíocre ou até errada, porquanto essa situação determinará a sua revogação ou alteração por via de recurso mas não a respectiva nulidade[5].

Acresce que, atento o fundamento da norma, concordamos com o entendimento que defende ocorrer também esta nulidade “quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial[6].

Ora, se bem atentarmos no artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do CPC, facilmente compreendemos que o mesmo prevê esta sanção para o desrespeito ao disposto no artigo 659.º, n.ºs 2 e 3, da mesma codificação, que desenvolvendo os requisitos da sentença, impõe que o juiz especifique os respectivos fundamentos de facto e de direito, atenta a sua essencialidade para que seja apreendida a adequação dos factos demonstrados no caso particular que se decide à lei em que aqueles se enquadram, tendo as partes, mormente se ficam vencidas, o direito a saber por que razão a sentença lhes é desfavorável para efeitos de recurso, relevando ainda tal fundamentação para que, quando é interposto recurso, os tribunais superiores possam sindicar a bondade do decidido[7].

Reportando-se esta nulidade à omissão do dever de fundamentar a sentença, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do citado artigo 659.º, importa atentar que tal preceito se refere à estrutura da sentença, na qual o juiz deve discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.

Ora, na sentença recorrida encontram-se claramente especificados os fundamentos de facto e de direito da decisão, pelo que não se nos afigura que possa ter acolhimento esta concreta causa de nulidade da mesma.

Efectivamente, a Mm.ª Juiz colocou, ainda que não separadamente, os factos que levaram à respectiva decisão quanto à verificação da excepção de caso julgado, escalpelizando a tramitação de ambos os processos, apreciando o que dispõe o artigo 498.º do CPC e concluindo, depois, que o facto de não serem absolutamente coincidentes os RR. nesta acção com a primeira, não obsta à verificação da identidade de sujeitos a que alude o preceito.

Como assim, não se verifica a apontada nulidade por falta de fundamentação de direito da sentença recorrida.

Quando muito – e esta é questão muita vezes confundida com aquela -, poderá verificar-se erro de julgamento na interpretação do n.º 2 do aludido preceito, também  invocado pela Autora e que apreciaremos infra.


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III.2.2. – A nulidade por excesso de pronúncia

Mais invoca a Autora que a decisão é, também, nula na parte em que reconhece a propriedade dos RR. com fundamento em usucapião, nos termos previstos no art.º 668.º, n.º 1, d)[8], do CPC, uma vez que o Tribunal se pronuncia sobre questão de que não podia tomar conhecimento, nos termos do art.º 3.º, n.º 1, do CPC, violado por erro de aplicação, nulidade que constitui fundamento legal de recurso (art.º 668, n.º 4, do CPC).

Em fundamento invoca que sendo a aquisição por usucapião necessariamente potestativa (arts. 1292 e 303, ambos do CC), não podendo o Tribunal substituir-se à sua invocação pelas partes, declarando oficiosamente a aquisição da propriedade por alguém com tal fundamento, pelo que, decidindo, o Tribunal a quo que os RR. já adquiriram o imóvel por usucapião, sem que o reconhecimento do seu direito de propriedade, com tal causa, lhe tenha sido requerido, a decisão viola, por erro de interpretação, os arts. 1293 e 303, ambos do CC.

Porém, também quanto a este aspecto não lhe assiste qualquer razão na invocada nulidade.

Efectivamente, dispõe o referido preceito legal, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”, que:

“É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Esta causa de nulidade da sentença consiste, portanto, na omissão de pronúncia, sobre as questões que o tribunal devia conhecer; ou na pronúncia indevida, quanto a questões de que não podia tomar conhecimento[9].

É entendimento pacífico que esta nulidade está em correspondência directa com o preceituado no artigo 660.º, n.º 2, do CPC, que impõe ao juiz a resolução de todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras, não podendo, porém ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes (salvo as de conhecimento oficioso), constituindo, portanto, a sanção prevista na lei processual para a violação do estabelecido no referido artigo[10].

É também pacífico o entendimento de que as questões a que alude o preceito não se confundem com todas as considerações ou argumentos expendidos pelas partes em defesa da orientação preconizada[11].

“São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para a sua pretensão”[12].

“O dever imposto no artigo 660.º, n.º 2 do CPC diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado. E para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes (sujeitos), e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir, e a questão resolvida pelo juiz, identificada por estes mesmos elementos. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito. E é por isto mesmo, que já não o são os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos”[13].

Postos estes ensinamentos é linear concluir que a nulidade por omissão ou por excesso de pronúncia a que alude o artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC, está configurada para a decisão de mérito do juiz que lavra a sentença sem decidir todas as questões que as partes lhe colocaram para resolução, ou decidindo questões que as mesmas não submeteram à respectiva apreciação, o que manifestamente não ocorre no presente caso em que estamos perante a decisão quanto à verificação duma excepção que impede precisamente que se volte a apreciar o mérito da causa.

Como assim, nunca a sentença proferida podia, como a autora invoca, ter decidido quanto ao reconhecimento do direito de propriedade dos RR., quando no seu segmento decisório se afirma expressamente:

Por tudo o exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, julga-se improcedente a presente acção e, em consequência:

1) Absolvem-se os réus M (…) e C (…), da instância, em virtude de ter sido julgado procedente a excepção de caso julgado. (sublinhado nosso) 

2) Considero prejudicada a apreciação dos pedidos reconvencionais deduzidos, uma vez que os mesmos foram subsidiariamente deduzidos na eventualidade da improcedência da invocada excepção de caso julgado”.

Ora, vistos os autos, facilmente se constata que a decisão proferida não conhece de mérito e não constitui qualquer direito a favor dos RR. cuja pretensão não conheceu por ter considerado prejudicada, em face da procedência da excepção de caso julgado. Portanto, a sentença proferida não decidiu se o direito de propriedade invocado pelos RR. no pedido reconvencional deduzido nestes autos existia ou não. E é uma evidência que não podia ter decidido neste processo algo que não foi objecto de pedido nem de decisão no processo anterior, como a Autora, nas suas alegações parece afirmar!

A autora reporta-se evidentemente a argumentos usados pela M.ª Juiz a quo para fundar a decisão que julgou verificada a invocada excepção de caso julgado, e os mesmos não podem, por natureza, configurar qualquer excesso de pronúncia, correctamente entendido nos termos sobreditos, já que para tal efeito não relevam para o efeito os meros argumentos de ordem suplementar, com natureza de obiter dictum[14].

Pelo exposto, improcede também esta invocada nulidade, que quando muito poderá, à semelhança da primeira, constituir erro de julgamento, o que se apreciará infra.


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III.2.3. – A excepção de caso julgado

Como já referimos, o presente recurso centra-se na apreciação da existência de caso julgado entre a primeira acção e a presente, cabendo para o efeito começar por apreciar, conforme a Autora a coloca, se existe ou não a tríplice identidade a que se refere o artigo 498.º do CPC, que enuncia os requisitos do caso julgado, os quais se mostram taxativamente estabelecidos nesse preceito que estatui:

1- Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

2- Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

3- Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

4- Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.

A invocada excepção de caso julgado é uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso [artigos 493.º n.ºs 1 e 2, 494.º al. i), e 495.º do CPC], que pressupõe, por via do disposto no artigo 497.º nºs 1 e 2 do CPC, a repetição de uma causa já decidida por sentença transitada em julgado, e que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, ou seja, assenta “na alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgada por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário”[15].

Ora, a propósito do alcance do caso julgado, diz-nos o artigo 673.º do CPC que a sentença constitui caso julgado nos limites e termos em que julga, e que, uma vez transitada em julgado, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro e fora do processo - artigo 671.º do CPC – se alguma das partes o requerer – artigo 96.º, n.º 2, a contrario, do CPC.

O instituto do caso julgado exerce duas funções: uma função positiva e uma função negativa. Exerce a função positiva quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões; e exerce a função negativa quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal, em decorrência da necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas. A função negativa exerce-se através da excepção de caso julgado[16].

Primeiro pressuposto para a verificação da excepção de caso julgado é, portanto, a referida tríplice identidade nas duas acções: quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.

“O caso julgado portanto só actua quando está em causa, entre os mesmos sujeitos, o mesmo objecto do processo, delimitado por pedido e causa de pedir. A discussão entre sujeitos diferentes (dos vinculados pelo processo) ou de um objecto diferente – diferente quanto ao pedido ou à causa de pedir (ou a ambos) – está fora dos limites do caso julgado, e portanto não é vedada pela indiscutibilidade àquele inerente. (…) O caso julgado só preclude a possibilidade de discussão de uma nova questão idêntica”[17].

Vejamos, pois, se no caso em apreço, se verifica o referido pressuposto, apreciando o significado da identidade legalmente exigida.


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III.2.3.1. Da identidade de sujeitos

Vejamos, então, se o facto de existir mais uma Ré na anterior acção, impede a identidade de sujeitos entre ambas as acções, o mesmo é dizer, quais os limites subjectivos do julgado na antecedente acção.

O citado preceito começa desde logo por afirmar que a identidade de sujeitos ocorre quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. Quer isto dizer que o que importa para a identidade dos sujeitos é a identidade jurídica e não a física, podendo acontecer que pessoas físicas diferentes actuem na mesma qualidade jurídica, e não tendo a identidade jurídica dos litigantes nada que ver com a posição que os mesmos ocupam.

De facto, “[a]s partes são as mesmas sob o aspecto jurídico, desde que são portadoras do mesmo interesse substancial. O que conta, pois, para o efeito da identidade jurídica é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial e não a sua posição quanto à relação jurídica processual”[18].

Portanto, aplicando estes ensinamentos ao caso dos autos, podemos concluir que a identidade de partes em duas acções afere-se não pela quantidade de pessoas físicas existentes na relação processual estabelecida, mas pela identidade entre os litigantes que sejam os titulares da concreta relação jurídica material controvertida que entre eles se desenvolve, num e noutro processo.

Significa isto que no caso em apreço, não há qualquer obstáculo a que ser verifique a identidade subjectiva entre as duas acções, apesar de nesta acção não ter sido demandada a terceira ré naquela, se, sendo coincidentes naquela e nesta causa a Autora e os ora RR. - portanto, coincidindo parcialmente A. e RR. em ambas as acções, verificando-se a identidade física entre os sujeitos activo e passivos ora demandados por também haverem tido a mesma qualidade naquela acção -, o efeito jurídico que a autora pretenda obter contra eles seja o mesmo que já pretendeu obter na outra acção, porquanto as partes são as mesmas sob o aspecto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial em ambas as acções[19].

Portanto, conclui-se que para os efeitos do n.º 2 do artigo 498.º do CPC, existe identidade de sujeitos, cumprindo avançar para determinar qual o efeito jurídico pretendido em ambas as acções, a fim de aquilatar se estas partes são, em ambas as acções, portadoras do mesmo interesse substancial.


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III.2.3.2. Da identidade de pedidos

Relativamente ao pedido, estabelece o artigo 467.º, n.º 1, alíneas d) e e) do CPC, na parte relevante para o caso em apreço, que na petição inicial, com que propõe a acção, deve o autor, expor os factos e as razões de direito que servem de fundamento à acção; e formular o pedido.

Ora, o pedido é a pretensão do autor; o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial; o efeito jurídico que pretende obter com a acção. Daí que a petição inicial constitua “a base de todo o processo”[20], porque se trata do articulado em que o autor propõe a acção, em que solicita ao tribunal a tutela jurisdicional pretendida para o caso concreto que leva a juízo, isto em decorrência do princípio do dispositivo consagrado nos artigos 3.º e 264.º do CPC, sendo as partes que, através do pedido e da defesa, circunscrevem o thema decidendum[21].

Daí que, “[a]s declarações das partes, designadamente o pedido, feitas em articulados, que constituem actos jurídicos (artigo 295.º do Código Civil) são susceptíveis de interpretação de acordo com as regras constantes dos artigos 236.º a 238.º do Código Civil”[22].

Assim, para apreciar a petição inicial formulada pela autora em cada uma das acções temos que ter presente que, não sendo a vontade real da declarante, em princípio, conhecida dos declaratários, a mesma valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (é a chamada teoria da impressão do destinatário).

Acresce que, tal declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto, ou seja, o sentido atribuído pelo “declaratário normal” deverá estar expresso, ainda que de forma imperfeita.

Ora, “o que basicamente se retira do artº 236º é que, em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário (receptor)”[23], entendendo-se, no caso dos autos, que tais declaratários são o juiz e a contra-parte, ou seja, declaratários com uma específica formação técnico-jurídica.

“Há que imaginar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este efectivamente conheceu (mesmo que um declaratário normal delas não tivesse sabido - por exemplo, devido ao facto de o real declaratário ser portador de uma cultura invulgarmente vasta e superior à média) e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo.

(…) A interpretação da declaração negocial não tem em vista apurar a vontade do declarante ou um sentido que este tenha querido declarar, estando antes em causa o sentido objectivo que se pode depreender do seu comportamento”[24].

Estes são, no fundo, os critérios interpretativos da petição inicial e demais articulados, dirigidos ao juiz e às contra-partes.

Acresce que, nessa interpretação dos actos jurídicos processuais e mormente quanto à interpretação da sentença, «importa ter em consideração, não só que o declarante se situa “numa específica área técnico jurídica”, investido na função de aplicador da lei, que, por sua vez, está obrigado a interpretar, em conformidade com as regras estabelecidas no art. 9º C. Civil, dirigindo-se outros técnicos de direito, como também a correlação lógica e teleológica entre a pretensão em apreciação, os fundamentos de facto e de direito em que assenta o dispositivo decisório e este, tudo á luz da sua estrita conexão, desenvolvimento e interdependência»[25].

Tendo presentes estes conceitos, apreciemos, então, os pedidos formulados pela autora em cada uma das acções.

Assim, nesta acção a autora pediu que seja:

a) declarada a nulidade da doação identificada no artigo 13º da petição na parte relativa ao prédio inscrito no artigo 739 da freguesia de (...), concelho de Tondela, com fundamento em falsidade de declaração constante da escritura, quanto à omissão da descrição do mesmo na Conservatória do Registo predial de Tondela; e subsidiariamente,

b) Declarada a nulidade da doação identificada no artigo 13º, na parte relativa ao prédio inscrito no artigo 739 da freguesia de (...), por se tratar de doação de coisa alheia; e, em consequência,

c) declarada a nulidade da descrição predial, com a ficha 1802/20020402 da Conservatória do Registo Predial de Tondela, ordenando-se o respectivo cancelamento.

E na acção que com o n.º 83/07.2TBTND, que correu termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Tondela, a autora pediu ao tribunal para:

a) Declarar a propriedade da autora sobre o prédio rústico com a área de 290 m2, sito na freguesia de (...), concelho de Tondela, que confronta a norte com (...), a sul com (...), a nascente com estrada e a poente com (...), descrito na Conservatória do Registo predial de Tondela, sob a ficha 1757/151001 da dita freguesia e inscrito na matriz sob o artigo 482;

b) Declarar a nulidade da procuração supostamente outorgada por M (…), em 20/12/2001, no Cartório Notarial de Viseu e em consequência,

c) Declarar a nulidade da doação do prédio correspondente ao artigo matricial 739 da freguesia de (...), por escritura outorgada em 08/02/2002, pela ré, G (…);

d) ordenar o Cancelamento da descrição predial correspondente à ficha 1802 da freguesia de (...), concelho de Tondela, da Conservatória do Registo Predial de Tondela;

e) Condenar os réus M (…) e marido a entregar á autora a construção identificada no artigo 5º.

Ora, considerando o que dispõe o artigo 498.º, n.º 3, do CPC, há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. “Identidade de pedido quer dizer identidade de providência jurisdicional solicitada pelo autor”[26].

Tendo presentes os pedidos formulados pela autora em cada uma das acções, desde logo resulta evidente que, relativamente aos aqui e ali RR., existe identidade de pedidos formulados quanto à declaração de nulidade da doação que lhes foi efectuada, e consequente cancelamento do registo de aquisição a seu favor do prédio correspondente ao artigo matricial 739 da freguesia de (...), porquanto é este o efeito jurisdicional pretendido em ambas as acções.

De facto, sendo a mesma a tutela jurisdicional pretendida – declaração de nulidade da doação efectuada a favor dos RR. -, para este efeito irreleva saber se na primeira acção a autora, a pediu com um fundamento e agora a pede com outro. Ponto é que, a autora pretende em ambas as acções que tal doação, consubstanciadora do registo de aquisição da propriedade sobre o prédio correspondente ao indicado artigo matricial registada a favor dos RR. seja nula e de nenhum efeito. Ou seja, o efeito jurídico pretendido pela A. em ambas as acções e quanto a este aspecto da declaração de nulidade da doação, com todas as consequências, é o mesmíssimo numa e noutra acção. A tutela jurisdicional que pede é a mesma.

Também neste caso, à semelhança do que dissemos quanto à identidade de sujeitos, o facto de a autora ter formulado na primeira acção mais pedidos do que formulou na segunda, não impede a verificação desta identidade que ocorre porque a tutela jurisdicional ora pretendida e aquela que a autora já havia tentado obter na primeira acção.

Efectivamente, a identidade dos pedidos para os efeitos previstos no artigo 498.º, n.º 3, do CPC, é determinada em função da posição das partes quanto à relação material controvertida, existindo tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e, bem assim, do conteúdo e objecto do efeito jurídico que com a acção se pretende obter[27].

Vejamos, finalmente, se se verifica ou não identidade quanto à causa de pedir, numa e noutra acção.


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III.2.3.2. Da identidade da causa de pedir

No que concerne à identidade de causa de pedir, decorre do n.º 4 do artigo 498.º do CPC que a mesma se verifica quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo acto ou facto jurídico concreto, o qual, conforme é sabido, pode ser simples ou complexo. O que importa é que o facto jurídico do qual emerge o direito do Autor, ou seja, os factos relevantes que podem ter influência na formação da vontade concreta da lei, e onde o autor assenta legalmente a sua pretensão - constituindo por tal razão o elemento definidor do objecto da acção -, sejam idênticos.

Por isso, “há que repelir antes do mais a ideia de que a causa petendi seja a norma de lei invocada pela parte. A acção identifica-se e individualiza-se, não pela norma abstracta da lei, mas pelos elementos de facto que converteram em concreto a vontade legal. Daí vem que a simples alteração do ponto de vista jurídico não implica alteração da causa de pedir”, porquanto “o Tribunal não conhece de puras abstracções, de meras categorias legais; conhece de factos reais, particulares e concretos e tais factos quando sejam susceptíveis de produzir efeitos jurídicos, é que constituem a causa de pedir.[28]

Donde se possa afirmar que “o caso julgado abrange todas as qualificações jurídicas do objecto apreciado, porque o que releva é a identidade da causa de pedir (isto é, dos factos com relevância jurídica) e não das qualificações que podem ser atribuídas a esse fundamento”[29].

Acontece, porém, que “nem sempre é fácil resolver concretamente o problema da identidade das acções”. Por isso, “quando surgirem dúvidas sobre se determinada acção é idêntica a outra anterior, o tribunal deve socorrer-se deste princípio de orientação: as acções considerar-se-ão idênticas se a decisão da segunda fizer correr ao tribunal o risco de contradizer ou reproduzir a decisão proferida na primeira”[30]. “Quando o objecto processual anterior é condição para a apreciação do objecto processual posterior, o caso julgado da decisão antecedente releva como autoridade de caso julgado material no processo subsequente (…) Quando vigora a autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando da acção ou proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão antecedente”[31].

Importa, consequentemente, determo-nos um pouco mais sobre a distinção entre a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado, porquanto é esta que constitui a pedra de toque na situação em apreço, onde releva essencialmente a questão relativa à determinação da causa de pedir.

“A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil (razões de economia processual), o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido. A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade, prevista no artigo 498.º do Código de Processo Civil”[32].

Acresce que, o alcance do caso julgado formado pela sentença anterior, tem como extensão os precisos limites e termos em que julga, conforme previsto no artigo 673.º do CPC. Mas, se este alcance já foi entendido como reportando-se apenas ao segmento decisório da sentença[33], não constituindo caso julgado os fundamentos da mesma[34], a evolução doutrinária e jurisprudencial foi no sentido moderado de entender que “ponderadas as vantagens e os inconvenientes das duas teses em presença, a economia processual, o prestígio das instituições judiciárias, reportado à coerência das decisões que proferem e o prosseguido fim de estabilidade e certeza das relações jurídicas, são melhor servidos por aquele critério eclético que, sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objectivos da sentença, reconhece, todavia, essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado”[35].

Ponto é que, formado o caso julgado material sobre a decisão relativa ao objecto da acção, outro tribunal não possa ser colocado na posição de retirar um direito que ali havia sido assegurado ou de conceder um direito que na primeira decisão havia sido negado, importando aquilatar em sede de interpretação do dispositivo aos fundamentos e motivos que levaram à procedência ou improcedência do pedido, para fixar, com precisão, o sentido e alcance da decisão.

Volvendo ao caso dos autos, e atendo-nos aos pedidos de declaração de nulidade da doação formulados nesta concreta acção que já haviam sido formulados na anterior, verificamos que alinhavando um núcleo de factos em tudo idênticos aos que havia alinhado na anterior acção, a autora, funda agora a nulidade da doação na falsidade de declaração constante da escritura de doação, quanto à omissão da descrição do mesmo na Conservatória do Registo predial de Tondela, quando na anterior acção havia invocado para o mesmo efeito a falsidade da procuração outorgada à ali Ré para representar a doadora na referida escritura de doação do prédio em questão em ambas as acções, com base na qual os aqui RR. registaram a seu favor a aquisição do direito de propriedade sobre o mesmo.

Por isso, são diferentes os factos materiais ou motivos pelos quais a autora pede o mesmo efeito jurídico: a declaração de nulidade da doação.

Acontece, porém, que “[q]uando se muda o simples facto material ou motivo, mas para deduzir dele o mesmo facto jurídico, não há diversidade de acção: a excepção de caso julgado subsiste”[36].

Daí que, interpretar o conteúdo de uma sentença de mérito é pressuposto indispensável da determinação do âmbito do caso julgado material. Para o efeito, não basta considerar a parte decisória, cabendo tomar na devida conta a fundamentação, sendo ponto assente na doutrina e na jurisprudência mais actual que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado, importando apreciar o contexto, os antecedentes da sentença e outros elementos que se revelem pertinentes, e, bem assim, porque se trata de um acto formal, cumpre garantir que o sentido da decisão tem a devida tradução no texto.[37]

Analisando o caso dos autos à luz destas considerações, torna-se evidente que em ambas as acções o que a autora pretende colocar em causa é a subsistência da doação efectuada a favor dos RR. E qual o facto essencial em que num e noutro processo funda o seu pedido? Em ambos os processos, o fundamento primeiro que a autora invoca, mesmo quando não lhe dá esse enfoque, é o facto de a construção ter sido efectuada em terreno que lhe pertencia. E é este, aliás, que funda o seu interesse em demandar. É por via desse facto essencial, que existe litígio entre a autora, que entende ser a proprietária do terreno onde a doadora implantou a construção, e os réus que entendem não ter tal implantação sido efectuada em terreno da autora.

A respeito desta questão essencial, na sentença proferida na primeira acção, expendeu o Mm.º Juiz que não se tendo dado como “provado que a parcela de terreno onde foi edificada a construção em questão pertença à A. e que os RR. ou a referida M (…) tenham violado o direito de propriedade da A., o que conduz, necessariamente, à improcedência, com excepção do reconhecimento do direito de propriedade da A. sobre o seu prédio, dos diversos pedidos formulados pela A., não se tendo dado também como provado que tivesse havido qualquer invalidade/falsidade que afectasse o valor da procuração outorgada pela referida M (…) ou da doação do prédio em questão (não havendo, assim, também qualquer fundamento para ordenar o cancelamento da descrição predial desse prédio)”. E mais adiante:

“Esta falência probatória da A., que não conseguiu provar que fosse dona da parcela de terreno onde foi edificada uma construção por M (…) e que os RR. tivessem violado o seu direito de propriedade, nada se provando também que conduza à invalidade da procuração impugnada ou da posterior doação efectuada com base nessa procuração, conjugada com as referidas regras de repartição do ónus da prova, conduz, assim, a que a presente acção procederá apenas no que diz respeito ao reconhecimento do direito de propriedade da A.”.

Ora, dos fundamentos da sentença recorrida resulta claramente que o julgamento daquela acção apreciou a questão colocada pela autora no sentido de a doação efectuada ser nula por ser de coisa alheia (leia-se, de sua pertença quanto ao terreno), ao afirmar claramente que a A., que não conseguiu provar que fosse dona da parcela de terreno onde foi edificada uma construção por M (…) e que os RR. tivessem violado o seu direito de propriedade.  Ou seja, a autora volta a formular nesta acção o mesmo pedido, apesar de bem saber que naquela acção não logrou provar que a parcela em questão, onde foi edificada a construção, lhe pertencia, sabendo, consequentemente, que com o pedido formulado nesta segunda acção, pretendia colocar o tribunal a decidir novamente a mesma questão tanto mais que volta a invocar, conforme já havia invocado na anterior acção, que na década de setenta do século passado, o falecido marido, (…) e a aqui A. permitiram a M (…)prima do último, que efectuasse no prédio rústico identificado no antecedente n.º 4, ou seja, em prédio que lhes pertencia, uma construção destinada à criação de aves, a qual foi totalmente implantada no referido prédio rústico, nas traseiras da casa de habitação da A.. Portanto, não subsistem quaisquer dúvidas que a autora renova os factos essenciais para formular o pedido de declaração de nulidade da doação, com fundamento em que a mesma havia sido de coisa alheia, que já havia formulado na anterior acção e ali haviam sido decididos, como improcedentes, por sentença transitada em julgado.

É claro que a autora, invocou para obter precisamente o mesmo efeito jurídico, alguns outros fundamentos. Na presente acção, como se disse, alegou a falsidade da escritura de doação por omissão quanto à descrição do prédio e quanto à inscrição matricial. No entanto, fê-lo afirmando a construção inscrita na matriz sob o art. 739 está declarada na referida escritura como confrontando a Nascente com M (…), o que é falso, tal como foi alegado nos antecedentes n.os 7 e 8, uma vez que a mesma se encontra totalmente implantada sobre terreno pertencente exclusivamente à A. e, antes do falecimento de S (…), também ao mesmo. Ou seja, o fundamento da falsidade que invoca é que a construção está totalmente implantada sobre terreno que lhe pertence exclusivamente, situação que a anterior sentença já havia declarado que a autora não provara, razão que determinou a improcedência da acção e que agora não pode servir para fundar a mesma pretensão por via duma invocação que é instrumental relativamente àquela.

Depois, alegou ainda a autora que foi declarado na referida escritura que o prédio inscrito na matriz sob o art. 739 da Freguesia de (...) se encontra omisso na Conservatória do Registo Predial de Tondela, o que é igualmente falso, uma vez que tal construção está implantada em prédio efectivamente descrito na dita Conservatória, ou seja, ao tempo, o prédio rústico identificado no antecedente n.º 4 sob a designação (i), que actualmente corresponde ao logradouro do prédio identificado no antecedente n.º 1. Como facilmente se constata, também esta arguição de falsidade tem por base o mesmo pressuposto: a invocação que a construção foi efectuada em terreno que pertence à autora, o que repete-se, já foi objecto de decisão transitada em julgada, que declarou não ter a autora provado que o terreno em que a construção foi implantada lhe pertencia.

Conclui-se, portanto, que a autora apresenta a presente acção sob outras vestes aparentes e instrumentais precisamente para lograr obter por esta via aquilo que já havia tentado, sem sucesso, na anterior acção, postura que a autoridade do caso julgado formado pela sentença ali produzida, não consente, visando precisamente obstar a que a situação jurídica material definida na primeira sentença quanto à improcedência da peticionada nulidade da doação por não ter a autora demonstrado que havia sido transmitida coisa alheia para a doadora, por ser pertença da demandante, situação que esta pretendia ver agora novamente discutida alegando factos acessórios para levar ao mesmo resultado desse facto essencial: a invocada e não provada doação de coisa alheia.

Assim, mesmo que in casu não se verificasse o concurso de todos os requisitos ou pressupostos para que existisse a excepção de caso julgado – e verificam-se, pois, como vimos, o facto essencial onde assentam os pedidos de declaração de nulidade da doação, assenta em pertencer o terreno da coisa doada à autora -, sempre a autoridade de caso julgado da acção anterior, definida pelos termos em que o tribunal julgou a questão essencial nesse processo, impediria a renovação neste novo processo da discussão sobre a construção em causa ter sido implantada em terreno da autora, a qual foi julgada improcedente naquela primeira acção.

Se tal fosse permitido, estaria em causa o prestígio dos tribunais e a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais ao admitir-se que uma nova decisão, proferida em outro processo em que por via de outros argumentos se pretendia discutir a mesma questão essencial, viesse a dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta[38].

Finalmente, porque a autoridade de caso julgado se cinge às questões decididas na sentença, aos precisos limites e termos em que a mesma julga no dizer do artigo 673.º do CPC, e não aos argumentos usados pelo julgador para expor o respectivo raciocínio, conforme já supra aduzimos a propósito da invocada nulidade da sentença por excesso de pronúncia, a presente sentença não declarou qualquer direito de propriedade dos RR., sendo completamente deslocadas, pelas razões ali referidas, as conclusões recursórias nesse sentido avançadas pela recorrente, as quais estão evidentemente votadas ao insucesso.

Pelo exposto, improcedem, in totum, as conclusões do recurso, sendo de manter a sentença proferida.


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III.3. - Síntese conclusiva

I – À identidade de sujeitos e de pedido a que aludem os n.ºs 2 e 3 do artigo 498.º como requisitos do caso julgado, não obsta o facto de na segunda acção não estarem todos os sujeitos da primeira, e de não terem sido deduzidos todos os pedidos ali formulados, se aqueles que agora são partes também eram partes na primeira acção, e os pedidos ora formulados visam obter nesta acção o mesmo efeito jurídico pretendido contra eles naquela.

II – Verificando-se na segunda acção que a autora, aduz factos e pedidos instrumentais que têm como fundamento o facto essencial e o pedido principal que configura a relação jurídica processual em litígio, estes não são idóneos a concluir que não existe identidade de causa de pedir.

III – Ao invés, concluindo-se que a pretensão deduzida pela autora em ambas as acções, procede do mesmo facto jurídico - a invocação de que o terreno em que foi efectuada uma construção, lhe pertence -, que funda o pedido de declaração de nulidade da doação efectuada aos réus, existe identidade de causa de pedir entre ambas as acções, verificando-se a tríplice identidade a que alude o artigo 498.º do CPC, fundadora da excepção de caso julgado.

IV – Mas, mesmo que assim não se entendesse, sempre a autoridade do caso julgado formado pela acção anterior, em que se julgaram improcedentes os pedidos formulados pela autora, por esta não ter logrado demonstrar que o terreno em que a construção foi efectuada lhe pertencia, obstaria ao prosseguimento desta acção onde a autora visava novamente discutir esta questão essencial à peticionada declaração de nulidade da doação.


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IV - Decisão

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas do recurso pela A./Apelante.


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Albertina Pedroso  ( Relatora )

Carvalho Martins

Carlos Moreira


[1] Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
[2] Doravante abreviadamente designado CPC.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Cfr. neste sentido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª ed., pág. 688.
[5] Cfr. autores e obra citada, pág. 669; Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140, e abundante jurisprudência proferida nesse sentido pelos tribunais superiores e disponível em www.dgsi.pt, de que se retira a título meramente exemplificativo, os Acs. STJ de 03-05-2005, proferido no processo n.º 5A1086 e de 14-12-2006, proferido no processo n.º 6B4390, ambos acessíveis no indicado sítio.  
[6] Cfr. Ac. deste mesmo TRC de 17-04-2012, proferido no proc.º n.º 1483/09.9TBTMR.C1, e disponível em www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Alberto dos Reis, loc. cit., pág. 139.
[8] Certamente por lapso, em face do alegado, a Recorrente fez menção à alínea c) do preceito que se refere aos casos em que os fundamentos estão em oposição com a decisão, situação que a mesma não invoca.
[9] Cfr. José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, págs. 142 e ss; e Ac. STJ de 19-04-2012, processo n.º 9870/05.5TBBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Cfr. neste sentido, exemplificativamente, Ac. STJ de 12-01-2010, processo n.º 630/09.5YFLSB; Ac. TRL de 20-12-2010, processo n.º 1650/10.2TBOER-A.L1-1; e Ac. TRC de 29-02-2012, processo n.º 144732/10.9YIPRT.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Este entendimento jurisprudencial pacífico estriba-se na doutrina já defendida por José Alberto dos Reis, na obra e local citados, que a propósito do correspondente normativo, afirmava que se impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, resultando a nulidade, precisamente, da infracção pelo juiz desse dever que lhe está legalmente cometido. Mais recentemente, cfr. no mesmo sentido, Jorge Augusto Pais de Amaral, in Direito Processual Civil, 7.ª edição, Almedina 2008, pág. 391.

[11] Cfr. Jorge Augusto Pais de Amaral, ob. e loc. cit., pág. 392; e Acs. STJ, de 09-02-2012, processo n..º 47/07.6TBSTB-A.E1.S1; e de 24-04-2012, processo n.º 497/07.8TBODM-A.E1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[12] Cfr. José Alberto dos Reis, ob. e loc. cit., pág. 143.
[13] Ac. STJ de 24-04-2012, processo n.º 497/07.8TBODM-A.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[14] Cfr. neste sentido, Ac. STJ de 22-03-2013, proferido a propósito de invocada contradição de acórdãos, no processo n.º 261/09.0TBCHV.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[15] Cfr. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 307.
[16] Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol III, págs. 93 e 94.
[17] Cfr. João de Castro Mendes, in Direito Processual Civil, vol. III, AAFDL 1982, pág. 280.
[18] Cfr. Alberto dos Reis, ob. e loc. citado, pág. 101.
[19] Cfr. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 06-01-94, in CJ ano IX, Tomo I, pág. 198.
[20] Jorge Augusto Pais de Amaral, ob. cit., pág. 173.
[21] Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 111 e 374.

[22] Cfr. Ac. STJ de 19-03-2009, processo n.º 09A0342 (Salazar Casanova), citando no mesmo sentido os Acs. do STJ de 21-4-2005, (Salvador da Costa) (P. 942/05); de 22-3-2007 (Alves Velho) (P. 4449/2006); de 28-6-2007 (Ferreira de Sousa) (P.1975/07), estando todos os acórdãos citados disponíveis em www.dgsi.pt.

[23] Cfr. Ac. STJ de 12-06-2012, processo n.º 14/06.7TBCMG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, que ainda adianta: “A lei, no entanto, não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjectivo deste) e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal, típico, colocado na posição do real declaratário, depreenderia (sentido objectivo para o declaratário) – acordão deste Tribunal de 28.10.97, BMJ 470, 597”.
[24] Cfr. Paulo Mota Pinto in Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, pág. 208.
[25] Cfr. o referido Acórdão de 22-03-2007, citando Ac. STJ de 28-01-97, in CJ V-I-83.
[26] Cfr. Alberto dos Reis, ob. e loc. citado, pág. 107.
[27] Cfr. neste sentido, citado Ac. do STJ.
[28] Cfr, Alberto dos Reis, ob. cit., págs. 121 e 124.
[29] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, pág. 576.
[30] Cfr. Alberto dos Reis, ob. cit. pág, 95.
[31] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ n.º 325, págs. 49 e ss.
[32] Cfr. Ac. deste TRC, de 28-09-2010, disponível em www.dgsi.pt, e Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, páginas 60 e 61.
[33] Cfr. para um excurso sobre as várias posições, Alberto dos Reis, obra e local citado, págs. 139 e ss., e Manuel de Andrade, ob. e loc. citado, págs. 318 e ss.
[34] Cfr. Castro Mendes, ob. e loc. cit., págs. 282 e 283.
[35] Cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, Vol. III, pág. 253, na esteira de Vaz Serra, in RLJ, Ano 110, pág. 232.
[36] Cfr. Chiovenda, citado por Alberto dos Reis, na ob. e loc. cit. a pág. 121.
[37] Cfr. Ac. STJ, de 26-04-2012, disponível em www.dgsi.pt.
[38] Cfr. o recente Ac. STJ de 21-03-2013, proferido no processo n.º 3210/07.6TCLRS.L1.S1, e disponível em www.dgsi.pt.