Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
32/18.2T8MGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: ACÇÃO DE CONDENAÇÃO
ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
PROPRIEDADE
REIVINDICAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO
DUPLA DESCRIÇÃO
SANEADOR
Data do Acordão: 05/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - M.GRANDE - JUÍZO C. GENÉRICA - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.2, 6, 10, 576, 595 CPC, 1311 CC, 7 CRP
Sumário: 1. Ao invés do que tipicamente acontece com a acção de condenação, a acção de simples apreciação não pressupõe qualquer lesão ou violação de um direito, são meios de tutela de direitos em que não é posta em causa a sua violação, quer efectiva, quer receada. Porém, o autor na acção tem de demonstrar que tem um interesse na obtenção da declaração judicial da existência ou inexistência que pede, pois esta, como qualquer outra acção, supõe a existência de interesse em agir.

2.- As acções de condenação pressupõem uma situação de lesão (efectiva ou provável) ou violação do direito e visam assegurar a sua efectivação.

3.- Como refere o art. 6.° do NCPC, com a devida ênfase, cumpre ao juiz dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável. Deste modo, inculcando, nos termos do disposto na aI. b) do n.º 1 do art. 595.º do NCPC, dever conhecer-se do mérito da causa no “saneador”, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, o que sucede quando toda a matéria de facto se encontre provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documentos, quando seja indiferente, para qualquer das soluções plausíveis, a prova dos factos que permanecem controvertidos, e quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental.

4.- Verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções.

5.- Na acção de reivindicação fundada em aquisição derivada, o autor tem de alegar os factos tendentes a mostrar que adquiriu a coisa por um título e que o direito de propriedade já existia na pessoa do transmitente.

6.- Nas acções de reivindicação (art. 1311.° do Cód. Civil) incumbe ao autor demonstrar que tem o direito de propriedade sobre a coisa reivindicada e que esse direito se encontra na posse ou detenção de outrem. Provados esses requisitos, a restituição da coisa será uma consequência directa, a não ser que o seu ou seus detentores demonstrem possuir direito real ou obrigacional, que servirá de obstáculo ao exercício pleno da propriedade, direito que consubstancia uma excepção peremptória (576º NCPC).

7.- Se o autor invoca como título do seu direito uma forma de aquisição originária da propriedade, como a ocupação, a usucapião ou a acessão, apenas precisará de provar os factos de que emerge o seu direito. Se a aquisição é derivada, não basta provar, por exemplo, que comprou a coisa ou que esta lhe foi doada. Nem a compra e venda nem a doação são constitutivas do direito de propriedade, mas apenas translativas desse direito (nemo plus juris ad alium transferre potest, quam ipse habet). É preciso, pois, provar que o direito já existia no transmitente (dominium auctoris).

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

J (…), contribuinte fiscal n.º (…), e D (…), contribuinte fiscal n.º (…) casados um com o outro, com residência em (…) , França, propuseram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra M (…) contribuinte fiscal n.º (…)  com residência (…) (...) .

Pedem que seja declarado que o logradouro faz parte do prédio dos AA. e que o corredor até à Rua K (...) é comum, condenando-se a R. a reconhecer esta situação e, em consequência, a retirar dali tudo o que lá tem e abster-se de voltar a colocar ali mais alguma coisa, mantendo aberto e desimpedido o corredor.

Para tanto, alegaram, em síntese, que são donos e legítimos proprietários de uma casa de rés do chão e 1.º andar, com logradouro, sita na Rua (…) (...) , freguesia de (...) , descrita na Conservatória do Registo Predial da (...) sob o n.º 2 (...) e inscrita na respetiva matriz predial sob o artigo 4 (...) , a qual confronta do sul com uma casa da R.. Da casa dos AA. faz parte um logradouro na retaguarda, como se extrai da certidão do registo predial, que tem acesso de pé para a Rua da K (...) por um corredor comum com cerca de 1,5 metros de largura. Com efeito, ao comprarem a casa, os vendedores informaram-nos que o logradouro fazia parte integrante do prédio que lhes vendiam e tinha acesso por um corredor com 1,5 metros de largura à Rua da K (...) . Sucede que, em 2017, a R. ocupou todo o corredor de acesso e colocou dois portões que impedem o acesso ao logradouro dos RR., argumentando que aquele espaço é dela. Mais alegaram que o corredor de acesso é comum, pois serve os AA. e a R. e sempre serviu de acesso à casa dos AA. para alcançarem a Rua da K (...) , sendo que toda a gente sabe e diz que o logradouro em questão é dos AA. e constitui parte integrante do prédio destes e que o corredor constitui um acesso comum.

A R. apresentou contestação, na qual alegou que o logradouro e o corredor de acesso a que os AA. aludem fazem parte do prédio urbano de que é proprietária, sito na Rua da K (...) , (...) , freguesia de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial da (...) sob o n.º 3 (...) e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 1 (...) , conforme consta da descrição predial. Acresce que a R., durante todos estes anos, sempre se comportou como proprietária do referido logradouro (tendo construído um anexo e colocado portões e gradeamentos), sem oposição de ninguém, sendo que toda a vizinhança sabe e diz que o logradouro é dela e faz parte do seu prédio.

Os AA. foram notificados para pronunciarem-se quanto à exceção deduzida na contestação, nada tendo dito.

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Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que:

«Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide este Tribunal julgar a presente acção totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolver a R. M (…) do pedido contra si formulado pelos AA. (…)

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Custas pelos AA. – artigo 527.º, n.º 1, e 2 do Código de Processo Civil».

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J (…), nos autos á margem identificados que move contra M (…) não se conformando nem podendo conformar-se com a decisão que, sem qualquer prova produzida, julga improcedente a acção, veio dela interpor RECURSO DE APELAÇÃO, alegando e concluindo que:

(…)

Legal e tempestivamente notificada, para o efeito, veio M (…) apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, por sua vez concluindo que:

(…)

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II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

Fundamentos de Facto:

1 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 2 (...) /19920323 o prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e 1.º andar para habitação, garagem e logradouro, sito (…) (...) , mais constando do registo, através da ap. 11 de 2000/01/12, a aquisição a favor dos AA., por compra.

2 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º 3 (...) /19800429 o prédio urbano composto por casa de rés-do-chão e 1.º andar para habitação e logradouro, sito na (...) , mais constando do registo, através da ap. 4 de 1980/04/29, a aquisição a favor da R., por compra.

3 – O prédio referido em 1) confronta do sul com o prédio referido em 2).

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O ponto 1) foi considerado provado com base na certidão do registo predial de fls. 5 e o ponto 2) com base na certidão do registo predial junta em 10/04/2018, com a referência eletrónica 87943107.

O ponto 3) dos fundamentos de facto resultou do acordo das partes – artigo 574.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

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Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º do mesmo Código.

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Das conclusões de Recurso - ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz holística:

1º- Contra o que foi decidido, estamos em presença de uma acção de condenação e não meramente declarativa;

Apreciando, diga-se - em termos prodrómicos -, que acção declarativa (Processo Civil) é aquela que visa a composição de um litígio de pretensão contestada, travado no plano intelectual, feita mediante uma declaração, dotada de autoridade e que torna a solução juridicamente indiscutível daí em diante, mediante uma declaração que faz caso julgado material (Cf. Castro Mendes, Direito Processual Civil, 1980, 1.°-271). Assim, significando que a acção de declaração (sempre no âmbito do Processo Civil), existe se com a acção se pretende a declaração de um direito ou de um facto (Anselmo de Castro, Lições Proc. Civil, 1964, 1-172 e Dir. Proc. Civ. Decl., ed. 1981, 1.°-98).

Por sua vez, acção de condenação (Proc. Civil) é aquela em que o demandante (autor) se arroga um direito que diz estar ofendido pelo demandado (réu), pretendendo que isso mesmo se declare e se ordene ainda ao ofensor a realização de determinada prestação, como reintegração do direito violado ou como aplicação duma sanção legal doutro género (Manuel de Andrade, Noções Elementares Proc. Civil. 1979, 5). É aquela em que, além de se pedir a declaração do direito a uma prestação, ainda se pede que o Tribunal faça seguir essa declaração de uma ordem para que se cumpra -condenação (Castro Mendes, Dir. Processual Civil, 1980, 1.°-284). Na qual, pois, a providência judiciária, que a acção visa, é a condenação do réu (A. Anselmo de Castro, Dir. Processual Civil Declaratório, ed. 1981, 1.º-98). Neste tipo de acção, o autor arroga-se um direito que diz estar ofendido pelo demandado, pretendendo que isso mesmo se declare e se ordene ainda ao ofensor a realização de determinada prestação, como reintegração do direito violado, ou como aplicação de uma sanção legal de outro género (ob. cit., 100).

Tal destrinça conceitual, faz emergir que a acção de simples apreciação (Proc. Civil) se perfila quando, verificando-se uma situação de incerteza sobre a existência de um direito ou de um facto, pode o sujeito, a quem tal incerteza causa ou pode causar prejuízos, intentar uma acção tendente a obter a declaração judicial da existência ou inexistência de tal direito ou facto.

Ao invés, pois, do que tipicamente acontece com a acção de condenação, a acção de simples apreciação não pressupõe qualquer lesão ou violação de um direito. Porém, o autor na acção tem de demonstrar que tem um interesse na obtenção da declaração judicial da existência ou inexistência que pede, pois esta, como qualquer outra acção, supõe a existência de interesse em agir.

A acção diz-se de simples apreciação negativa quando o seu fim é a declaração da inexistência do direito ou facto, e de simples apreciação positiva quando visa a declaração da existência do direito ou facto (V. artigo 4.°, n.º 2-a), C PC – 2º NCPC) (Cf. Ana Prata/com a colaboração de Jorge Carvalho, Dicionário Jurídico, 4ª Edição Actualizada e Aumentada (2006), 2ª Reimpressão Da Edição de Março/2005).

Consequentemente, não pode deixar de se assentir, no caso concreto, ao que se assinala em decisório:

«Peticionam os AA. que seja declarado que o logradouro faz parte do prédio dos AA. e que o corredor até à Rua K (...) é comum, condenando-se a R. a reconhecer esta situação e, em consequência, a retirar dali tudo o que lá tem e abster-se de voltar a colocar ali mais alguma coisa, mantendo aberto e desimpedido o corredor.

Face ao modo como os AA. configuram a ação e (desde logo na vinculação), ao primeiro pedido formulado, conclui-se estarmos perante um pedido de simples apreciação, na medida em que os AA. pretendem o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o logradouro e o corredor em apreço».

Assim, tal hipostasiação do problema se acoita ao perfil sistémico de especial formulação doutrinária - que, declaradamente -, se sufraga e se revê no enunciado seguinte, que estabelece cotejo entre estas acções e as de condenação:

«Em primeiro lugar, as acções de simples apreciação são meios de tutela de direitos em que não é posta em causa a sua violação, quer efectiva, quer receada. Versam, pois, situações em que se visa, apenas, a certificação do direito.

O mesmo se não passa já em relação às acções de condenação que pressupõem uma situação de lesão (efectiva ou provável) ou violação do direito e visam assegurar a sua efectivação (É, de resto, normal, nas praxes forenses, em pedidos de mera declaração, concluir-se pela condenação do réu a ver reconhecido o direito ou relação jurídica. Fácil é ver, porém, que na realidade não há condenação alguma, visto não poder falar-se numa obrigação de reconhecimento de direito de outrem).

A acção destina-se, então, a pôr em movimento o mecanismo sancionatório contido em estado latente na lei material para vencer as resistências aos seus comandos. A acção representa uma reacção contra a falta de cumprimento duma obrigação; e como esta pode consistir ou na prestação de uma coisa, ou na prestação dum facto, ou no pagamento de quantia certa, a acção tem por objecto garantir o cumprimento da prestação que deixou de ser satisfeita (Cf. ALBERTO DOS REIS, Comentário, I, pág. 19), através da correspondente acção executiva.

Em terceiro lugar, nas acções de simples apreciação só com o trânsito da decisão em julgado é alcançada a sua finalidade, pelo estabelecimento da certeza jurídica da relação respectiva.

Já as acções de condenação, como vimos, podem surtir efeitos executivos antes do trânsito em julgado, assim como a condenação pode surgir com base em apreciação não definitiva ou provisória, ou contentar-se com um conhecimento apenas parcial da situação litigiosa (Cf. art. 692.° CPC - 647º NCPC)».

Claro é que a acção de condenação é também uma acção de apreciação ou declarativa.

Nisso reside o ponto comum destes dois tipos de providências judiciárias. Mas, ainda aí, elas se distinguem: a apreciação aparece nas acções de condenação como meio para se chegar a um fim último - a condenação; ao passo que na acção de simples apreciação, ela é o fim único da actividade jurisdicional (Cf. Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, 1981, pp.126-127).

O que determina atribuir resposta negativa às questões em 1º.

2º- A Ré até confessa que a casa dos AA. tem um logradouro com 15m2;

3º- Se os AA. alegam que o logradouro é seu e o corredor de acesso é comum e a Ré diz que é tudo seu, só depois de produzida a prova poderá haver uma decisão;

Em absoluto rigor, o que no nº1 da contestação (fls. 10v.) se diz é que:

«A Ré impugna todos os factos alegados na pi, com excepção do alegado nos artigos 1º (com excepção da parte onde se lê “com 91 m2 de superfície coberta e 15 m2 de área descoberta) e 2º».

Ora, mesmo perante tal quadro redactorial, acentue-se que confissão e admissão de factos por acordo são dois meios distintos de prova, pois a confissão consiste no reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária; a admissão de facto por acordo, ocorre quando factos relevantes para a acção ou para a defesa não forem impugnados, havendo uma aceitação deles, independentemente da convicção da parte acerca da realidade dele (art. 574º NCPC - ónus de impugnação). Não valendo como confissão judicial a formulação que antecede, na sua integral dimensão e alcance; valendo, antes, como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente (Cf. Ac. STJ. de 7.10.2010: Proc. 5298/06.8TBMTS.S1.dgsi.Net e CJ/STJ, 2010.1.°-14). Exactamente, porque, de resto, tem natureza diferente desta a confissão projectada no processo por força do disposto no art. 574.°, n.º 2, do NCPC (2013). Esta confissão (confissão ficta), porque se insere no âmbito do princípio da descoberta da verdade corresponde a um ónus estreitamente ligado ao dever de verdade que a lei impõe a ambos os litigantes (A. Varela. obra cit., p. 346 (Ac. STJ. de 15.9.2016: Proc. 165/12.9TBSJP.C1.S1.dgsi.Net).

Depois, no condicionalismo (para já), referido na resposta antecedente, em função do disposto no art. 595º NCPC, o despacho saneador, nos termos do art. 595.°, n.º 1, aIs. a) e b), do NCPC, destina-se a conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais ... ; e a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória.

E que nem faz sentido que assim não se proceda, sob pena de se estarem a praticar actos e a proferir decisões fora de tempo e de ocasião processual adequada, que apenas contribuem para de algum modo tomar mais complexo o processo e mesmo para atrasá-lo.

Como refere o art. 6.° do NCPC, com a devida ênfase, cumpre ao juiz dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere ..... adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável (Cf. Ac. RC, de 20.4.2016: Proc. 349/14.5T8CLD-A.C1.dgsi.Net).

Deste modo, inculcando, nos termos do disposto na aI. b) do n.º 1 do art. 595.º do NCPC, dever conhecer-se do mérito da causa no “saneador”, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas - perante o esquisso de configuração nos Autos -, a apreciação, total ou parcial, do, ou dos pedidos deduzidos, tal como perfilados. Tal acontecerá quando toda a matéria de facto se encontre provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documentos, quando seja indiferente, para qualquer das soluções plausíveis, a prova dos factos que permanecem controvertidos, e quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental (Ac. RG. de 2.5.2016. Proc. 16/14: dgsi.Net).

Daí receberem resposta negativa as questões em 2º e 3º.

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4º- A decisão recorrida, violou nomeadamente, os artigos 7º do CRP, 2º, 608º nº 2 do CPC e 1311º do CC, pelo que só revogando a sentença recorrida, ordenando o prosseguimento dos autos se fará justiça.

Neste segmento, faça-se, desde já, funcionar como elemento obsidiante, percursor de ulteriores considerações, a circunstância de:

Na emergência do art. 2º do NCPC (garantia de acesso aos tribunais) «a Constituição da República não enunciar expressamente [ ... ] quaisquer princípios ou garantias a que deva subordinar-se o processo judicial em geral, salvo o consignado nos arts. 209.º e 210.º. É, todavia, inquestionável que as regras do processo, em geral, não podem ser indiferentes ao texto constitucional de que decorrem implicitamente, quanto à sua conformação e organização, determinadas exigências impreteríveis, que são directo corolário da ideia de estado de direito democrático - bem se sabe, com efeito, como um dos elementos estruturantes deste modelo de estado é a observância de um due process of law na resolução dos litígios que no seu âmbito deva ter lugar.

Neste domínio, é particularmente significativo o direito à protecção jurídica consagrado no art. 20.º da Constituição, no qual se consagra o acesso ao direito e aos tribunais que, para além de instrumentos de defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, é também elemento integrante do princípio material da igualdade e do próprio princípio democrático, pois que este não pode deixar de exigir a democratização do direito.

Para além do direito de acção, que se materializa através do processo, compreendem-se no direito de acesso aos tribunais, nomeadamente: a) o direito a prazos razoáveis de acção ou de recurso: b) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas: c) o direito a um processo justo, baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas: d) o direito a um processo de execução, ou seja, o direito a que através do órgão jurisdicional se desenvolva e efective toda a actividade dirigida à execução da sentença proferida pelo tribunal.

Há-de ainda assinalar-se como parte daquele conteúdo conceitual "a proibição da 'indefesa', que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á. sobretudo quando a não observância de normas processuais, ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito, v.g., de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses" (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada. 3ª ed .. 1993, págs. 163 e 164, e Fundamentos da Constituição, 1991, págs. 82 e 83)» (do Ac. n.º 223/95 do Trib. Const.:DR. II. de 27.6.1995). O que, circunstancialmente, por mera observação directa, também em função do que se deixa dito, de todo, no caso, não acontece.

No que tange ao comando do disposto no art. 608º NCPC (questões a resolver - ordem de julgamento), cumpre destacar que o dever de pronúncia obrigatória, para efeitos do aí disposto, é delimitado pelo pedido e causa de pedir e pela matéria de excepção (Cf. Ac. RL, de 17.3.2016, Proc. 218/10:dgsi.Net).

Levando, para o efeito, igualmente, em consideração que o art. 660.°. n.º 2, do CPC (608º NCPC), impõe ao julgador o dever de resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, sendo entendimento jurisprudencial dominante que o vocábulo "questões" não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas, ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por "questões" as concretas controvérsias centrais a dirimir (Cf. Ac. RC de 4.5.2004: Proc. 752/04.dgsi.Net). O que foi, na decisão em análise, salvaguardado.

Tanto mais que a própria “decisão surpresa” a que se reportam os segmentos normativos dos art.ºs 2º e 3º NCPC não se confunde com a suposição ou a expectativa que as partes possam ter feito ou acalentado quanto à decisão, antes permitindo a lei decisões de direito com fundamentos legais que, embora não tenham sido invocados, sejam, jurídica e abstractamente, possíveis e jurisdicionalmente debatidos, de tal modo que as partes tenham a obrigação de os prever Cf. (Ac. RL. de 26.6.2007: Proc. 2798/2007-1.dgsi.Net; Ac. STJ de 11.2.2015, Proc.201/5:Sumários, 2015, p.73).

Enquanto, na epígrafe e no n° 5 do art. 20º CRP a Constituição alude expressis verbis ao direito à tutela jurisdicional efectiva (epígrafe) ou ao direito à tutela efectiva (n° 5). Não sendo suficiente garantia o direito de acesso aos tribunais ou o direito de acção. A tutela através dos tribunais deve ser efectiva. O princípio da efectividade articula-se, assim com uma compreensão unitária da relação entre direitos materiais e direitos processuais, entre direitos fundamentais e organização e processo de protecção e garantia. Não obstante reconhecer o direito à protecção de direitos e interesses, não é suficiente garantia o direito de acção para se lograr uma tutela efectiva. O princípio da efectividade postula, desde logo, a existência de tipos de acções ou recursos adequados (cfr. Cód. Pro. Civil, art. 2°-2), tipos de sentenças apropriados às pretensões de tutela deduzida em juízo e clareza quanto ao remédio ou acção à disposição do cidadão (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4º edição revista, 2007, p. 416).

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Ainda, neste específico segmento, para dirimir a questão presente, impõe-se - inarredavelmente -, em termos resolutivos, ainda, levar em consideração que:

«as teses em confronto são, pois, essencialmente duas: atender aos princípios do registo ou, ao invés, resolver o problema com o apelo apenas às regras do direito substantivo.

A primeira tese atende, sobretudo, ao princípio da prioridade no registo (consagrado entre nós no artigo 6.º do Código do Registo Predial), sustentando que só quem tem inscrições lançadas nessa descrição mais antiga é que beneficiará, em rigor, da presunção que consta do artigo 7.º do Código do Registo Predial.

(…)

Neste sentido pronunciou-se, entre nós, ISABEL PEREIRA MENDES, que, tendo afirmado que "se o titular legítimo for diligente a requisitar o respetivo registo nunca se verá envolvido por essas situações propícias à fraude imobiliária, a não ser em casos de duplicação de descrições prediais, cada vez menos frequentes, dado que [...] o princípio da legalidade impõe ao conservador do Registo predial a verificação da identidade do prédio", conclui dizendo que "(m)as, como é óbvio, se, mesmo assim, a duplicação se verificar, a solução terá que ser buscada através do princípio da prioridade, dando prevalência ao titular do direito legítimo, em primeiro lugar inscrito, sem prejuízo da responsabilidade que eventualmente deve competir ao Estado, por um erro (duplicação) que só ele próprio tem meios para evitar ou eliminar" (ISABEL PEREIRA MENDES, O Registo Predial e a Segurança Jurídica nos Negócios Imobiliários, Estudos sobre Registo Predial, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 5 e ss., p. 74.                                         14).

A mesma posição é, de resto, defendida por um segmento da doutrina espanhola.

Afirma-se, assim, que "aquele que inscreveu um título verdadeiro e válido tem direito em confiar na vigilância que o Estado há-de realizar para sua salvaguarda, mediante a função do conservador, eximindo-o da necessidade de manter uma vigilância praticamente impossível para zelar pela continuidade da sua garantia e impedir a dupla descrição do prédio" (J. GARCIA-MONGE Y MARTIN, El tercero hipotecario ante la doble inmatriculación, Revista de Derecho Privado 1965, pp. 873 e ss., p. 876.                ). Em suma, quem tem uma inscrição a seu favor lançada na primeira descrição deveria beneficiar dos efeitos do registo e designadamente da fé pública registal, porquanto a segunda descrição nunca deveria ter sido permitida pelo conservador. Diz-se, por vezes, também, em defesa desta tese, que, se em um primeiro momento houve apenas uma descrição, então os titulares com inscrições nela lançadas beneficiaram nesse momento da presunção que resulta do registo, não se compreendendo que uma segunda descrição que deveria ser inválida - porventura nula por violação do traço sucessivo - acabe por destruir os efeitos do registo (Assim, MARTINEZ ESCOBAR, cit apud J. GARCIA-MONGE Y MARTIN, ob. cit., pp. 877-878.                   ).

A tese oposta, que sustenta que a solução deve ser encontrada com apelo às regras do direito substantivo, sublinha que a dupla descrição mina a própria pedra angular do registo - a identificação do prédio e a exigência de que a cada prédio corresponda uma única descrição - comprometendo, de modo inexorável a função essencial do registo, já que como logo o artigo 1.º do Código do Registo Predial proclama "[o] registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário". A duplicação de descrições de um mesmo prédio (na realidade física ou material) conduz à possível existência de uma aparência jurídica intrinsecamente contraditória. Na sugestiva expressão de um autor, "como se de um castelo de cartas se tratasse desaba a fé pública registal" (LUIS JAVIER ARRIETA SEVILLA, Fe Pública Registral, Doble Inmatriculación y Usucapión: Comentario a la STSJ Navarra de 30 de Abril de 2008, Revista Juridica de Navarra 2008, pp. 183 e ss., p. 195. O autor acrescenta que "[a]dmitir a aplicação da fé pública implica desconhecer o verdadeiro problema que existe por detrás da dupla descrição. Trata-se, a final, da publicação por parte do registo de uma situação contraditória acerca da propriedade de um imóvel: afirma-se que duas pessoas distintas são proprietárias do mesmo imóvel no mesmo momento").

Na doutrina nacional importa realçar as palavras de OLIVEIRA ASCENSÃO: "Se, do registo constam inscrições paralelas incompatíveis, não pode haver com fundamento em nenhuma delas aquisição pelo registo [...] o próprio registo patenteia a desconformidade. Ninguém pode valer-se da confiança numa inscrição incorreta, quando não está em melhores condições do que aquele que tiver a seu favor uma inscrição verdadeira [...] As posições registais anulam-se, pelo que a realidade substantiva retoma o seu predomínio" (JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO, A desconformidade do registo predial com a realidade e o efeito atributivo, Cadernos de Direito Privado n.º 31, 2010, pp. 3 e ss., p. 20. O autor já se tinha pronunciado no mesmo sentido em obra anterior. Assim, em Direito Civil, Reais, 5.ª ed. (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 2000, pp. 380-381, afirmara já: "Se do registo constam inscrições incompatíveis, não pode haver com fundamento em nenhuma delas aquisição pelo registo [...] Do registo consta uma inscrição da propriedade em benefício de A; e consta outra em benefício de b. Imaginemos que, no plano substantivo, a titularidade seria de A. B transmitiu a D. D registou a aquisição. Porém, sejam quais forem as condições, D nunca poderá adquirir pelo registo. E isto porque o próprio registo revela a desconformidade. Ninguém pode valer-se da confiança numa inscrição incorrecta, quando não está em melhores condições do que aquele que tiver depositado confiança numa inscrição verdadeira. Assim, se A transfere a B, B pode invocar a mesma confiança registal que D invoca. Há, pois que entrar em conta com o registo em conjunto. E a situação não muda ainda que algum dos interessados exiba certidão da conservatória de que conste só o transmitente como titular do direito. Ainda então, o adquirente não está objectivamente em melhores condições do que quem se funda no registo contrário. As posições registais anulam-se e a realidade substantiva retoma o seu predomínio". E esta posição, parece-nos, teria sido já a defendida pelo autor em obra muito anterior - referimo-nos ao seu estudo Efeitos Substantivos do Registo Predial na Ordem Jurídica Portuguesa, Revista da Ordem dos Advogados, ano 34, 1974, pp. 5 e ss. Com efeito, já aí se podia ler que "nunca a protecção dada à aparência registal poderia ser absoluta" (ob. cit., p. 42), acrescentando-se que tal proteção "não funciona ainda num dos casos dados anteriormente como exemplo: quando um terceiro consegue um segundo registo do mesmo prédio, onde faz inscrever direitos incompatíveis com o do titular verdadeiro, que está também inscrito. Neste caso, se um subadquirente do pseudotitular, com título oneroso e de boa fé, fizer inscrever a sua situação, não adquire constitutivamente, porque o titular verdadeiro também goza de publicidade registal e em caso de conflito o seu direito merece maior protecção").

Este foi, também, o caminho trilhado, entre nós, pelo Acórdão do STJ de 21 de Abril de 2009 (SEBASTIÃO PÓVOAS) em que se afirmou que "[e]mbora não se coloque uma questão de nulidade de registos, afigura-se-nos que não pode qualquer deles [qualquer dos adquirentes] beneficiar de inscrições lavradas sobre distintas realidades jurídicas, sendo, portanto, aqui inaplicável, o art. 5.º n.º 4 do Código do Registo Predial e entendendo-se ser caso de ineficácia dos registos para esses efeitos [...] Arredadas ficam, em consequência as normas registrais, para prevalecerem as de direito substantivo", acrescentando-se que "[n]o caso de duplicação de inscrições imputável à Conservatória do Registo Predial, e reportando-se cada uma das escrituras de compra e venda a diferentes identificações registrais, tratou-se de negociar prédios tabularmente distintos, embora fisicamente o mesmo, já que o objeto do registo inclui a realidade material do prédio sobre que recai a inscrição, traduzida na descrição predial (art. 68.º CRP)" e "[s]ob pena de se frustrarem os princípios estruturantes do registo predial, como a publicidade e segurança estática e dinâmica, e se ambos os compradores cumpriram os deveres registrais fazendo inscrever provisoriamente as aquisições a recaírem em diferentes inscrições, nenhum deles deve beneficiar da eficácia dos registos, deixando de valer a regra do n.º 4 do artigo 5.º do Código do Registo Predial para prevalecerem as normas do direito substantivo relativas à venda de coisa alheia".

No mesmo sentido pronunciou-se, posteriormente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/01/2012, processo 74/1999.P1S1 (SERRA BAPTISTA) em cujo sumário se pode ler, designadamente, que: "face à duplicação dos registos prediais sobre o mesmo prédio, não valem, desde logo, quer as regras da eficácia do registo em relação a terceiros (art. 5.ª do Código do Registo Predial), quer as de presunção da titularidade do direito (artigo 2.º do mesmo diploma legal). Ficando, com tal duplicação, inutilizada a função publicitária do registo, sob pena de se frustrarem os princípios estruturantes do registo predial, como a publicidade e a segurança estática e dinâmica também dele derivada, não pode qualquer dos titulares do registo predial sobre o mesmo prédio beneficiar de inscrições lavradas sobre distintas realidades jurídicas, mas que, a final, se reportam a uma única. Devendo, então, prevalecer, não as normas registais, mas as de direito substantivo"».

Também na jurisprudência das Relações se encontram decisões no sentido de resolver o problema da duplicação de descrições prediais com apelo apenas às regras de direito substantivo.

Sirvam de exemplo dois Acórdãos da Relação do Porto, o Acórdão de 17/03/2011, Processo 74/1999.P1 (de que foi Relator o então Juiz Desembargador e hoje Conselheiro PINTO DE ALMEIDA) e o recente Acórdão de 28/10/2015, Processo 4290/10.2TBGDM.P1 (JUDITE PIRES). No sumário do primeiro pode ler-se que "havendo duplicação de registos do mesmo prédio, com inscrições a favor de autor e réu, não pode ser invocada, em benefício de qualquer deles, a presunção daí derivada, nos termos do art. 7.º do Código do Registo Predial, nem valem as regras da eficácia do registo em relação a terceiros decorrentes do artigo 5.º do mesmo Código, pelo que devem prevalecer as normas de direito substantivo" e no sumário do segundo afirma-se que "a fé publicada associada ao registo exige que este esteja em conformidade com a situação jurídica substantiva do prédio, permitindo a terceiros, através dele, tomar dela conhecimento", pelo que "existindo duplicação de registos prediais [e inscrições matriciais] sobre a mesma realidade física - o mesmo prédio - não valem quer as regras da eficácia do registo em relação a terceiros, quer as da presunção da titularidade do direito, nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial. Nessa situação, nenhum dos titulares do registo pode beneficiar da presunção que este confere"  .

(…)

Apesar da importância concedida à aparência criada pelo registo importa reconhecer, no entanto, que também aqui a tutela concedida a quem confia nessa aparência deve restringir-se aos terceiros de boa fé. Nas palavras de CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA "não existe autêntico conflito entre a boa fé e a tranquilidade ou segurança de terceiros, já que só parece ser merecedor de protecção este valor quando se apoia numa aparência dada pelo registo" e "essa aparência não é compatível com o conhecimento efectivo dos factos" (CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, Publicidade e Teoria dos Registos, Almedina, Coimbra, 1966, p. 278).

Aliás e ainda que a propósito de um outro problema - o de terceiros para efeitos de registo - o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça para Uniformização de Jurisprudência de 18 de Maio de 1999 atendeu à boa fé, ao definir que "terceiros, para efeitos do disposto no artigo 5.º do Código do Registo Predial, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa".

Pode, pois, afirmar-se que também neste contexto se adotou a perspetiva de que "o princípio da boa fé constitui uma reserva moral do sistema jurídico" (ANTÓNIO QUIRINO DUARTE SOARES, na sua Declaração de Voto junta ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 18 de maio de 1999).

Transpondo para o plano da dupla descrição estas considerações deverá reconhecer-se uma exceção à regra da destruição recíproca das presunções resultantes do registo, no caso de dupla descrição predial, quando quem invoque a presunção resultante de uma das inscrições prove que o outro titular inscrito em outra descrição agiu de má fé.

Importará, no entanto, não apenas provar a má fé - porque como recentemente escreveu QUIRINO SOARES (ANTÓNIO QUIRINO DUARTE SOARES, O conceito de terceiros para efeitos de registo predial, Cadernos de Direito Privado n.º 9, 2005, pp. 3 e ss., p. 4: "Dada a função publicitária do registo e o princípio da fé pública que lhe está associado, a boa fé daquele que baseia no registo os seus actos deve presumir-se"                     ), deve entender-se que a boa fé se presume - mas ser aqui particularmente exigente quanto ao conteúdo da má fé que deverá corresponder a um comportamento fraudulento.

Com efeito, e desde logo, como já foi mencionado, quem consulta o registo e encontra uma ficha e a descrição de um prédio estará para este efeito de boa fé se ignorar a existência de outra descrição. Mas mesmo que conheça a existência de outra descrição (ou por já ter sido aplicado o artigo 86.º se aperceba na mesma descrição da existência de dois tratos sucessivos paralelos) pode não ter meio de determinar qual das descrições corresponde à realidade extra tabular. Afigura-se, pois, que só estará de má fé quem seja responsável pela criação fraudulenta da situação de duplicação das descrições ou quem tenha, pelo menos, conhecimento dessa fraude» (Cf. Acórdão STJ - Uniformizador de Jurisprudência nº1/17 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2017;  Publicação: Diário da República n.º 38/2017, Série I, de 2017-02-22).

Tessitura institucional de adequação - assim sufragada no referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.1/2017 -, à qual, aqui, também, se aquiesce, ao se considerar que:

«Verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções».

Elemento de vinculação à qual a decisão proferida não deixou de ser sensível, convocando. Em tais termos, uma vez que (reconhecendo, por remissão intertextual):

«(…) No presente caso, os AA. beneficiam de uma presunção possessória, que atenuaria esta necessidade de prova sucessiva, uma vez que, nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial, “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. Por força desta disposição legal, os AA. beneficiariam, assim, de uma presunção legal que os escusaria de provar o facto a que ela conduz e obrigaria a R. a produzir prova em contrário que a ilidisse (artigos 349.º e 350.º do Código Civil). Para ilidir tal presunção é necessário fazer prova da nulidade do registo, da invalidade do negócio ou ato jurídico que lhe serviu de base ou pela prova de que o direito a que se reporta o registo pertence a outrem (nesse sentido podemos encontrar o acórdão da Relação do Porto, de 29/04/2014, disponível em www.dgsi.pt).

Contudo, se isto é assim em abstrato, é necessário ter igualmente em consideração que também a R. beneficia da mesma presunção possessória, na medida em que também a seu favor se encontra inscrito o logradouro no registo predial.

Cumpre então aferir como proceder num caso de conflito de presunções, em que ambas as partes têm o mesmo prédio ou parte dele (neste caso, o logradouro) inscrito a seu favor no registo predial.

Neste caso, entendemos que as presunções não poderão deixar de se anular mutuamente, tudo se passando como se inexistisse qualquer presunção.

Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça veio recentemente uniformizar jurisprudência no sentido de que “verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções” (acórdão n.º 1/2017).

No presente caso, os AA. não invocaram qualquer fraude quanto ao registo da R., pelo que não podem invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial.

Nesta conformidade, e tendo por base as considerações já tecidos supra, não podendo lançar mão da presunção registral quanto ao logradouro, caberia aos AA. (tanto a propósito do logradouro como do corredor) alegar uma qualquer forma originária de aquisição do direito de propriedade ou a cadeia de transmissões que se verificou desde a aquisição originária até à sua própria aquisição, o que não fizeram.

Com efeito, muito embora os AA. aleguem que, ao comprarem a casa, os vendedores informaram-nos que o logradouro fazia parte integrante do prédio que lhes vendiam e tinha acesso por um corredor com 1,5 metros de largura à Rua da K (...) , o qual sempre serviu de acesso à casa dos AA. para alcançarem a referida rua, e que toda a gente sabe e diz que o logradouro em questão é dos AA. e constitui parte integrante do prédio destes e que o corredor constitui um acesso comum, não se retira de parte alguma da petição inicial que os AA. pretendessem prevalecer-se da aquisição por usucapião, sendo que nem sequer foram alegados os pressupostos da mesma».

Alcança, por isso, toda a pertinência a decisão se haver, do mesmo modo, travejado em outro acervo jurisprudencial e doutrinário, ao fazer, em essência ressumar que:

«Neste particular, atente-se no que a este propósito decidiu o Tribunal da Relação do Porto, em acórdão de 7/05/2006: “a nossa lei processual civil consagrou a teoria da substanciação, segundo a qual não basta a indicação genérica do direito que se pretende tornar efectivo, sendo necessária a indicação específica do facto constitutivo desse direito.

(…) Nas acções reais, a causa de pedir é o facto ou acto jurídico de que deriva o direito de propriedade perfeita ou imperfeita (cfr. artº 498º, nº 4 do CPC). É necessário apontar a causa específica do pedido, ou seja o título particular de aquisição do direito [Alberto dos Reis, obra citada, vol. II, 3ª ed., págs. 353 e 354]. Invocando-se o direito de propriedade, tem de se alegar qual a forma de aquisição daquele direito, não bastando a mera invocação dessa forma, sendo necessária a alegação dos factos concretos que a integram. O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei (artº 1316º). O contrato e a sucessão por morte são formas derivadas de aquisição do direito de propriedade; a usucapião, a ocupação e a acessão são formas originárias, sendo a ocupação uma forma de aquisição exclusiva da propriedade de bens móveis (cfr. artºs 1318º e seguintes). Não basta invocar uma forma de aquisição derivada do direito (compra e venda, doação, sucessão por morte, etc.), porque aquela forma de aquisição é apenas translativa do direito de propriedade e nunca constitutiva (nemo plus juris ad alium transferre poteste, quam ipse habet). É preciso alegar e provar que o direito já existia no transmitente (dominium auctoris) [Pires de Lima/Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III, 2ª ed., pág. 115], ou seja, é preciso alegar uma forma originária de aquisição do direito de propriedade. A invocação de uma forma originária de aquisição do direito de propriedade só é dispensada no caso de direito se encontrar inscrito no registo predial a favor de quem se arroga seu titular, que neste caso beneficia da presunção registral do artº 7º do CRP e da consequente inversão do ónus da prova (artº 344º, nº 1)” (in www.dgsi.pt).

No presente caso, os AA. beneficiam de uma presunção possessória, que atenuaria esta necessidade de prova sucessiva, uma vez que, nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial, “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”. Por força desta disposição legal, os AA. beneficiariam, assim, de uma presunção legal que os escusaria de provar o facto a que ela conduz e obrigaria a R. a produzir prova em contrário que a ilidisse (artigos 349.º e 350.º do Código Civil). Para ilidir tal presunção é necessário fazer prova da nulidade do registo, da invalidade do negócio ou ato jurídico que lhe serviu de base ou pela prova de que o direito a que se reporta o registo pertence a outrem (nesse sentido podemos encontrar o acórdão da Relação do Porto, de 29/04/2014, disponível em www.dgsi.pt)».

Com esse alcance, uma vez que- em função do disposto no art. 1311º Código Civil (acção de reivindicação), «nos termos do art. 1311.° do Código Civil, a acção de reivindicação desdobra-se, no fundo, em dois factores - um o de reconhecimento do direito de propriedade; o outro, o da restituição da coisa.

Demonstrado pelo autor o seu direito de propriedade, o réu só pode evitar a restituição da coisa desde que demonstre que tem sobre ela outro qualquer direito real que justifique a sua posse ou que a detém por virtude de direito pessoal bastante.

A indicação atrás feita, quanto aos pedidos, não se traduz em uma cumulação real de pedidos, mas apenas em cumulação aparente» - cfr. Paulo Cunha, Processo Comum de Declaração, vol. I, pág. 208. Como escreve o Dr. Manuel J. G. Salvador - Elementos de Reivindicação, ano 1958, pág. 26 - «o autor formula dois pedidos principais; isso resulta de se tratar de uma espécie do género de acções de condenação. Nestas, o juiz não pode condenar o réu na prestação, sem primeiro apurar se a prestação é devida. A condenação assenta sobre uma apreciação ou declaração anterior. Portanto, as acções de condenação são também de apreciação - também J. Alberto dos Reis, Cód. Proc. Civil Anotado, vol. I, pág. 22.

O que nos conduz a que, na reivindicação, só processualmente haja uma acção de simples apreciação cumulada com uma acção de condenação, já que o pedido sendo um só, da prévia averiguação de uma qualidade jurídica, pode resultar a restituição que se pretenda. O que conduz a que, num lado esteja o titular de um direito sobre uma coisa e do outro o possuidor ou detentor da mesma coisa que tem, ou não, direito real sobre ela» (do Ac. STJ, 9-7-1991: BMJ,409.º-731).

Assim, se insistindo que, em sede de reivindicação fundada em aquisição derivada, o autor tem de alegar os factos tendentes a mostrar que adquiriu a coisa por um título e que o direito de propriedade já existia na pessoa do transmitente (Cf. Ac. STJ, de 17-1-1985, BMJ,343º-335).

Sem se poder deixar de levar, pois, em consideração que, nas acções de reivindicação (art. 1311.° do Cód. Civil) incumbe ao autor demonstrar que tem o direito de propriedade       sobre a coisa reivindicada e que esse direito se encontra na posse ou detenção de outrem. Provados esses requisitos, a restituição da coisa será uma consequência directa, a não ser que o seu ou seus detentores demonstrem possuir direito real ou obrigacional, que servirá de obstáculo ao exercício pleno da propriedade, direito que consubstancia uma excepção peremptória, nos termos do art. 493.°, n.º 3, do Cód. Proc. Civil (576º NCPC) (Cf. Ac. STJ, 2-12-1986: BMJ, 362.º-537).

-

Devém, assim, incontornável - fazendo jus ao que se consagra em decisório -, que

«(…) os AA. não alegaram que alguma vez tenham utilizado o logradouro ou os seus antecessores, nem o concreto uso que lhe davam, nem desde quando. Por outro lado, no que toca ao corredor de acesso, os AA. não alegam a concreta data em que o mesmo começou a servir de acesso à casa dos AA., quando cessou tal utilização, quem o utilizava e de que modo.

Nesta conformidade, não podendo os AA. beneficiar da presunção registral nem tendo alegado uma qualquer forma originária de aquisição do direito de propriedade ou a cadeia de transmissões que se verificou desde a aquisição originária até à sua própria aquisição, a presente ação está votada ao insucesso».

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Determinante que acolhe também a concepção segundo a qual «a acção de reivindicação prevista neste artigo 1311º Código Civil é uma acção petitória que tem por objecto o reconhecimento do direito de propriedade por parte do autor e a consequente restituição da coisa por parte do possuidor ou detentor dela. O Código integra-se na concepção do jus reivindicandi, de tradições justinianeias, admitido em todas as legislações, e que representa, em todas elas, no dizer de De Martino (ob. cit., art. 948-1), a «,expressão mais dinâmica do próprio direito real que tutela».

São dois, portanto, os pedidos que integram e caracterizam a reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade, por um lado, e a restituição da coisa, por outro. Só através destas duas finalidades, previstas no n.º 1, se concebe a acção de reivindicação, nada impedindo, porém, que ao abrigo das regras válidas no domínio do direito processual civil (art. 470.º do Cód. de Proc. Civ. - 555º NCPC), o autor da reivindicação junte ainda aos dois pedidos referidos no artigo 1311.° o pedido de indemnização.

Não há, pois, acção de reivindicação, que é uma acção condenatória e não de simples apreciação ou declaração, se o autor, estando já na posse da coisa, se limita a pedir o reconhecimento do seu direito de propriedade, tornado duvidoso por qualquer circunstância. Esta acção é, sem dúvida, admitida pelo artigo 4°, n. ° 2, alínea a) do Código de Processo Civil (10º NCPC), mas não é uma acção de reivindicação. É uma acção que pode, em certos casos, revestir a forma de mera declaração negativa, à semelhança do que expressamente se prevê no direito italiano (cfr. art. 9490), quando se tiver em vista a declaração da inexistência de direitos afirmados por outro, em op¬sição com o direito de propriedade do autor.

Também não há reivindicação, se o autor pede a entrega da coisa, não por ser proprietário dela, mas por ser possuidor (art. 1278º) ou como efeito de um negócio ou de um facto jurídico que obriga o possuidor ou detentor a entregá-la. São os casos, por exemplo, de o pedido se fundar nos artigos 882.° (compra e venda), 955.° (doação), 1038.º, alínea i), e 1053.º (locação), 1135.°, alínea h) (comodato), 1187.º (depósito), 289.º, n.º 1, e 433.° (nulidade ou resolução do contrato) ou 473.º, n.º 2 (enriquecimento sem causa). Em qualquer destes casos, não se vai discutir na acção o domínio, nem interessa mesmo que ele pertença ao autor (vide, como exemplo, o art. 1192.°); vai discutir-se apenas o cumprimento ou não cumprimento da obrigação, a que o detentor se encontra adstrito, de entregar a coisa.

«Há assim na acção de reivindicação, escreve Manuel Rodrigues (A reivindicação no direito civil português, na Rev. Leg, e Jurisp, ano 57.º, pág. 144), um indivíduo que é titular do direito de propriedade, que não possui, há um possuidor ou detentor que não é titular daquele direito, há uma causa de pedir que é o direito de propriedade, e há finalmente um fim, que é constituído pela declaração da existência da propriedade no autor e pela entrega do objecto sobre que o direito de propriedade incide.

«Da sua causa petendi e do seu fim resulta imediatamente a natureza da reivindicação».

Quer isto dizer que é exacta a concepção da reivindicação como a pretensão do proprietário não possuidor contra o possuidor não proprietário.

(…)

Acerca da prova da propriedade, para efeitos da procedência da acção, têm-se levantado senas discussões entre os autores.

(…)

Se o autor invoca como título do seu direito uma forma de aquisição originária da propriedade, como a ocupação, a usucapião ou a acessão, apenas precisará de provar os factos de que emerge o seu direito.

Se a aquisição é derivada, não basta provar, por exemplo, que comprou a coisa ou que esta lhe foi doada. Nem a compra e venda nem a doação são constitutivas do direito de propriedade, mas apenas translativas desse direito (nemo plus juris ad alium transferre potest, quam ipse habet). É preciso, pois, provar que o direito já existia no transmitente (dominium auc-toris), o que se torna, em muitos casos, difícil de conseguir. Probatio diabotica lhe chamam alguns autores. Para esse efeito, podem ter excepcional importância as presunções legais resultantes da posse, se ela puder ser oposta ao detentor, e do registo (arts. 1268.° do Cód. Civ., e 8º do Cód. do Reg. Pred.). Para efeitos da usucapião, se houver necessidade de invocar este título de aquisição originária, têm também o maior interesse as regras sobre sucessâo e acessão da posse (arts, 1255° e 1256.°) e as presunções dos artigos 1254.º e 1255.°, n.º 2. (Vide, em relação ao antigo direito, mas com interesse actual, Manuel Rodrigues, na Rev. cit., págs. 161 e 175, e Dr. Manuel Salvador, Elementos da reivindicação, n.º 24)» (Cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 1972, pp. 100-102).

Tudo, pois, uma vez que a acção de reivindicação compreende dois pedidos concomitantes: o do reconhecimento de determinado direito e o de entrega da coisa objecto desse direito. Como se deduz do n.º 1 deste artigo 1311º Código Civil, é sempre proposta contra quem possua ou detenha a coisa. A sua causa de pedir é o facto de que derive o direito real alegado; com a reivindicação a se configurar como meio idóneo para defender qualquer direito real de gozo, em quaisquer circunstâncias.

Se o A demonstrar o seu direito, o possuidor só pode evitar a restituição da coisa se conseguir provar uma de três coisas: a) - que a coisa lhe pertence, por qualquer dos títulos admitidos em direito; b) - que tem, sobre a coisa, outro qualquer direito real que justifique a sua posse; c) - que detém a coisa por virtude de direito pessoal bastante (Cf. António Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 1979, pp.846-847 e 848- 849). O que, na relação processual, configurada, se traduz num impossível categórico de almejar.

Consequentemente, nesta dimensão explanada, recebem resposta afirmativa as questões em 4. consideradas.

Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº 7, NCPC), que:

1.

Ao invés do que tipicamente acontece com a acção de condenação, a acção de simples apreciação não pressupõe qualquer lesão ou violação de um direito. Porém, o autor na acção tem de demonstrar que tem um interesse na obtenção da declaração judicial da existência ou inexistência que pede, pois esta, como qualquer outra acção, supõe a existência de interesse em agir. A acção diz-se de simples apreciação negativa quando o seu fim é a declaração da inexistência do direito ou facto, e de simples apreciação positiva quando visa a declaração da existência do direito ou facto (art. 10º NCPC).

2.

As acções de simples apreciação são meios de tutela de direitos em que não é posta em causa a sua violação, quer efectiva, quer receada. Versam, pois, situações em que se visa, apenas, a certificação do direito. O mesmo se não passa já em relação às acções de condenação que pressupõem uma situação de lesão (efectiva ou provável) ou violação do direito e visam assegurar a sua efectivação (É, de resto, normal, nas praxes forenses, em pedidos de mera declaração, concluir-se pela condenação do réu a ver reconhecido o direito ou relação jurídica. Fácil é ver, porém, que na realidade não há condenação alguma, visto não poder falar-se numa obrigação de reconhecimento de direito de outrem).

3.

Claro é que a acção de condenação é também uma acção de apreciação ou declarativa. Nisso reside o ponto comum destes dois tipos de providências judiciárias. Mas, ainda aí, elas se distinguem: a apreciação aparece nas acções de condenação como meio para se chegar a um fim último - a condenação; ao passo que na acção de simples apreciação, ela é o fim único da actividade jurisdicional.

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4.

Como refere o art. 6.° do NCPC, com a devida ênfase, cumpre ao juiz dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere ..... adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável. Deste modo, inculcando, nos termos do disposto na aI. b) do n.º 1 do art. 595.º do NCPC, dever conhecer-se do mérito da causa no “saneador”, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas - perante o esquisso de configuração nos Autos -, a apreciação, total ou parcial, do, ou dos pedidos deduzidos, tal como perfilados. Tal acontecerá quando toda a matéria de facto se encontre provada por confissão expressa ou tácita, por acordo ou por documentos, quando seja indiferente, para qualquer das soluções plausíveis, a prova dos factos que permanecem controvertidos, e quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental.

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5.

Verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções (Cf. Acórdão STJ - Uniformizador de Jurisprudência nº1/17 - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2017;  Publicação: Diário da República n.º 38/2017, Série I, de 2017-02-22).

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6.

Assim se configurando que, na própria reivindicação, só processualmente haja uma acção de simples apreciação cumulada com uma acção de condenação, já que o pedido sendo um só, da prévia averiguação de uma qualidade jurídica, pode resultar a restituição que se pretenda. O que conduz a que, num lado esteja o titular de um direito sobre uma coisa e do outro o possuidor ou detentor da mesma coisa que tem, ou não, direito real sobre ela».

7.

Em sede de reivindicação fundada em aquisição derivada, o autor tem de alegar os factos tendentes a mostrar que adquiriu a coisa por um título e que o direito de propriedade já existia na pessoa do transmitente.

8.

Sem se poder deixar de levar, pois, em consideração que, nas acções de reivindicação (art. 1311.° do Cód. Civil) incumbe ao autor demonstrar que tem o direito de propriedade sobre a coisa reivindicada e que esse direito se encontra na posse ou detenção de outrem. Provados esses requisitos, a restituição da coisa será uma consequência directa, a não ser que o seu ou seus detentores demonstrem possuir direito real ou obrigacional, que servirá de obstáculo ao exercício pleno da propriedade, direito que consubstancia uma excepção peremptória, nos termos do art. 493.°, n.º 3, do Cód. Proc. Civil (576º NCPC).

9.

Há, assim, na acção de reivindicação, um indivíduo que é titular do direito de propriedade, que não possui, há um possuidor ou detentor que não é titular daquele direito, há uma causa de pedir que é o direito de propriedade, e há finalmente um fim, que é constituído pela declaração da existência da propriedade no autor e pela entrega do objecto sobre que o direito de propriedade incide. «Da sua causa petendi e do seu fim resulta imediatamente a natureza da reivindicação». Quer isto dizer que é exacta a concepção da reivindicação como a pretensão do proprietário não possuidor contra o possuidor não proprietário.

10.

Se o autor invoca como título do seu direito uma forma de aquisição originária da propriedade, como a ocupação, a usucapião ou a acessão, apenas precisará de provar os factos de que emerge o seu direito. Se a aquisição é derivada, não basta provar, por exemplo, que comprou a coisa ou que esta lhe foi doada. Nem a compra e venda nem a doação são constitutivas do direito de propriedade, mas apenas translativas desse direito (nemo plus juris ad alium transferre potest, quam ipse habet). É preciso, pois, provar que o direito já existia no transmitente (dominium auctoris).

III. A Decisão:

Pelas razões expostas, concede-se parcial provimento ao recurso interposto, revogando-se a decisão proferida no que respeita à parte em que “condena o Autor como litigante de má-fé em multa processual equivalente a 3 UC e em indemnização”, no mais se confirmando a decisão recorrida.

Custas em proporção de ¾ pelo recorrente e ¼ pelos recorridos, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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Leiria, 8 de Maio de 2019.

António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Moreira do Carmo