Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2003/07.5PCCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: EXTINÇÃO DA PENA
PENA DE PRISÃO
TRIBUNAL COMPETENTE
Data do Acordão: 09/24/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (VARA DE COMPETÊNCIA MISTA E JUÍZOS CRIMINAIS)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 138º DO CEPMPL; ARTS. 470 N.º 1 E 475.º DO CÓD. PROC. PENAL
Sumário: É competente, em razão da matéria, para declarar a extinção das penas de prisão efetiva aplicadas nos autos aos arguidos, no regime em vigor, o tribunal de execução das penas e não o tribunal da condenação.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

            Na Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra corre termos o processo comum colectivo nº 2003/07.5PCCBR em que são arguidos A... e B....

            Por despacho de 22 de Novembro de 2013 foram declaradas extintas, pelo cumprimento, as penas de 5 anos de prisão e de 4 anos e 6 meses de prisão, aplicadas aos arguidos, respectivamente.


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            Inconformada com a decisão recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1 – Estando em causa uma pena de prisão efectiva – conforme previsto, no artigo 138.º, n.º 4, alínea s), do CEPMPL e também, nos artigos 124.º, n.º 3, alínea s), da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto e 91.º, n.º 3, s), da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, todos na redacção dada pelas Leis n.º 115/2009, de 12 de Outubro e 40/2010, de 3 de Setembro – é ao tribunal de execução e não ao tribunal da condenação que compete, em razão da matéria, a declaração de extinção dessa pena.

2 – Para as situações em que é concedida liberdade condicional estabelece o C.E.P.M.P.L. uma norma especial – o artigo 187.º – que alarga a competência material do TEP para declarar a extinção de uma pena de prisão que já não é efectiva.

3 – Trata-se, de diferentes questões jurídicas: no artigo 138.º, n.º 4, alínea s) prevê-se, sem mais, a competência material do TEP, para, entre outras, declarar extinta a pena de prisão efectiva; no artigo 187.º, desse mesmo Código, no âmbito das competências materiais próprias dum Tribunal de Execução de Penas, regula-se uma situação especial, decorrente da concessão de liberdade condicional ao recluso, e atribui-se, também, ao TEP competência material para declarar extinta uma pena de prisão que, já não está a ser cumprida em efectividade.

4 – Havendo declarado a extinção das penas de prisão, de quatro (4) anos e seis (6) meses e de cinco (5) anos, respectivamente, impostas aos arguidos B... e A..., em flagrante violação das próprias regras de competência e em manifesto desrespeito pela competência material que é exclusiva do tribunal de execução de penas, a decisão da M.ma Juiz desta 1ª Secção da Vara Mista de Coimbra incorre em nulidade insanável.

5 – A decisão recorrida traduz uma interpretação que ofende o disposto no artigo 138º, n.º 4, al. s), do CEPMPL, na redacção que, à Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, foi introduzida pela Lei n.º 40/2010, nos artigos 91º, n.º 3, al. s), da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, e 124º, n.º 3, al. s), da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto e no artigo 470.º, n.º 1, do C.P.P.

Nestes termos e pelo mais que, Vossas Excelências, Venerandos Juízes Desembargadores, por certo e com sabedoria, não deixarão de suprir, concedendo-se provimento ao presente recurso e, consequente, declarando-se a nulidade da decisão recorrida e determinando-se a sua substituição por uma outra que, reconhecendo essa competência material do tribunal de execução de penas, declare a incompetência, em razão da matéria, desta 1ª Secção da Vara Mista de Coimbra, para afirmar a extinção das referidas penas de prisão, far-se-á Justiça.


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            Não houve resposta ao recurso.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer aderindo aos fundamentos da motivação, e concluiu pela procedência do recurso.

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            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

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Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela Digna Magistrada recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se compete ou não à Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra declarar a extinção, pelo cumprimento efectivo, das penas de prisão impostas nos autos aos dois arguidos.


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            Para a resolução desta questão importa ter presente o teor do despacho recorrido que é o seguinte:

“ (…).

            O arguido B... cumpriu integralmente a pena que lhe foi aplicada nos presentes autos (fls. 1628).

O arguido B... cumpriu integralmente a pena que lhe foi aplicada nos presentes autos (fls. 1606 e 1673).

Muito embora o artº 138º, nº 4, al. s) do CEPMPL atribua competência ao tribunal de execução de penas para declarar extinta a pena de prisão efectiva, tal disposição deverá ser interpretada à luz das demais normas legais, concretamente do disposto no artº 470º, nº 1 do CPP (cuja ressalva se reporta às limitações decorrentes do exercício pelo TEP dos poderes inerentes às suas funções, concretamente em matéria de liberdade condicional e de modificação da execução da pena).

Neste contexto, concedendo que a posição não é pacífica e em face da posição manifestada pelo TEP de Coimbra e do Porto (fls. 1673 e 1663), aceita-se a competência para declarar extintas as penas aplicadas aos referidos arguidos.

Tal como já anunciamos os arguidos B... e B... cumpriram integralmente a pena que lhes foi aplicada nos presentes autos, razão pela qual se declaram extintas.

Boletins.

Notifique.

            (…)”.


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            Com relevo, colhem-se dos autos ainda os seguintes elementos:

            i) Corre termos no Tribunal de Execução de Penas do Porto o processo nº 3915/10.4TXPRT-B, relativo ao condenado B..., no qual, por despacho de 12 de Fevereiro de 2013 foi determinado se informasse os presentes autos «que não tendo sido concedida liberdade condicional, este TEP não irá declarar extinta a pena.».

            ii) Corre termos no Tribunal de Execução de Penas de Coimbra o processo nº 160/11.5TXCBR-A, relativo ao condenado A..., no qual, em 5 de Novembro de 2013 foi proferido o seguinte despacho: «Informe que, uma vez que o recluso foi libertado por termo da pena e não na sequência da concessão da liberdade condicional, entende-se que a declaração de extinção da pena de prisão pelo cumprimento incumbe ao Tribunal da condenação e não a este Tribunal.».


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            1. O despacho recorrido aceitou a competência da Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra para declarar extintas as penas de prisão impostas nos autos e é precisamente contra esta aceitação de competência que se insurge a Digna Magistrada recorrente.

            Vejamos então, a quem, em nosso entender, assiste razão.

 

No ponto 15 da exposição de motivos da proposta de lei 252/X (Diário da Assembleia da República, série II-A, nº 279, de 5 de Março de 2009), proposta de lei que veio a dar origem ao Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade [CEPMPL], pode ler-se: “No plano processual e no que se refere à delimitação de competências entre o tribunal que aplicou a medida de efectiva privação da liberdade e o Tribunal de Execução das Penas, a presente proposta de lei atribui exclusivamente ao Tribunal de Execução das Penas a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, após o trânsito em julgado da sentença que as aplicou. Consequentemente, a intervenção do tribunal da condenação cessa com o trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir medida privativa da liberdade. Este um critério simples, inequívoco e operativo de delimitação de competências, que põe termo ao panorama, atualmente existente, de incerteza quanto à repartição de funções entre os dois tribunais e, até, de sobreposição prática das mesmas. Incerteza e sobreposição que em nada favorecem a eficácia do sistema”.     

Esta intenção do legislador tornou-se efectiva com a entrada em vigor da Lei nº 115/2009, de 12 de Outubro, que aprovou o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade e introduziu também alterações ao C. Processo Penal e à Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais (Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro).

Com efeito, dispõe o art. 138º do CEPMPL, com a epígrafe, «Competência material», no seu nº 2 que, após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou de medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal. Por sua vez, no seu nº 4, dispõe que, sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria: (,,,) r) Declarar extinta a pena de prisão efectiva, a pena relativamente indeterminada e a medida de segurança de internamento.

Concordantemente, o art. 91º, com a epígrafe «Competência», da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, na redacção da Lei nº 115/2009, de 12 de Outubro, dispõe:

1 – Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respectiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.

(…).

3 – Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:(…).

r) Declarar extinta a pena de prisão efectiva, a pena relativamente indeterminada e a medida de segurança de internamento.

(…).

Resulta assim evidente que o sentido da lei coincide a vontade real do legislador, clara e inequivocamente expressa quer no texto legal, quer na exposição de motivos da proposta de lei 252/X (cfr. art. 9º, nº 1 do C. Civil).

E não se argumente, em contrário, com, a nova redacção dada ao art. 470º, nº 1 do C. Processo Penal pela Lei nº 115/2009, de 12 de Outubro [A execução corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1.ª instância em que o processo tiver corrido, sem prejuízo do disposto no artigo 138.º do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade] pois que a manutenção da regra de a execução correr nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1ª instância em que o processo tiver corrido, apenas se mantém para a execução das penas não privativas da liberdade, como resulta da ressalva feita quanto ao disposto no art. 138º do CEPMPL.    

Aliás, o art. 475º do C. Processo Penal, que não sofreu alteração, mantém a regra de que é o tribunal competente para a execução que declara extinta a pena ou a medida de segurança.

Concluímos, assim, que competente, em razão da matéria, para declarar a extinção das penas de prisão efectiva aplicadas nos autos aos arguidos é, no regime em vigor, o tribunal de execução das penas e não a Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra, enquanto tribunal da condenação.

Neste sentido se tem pronunciado, aliás, a maioria da jurisprudência das relações (cfr. Ac. da R. do Porto de 27 de Novembro de 2013, proc. nº 188/06.7PAVFR.P3, Decisão da R. de Lisboa de 12 de Junho de 2013, proc. nº 102/06.0PFDDL-B.L1-5, in www.dgsi.pt e Decisão da R. de Coimbra de 26 de Maio de 2014, proc. nº 48/12.2PEFIG-A.C1).  

2. Assim, tendo o despacho recorrido violado as regras de competência (material) do tribunal, enferma da nulidade insanável prevista no art. 119º, e) do C. Processo Penal impondo-se, em consequência, a sua declaração.


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            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso.

Consequentemente, decidem declarar a nulidade insanável do despacho recorrido, por violação das regras de competência do tribunal e revogar o mesmo despacho, determinando a sua substituição por outro que declare a incompetência da Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra para declarar extintas as penas de prisão impostas aos arguidos.


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Recurso sem tributação.

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Coimbra, 24 de Setembro de 2014


(Heitor Vasques Osório – relator)



(Fernando Chaves - adjunto)