Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
905/15.4T8FND-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
PER
PLANO DE REVITALIZAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Data do Acordão: 10/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO - FUNDÃO - INST. CENTRAL - SEC.COMÉRCIO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.47, 48, 176, 194, 215, 216 CIRE
Sumário: 1. O art. 194º, nº1, do CIRE impõe que o plano de insolvência obedeça ao princípio da igualdade entre os credores, apenas permitindo diferenciações entre estes justificadas por razões objetivas, como sejam, a distinta classificação dos créditos, o grau hierárquico que ocupam na respectiva graduação ou a consideração das sua fontes.

2. No caso, entre credores comuns, na ausência de justificações, a diferenciação no prazo de pagamento, na previsão de juros vincendos e de um período de carência é violadora do princípio da igualdade entre eles e é fundamento de recusa de homologação do plano.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Vem o presente recurso interposto por “T (…), Lda.”, da sentença que recusou a homologação do seu plano de revitalização, com fundamento na violação do princípio da igualdade previsto no art. 194º do C.I.R.E., concluíndo aquela que não existe tal violação porque o plano trata todos os credores de igual forma.


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Não foram apresentadas contra alegações.

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            A questão a resolver é a de saber se o plano apresentado viola o princípio da igualdade dos credores.

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            Factos a considerar (o tribunal recorrido não os fixou separadamente):

            O plano em causa prevê o seguinte:

Pagamento de dívida a fornecedores:

Pagamento em 96 meses, com 2 anos de carência ou moratória, sem pagamento de juros.

Pagamento da dívida a instituições bancárias:

O pagamento em 60 meses, sem carência e pagamento de juros à taxa de 5%.


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O n.º 1 do art.194º do Código da Insolvência dispõe que “o plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas”.

O nº 2 acrescenta: “O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável”.

C. Fernandes e J. labareda (CIRE Anotado, Quid Juris, 2009, pág.641) dizem que o n.º 1 acolhe “as duas facetas em que se desdobra o princípio da igualdade, traduzidas na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto, sem prejuízo do acordo dos credores atingidos, em contrário”.

A lei permite que o plano possa estabelecer diferenciações entre os credores da insolvência, desde que “justificadas por razões objectivas”.

Como assinalam os referidos autores, estas razões objectivas podem ser:

A distinta classificação dos créditos, nos termos do art.47º daquele código;

O grau hierárquico que ocupam os créditos na respectiva graduação;

A ponderação das circunstâncias de cada situação, nomeadamente tendo em conta as fontes dos créditos.

De acordo com o referido artigo 47º, os créditos sobre a insolvência são assim classificados:

a) Créditos que beneficiam de garantias reais ou de privilégios creditórios;

b) Créditos subordinados elencados no artigo 48°;

c) Créditos comuns: são os demais créditos.

“O pagamento aos credores comuns tem lugar na proporção dos seus créditos, se a massa for insuficiente para a respectiva satisfação integral.” (Art.176º do Código em análise.)

Com este enquadramento, analisemos o caso concreto.

Os créditos em confronto (dos fornecedores e dos bancos) são comuns.

Não há qualquer hierarquia entre os créditos em confronto que justifique compensações diferenciadoras ou compensações por perda de benefícios detidos.

Nada é relevado quanto às fontes dos referidos créditos.

Não são invocadas razões para a diferenciação.

A desigualdade releva-se aos seguintes aspetos:

Previsão de menor prazo para o pagamento, sem período de carência e pagamento de juros aos bancos.

Para os demais credores comuns, um prazo de pagamento mais alongado, com período de carência de 2 anos e não previsão de juros.

Não sendo bancos, os restantes credores comuns (empresas que habitualmente sofrem com a falta de liquidez financeira) não têm qualquer compensação pela espera.

Os bancos beneficiam logo de um avanço de 2 anos de recebimentos.

Ora, falhando o plano nos 2 primeiros anos, os bancos, ao contrário dos demais credores, não teriam perdido tudo, como aparentemente aconteceria para os restantes.

Esta diferenciação é violadora do princípio da igualdade.

Recorrendo novamente ao ensino de C. Fernandes e J. labareda (ob. cit. página 642), visto o regime fixado nos arts. 215º e 216º do CIRE, “o princípio da igualdade dos credores configura-se como uma trave basilar e estruturante na regulação do plano de insolvência. A sua afectação traduz, por isso, seja qual for a perspectiva, uma violação grave – não negligenciável – das regras aplicáveis”.

Por tudo isto, não merece censura a decisão recorrida.


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Decisão.

            Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas pela Recorrente.

Coimbra, 2016-10-18

Fernando Monteiro ( Relator)

António Carvalho Martins

Carlos Moreira