Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1/17.0T8MBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: SIMULAÇÃO
PROVA TESTEMUNHAL
PRINCÍPIO DE PROVA
Data do Acordão: 05/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.240, 393, 394 CC
Sumário:
1. - A doutrina e a jurisprudência vêm acolhendo uma interpretação algo flexível da norma proibitiva do art.º 394.º, n.º 2, do CCiv., defendendo a admissibilidade, em matéria de acordo simulatório, da prova testemunhal corroborante, isto é, desde que assente em base documental que constitua começo de prova (documentos fundantes de uma primeira convicção, uma possibilidade séria de simulação, a confirmar, ou não, com os depoimentos testemunhais).
2. - Tal base documental pode traduzir-se em documento assinado pelos simuladores ou algum deles ou resultar da conjugação de diversos documentos relevantes.
3. - O ónus da prova dos factos integrantes dos pressupostos da simulação – intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, acordo simulatório e intuito de enganar terceiros – cabe a quem a invoca.
4. - Se o autor na ação por simulação junta documento, com vista a formar tal base documental de princípio de prova, e requerimento de prova testemunhal, e a contraparte invoca a falsidade do documento, tal circunstancialismo não justifica a rejeição imediata da prova testemunhal, mesmo que já haja prova pericial no sentido de ser muito provável que a escrita da assinatura constante do documento não seja da pessoa a quem o autor a imputa.
5. - Sendo a força probatória das respostas dos peritos fixada livremente pelo tribunal, em tal caso deve ser admitida a prova testemunhal, seja quanto aos factos relevantes sobre a genuinidade/falsidade do documento, seja quanto ao alegado acordo simulatório, para a final se decidir se essa prova, assim produzida, deve, ou não, ser valorada quanto àquele alegado acordo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
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I – Relatório
V (…), com os sinais dos autos,
intentou ação declarativa condenatória, com forma de processo comum, contra
1.ºs M (…) e marido, A (…)
2.ª – AF (…) e
3.º - AM (…) todos com os sinais dos autos,
alegando factos e alinhando razões para pedir:
a) A declaração de nulidade da compra e venda de imóvel identificado, documentada no título invocado na petição inicial, no qual o A. declarou vender aos 1.ºs RR., que declararam comprar, esse imóvel;
b) A declaração de nulidade das doações realizadas sobre esse mesmo prédio entre os 1.ºs RR. e a 2.ª R. e entre esta e o 3.º R.;
c) O cancelamento dos respetivos registos de aquisição; e
d) A condenação dos RR., solidariamente, no pagamento ao A. de 5.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais.
Logo apresentou o A. requerimento de provas, nomeadamente testemunhal, documental e por depoimento de parte.
Contestou e reconveio o R. (…), pugnando pela total improcedência da ação, pedindo a condenação do A./Reconvindo a reconhecer a propriedade do Reconvinte sobre o imóvel em causa, a entregá-lo a este, a pagar-lhe indemnização pela detenção ilícita do imóvel, no âmbito do instituto do enriquecimento sem causa, à razão de € 600,00 mensais, ascendendo ao montante vencido de € 7.200,00, a que acrescem valores vincendos até entrega do bem, e ainda os juros que se vencerem sobre cada uma daquelas parcelas mensais, desde o vencimento e até integral pagamento, bem como em sanção pecuniária compulsória nos termos do art.º 829.º-A do CCiv.. Ofereceu, por sua vez, requerimento de provas (designadamente, testemunhal).
Replicou o A./Reconvindo, concluindo pela procedência da ação e pela improcedência da reconvenção, com novo requerimento de provas (designadamente, testemunhal).
Em resposta, o R./Reconvinte concluiu pela procedência da reconvenção, após o que, produzida prova pericial, veio argumentar, face ao resultado desta (() Refere resultar como muito provável a verificação da hipótese de a escrita da assinatura contestada não ser do punho da R. (…) (trata-se de conclusão pericial quanto a um dos dois documentos objeto da perícia, o intitulado “DECLARAÇÃO”, datado de 14/10/2012).), não restar dúvida razoável de que o A./Reconvindo, por si ou por outrem, forjou documentos juntos com a petição inicial, litigando de má-fé, e requerer – por a causa de pedir da ação assentar na invocada simulação do negócio de transmissão do imóvel pelo A. (alegado simulador), sendo, porém, o documento que titula o negócio um documento autêntico, dotado de força probatória plena – que, inexistindo princípio de prova do acordo simulatório, seja julgada inadmissível a prova testemunhal (rol de testemunhas do A.) quanto aos factos alegados por tal A..
Proferiu então a 1.ª instância o seguinte despacho (quanto ao ora relevante), datado de 25/01/2018:
«Fls 200 e 205:
Dado o circunstancialismo que decorre da prova pericial, especialmente da sua gradação em termos de autoria da assinatura, não se afigurando líquido nem inquestionável que a solução propugnada pela Ré é a legal, tal matéria ou questão há-de ser apreciada em sede de sentença, aquando da ponderação das regras do ónus da prova.
Como tal passa a designar-se data para julgamento.» (() Com calendarização da audiência final, desde logo no concernente à inquirição das testemunhas arroladas pelo A..).
Inconformado, o R./Reconvinte recorre do assim decidido, apresentando alegação, onde formula as seguintes
Conclusões (() Que se transcrevem.):
(…)
Não foi junta contra-alegação de recurso.
***
O recurso foi admitido como de apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo, tendo neste Tribunal ad quem sido mantidos o regime e o efeito fixados.
Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso
Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 (() Com entrada em vigor em 01/09/2013 (cfr. art.ºs 1.º e 8.º, ambos daquela Lei n.º 41/2013).) –, cabe saber, apenas, se, no âmbito da intentada ação por simulação, está vedada ao aqui A., enquanto simulador, a produção de prova testemunhal, com a consequência de dever ser rejeitado o seu requerimento de prova testemunhal nesse âmbito.
***
III – Fundamentação
A) Da factualidade apurada
O factualismo a considerar para decisão do recurso é o supra aludido, em sede de relatório, cujo teor aqui se dá por reproduzido, a que acresce a seguinte materialidade (atento o teor dos elementos documentais juntos aos autos):
1. - Na sua petição inicial, o A. invoca ser irmão da 1.ª R. e cunhado do 1.º R., bem como relação de confiança com estes, o que o levou, em contexto de dificuldades económicas, a acordar com eles transferir-lhes ficticiamente o prédio em causa, de molde a evitar a respetiva penhora, para mais tarde ser reposta a situação anterior do domínio, do que todos estavam cientes.
2. - Invoca ainda que o negócio simulado assim realizado teve lugar em 03/10/2012, tratando-se de declarada compra e venda do imóvel, exarada através de título outorgado na Conservatória do Registo Predial de …, com registo da respetiva aquisição pelos RR. simulados adquirentes, que não pagaram o preço declarado, tendo havido o cuidado de redigir uma declaração, subscrita pela 1.ª R. mulher e pelo A., onde aquela declarou “que a escritura de compra e venda do prédio rústico (…) outorgada com (…) em 3/10/2012 na Conservatória do Registo Predial de … foi simulada e portanto, a vontade de todos os outorgantes não foi a declarada, sendo as suas vontades de contratar falsas, podendo o vendedor exigir a todo o tempo a anulação do negócio”, conforme declaração, datada de 14/10/2012, que juntou com a petição como “doc. n.º 17”.
3. - Mais alega ser por isso que, até hoje, nunca tais RR. – ou outrem – tomaram posse do imóvel ou praticaram qualquer ato típico de quem é proprietário, ao contrário do A., que continuou a exercer todos os atos de posse, sendo que as ulteriores transmissões, até ao 3.º R., visaram enganar o A., aproveitando-se injustamente os RR., conluiados entre si, da situação criada para se locupletarem à custa daquele.
4. - A perícia realizada no âmbito dos autos teve por objeto “averiguar se a escrita das assinaturas de M (…), aposta em dois documentos, identificados fotograficamente, a fls. 8 e 9 deste relatório, é ou não do seu punho” (() Cfr. o certificado a fls. 15 e 22 e segs. dos presentes autos em suporte de papel, mormente fls. 22 v.º, 25 v.º e 26, tratando-se de um “contrato de mediação imobiliária da …” (designado “C1”) e da declaração aludida, datada de 14/10/2012, junta com a petição como “doc. n.º 17” (designada “C2”).).
5. - Das conclusões do respetivo relatório pericial consta:
1 – Considera-se que a escrita da assinatura contestada de M (…), aposta no documento identificado como C1, pode não ter sido produzida pelo seu punho.
2 – Considera-se como muito provável a verificação da hipótese de a escrita da assinatura contestada de M (…), aposta no documento identificado como C2, não ser do seu punho.” (() Numa escala em que além de “Muito provável não” ainda existe “Muitíssimo provável não” e “Probabilidade próxima da certeza científica não” (cfr. gradação de fls. 25).).

B) Da substância jurídica do recurso
1. - Da (in)admissibilidade da prova testemunhal na ação de simulação intentada por simulador em geral
Da conjugação das normas dos n.ºs 1 e 2 do art.º 394.º do CCiv. resulta que, sendo o acordo simulatório invocado pelos simuladores – como ocorre in casu, em que é o A. quem o invoca – e constando de documento autêntico – como também é o caso –, será inadmissível para prova dos factos demonstrativos desse pacto a produção de prova testemunhal (() E onde for inadmissível a prova testemunhal também o será a prova por presunções judiciais – aquela em que o julgador, partindo de factos-base conhecidos, por dedução e apoiando-se num juízo de normalidade do acontecer, afirma factos desconhecidos –, como resulta do disposto no art.º 351.º do CCiv..).
Porém, mesmo quanto a documentos autênticos, dotados de força probatória plena, é admissível prova testemunhal para precisar/interpretar o contexto da declaração negocial (cfr. art.º 393.º, n.º 3, do CCiv.).
E, como o próprio R./Recorrente acaba por aceitar (cfr. conclusões 8.ª e 10.ª da apelação), deve interpretar-se restritivamente o preceito do n.º 2 do art.º 394.º do CCiv., admitindo-se a produção de prova testemunhal caso o acordo simulatório contenha um mínimo de prova de natureza documental, um começo de prova por via de documento.
Com efeito – como já defendido nesta Relação (() Cfr. Ac. TRC, de 09/05/2017, Proc. 54/14.2T8SAT.C1, subscrito pelos mesmos aqui Relator e Exm.ºs Adjuntos, em www.dgsi.pt.) –, a proibição de prova testemunhal nesta matéria não é absoluta, havendo de interpretar-se cum grano salis o disposto no art.º 394.º, n.ºs 1 e 2, do CCiv., na dimensão normativa aqui relevante.
Na verdade, a jurisprudência dos Tribunais superiores vem-se inclinando, desde há muito, para uma interpretação algo flexível do preceituado naquele dispositivo legal, em matéria de acordo simulatório, pugnando pela admissibilidade da prova testemunhal corroborante, isto é, desde que assente em base documental que constitua começo/princípio de prova (prova documental indiciária bastante no sentido desse acordo) (() Neste sentido, o Ac. desta Relação de 15/11/2016, Proc. 394/11.2TBNZR.C1 (Rel. Fonte Ramos), disponível em www.dgsi.pt, em que foi Adjunto o aqui Relator.).
Assim, já no Ac. STJ de 15/12/1998 (() Proc. 98A795 (Cons. Francisco Lourenço), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se ainda: “III - Assim, sempre que haja um documento escrito, ou até confissão, que constitua um começo da prova da existência da simulação, e que torne verosímil aquela, nada impede o recurso à prova testemunhal, como meio adjuvante daquele.”.) se entendia que a proibição de prova do art.º 394.º, n.º 2, do CCiv. “respeita, apenas, ao recurso à prova testemunhal, ou por presunções judiciais, do artigo 351 daquele diploma substantivo, como meio de prova exclusivo, do acordo simulatório”, admitindo-se “a prova testemunhal como prova complementar, sobretudo da prova documental, que aquele preceito não afasta” (itálico aditado).
Defendendo-se, em consonância, que, se houver “um princípio de prova por escrito, ou se demonstrar ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção de uma prova escrita ou em caso de perda não culposa do documento que fornecia a prova, podem os simuladores recorrer à prova testemunhal do acordo simulatório e do negócio dissimulado” (() Cfr. o sumário do Ac. STJ de 23/09/1999, Proc. 99A593 (Cons. Garcia Marques), em www.dgsi.pt.).
Como explicitado no Ac. STJ de 15/05/2013 (() Proc. 279/10.0TBMIR.C1.S1 (Cons. Lopes do Rego), em www.dgsi.pt.), remetendo para o ensinamento de Antunes Varela, “a ratio da proibição estatuída no referido nº 2 do art. 394º assenta na falibilidade e insegurança da prova testemunhal, que assim se tornaria um meio fácil de destruir a eficácia da prova documental”, sendo, porém, que “o facto de estar estabelecida a autenticidade de um documento, seja ele autêntico ou particular, não equivale a considerar verdadeiras e sinceras as declarações que deles constam”.
E acrescenta este aresto que:
«(…) a doutrina e a jurisprudência vêm entendendo que apesar da aparente formulação irrestrita, para afastar a iniquidade da aparência criada pela simulação, deixando um simulador à mercê do outro, deve ser aliviada tal proibição se a prova testemunhal funcionar como meio complementar de prova da simulação, primariamente fundada em documentos, pois ela radica muitas vezes, em indícios e ilações baseados em factos que à luz da experiência comum podem revelar a existência da mesma.
Nestes casos, é admissível prova testemunhal, se os factos a provar “aparecerem” com alguma verosimilhança, em provas escritas. Então, complementarmente, é admissível tal tipo de prova» (() Seguindo posição doutrinal (de L. Carvalho Fernandes), enuncia-se que “Sempre que, com base em documentos trazidos aos autos, o julgador possa formular uma primeira convicção relativamente à simulação de certo negócio jurídico, é legítimo recorrer-se ao depoimento de testemunhas sobre factos constantes do questionário e relativos a essa matéria com vista a confirmar ou a infirmar essa convicção”. E, acompanhando Mota Pinto, aceita-se dever “ser permitida a prova por testemunhas no caso de o facto a provar estar já tornado verosímil por um começo de prova por escrito”.).
Importa, então, verificar se, no caso dos autos, existe documento que, de per se ou conjugadamente com outros, revele aparência de prova acerca de qualquer simulação (na escritura/título de transmissão mediante declarada compra e venda entre A. e 1.ºs RR.), para o que melhor haverá de caraterizar-se em que se traduz aquele “princípio de prova” (ou “começo de prova”).
Sobre esta caraterização, pode ler-se no Ac. STJ de 07/02/2017 (() Proc. 3071/13.6TJVNF.G1.S1 (Cons. Sebastião Póvoas), em www.dgsi.pt.):
«O conceito só pode ter correspondência no de “fumus bonni juris”, ou prova indiciária, sobretudo elaborado em sede de procedimentos cautelares.
A assim não se entender caímos nos princípios de experiência geral, de verosimilhança que a nada mais conduzem do que a presunções simples, judiciais ou de experiência (…)
Daí que o tal “princípio de prova” só poderia ser constituído por qualquer dos documentos a que se refere o n.º 1 do artigo 394.º que, se não unívocos, só poderão tornar-se completos se conjugados com a prova secundária (que, então, se concede ser testemunhal), complementar ou, com rigor, meramente residual, e só por si sem valor autónomo, por não lho permiti o n.º 2 do artigo 394.º.
De todo o modo, não repugna aderir à interpretação menos restritiva, desde que o “princípio de prova” seja um documento que não integre facto – base de presunção judicial pois sendo-o o n.º 2 do artigo 394.º poderia entrar em colisão com o citado artigo 351.º CC.
Daí que, adicionando esse documento a existência de acordo simulatório ou um negócio dissimulado se possa lançar mão da prova testemunhal para confirmar ou infirmar, tornando-se, então, o primeiro elemento de prova e sem que colida com o citado n.º 2 do artigo 394.º (v.g. os Acórdãos do STJ de17.6.2003 -03A1565; de 5.6.2007 -Pº 7A1364; Pº 758/06.3TBCBR-BP1.S1; e de 9.7.2014 -5944/07.6TBVNG.P1:S1)».
Em suma, nestas descritas circunstâncias é admitida prova testemunhal corroborante quanto ao acordo simulatório invocado por simulador.

2. - Da admissibilidade da prova testemunhal no caso dos autos
Nesta ação por simulação, o A. juntou o aludido documento intitulado “DECLARAÇÃO” – alegadamente subscrito pela 1.ª R. mulher –, do qual consta que os aqui 1.ºs RR. «(…) declaram que a escritura de compra e venda do prédio rústico (…) foi simulada e portanto, a vontade de todos os outorgantes não foi a declarada, sendo as suas vontades de contratar falsas, podendo o vendedor exigir a todo o tempo a anulação do negócio.».
É imputada, pois, à 1.ª R. mulher (alegada simuladora no primeiro ato de transmissão do domínio, a compra e venda entre A. e 1.ºs RR.) a assinatura desse documento/declaração, reconhecendo que o negócio de compra e venda do imóvel foi simulado, pelo que a vontade de todos os outorgantes não foi a declarada, sendo as suas vontades de contratar falsas, podendo o vendedor exigir a todo o tempo a anulação do negócio.
A ser tal documento/declaração verdadeiro – e o R. ora Apelante considera-o falso –, o mesmo traduzirá o aludido princípio de prova quanto ao acordo simulatório invocado pelo A..
Em tal caso, a prova testemunhal funcionaria como meio complementar de prova da simulação, primariamente fundada naquele documento, a ter de obter corroboração.
Porém, argumenta o Apelante que a declaração em causa é falsa, como já invocado na contestação, e que a produzida prova pericial é demonstrativa, sem mais, dessa falsidade.
Ora, como já visto, na perícia chegou-se à conclusão (pericial) de se considerar como muito provável a verificação da hipótese de a escrita da assinatura contestada de M (…) não ser do seu punho (“Muito provável não”).
Utilizaram os Peritos uma escala de gradação onde além daquele “Muito provável não” ainda existe “Muitíssimo provável não” e “Probabilidade próxima da certeza científica não”.
Assim sendo, a perícia não é perentória no sentido (da certeza) de a escrita da assinatura contestada de M (…) não ser do seu punho, considerando apenas ser muito provável a hipótese de o não ser.
Não se chegou, pois, ao grau de muitíssimo provável não ser ou, menos ainda, ao de probabilidade próxima da certeza científica não ser. Donde que não possa ter-se essa prova pericial como afirmação perentória num determinado sentido, antes deixando ainda alguma margem para dúvidas (apesar do resultado obtido de muito provável).
Acresce que a prova pericial (respostas dos peritos em matérias que exijam conhecimentos especiais que os julgadores não possuem), como é consabido, não é dotada de força probatória plena, posto que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal (cfr. art.ºs 388.º e 389.º, ambos do CCiv.).
Assim sendo, quer pelo caráter não perentório da conclusão pericial obtida in casu, quer pela força probatória da prova pericial – sujeita, nos termos legais, à livre apreciação do tribunal –, nunca poderia, sem mais, ter-se já como líquido/assente que a assinatura da 1.ª R. mulher foi forjada (pelo A. ou por outrem).
É, pois, notoriamente prematura/precipitada, salvo o devido respeito, a conclusão do R./Apelante no sentido de estar já demonstrado que tal assinatura foi objeto de falsificação, matéria que, uma vez alegada, obriga, ao contrário, à produção de provas, não podendo o A., enquanto parte que juntou o documento e dele visa beneficiar, ficar excluído da discussão probatória quanto à genuinidade ou falsidade do documento e da assinatura que dele consta, designadamente através de prova testemunhal (() Na verdade, pode o A. pretender demonstrar com outros meios de prova, designadamente através de testemunhas, que a 1.ª R. mulher assinou mesmo a declaração impugnada. Como, pois, impedi--lo de provar que o documento é verdadeiro/genuíno, sem atropelo ao seu direito de acesso ao direito e aos tribunais, na vertente probatória (cfr. art.º 20.º, n.º 1, da Constituição)?).
Não pode, assim, ter-se por ora como indiscutível a alegada falsificação.
Isto é, a invocada genuinidade/falsidade do documento (meio de prova) terá de ser ainda objeto de prova, não podendo nenhuma das partes ser afastada da respetiva discussão probatória.
Quando essa prova tiver sido realizada – ou, ao menos, permitida nos termos legais e com o contraditório exigível – se determinará se o documento é verdadeiro (incluindo a dita assinatura) ou falso.
Caso seja verdadeiro, teremos então o princípio de prova documental que justificará a admissão de valoração da prova testemunhal (() Deve, efetivamente, distinguir-se entre a admissão/produção da prova e a sua posterior valoração. Por isso, a admissão de produção de prova testemunhal, designadamente em contexto processual de dúvidas sobre o cabimento valorativo dessa prova, não impede que se proceda a um posterior juízo, na fase de decisão da matéria de facto relevante, sobre a atendibilidade dessa prova (valoração ou proibição de valoração das provas produzidas).) quanto à matéria do acordo simulatório.
Caso, porém, seja falso/forjado, então terá sido destruído esse princípio de prova, com a consequência de não ser admitida a valoração da prova testemunhal que haja sido produzida quanto ao alegado acordo simulatório.
Claro se torna, pois, nesta perspetiva, que seria precipitada uma decisão de não admissão liminar do requerimento de prova testemunhal do A./Reconvindo.
Falece, por isso, a argumentação do Apelante – toda assente no pressuposto de estar já verificada a falsidade do documento – no sentido de a admissão/permissão de produção daquela prova testemunhal traduzir, sem mais, “expediente de fraude à lei” e de ser já sabido que as testemunhas arroladas pela contraparte foram instruídas para “papaguear” aquilo que o A. lhes disser.
E perfila-se como correto o despacho recorrido, apelando para definição posterior, à luz da qual haverá de ser apreciado o resultado da prova pericial – conjugadamente com outras provas –, a levar a cabo em sede de sentença, onde, finalmente, se decidirá quanto à matéria de facto e à de direito.
Então – só então – se apurará, de forma consistente, se ocorre genuinidade ou falsidade do documento e, em função disso, se a prova testemunhal em controvérsia, então já produzida (() Pode, como visto, ser produzida e depois não vir a ser aproveitada para a decisão (não valoração para formação da convicção), não resultando disso, atentas as circunstâncias do caso, qualquer invalidade ou irregularidade processual.), deve ser valorada – por haver fiável princípio de prova documental –, ou não, no âmbito do juízo probatório da matéria da causa, designadamente quanto ao alegado acordo simulatório.
Deve, portanto, a apelação improceder.
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IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):
1. - A doutrina e a jurisprudência vêm acolhendo uma interpretação algo flexível da norma proibitiva do art.º 394.º, n.º 2, do CCiv., defendendo a admissibilidade, em matéria de acordo simulatório, da prova testemunhal corroborante, isto é, desde que assente em base documental que constitua começo de prova (documentos fundantes de uma primeira convicção, uma possibilidade séria de simulação, a confirmar, ou não, com os depoimentos testemunhais).
2. - Tal base documental pode traduzir-se em documento assinado pelos simuladores ou algum deles ou resultar da conjugação de diversos documentos relevantes.
3. - O ónus da prova dos factos integrantes dos pressupostos da simulação – intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, acordo simulatório e intuito de enganar terceiros – cabe a quem a invoca.
4. - Se o autor na ação por simulação junta documento, com vista a formar tal base documental de princípio de prova, e requerimento de prova testemunhal, e a contraparte invoca a falsidade do documento, tal circunstancialismo não justifica a rejeição imediata da prova testemunhal, mesmo que já haja prova pericial no sentido de ser muito provável que a escrita da assinatura constante do documento não seja da pessoa a quem o autor a imputa.
5. - Sendo a força probatória das respostas dos peritos fixada livremente pelo tribunal, em tal caso deve ser admitida a prova testemunhal, seja quanto aos factos relevantes sobre a genuinidade/falsidade do documento, seja quanto ao alegado acordo simulatório, para a final se decidir se essa prova, assim produzida, deve, ou não, ser valorada quanto àquele alegado acordo.

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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na improcedência da apelação, em manter a decisão impugnada.
Custas da apelação pelo R./Recorrente.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).
Assinaturas eletrónicas.


Coimbra, 08/05/2018

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro