Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
382/12.1TXCBR-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
NULIDADE
IRREGULARIDADE
PRAZO DE ARGUIÇÃO DO VÍCIO
Data do Acordão: 11/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 61.º DO CP; ART. 379.º DO CPP; ARTS. 146.º, N.º 1, 152.º, N.º 1, E 173.º A 177.º, DO CEPMPL
Sumário: I - A decisão judicial que concede ou recusa a liberdade condicional não assume, quer no plano formal quer numa dimensão teleológica, a estrutura de sentença. Daí que não lhe sejam aplicáveis as disposições contidas nos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, ambos do CPP.

II - De acordo com o princípio da legalidade plasmado no artigo 118.º do CPP, a falta ou insuficiência de fundamentação da referida decisão constitui mera irregularidade, a arguir no prazo, de 10 dias, previsto no artigo 152.º, n.º 1, do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL).

Decisão Texto Integral:                                                                                                                                                   

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


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            A - Relatório:                                                                                          

            1. Nos Autos de Liberdade Condicional registados sob o n.º 382/12.1TXCBR-B que correm termos no Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, Secção Única, em que é condenado A... , foi decidido pela Meritíssima Juiz, a 14 de agosto de 2015, não lhe conceder a liberdade condicional.

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            2. Inconformado com esta decisão, recorreu o recluso, a 16 de setembro de 2015, pedindo a declaração de nulidade da decisão recorrida, nos termos do artigo 374.º, n.º 2, e 1ª parte da alínea a), do disposto no artigo 379.º, ambos do CPP, e, caso assim não seja entendido, a revogação da mesma e a sua substituição por outra que lhe conceda a liberdade condicional.

            Apresentou as seguintes conclusões:

1. (…).

            2. (…).

            3. (…).

            4. Analisada a douta sentença que recusou a concessão da liberdade condicional ao recluso A... , verifica-se, na opinião do recorrente, que a mesma não está devidamente fundamentada, revelando subjetividade, fragilidade e inconsistência, assentando apenas e tão só em conceitos vagos e indeterminados que não encontram na realidade daquele recluso qualquer apoio factual.

            5. (…).

            6. Com efeito, entende o recorrente que a douta decisão não contém um exame crítico sobre os factos que deu como assentes e que concorreram para a formação da convicção do Tribunal condenado, entendendo ainda o arguido que a Meritíssima Juiz a quo não logrou apreciar os factos assentes que proferiu.

            7. (…).

            8. Pelo que foi violado o disposto no artigo 374.º, n.º 2 e 1ª parte da alínea a) n.º 1 do disposto no artigo 379.º, ambos do CPP, devendo, em consequência, ser considerada nula a sentença que ora se recorre.

            9. Mais, o arguido encontra-se a cumprir uma pena de 4 anos de prisão, pelo crime de tráfico de menor gravidade, tendo atingido metade da pena em 15 de agosto de 2015 e os dois terços em 14 de abril de 2016, estando aprazado o seu termo para 15 de agosto de 2017.

10. (…).

            11. In casu, estamos perante uma situação em que a apreciação da concessão da liberdade condicional reporta-se ao meio da pena em execução e o condenado aceitou a aplicação da liberdade condicional.

            12. (…).

            13. O arguido foi condenado a 4 anos de prisão, tendo atingido o meio da pena em 15 de agosto de 2015.

            14. Deu o seu consentimento para a sua colocação em liberdade.

            15. O recorrente tem um núcleo familiar constituído pela sua companheira e filho, beneficiando de apoio direto da sua mãe e companheiro deste.

            16. O recorrente tem perspetivas de trabalho logo que restituído à liberdade, designadamente, passará a exercer a sua atividade laboral na empresa Iberestrado. Lda., para a qual já trabalhou.

            17. O recorrente reconheceu os erros que cometeu e disso deu conta em audiência de discussão e julgamento, pediu perdão e demonstrou arrependimento pelos atos que praticou.

            18. O arguido tem boa conduta e, por tal motivo, já beneficiou de uma saída jurisdicional, a qual decorreu sem incidentes.

            19. Fatores estes que denotam equilíbrio e são reveladores do sucesso na sua ressocialização e que não foram devidamente valorados pela Meritíssima Juiz a quo.

            20. Assim como não foram valorados os relatórios, a integração do arguido, a boa conduta do mesmo em reclusão e o parecer unanimemente favorável à concessão da liberdade condicional que o Conselho Técnico emitiu.

            21. (…).

            22. Em bom abono da verdade, o Tribunal a quo deveria ter valorado o parecer do Conselho Técnico, até porque trata-se do voto unânime de 4 pessoas que conhecem e acompanham diretamente o arguido na execução da pena.

            23. (…).

            24. Diga-se, até, que, apesar de se saber que o parecer do conselho Técnico não tem caráter vinculativo, certo é que o parecer do conselho foi unânime à concessão da liberdade condicional, o que indicia fortemente, se não prova cabalmente, que a restituição do recorrente à liberdade, embora sujeito ao cumprimento das condições propostas pelo mesmo – residência fixa – não faz perigar o disposto no artigo 61.º, n.º 1, alínea b), do CPP.

            25. (…).

            26. Aliás, analisada a douta decisão, parece que o cerne do indeferimento da liberdade condicional do arguido reside efetivamente na questão das exigências de prevenção geral.

            27. (…).

            28. Sendo que, no entendimento do arguido, a libertação condicional não seria de modo algum interpretada pela comunidade em geral como sinal de indiferença perante a tutela dos bens jurídicos, até porque o mesmo já beneficiou de saída jurisdicional e a mesma decorreu sem quaisquer incidentes.

            29. Alias, nesse aspeto, entende o arguido que a douta sentença é até contraditória, isto porque se, por um lado, refere e dá como factos assentes, que “o condenado revela nas suas atitudes, face ao crime praticado e às suas consequências, consciência crítica” e que “o recluso assume a sua conduta delituosa denotando capacidade crítica e verbalizando arrependimento…”,

            30. Por outro lado, refere que o recluso não interiorizou ainda devidamente a censurabilidade da sua conduta criminosa.

            31. Extraindo tal conclusão pelo facto de o arguido ter invocado razões de ordem económica e ainda pelo facto de ocasionalmente consumir cocaína.

            32. (…).

            33. (…).

            34. (…).

            35. (…).

            36. Assim sendo, atento o supra exposto, verifica-se que, efetivamente, o Tribunal a quo desvalorizou todas as concretas circunstâncias que rodeiam o arguido para a aplicação da liberdade condicional, desvalorizando as declarações do mesmo, o bom comportamento adotado em reclusão, o projeto exequível que o mesmo apresentou para uma vida em liberdade, o apoio familiar, a perspetiva de trabalho, o sentido de voto, unanimemente favorável, do respetivo conselho, não tendo apreciado, de forma crítica, ponderada e rigorosa aqueles aspetos.

            37. Desta forma, atenta a assunção da prática do crime, o arrependimento e as demais circunstâncias expostas, tais como ser primário, ter bom comportamento no meio prisional e ter apoio familiar estrutural, era o arguido merecedor de um juízo de prognose favorável à sua libertação, concluindo-se que, em liberdade, o recluso pautaria a sua vida de modo responsável sem cometer crimes.

            38. Não se verificando tal situação, a decisão recorrida, ao não conceder a liberdade condicional ao arguido A... incorreu em violação do disposto no artigo 61.º, do Código Penal.

            39. Assim como foi violado o disposto no artigo 374.º, n.º 2 e 1ª parte da alínea a) n.º 1 do disposto no artigo 379.º, ambos do CPP, conforme supra se referiu.

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            3. O recurso, a 29 de setembro de 2015, foi admitido.

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            4. O Ministério Público junto do TEP de Coimbra respondeu ao recurso, a 6 de outubro de 2015, defendendo que merece provimento, contra-alegando, em resumo, o seguinte:

            1. A decisão sob recurso está suficientemente fundamentada.

            2. Nas circunstâncias do caso concreto, as exigências de prevenção geral e especial já se mostram atenuadas, não sendo iminente o perigo de reincidência, pelo que não existem obstáculos à concessão da liberdade condicional nesta fase da pena.

            3. Não se pode argumentar com a excecionalidade da liberdade condicional a meio da pena; tem aqui tanta excecionalidade como noutra fase. Os requisitos que a podem determinar é que são mais ou menos apertados, consoante a fase dessa execução.

            4. A liberdade condicional pode ser concedida, mediante adequado plano de reinserção social, devendo ser imposto ao condenado, nomeadamente, a proibição de frequentar locais e de contatar pessoas relacionadas com o tráfico e o consumo de estupefacientes.

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            5. Instruídos os autos e remetidos a este Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, a 16 de outubro de 2015, emitiu douto parecer no qual defendeu a improcedência do recurso, referindo, além do mais, que “ (…), diversamente do que vem referido na resposta, parece-me que a concessão de liberdade condicional ao meio da pena é uma medida de exceção, já que os requisitos, relativamente a tal concessão, são sucessivamente menores nos n.ºs 3 e 4, do artigo 61.º, do Código Penal, que a disciplina. E, sendo assim, estando perante uma situação de meio da pena, haverá que fazer um juízo de prognose, quer do comportamento do recluso, quer da sociedade e, nomeadamente, da comunidade em que se insere, relativamente à libertação nesta fase.”

            Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo sido exercido, a 2 de novembro de 2015, o direito de resposta em que foi reiterado o anteriormente exposto.

O arguido encontra-se detido no E. P. R. da Guarda.

Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.

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            B – Fundamentação:

            Decisão recorrida:

1 – RELATÓRIO

Foram instaurados os presentes autos com vista à eventual colocação em liberdade condicional do condenado A... , já identificado nos autos.

O condenado encontra-se em reclusão no Estabelecimento Prisional da Guarda.

O processo seguiu a sua normal tramitação e mostra-se devidamente instruído, mais tendo sido observadas todas as legais formalidades.

Nos termos do disposto no artigo 177º do CEPMPL o Ministério Público emitiu, posteriormente ao Conselho Técnico, parecer desfavorável à colocação em liberdade condicional (fls. 114 e 115).

O Conselho Técnico, reunido no dia 11 de Agosto de 2015, emitiu parecer unanimemente favorável à colocação em liberdade condicional (conforme acta de fls. 112).

Ouvido o recluso, em Auto de Declarações, o mesmo autorizou a sua colocação em liberdade condicional.

*

O tribunal é competente.

O processo é o próprio.

Não há nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

2 – OS FACTOS E O DIREITO

O instituto da liberdade condicional assume “um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica – que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada – de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade. O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições – substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que vimos fazerem parte das penas de substituição da suspensão da execução da prisão e do regime de prova – que lhe são aplicadas.

Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento”.

A aplicação da liberdade condicional assenta em vários pressupostos, de natureza formal e material.

São pressupostos de natureza formal de tal instituto os seguintes:

a) O consentimento do condenado (artigo 61º, nº 1, do Código Penal (CP);

b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nº 2 e 63º, nº 2, do CP);

c) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nºs 2, 3 e 4 e 63º, nº 2, do CP).

A liberdade condicional quando referida a 1/2 ou a 2/3 da pena (liberdade condicional facultativa) consiste num poder-dever do tribunal vinculado à verificação de todos os pressupostos formais e materiais estipulados na lei, sendo que estes últimos são em número diferente consoante estejamos perante o final do primeiro ou do segundo dos supra referidos períodos de execução da pena de prisão.

São pressupostos de natureza material da aplicação de tal instituto a 1/2 da pena:

a) O supra referido juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (als. a) e b), do artigo 61º, do CP), o qual assenta, de forma determinante, numa apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão (juízo atinente à prevenção especial positiva ou de ressocialização);

b) Um juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), ou seja, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social.

Estão aqui bem presentes na liberdade condicional as exigências de prevenção geral e especial a que já aludimos supra, devendo o julgador, para decidir pela concessão da liberdade condicional julgar que o condenado está preparado para se reintegrar na sociedade, sem cometer crimes (artigo 42º, nº 1, do CP).

São pressupostos de natureza material da aplicação de tal instituto a 2/3 da pena:

a) Somente o juízo de prognose favorável referido em a) supra.

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In casu o recluso cumpre uma pena de 4 anos de prisão imposta no proc. 1/12.6GBMMV, por crime de tráfico de menor gravidade.

O recluso atingirá o meio (1/2) da pena em 15.08.2015, os 2/3 em 14.04.2016 e o termo da pena em 15.08.2017

Importa pois, apreciar a possibilidade do recluso ser colocado em liberdade condicional, por referência ao cumprimento do 1/2 da pena única em execução.

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No caso em apreço, tendo em conta o teor da decisão condenatória proferida, dos relatórios que instruíram o processo e da audição do recluso, consideram-se demonstrados os seguintes factos:

1. O recluso cumpre uma pena de 4 anos de prisão imposta no proc. 1/12.6GBMMV, por crime de tráfico de menor gravidade.

2. O recluso atingirá o meio (1/2) da pena em 15.08.2015, os 2/3 em 14.04.2016 e o termo da pena em 15.08.2017.

3. O recluso é filho único de um casal de razoável condição sócio - económica. O pai foi cumprir serviço militar em Angola, tendo desaparecido, tinha o recluso 2 anos de idade, permanecendo aos cuidados da progenitora tendo-lhe sido transmitidos valores e normas de acordo com as regras vigentes. Durante a sua infância a progenitora encetou união de facto, mas o padrasto acabou por falecer num acidente de viação tinha o recluso cerca de 12 anos de idade, recordando esta morte como traumática, porque a sua referência parental circunscrevia-se ao seu padrasto.

4. Com cerca de 19 anos casou-se, tendo uma filha com 22 anos. A separação ocorreu por incompatibilidade de feitios, permanecendo a filha ao cuidado da progenitora. Posteriormente encetou união de facto, tendo outro filho com 3 anos e meio de idade. Quando for restituído à liberdade tenciona regressar para junto destes e o filho da companheira de um anterior relacionamento, com 9 anos de idade. Estes, assim como a mãe, e companheiro desta, têm-lhe prestado apoio durante a reclusão e mostram-se dispostos a continuar a ajudar quando for libertado.

5. Relativamente à sua ocupação socialmente útil, o condenado tem assegurado projeto de colocação laboral. Enquanto não começa a trabalhar dependerá economicamente da companheira. A mãe e companheiro desta, também se mostram disponíveis para os ajudar em caso de necessidade.

6. Foi consumidor ocasional de cocaína, tendo abandonado os consumos quando foi detido, não necessitando de acompanhamento.

7. O condenado revela nas suas atitudes face ao crime praticado e às suas consequências consciência crítica.

8. O recluso assume a sua conduta delituosa denotando capacidade crítica e verbalizando arrependimento, justificando com o facto de consumir cocaína ocasionalmente e ao facto de se encontrar a atravessar um período de grandes dificuldades económicas e financeiras.

9. Transferido do E.P. de Aveiro deu entrada no E.P. da Guarda a 10-03-2015 onde tem mantido um comportamento conforme às normas institucionais. Beneficiou recentemente de saída jurisdicional que decorreu sem incidentes.

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Verificados os factos assentes, constata-se que o recluso parece não ter interiorizado ainda devidamente a censurabilidade da sua conduta criminosa que justifica com as suas dificuldades económicas e toxicodependência, devendo consolidar o seu percurso, afigurando-se assim prematura a sua libertação antecipada, tanto mais que na presente fase processual são ainda prementes as exigências de prevenção geral.

Está em causa o crime de tráfico de estupefacientes que tem uma particular relevância social e grandes repercussões a nível dos valores socialmente relevantes que importa defender a nível jurídico-criminal. Nesta fase do cumprimento da pena são prementes as exigências de prevenção geral.

Este conjunto de circunstâncias e a personalidade do arguido, não permitem formular um juízo de prognose favorável à libertação condicional, sendo que esta também se revelaria incompatível com a defesa da ordem e da paz social, tão elevadas são também as exigências de prevenção geral

Não se verificando, pois, os pressupostos exigidos pelo artigo 61º do Código Penal, decide-se não conceder a liberdade condicional a A... .

3 – DECISÃO

Em conformidade com as disposições legais supra referidas, decide-se não conceder ao condenado A... a liberdade condicional.

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Renovação da instância pelos 2/3 das penas - 14 de Abril de 2016 - cumprindo-se o disposto no art.º 173º/1 a) e b) do CEPMPL, com 90 dias de antecedência e prazo de execução de 30 dias.

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Notifique e comunique, nos termos do disposto no art. 177.º/3 do CEPMPL.”

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            C - Cumpre apreciar e decidir:

            O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – artigos 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º 1, do C.P.P.

            As questões a conhecer são as seguintes:

1) Saber se o despacho recorrido é nulo, por falta de fundamentação.

2) Saber se estão reunidos os pressupostos para ser concedida a liberdade condicional ao recorrente.

                                                           ****

            1) Da falta de fundamentação do despacho recorrido:

            Alega o recorrente que a decisão proferida que não lhe concedeu a liberdade condicional não se encontra fundamentada, em violação do artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, o que implica a sua nulidade por decorrência do artigo 379º, nº 1, a), do Código de Processo Penal.

            Pois bem, não assiste razão ao recorrente em trazer à colação os mencionados normativos.

            É que a decisão recorrida, quer do ponto de vista formal quer teleológico, não assume a natureza de uma sentença – ver, a este propósito, o Acórdão do TRP, de 4/7/2012, processo 1751/10.7TXPRT-H.P1, relatado pelo Exmo. Desembargador Joaquim Gomes, assim como o Acórdão deste TRC, de 25/9/2013, Processo n.º 1080/10.6TXCBR-H.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Luís Coimbra, ambos in www.dgsi.pt, a cuja fundamentação aderimos na íntegra.

            Pela sua pertinência, vejamos o que consta do acórdão acabado de citar em segundo lugar:

            “Coloca-se a questão de saber se a decisão judicial de concessão ou de recusa da liberdade condicional é equiparável a uma sentença, por aplicação e integração analógica da disciplina processual desta, como certa jurisprudência tem vindo a sustentar (cfr. vg. Acs da Relação de Lisboa de 15.12.2011 e de 06.10.2010, acessíveis através de www.dgsi.pt) sendo-lhe aplicável, quando exista falta de fundamentação, o invocado regime de nulidade previsto no artigo 379º do Código de Processo Penal já que só através da formalização como sentença se possibilita uma ponderação adequada de cada caso e que a mesma seja verdadeiramente sindicável em sede de recurso.

            Ou, não sendo uma sentença, a falta de fundamentação configura então uma mera irregularidade, que afeta ou não o valor do ato praticado e, na positiva, é a todo o tempo e mesmo em sede de recurso, sujeita a reparação a realizar, por determinação oficiosa, pelo tribunal recorrido (cfr, neste sentido os Acs da Relação de Lisboa de 24.02.2010 e de 23.09.2009, acessíveis através do site www.dgsi.pt) ou deve ser arguida, e tão só, no prazo estipulado no artigo 123º do Código de Processo Penal (neste sentido cfr. Ac desta Relação, de 12.12.2012, acessível pelo mesmo site).

            Quanto a nós, tal como sumariamente, logo ab initio havíamos deixado consignado, a decisão recorrida, quer do ponto de vista formal quer teleológico, não assume a veste de uma sentença. Por isso, inexiste razão ao recorrente ao trazer à colação os mencionados normativos 374º nº 2 e 379º nº 1 a), ambos do Código de Processo Penal, que apenas têm pertinência em relação a uma sentença.

            E para fundamentar esta nossa posição, passaremos a transcrever parte do acórdão proferido por esta Relação, no dia 22/05/2013, no âmbito do Proc nº 850/10.0TXCBR-G.C.1 (transcrição essa feita até por uma questão de ordem prática e de sistematização do raciocínio ali exposto com o qual continuamos a concordar tanto mais que o aqui relator ali foi adjunto).

            Com efeito, a dado passo do referido acórdão é dito:

            «Quanto a nós e adiantando desde já, entendemos que a decisão sobre a concessão ou recusa da liberdade condicional não é uma sentença.

            Na verdade, se atentarmos à noção legal de sentença dada pelo artigo 97.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal, cujas disposições são aplicáveis a título subsidiário (154.º do CEP), aí se considera que “Os atos decisórios dos juízes tomam a forma de sentenças, quando conhecerem a final do objeto do processo”.

            Existe aqui uma similitude de terminologia com o preceituado nos artigos 419.º, n.º 3, al. b) e 400.º, n.º 1, al. c), ambos do Código de Processo Penal, dizendo o primeiro respeito ao conhecimento dos recursos em conferência e reportando-se o segundo à irrecorribilidade dos “acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que não conheçam a final do objeto do processo”. As redações destes dois segmentos normativos foram introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29/Ago., que substituiu a menção “que não ponham termo à causa”.

            Tanto num caso, como no outro, passou-se a considerar que a menção a “objeto do processo” tinha um significado semelhante ao do “mérito do processo”, alargando-se, por isso, aquele conceito de pôr termo ou fim à causa.

            O art.º 485º do C.P. Penal (na redação anterior à Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro) reportava-se à decisão sobre a liberdade condicional qualificando-a sempre “despacho” o que nos levava a concluir que o legislador, desde logo, entendeu que esta decisão não era nem estava sujeita ás regras processuais penais impostas às sentenças.

            Tal preceito foi revogado pela Lei n.º 115/2009, de 12/Out., através do seu artigo 8.º, n.º 2, al. a), que instituiu o Código de Execução das Penas e das Medidas Privativas da Liberdade (CEP), mas o mesmo continua a fazer referência, no capítulo respeitante à liberdade condicional, a “decisão do juiz” (177.º, n.º 3), como de resto sucede em relação a outras decisões, distinguindo a mesma das “sentenças condenatórias” (v.g. 3.º, n.º 2; 181.º).

            Mais, a liberdade condicional ocorre no decurso da execução de uma pena de prisão, comportando um regime substantivo (61.º a 64.º Código Penal) e um regime processual (antes 484.º a 486.º C. P. Penal; agora 155.º, 173.º e ss. CEP), que atualmente integra uma fase de incidência técnico-administrativa, que culmina com o parecer do Conselho Técnico (175.º, n.º 2 CEP), a que se segue uma fase de incidência judicial, a qual se inicia com a audição do recluso e finda com a prolação da decisão judicial (176.º, 177.º CEP).

            Não tem carácter definitivo como decorre do disposto nos artsº agora 23.º, n.º 1 e 24.º, n.º 1 CEP

            Sendo assim um incidente processual que não conhece nem do objeto final do processo de execução das penas de prisão nem muito menos do objeto do processo penal não correspondendo, nem sob o ponto de vista formal nem teleológico, a uma sentença.

            Qual então o regime a aplicar?

            Nos termos do disposto no artigo 118.º do Código de Processo Penal, que consagra o princípio da legalidade dos atos processuais, preceitua-se que “A violação ou a inobservância da disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei”.

            Ora e ao contrário das sentenças (379.º C. P. Penal), dos despachos que decretam uma medida de coação ou de garantia patrimonial (194.º, n.º 4 C. P. Penal), bem do despacho de pronúncia (308.º, n.º 2, 283.º, n.º 3 C. P. Penal), não existe qualquer norma legal que comine de nulidade, por falta de motivação, o despacho que se pronuncie sobre a concessão ou não da liberdade provisória.

            Daí que, de acordo com o referido princípio da legalidade dos atos processuais, a falta ou a insuficiência de motivação de uma decisão que conceda ou não a liberdade condicional, não corresponde a uma nulidade antes tratando-se e apenas de uma irregularidade.

            Esta solução é consentânea com o modo como a lei adjetiva penal estabeleceu o sistema fechado das nulidades insanáveis e dependentes de arguição, configurando as normas relativas a nulidades como normas excecionais, dado o seu carácter taxativo, e, portanto, insuscetíveis de aplicação analógica (cfr. o artigo 11.º do Código Civil) – vide Conde Correia, in Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades Processuais Penais, Coimbra, 1999, p. 152 e Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código de Processo Penal, 3.ª edição, Lisboa, 2009, p. 298.

            Por sua vez e de acordo com o artigo 123.º, n.º 1 do Código de Processo Penal “Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato”.

            Assim, a falta de invocação atempada de qualquer irregularidade como de resto de uma nulidade que não seja absoluta ou insanável, conduz à sua sanação (121.º, 123.º C. P Penal, por interpretação extensiva) – o contrário e a possibilidade de se conhecer a todo o tempo e oficiosamente uma mera irregularidade é, na prática, conferir-lhe o estatuto de uma nulidade insanável – o que se mostra legalmente desajustado.

            No entanto, o CEP veio estabelecer como regra geral para a prática de atos o prazo de dez (10) dias, preceituando no seu artigo 152.º, n.º 1 que “Salvo disposição legal – leia-se deste Código – em contrário, é de 10 dias o prazo para a prática de qualquer ato processual”. E quando quis regular um outro prazo veio fazê-lo expressamente, seja por referência interna (2 dias – 218.º, n.º 1; 5 dias – 160.º; 177.º, n.º 1; 203.º, n.º 1 parte final; 204.º, n.º 1; 205.º, n.º 1; 206.º, n.º 2 CEP; 8 dias – 203.º, n.º 1 I parte CEP), seja por remissão externa, como sucede no caso dos recursos (239.º CEP), cujo prazo de interposição regra é de 30 dias (411.º, n.º 1 C. P. Penal na redação dada pela Lei 20/2013 de 21 de Fevereiro.)

            Ora atendendo a que tendo o C.P. Penal apenas aplicação subsidiária em relação ao Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, conforme decorre do seu artigo 154.º e não havendo reenvio expresso para o prazo de invocação do vício processual de irregularidade, em nosso entender, deverá aplicar-se o prazo de 10 dias de acordo com o disposto no art.º 152º do referido CEP.

            Nos autos, verifica-se que em nenhum momento foi suscitada a presente irregularidade perante o tribunal que a terá cometido, pelo que improcede este fundamento de recurso.

            E esta solução, encontra-se perfeitamente coadunada com o facto de ao contrário do regime recursivo em processo penal, que permite invocar a nulidade de uma sentença como fundamento de recurso (379.º, n.º 2 C. P. Penal), a impugnação da decisão da concessão ou recusa da liberdade condicional é limitada à questão da concessão ou recusa da liberdade. condicional (179.º, n.º 1 CEP).

            Assim, no caso em apreço, o dever de fundamentação é o que consta do disposto no art. 146º nº 1, do CEP.»

            Depois de feita esta transcrição com os fundamentos ali constantes e que continuamos a defender, compulsados os presentes autos de recurso, verifica-se que em nenhum momento foi suscitada qualquer irregularidade perante o tribunal que a possa ter cometido, pelo que improcede este fundamento de recurso.

            Por conseguinte, tem de soçobrar, nesta parte, necessariamente, o recurso.

                                                                       ****

2) Da verificação dos pressupostos para a liberdade condicional:

            Segundo o nº 9, do Preâmbulo do D.L. nº 400/82, de 23 de Setembro, a liberdade condicional tem como objectivo «criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão».

             Quanto à natureza jurídica da LC, parece resultar hoje pacífico que a concessão da mesma não implica uma modificação da pena na sua substancialidade mas se trata tão só de uma realidade inerente à respectiva execução, ou seja, uma «medida penitenciária», uma «circunstância relativa à execução da pena», um incidente de execução da pena ou ainda um benefício penitenciário.

Deixemos expresso, e isso é o cerne da questão, que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa de boa conduta, mas algo que visa criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o condenado possa reconhecer o sentimento de orientação social que se presume enfraquecido por causa da reclusão.

            Pois bem, estabelece o artigo 61.º, do Código Penal:

“1. A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.

2. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:

a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e

b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.

3. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.

4. Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.

5. Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.”

                                                           ****

Como resulta do artigo 61.º, do Código Penal, a liberdade condicional pode revestir duas modalidades: a facultativa e a obrigatória.

Como escreve Maia Gonçalves, Código Penal Português Anotado e Comentado, 18ª ed., pág. 244., “ A facultativa depende de requisitos formais e de requisitos de fundo e a sua aplicação está regulada nos nºs 1, 2 e 3. Verificados os requisitos formais e de fundo, é poder-dever do tribunal colocar o condenado em liberdade condicional, sendo então também de certo modo obrigatória. A liberdade condicional obrigatória, para além do consentimento do condenado, depende tão só da verificação de requisitos formais, rectius, do requisito enunciado no nº 4, onde a aplicação desta modalidade de liberdade condicional se encontra estabelecida”.

No caso em apreço, a situação que se discute é a da liberdade condicional facultativa.

Trata-se de uma medida de carácter excepcional que tem como objectivo a suspensão do cumprimento da pena aplicada e só deve ser concedida quando se considerar que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes e a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem a da paz social.

Assim, para além de terem de se verificar os chamados requisitos formais (cumprimento de metade ou dois terços da pena e no mínimo seis meses), no caso vertente, o meio da pena, tem o Juiz de avaliar se estão reunidos os requisitos de fundo previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2, do artigo 61.º, do Código Penal, isto é:

“ a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e

b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.”.

Como escreve Figueiredo Dias Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 539., para efeitos de prognose favorável “ … devem ser aqui tomados em conta … as concretas circunstâncias do facto, a vida anterior do agente e a sua personalidade; e além destes, como se disse, também a evolução da personalidade durante a execução da prisão”.

E acrescenta ainda que “ decisivo devia ser, na verdade, não o “ bom “ comportamento prisional “ em si” – no sentido da obediência aos (e do conformismo com) regulamentos prisionais -, mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re) socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade.

Por outro lado - e aqui reside a diferença essencial -, sabemos que o prognóstico para efeito de suspensão de execução da prisão deve ter em conta a probabilidade de a suspensão ser suficien­te para uma realização adequada das finalidades da punição (e por­tanto não só de prevenção especial, como de prevenção geral).

Já, porém, o prognóstico para efeito de concessão da liberdade condicio­nal deve, numa certa medida, ser «menos exigente» (o que não deixa de compreender-se, porque o condenado já cumpriu uma parte da pena e dela se esperará que possa, em alguma medida, ter concorrido para a sua socialização); se ainda aqui deve exigir-se uma certa medida de probabilidade de, no caso da libertação imediata do con­denado, este conduzir a sua vida em liberdade de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, essa medida deve ser a suficiente para emprestar fundamento razoável à expectativa de que o risco da libertação já possa ser comunitariamente suportado.”

Há pois que fazer um juízo antecipado devidamente fundado, que permita poder concluir que o arguido, uma vez colocado em liberdade, virá a adoptar um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal que permita antever que de futuro não voltará a cometer crimes.

Ora, tratando-se, no caso, a concessão da liberdade condicional ao arguido de uma medida excepcional, só fortes razões a podem justificar.

Se assim não fosse, tal concessão deixaria de ser facultativa e passaria a integrar a modalidade de obrigatória.

Bem se compreende que assim seja porque a pena já é fixada tendo em consideração as molduras legais cabíveis aos crimes em função da sua gravidade e cujo quantum concreto é determinado tendo em consideração as exigências concretas de prevenção.

                                                           ****

Ora, no auto de Audição de Recluso, datado de 11/8/2015, consta o seguinte:

“(…) Não pretende requerer qualquer diligência de prova.

Deu consentimento para eventual concessão de liberdade condicional.

Antes de estar detido, vivia com a sua companheira e o filho menor, com 3 anos de idade. Antes de estar detido, explorava um bar.

No estabelecimento prisional, recebe visitas com regularidade da companheira, da mãe e do filho.

Tem uma proposta de trabalho para soldador da empresa “Iberestrado” para a qual já trabalhou.

Pretende ir viver com a sua companheira e o seu filho, que está disponível para o receber.

Relativamente ao crime pelo qual foi condenado, está arrependido, considerando-se hoje um homem diferente.”

            Pois bem, estas declarações, se bem que evidenciem algo de favorável ao condenado, designadamente, a proposta de trabalho, não assumem uma relevância excecional.

Com efeito, aquilo que a sociedade espera de um recluso que esteja a cumprir uma pena de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, qualquer que seja a sua dimensão, é que demonstre arrependimento e vontade de não voltar a seguir por esse caminho.

Da mesma forma, é também normal que a família mais próxima do condenado lhe manifeste apoio.

            Dito isto, vejamos os relatórios juntos aos autos e nos quais se suportou a decisão recorrida.

            Do Relatório Social Para Concessão de Liberdade Condicional (datado de 30/5/2015), deve ser salientado o seguinte:

            “Conclusão:

              A... , desde que se encontra no E.P. da Guarda, tem mantido bom comportamento e uma adequada inserção institucional. Beneficiou de saída jurisdicional que decorreu com sucesso.

            Em meio livre, dispõe de enquadramento familiar junto do agregado constituído, de projeto laboral e de uma imagem social favorável.

            Revela consciência da gravidade da sua conduta delituosa e determinação em manter no futuro um comportamento normativo.

            Parece-nos que terá condições para cumprir corretamente a medida em apreço.”

            Do Relatório de Liberdade Condicional (datado de 22/6/2015), deve ser salientado o seguinte:

            “6. Avaliação e Parecer:

            A... deu entrada no E.P. da Guarda em 10.03.2015, vindo do E.P. de Aveiro, para dar continuidade ao cumprimento de uma pena de 4 anos por tráfico de estupefacientes.

            Relativamente à sua atitude face ao crime, tem uma postura assumida do mesmo e refere ter a noção da gravidade dos atos praticados. Justifica a prática com o facto de se encontrar a atravessar um período de grandes dificuldades económicas e financeiras, atendendo a que o seu negócio começou a apresentar prejuízos. Afirma que se encontra arrependido e que atualmente teria optado por encerrar a atividade e desenvolver novamente atividade laboral por conta de outrem. Diz ainda que o seu arrependimento provém do sofrimento pelo qual fez a família passar, pelo prejuízo que trouxe à sociedade e pela vergonha que ele próprio sente da comunidade a que pertence.

            Em termos de percurso prisional, o recluso permaneceu neste E.P. apenas três meses, sendo que nesse pequeno período fez alguns investimentos, nomeadamente, com a frequência do curso EFAB3 – 1º ano (será certificado na componente escolar no final do ano letivo) e com a participação em atividades extracurriculares.

            Primário, beneficiou de uma saída jurisdicional e apresenta como projetos de futuro residir em Recardães – Águeda, com sua companheira e filho menor (3 anos e meio) e, em termos laborais, afirma que vai trabalhar como soldador para a empresa “Iberestrado”.

            Reserva-se parecer para Conselho Técnico.”

            Por sua vez, o Conselho Técnico do Estabelecimento Prisional da Guarda emitiu parecer unanimemente desfavorável à concessão da Liberdade Condicional.

Com efeito, consta, da acta respeitante à reunião ocorrida em 11/8/2015, o seguinte:

“(…)

Aberta a sessão foi analisada e discutida a situação do recluso, tendo sido prestados esclarecimentos sobre o conteúdo dos Relatórios elaborados, após o que o Conselho Técnico emitiu parecer unanimemente favorável à concessão da liberdade condicional, apurado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 142º, n.º 2, alínea a), 143º, nº 3, 175º, nº 2, todos da Lei nº 115/09, de 12 de outubro do C.E.P., com os seguintes votos:

- Equipa da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, Beira Norte, Dra. B... , parecer favorável.

- Área do Tratamento Penitenciário – Dra. C... , parecer favorável.

- Chefia do Serviço de Vigilância e Segurança - Sr. D... , parecer favorável.

- Diretor do Estabelecimento Prisional Regional da Guarda – Dra. E... , parecer favorável.

Mais foi considerado pelos membros do Conselho Técnico, nos termos do artigo 175.º, n.º 2, parte final, do C.E.P., que, no caso de ser concedida a liberdade condicional, deverá ser sujeita às seguintes condições: as habituais – residência fixada.

O Ministério Público, em 12/8/2015 emitiu parecer desfavorável, do qual deve ser salientado o seguinte:

 - “(…) Dos relatórios juntos aos autos, resulta que o recluso parece não ter interiorizado ainda devidamente a censurabilidade da sua atuação criminosa pregressa, que justifica com as suas dificuldades económicas e toxicodependência, devendo ainda consolidar devidamente o seu percurso, parecendo-nos prematura a sua libertação antecipada, tanto mais que, na presente fase processual, são ainda prementes as exigências de prevenção geral.

Efetivamente, trata-se de crime de tráfico de estupefacientes que tem uma particular relevância social e profundas repercussões a nível dos valores socialmente relevantes que importa defender a nível jurídico-criminal.

(…).

Não se verificando, pois, os pressupostos exigidos pelo artigo 61.º do Código Penal, damos parecer desfavorável à concessão de liberdade condicional a A... .”

                                                                       ****

Aqui chegados, temos de concluir que não dispomos de elementos que possam fundamentar a existência de fortes razões que justifiquem, neste momento, a concessão de liberdade condicional, enquanto medida de natureza excepcional.

Não basta, que isto fique claro, para a concessão da liberdade condicional que o arguido tenha em cativeiro bom comportamento e que aparente uma perspectiva de vida de acordo com as regras sociais, acompanhado pela família e por amigos, para se poder concluir por um juízo de prognose favorável.

Para além da vontade subjetiva do condenado, o que releva é a "capacidade objetiva de readaptação", de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade em geral deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade.

Concede-se que o ora recorrente apresenta um discurso do qual transparece arrependimento e vontade de manter uma conduta em conformidade com a lei.

            Não pode ser escamoteado, porém, que a motivação do recorrente para a prática do crime em causa nos autos, como bem é referido pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, no seu douto parecer, “(…) foi, primordialmente, o lucro fácil que decorria do tráfico, numa altura em que sentiu dificuldades financeiras, o que leva a que sejam tomadas cautelas suplementares na libertação, neste momento de cumprimento de pena, sendo certo que, para além das suas declarações, nada mais existe nos autos que permita afirmar que tenha emprego assegurado, já que o recolhido pelos serviços, pelo que se consegue perceber, não decorre de contacto com o empregador, não sendo assim certo que, em liberdade, não possa voltar a ter constrangimentos económicos que o levem a delinquir.”

            Na verdade, não estão definidos nos autos, em concreto, os termos em que a entidade empregadora irá acolher o recluso, designadamente, no que tange à duração da atividade e ao respetivo salário.

            Além disso, e mais importante que isso, nesta fase do processo, tendo em consideração a natureza do crime cometido pelo arguido, acompanhamos, uma vez mais, o que é referido pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, na peça processual já citada, isto é, “(…), não ficam devidamente salvaguardadas a ordem e a paz social com a concessão da liberdade ao meio da pena, já que a mesma não será entendida como uma punição suficiente relativamente a tal combate, o que está subjacente às elevadas exigências de prevenção geral mencionadas na decisão recorrida.”

            Daí que a Meritíssima Juiz do TEP de Coimbra não pudesse tomar outra decisão que não fosse a de negar a liberdade condicional.

                                                                       ****

D - Decisão:

Nesta conformidade, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso.

Custas pelo arguido, com taxa de justiça que se fixa em 4 UC.

                                                           ****
(Texto processado e integralmente revisto pelo relator).

Coimbra, 11 de novembro de 2015

(José Eduardo Martins)

(Maria José Nogueira)