Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
892/15.9T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRA CONTRATUAL
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 02/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - COVILHÃ - JL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 473, 474, 483 CC, 542, 615 CPC
Sumário: 1. - Cabe ao recorrente que argui a nulidade da sentença mostrar onde se encontra consubstanciado o vício gerador dessa nulidade.

2. - Há oposição entre a decisão e os seus fundamentos quando a fundamentação da sentença aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou direção diferente, dando lugar a um vício formal da sentença.

3. - A nulidade da sentença (art.º 615.º do NCPCiv.), não sendo cominada pela lei como insanável, tem de ser invocada pelas partes, não sendo de conhecimento oficioso.

4. - A ação por enriquecimento sem causa depende da verificação de um enriquecimento à custa de outrem, que careça de causa justificativa – por nunca a ter tido ou por a ter perdido –, tornando-se, por isso, injusto e, como tal, inaceitável para o direito.

5. - Tal ação tem natureza subsidiária (art.º 474.º do CCiv.), impedindo que o empobrecido disponha de mecanismo alternativo de ressarcimento – só pode recorrer à ação de enriquecimento quem não tenha outro meio para cobrir os seus prejuízos, pois que se o tiver deverá dar-lhe preferência.

6. - Se o que está em causa é a indemnização por danos em sede de responsabilidade extracontratual, então o mecanismo adequado para tutela integral do direito do credor/lesado é a ação de indemnização, vedando a aplicação, por subsidiário, do instituto do enriquecimento sem causa, que só pode operar como causa de pedir subsidiária (para o caso de a principal não proceder).

7. - Em qualquer desses casos, cabe ao autor o ónus da alegação e prova dos factos tendentes a fazer operar qualquer desses institutos, de que depende o direito à indemnização ou à restituição.

8. - Na aquisição derivada translativa o direito adquirido pelo novo titular é exatamente o mesmo que pertencia ao titular precedente.

9. - Se o novo titular adquire prédios em cuja superfície já estavam instalados equipamentos elétricos de média tensão (postes e torre metálica de suporte de seccionador), nada alegando quanto ao anterior proprietário e respetiva autorização para essa colocação ou indemnização, não pode pretender que a colocação e manutenção são ilícitas por não ter sido obtida a autorização do novo dono.

10. - Se esse novo titular, autor na ação de ressarcimento, alega que a ilicitude deriva da instalação desses equipamentos nos seus prédios sem o seu conhecimento e autorização, apresentando-se como dono lesado, quando só mais tarde veio a adquirir a propriedade, incorre em litigância de má-fé, litigando contra a verdade de factos do seu conhecimento pessoal.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:



***

I – Relatório

A (…), com os sinais dos autos,

intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra

“E.D.P. (…), S. A.”, também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação da R. a pagar-lhe:

a) A quantia de € 34.200,00, a título de danos patrimoniais;

b) A quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais;

c) Uma renda anual relativa ao poste de apoio que se encontra atualmente no identificado prédio do A., em montante a fixar pelo Tribunal;

d) Tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal supletiva de 4% ao ano, desde a citação e até integral pagamento.

Alegou que:

- é proprietário de dois prédios urbanos, um composto por casa de habitação (moradia familiar), descrito na Conservatória do Registo Predial da Covilhã sob o n.º 798, e outro constituído por lote para construção, sito no mesmo local do anterior e descrito na Conservatória sob o n.º 797, prédios esses que foram por si adquiridos em 06/04/1994, por compra judicial;

- foi após a aquisição desses imóveis e aquando da aprovação do projeto de construção da moradia, ou seja, em 1996, que o A. constatou que em tais seus prédios a R. havia colocado dois postes, ou seja, uma torre metálica que suporta um seccionador e que ocupava cerca de 20 m2 da área do prédio e um poste de alta tensão;

- no primeiro daqueles prédios, o A. construiu, em 2002, uma moradia unifamiliar, onde vive com a sua família, sendo que, por causa da torre metálica, ficou limitado quanto à disposição das áreas de lazer e agrícolas na apresentação do projeto de construção;

- acresce que os funcionários da R., mesmo depois de questionados pelo A. acerca das razões da existência dos postes nos seus prédios, continuaram a entrar, sem permissão, no terreno murado onde se encontra a sua casa de habitação, chegando um veículo da R. a destruir a corrente que se encontrava a impedir a entrada de estranhos no prédio do A.;

- o A. solicitou à R. que o poste fosse retirado, não tendo obtido resposta, sendo que aquela não tem licenciamento para a instalação da torre metálica com seccionador e que os postes foram colocados nos terrenos do A. sem autorização e contra a vontade deste;

- em 12/02/2014, a R. comunicou ao A. que iria proceder à remodelação da linha e retirar a torre metálica instalada no prédio deste, tendo ainda procedido à alteração da posição do poste de apoio que se encontrava no outro prédio para local diferente, mas ainda dentro desse prédio;

- a R. pagou ao A. a quantia de € 726,51 pelos prejuízos causados na remoção da torre metálica com o seccionador e do poste de apoio;

- porém, toda esta situação – mormente, a atuação ilegal da R. – causou e continua a causar ao A. e à sua família incómodos e aborrecimentos, além de o impedir de desfrutar do logradouro e do seu prédio na totalidade, com a comodidade, conforto e prazer que o mesmo lhe proporcionaria, não fosse a atuação descrita;

- com os consequentes prejuízos, como peticionado.

A R. contestou:

- impugnando diversos factos alegados pelo A.;

- alegando que lhe foi concedida, em 21/09/1992, licença de estabelecimento, pela Direção Regional de Indústria e Energia do Centro, da aludida linha aérea de média tensão, tendo sido dada ampla publicidade, nos termos regulamentares, ao projeto daquela linha, que esteve patente na Câmara Municipal da Covilhã, assim como na Direção Regional do Centro, do Ministério da Economia, em Coimbra, de forma a poder ser consultado por todos os interessados;

- referindo que, aquando da aquisição dos prédios pelo A., os apoios da rede elétrica já se encontravam instalados em tais terrenos, desde os finais de 1992, vindo a moradia a ser construída a distância considerável da torre elétrica, a qual não ocupava mais de 4 m2, sendo insignificante a decorrente limitação em termos de aproveitamento do espaço pelo A., de tal forma que, entre 1994 e 2003, não foi apresentada qualquer reclamação;

- a modificação na rede elétrica a que a R. procedeu nos anos de 2013 e 2014 foi licenciada pelo Estado Português, modificação essa que previa a remoção dos dois apoios existentes na propriedade do A. e a colocação de um outro, sendo falso que a quantia paga ao A. tenha que ver com prejuízos causados com a remoção da torre metálica e do seccionador, pois que tal indemnização refere-se apenas à colocação do novo apoio e aos prejuízos decorrentes do corte de videiras, de uma oliveira e de uma cerejeira e respetiva perda de rendimento do terreno;

- os invocados danos de natureza não patrimonial não têm relevância jurídica, devendo o A., alegando factos não verdadeiros, do seu conhecimento pessoal, ser condenado como litigante de má-fé.

Concluiu pela improcedência da ação e pela condenação do A. em multa e indemnização, em montante a apurar, por litigância de má-fé.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, em que se considerou nada obstar ao conhecimento de meritis, e efetuada a definição do objeto do litígio e dos temas da prova, sem reclamações.

Procedeu-se à realização da audiência final, com produção das provas, seguida da prolação de sentença, na qual, considerando improcedente a ação e procedente o incidente de condenação por litigância de má-fé, foi a R. absolvida do contra si peticionado e o A. condenado, como litigante de má-fé, em multa, no montante de 05 (cinco) UCs., e em indemnização, cujo montante foi relegado para momento posterior, por inexistência de elementos quantificadores suficientes.

Desta sentença veio o A., inconformado, interpor o presente recurso (fls. 85 e segs.), apresentando alegação e as seguintes aperfeiçoadas ([1])

(…)

A Recorrida não contra-alegou.


***

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (cfr. fls. 113), tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados.

Nada obstando, na legal tramitação recursória, ao conhecimento do mérito da apelação, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões aperfeiçoadas ([2]) formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, importa decidir, em matéria de facto e de direito, no essencial:

1. - Se ocorre causa de nulidade da sentença, designadamente por contradição (conclusão 64 da apelação) ou omissão de pronúncia;

2. - Se deve proceder a impugnação da decisão de facto, com alteração do quadro fáctico da sentença (mormente, pontos 1, 3 e 25, dos factos dados como provados, como enunciado nas conclusões aperfeiçoadas 58 a 61 e 63 da apelação);

3. - Se estão verificados os pressupostos do peticionado direito indemnizatório (ou reparatório/restitutório por enriquecimento sem causa);

4. - Se ocorre litigância de má-fé do A..


***

III – Fundamentação

A) Da nulidade da sentença

Invoca o Apelante, no seu pedido recursório, que a sentença recorrida incorreu em violação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), do NCPCiv., pelo que deve ser julgada nula, tratando-se, assim, do vício de omissão ou excesso de pronúncia, para além de invocar “contradição” (conclusão 64 da apelação), o que poderia reconduzir-se ao disposto na al.ª c) do mesmo art.º 615.º, preceito este [o da al.ª c)] que, todavia, não invoca como violado.

Cabia, por isso, ao Apelante, argumentando sobre o tema, mostrar onde se encontram consubstanciados na sentença apelada aqueles vícios geradores de nulidade da mesma, o que devia ser feito mas conclusões (aperfeiçoadas) da apelação, já que estas, como dito, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso.

Na verdade, como se retira do disposto no art.º 639.º, n.º 1, do NCPCiv., cabe ao Recorrente, nas suas conclusões, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

Em seguida se verá se o fez.

1. - Da omissão de pronúncia

Resulta do art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), do NCPCiv., que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Vêm entendendo, de forma pacífica, a doutrina e a jurisprudência que somente as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.

De acordo com Amâncio Ferreira ([3]), “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”.

E, segundo Alberto dos Reis ([4]), “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.

Já Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes ([5]), por sua vez, referem que “a observação da realidade judiciária mostra que é vulgar a arguição da nulidade da decisão”, sendo que “por vezes se torna difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, como é aquele que está na origem da decisão”.

Por seu turno, Antunes Varela ([6]) esclarece,
em termos de delimitação do conceito de nulidade da sentença, face à previsão do art.º 668.º do CPCiv., que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”.

Na nulidade aludida está em causa o uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender conhecer de questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não se tratar de questões de que deveria conhecer-se (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada.

Como já se mencionou, para apuramento quanto ao vício de omissão (ou excesso) de pronúncia cabe perspetivar as questões em sentido técnico, só o sendo os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, só esses constituindo verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer.

Assim, não são, obviamente, questões para este efeito os factos (alegados ou provados), nem os argumentos apresentados pelas partes, nem as razões em que sustentam a sua pretensão ou defesa, nem as provas produzidas, nem a apreciação que delas se faça em termos de formação da convicção do Tribunal.

Ora, dito isto, não se descortina onde considera o Apelante ter incorrido o Tribunal a quo em omissão de pronúncia, já que nada é concretizado no recurso (conclusões aperfeiçoadas) sobre qualquer questão que devesse ter sido apreciada e não o tenha sido.

Com efeito, no conclusão 37 refere-se que foi omitida pronúncia sobre factos essenciais à descoberta da verdade material, aplicando ao caso um diploma legal que prevê e regulamenta uma situação completamente oposta à questão trazida aos autos.

Ora, já se viu que a eventual omissão de tomada de posição quanto a factos ou provas não constituem questões para este efeito de nulidade da sentença, sendo que a errada escolha da lei aplicável, a existir, traduz erro de julgamento de direito, mas nunca causa de nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Assim, tem de concluir-se que o Recorrente se limitou a remeter para o preceito legal, o que não basta para arguir/corporizar a nulidade, que não é de conhecimento oficioso.

Improcede, pois, por não demonstrada, a invocada causa de nulidade por omissão de pronúncia.

2. - Da contradição

Defende o Recorrente que existe manifesta contradição entre a matéria dada por provada e a motivação em que assentou o doutro Tribunal na decisão proferida, a qual a inexistir levaria, salvo melhor opinião, a decisão diversa da que foi proferida (conclusão 64).

Pensa-se que aludirá a contradição entre a parte fáctica da sentença e a respetiva fundamentação de direito, o que poderia traduzir erro de julgamento de direito (ou entre os factos e a respetiva fundamentação da convicção, o que teria a ver ainda com o julgamento da matéria de facto), fazendo-o – repete-se – sem invocar a norma da al.ª c) do n.º 1 do art.º 615.º do NCPCiv., que se refere à oposição entre fundamentos e decisão ou existência de ambiguidade ou obscuridade geradoras de ininteligibilidade.

Com efeito, dispõe este preceito legal, desde logo, que é nula a sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”. Trata-se, por isso, de contradição resultante de a fundamentação da sentença apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto ou direção diferente ([7]), inserindo-se no quadro dos vícios formais da sentença, tal como elencados nos art.ºs 667.º e 668.º do anterior CPCiv. ([8]) – hoje art.ºs 614.º e seg. do NCPCiv. –, sem contender, pois, com questões de substância, que, como tais, já se prendem com o mérito, e não com o âmbito formal.

Cabia, pois, a tal Apelante sinalizar/sintetizar, nas suas conclusões, onde se encontra tal oposição/contradição, por forma a evidenciar o vício invocado.

Ora, o Apelante limita-se a invocar a dita contradição, sem convocar qualquer preceito legal violado nesta parte e não esclarecendo onde – na concreta sentença proferida – pode encontrar-se qualquer oposição/contradição (entre fundamentação, que apontasse num sentido, e decisão/dispositivo, que seguisse caminho diverso).

E o mesmo se diga quanto a qualquer ambiguidade ou obscuridade de que padecesse a decisão, que não vem sinalizada nas conclusões aperfeiçoadas.

E ainda que se considerasse haver contradição entre as provas produzidas e os factos dados como provados (ou não provados), designadamente no tocante à fundamentação da convicção probatória, tal traduziria erro de julgamento de facto, a ser objeto de impugnação recursória da decisão da matéria de facto, e não qualquer causa de nulidade da sentença.

Estar-se-ia, então, como é patente, em face de discordância perante o sentido da decisão, no concernente ao julgamento da matéria de facto, e não qualquer contradição, ambiguidade ou obscuridade da sentença.

No mais, deve dizer-se que a sentença se apresenta fundamentada, sendo consabidas as exigências de fundamentação das decisões dos tribunais (cfr. art.º 154.º, n.º 1, do NCPCiv., tal como o antecedente art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv./2007), sejam sentenças ou despachos – em termos de fundamentos de facto e de direito respetivos –, a que se reporta o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do NCPCiv. (tal como o anterior art.º 668.º, n.º 1, al.ª b), do CPCiv./2007), e cuja violação, uma vez verificada, é causa de nulidade da sentença ([9]), cabendo naturalmente ao Recorrente clarificar onde pudesse ter faltado a decisão à fundamentação devida/exigível, em termos de omissão absoluta de fundamentos, o que in casu não ocorreu.

Com efeito, este Tribunal não logra descortinar onde pretendesse o Apelante ocorrer falta de fundamentação da sentença, ou outra causa de nulidade da mesma, sendo que não se trata de matéria de conhecimento oficioso do Tribunal ([10]).

Donde que seja de concluir pela não verificação do vício de nulidade da sentença.

B) Matéria de facto

Na 1.ª instância foi considerada a seguinte factualidade como provada:

«1. Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial da Covilhã sob o n.º 798/10910410, o prédio urbano, sito em S(...), com a área total de 1650 metros quadrados, sendo 128,9 metros quadrados de área coberta e 1521,1 metros quadrados de área descoberta, inscrito na matriz sob o artigo 4831.º, consistente de edifício de rés-do-chão e sótão, que confronta de norte e sul com J(...) e M(...), de nascente com caminho do Prazo, de poente com Ribeira da Carpinteira, desanexado do prédio n.º 23.

2. Através da ap. 11, de 1996/09/06, foi inscrita a favor do A., solteiro, maior, a aquisição do prédio mencionado em 1., por compra judicial, figurando como sujeito passivo no registo a Sociedade (…), Lda..

3. Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial da Covilhã sob o n.º 797/19810410 o prédio urbano, sito em Sineiro, com a área total e descoberta de 120 metros quadrados, inscrito na matriz sob o artigo 2545.º (actual artigo 4505.º), consistente em lote para construção urbana, que confronta de norte, nascente e poente com J(...)e de sul com caminho do Prazo, desanexado do prédio n.º 23.

4. Através da ap. 11, de 1996/09/06, foi inscrita a favor do A., solteiro, maior, a aquisição do prédio mencionado em 3., por compra judicial, figurando como sujeito passivo no registo a Sociedade (…)

5. Os prédios identificados em 1. e 3. foram adjudicados, no dia 14.04.1994, ao A. pela Direcção Geral das Contribuições e Impostos – 1.ª Repartição de Finanças do Concelho da Covilhã, na sequência de venda judicial por meio de propostas em carta fechada.

6. À data referenciada em 5. sobre os prédios identificados em 1. e 3. estavam colocados dois postes de electricidade, uma torre metálica que suportava um seccionador (no prédio identificado em 1.) e com a área de 4 metros quadrados e um poste de média tensão(no prédio identificado em 3.)

7. No prédio identificado em 1., o A. construiu uma moradia unifamiliar onde vive com a sua família, desde 2002.

8. A torre metálica mencionada em 6. tratava-se de um aparelho de manobra, fundamental em caso de avaria na linha que alimenta arte da cidade da Covilhã e das Penhas da Saúde, o que, por vezes, impunha a entrada de funcionários da R. no prédio identificado em 1..

9. A fim de evitar a entrada dos funcionários da R. em tal prédio, o A. colocou uma corrente que não permitia a passagem de veículos ou pessoas.

10. Contudo, os funcionários da R., nas circunstâncias mencionadas em 8., continuaram a entrar em tal prédio, sem permissão do A..

11. Em Agosto de 2013, os funcionários da R. voltaram a entrar no terreno do A. sem autorização deste.

12. Tendo o A. apresentado queixa no Ministério Público que deu origem ao processo n.º 249/13.6PBCVL.

13. Tal queixa foi arquivada por se ter considerado que na data, hora e lugar em que ocorreu o referenciado em 11., estávamos perante um interesse público superior ao particular, devido a um incêndio que ocorreu na Serra da Estrela.

14. Em 11.09.2003, o A. enviou à R. uma carta registada com o seguinte teor:

Exmºs Senhores

No passado, por diversas vezes tenho dado conta a V.Exªs, através dos vossos serviços e nomeadamente do vosso representante regional Sr. Engº (…), sobre o poste de média tensão que suporta um seccionador e que se encontra na minha propriedade que está integralmente vedado e, por isso, o acesso me está estritamente reservado.

Nos diversos contactos que estabeleci, manifestei a minha pretensão de que tal poste fosse retirado da minha propriedade apresentando ainda disponibilidade pata com V.Exªs procurar outras soluções.

Até ao momento não obtive da vossa parte qualquer solução ou resposta sobre tal assunto, sendo que, tal resposta me foi prometida.

Assim, venho mais uma vez, solicitar uma resposta breve pois, a não existir, terei de me decidir pela limitação definitiva do acesso ao referido poste, como já lhes transmiti no passado.

15. Em 12.02.2014, a R. enviou ao A. uma carta com o seguinte teor:

Assunto: Remodelação de linha em média tensão a 15 KV para Sineirinho – Penhas da Saúde

Exmo. Senhor,

Pretende esta empresa efectuar a remodelação da linha de Média Tensão a 15KV, acima identificada, para Sineirinho-Penhas da Saúde, na União de Freguesias da Covilhã e Canhoso, concelho da Covilhã, que atravessa terreno que pertence a V. Exª, sendo pois necessário proceder à implementação de um apoio e passagem de condutores, e retirar duas torres metálicas.

Vimos desta forma agradecer, antecipadamente, todas as facilidades concedidas pata a execução dos trabalhos e informá-lo de que, se os condutores ou os apoios impedirem a execução futura de qualquer construção legalmente autorizada, efetuaremos a necessária modificação, conforme previsto nos artigos 43 e 44 do Decreto-Lei n.º 43335, de 19 de Novembro de 1960.

(…).

16. A entrada de funcionários da R. perturba a livre estadia do A. e da sua família no seu prédio, designadamente, o uso da piscina.

17. A R. é a entidade concessionária da Rede Nacional de Distribuição e das redes em Baixa Tensão na quase totalidade dos Municípios Portugueses.

18. No âmbito da sua actividade de expansão da rede de distribuição de acordo com as necessidades de um regular e contínuo abastecimento de energia eléctrica aos seus clientes, foi-lhe concedida, em 21.09.2012, licença de estabelecimento pela Delegação Regional de Indústria e Energia do Centro da Linha Aérea de Média Tensão a 15 KV Sineirinho-Penhas da Saúde.

19. Tal projecto de linha foi publicitado no Jornal de Notícias e na Delegação Regional do Centro do Ministério da Economia, em Coimbra.

20. Em 2013 e 2014, a R. procedeu a uma remodelação da rede eléctrica da zona alta da cidade da Covilhã, que abrangeu a zona onde se localizam os prédios do A..

21. Tal remodelação foi licenciada pela Direcção Regional da Economia do Centro, através da obtenção de licença de estabelecimento.

22. Tal modificação contemplava a instalação de um novo apoio na propriedade do A. e levou à retirada dos apoios mencionados em 6..

23. O A. autorizou a colocação do novo apoio e o início das obras em Janeiro de 2014.

24. E assinou um documento denominado Construção de Linhas Aéreas relatório de prejuízos, datado de 23.09.2014, declarando ter recebido uma indemnização no valor de 726,50 €, documento de cujas observações consta o seguinte: apoio n.º 7 – 100,00 €; videira – produção 3,50 (kg/ano) 4 unx49,00 € 196,00 €; Oliveira –produção 10 (kg/ano) 57,00 €; cerejeira – produção 45 (kg/ano) 373,51 €.

25. Em 20 de Novembro de 2014, o A. remeteu à R. carta com o seguinte teor:

Exmºs Sres., junto envio comprovativo do recebimento da indemnização, por cópia 1 de depósito do cheque N (...) do banco BES, no valor de 726,51€ relativo ao pagamento dos prejuízos causados mais concretamente em árvores de fruto pelos trabalhos que foram realizados da vossa responsabilidade, no desvio de uma linha eléctrica (junto cópia 2) que atravessava os meus terrenos na zona do Sineiro, união de Freguesias Covilhã e Canhoso, para a colocação de um poste em cimento de grandes dimensões, e retirar duas torres metálicas, que suportavam a mesma, que se encontravam colocadas à vários anos nos mesmos terrenos, e assim impedindo que eu usufruísse da totalidade dos ditos terrenos

que adquiri, livre de onos e encargos, às Finanças da Covilhã através do processo de execução em abril do ano de 1994 (junto cópia 3). Desde então, tenho pago a taxa de IMI (imposto municipal sobre imóveis) pela totalidade dos respectivos terrenos, mesmo estando impedido de utilizar o espaço das referidas torres ali colocadas desconhecendo a legalidade das mesmas.

Assim sendo, venho por este meio informar-lhes que para além da indemnização paga pelos estragos nas árvores de fruto, a E.D.P. deve também assumir a responsabilidade pelos prejuízos causados ao longo dos anos pelas duas torres metálicas (agora retiradas), indemnização essa com base em 75€ por mês, pela ocupação do espaço de cada torre, a contar de abril de 1994, data em que os terrenos foram adquiridos (junto cópia 4) até setembro de 2014, data em que as mesmas foram retiradas (libertando o espaço ocupado por estas). Enquanto ao valor da indemnização pela colocação do poste em cimento agora colocado, num terreno composto por árvores de fruto, em julho de 2014, deve a E.D.P. pagar uma renda de 75€ por mês por ocupação de espaço desde a data em que foi colocado, ou um total de indemnização, a receber já, baseado no mesmo valor mensal sobre 20 anos, até porque o poste agora colocado, para além de ocupar o espaço do mesmo, vai obrigar a anular uma árvore de fruto no terreno, passando assim a haver quebra anual da produção dos frutos.

Mais informo que as referidas indemnizações devem ser pagas num prazo máximo de 30 dias a partir desta data, para evitar juros acrescidos e agir judicialmente a pedir também indemnização por danos morais e patrimoniais pelos anos que o agregado familiar, incluindo uma menor, alegadamente esteve impedido de ter o direito à sua privacidade na própria morada de família que se encontra toda vedada por muro e rede, por alegadamente, sem autorização, ao longo destes anos ter sido várias vezes invadida por funcionários da E.D.P. pata irem a uma das torres, já retirada junto da moradia, fazer manobras no seccionador suportado pela mesma.».

E foi julgado como não provado que:

«1. O A. apenas constatou o descrito em 6. dos factos provados após a adjudicação mencionada em 5. de tal factualidade e aquando da aprovação do projecto de construção da sua moradia, em 1996.

2. Nas circunstâncias referenciadas em 10. e 11. dos factos provados, entrou no prédio identificado em 1. dessa factualidade um veículo da R., que destruiu a corrente.».


***

C) Impugnação da decisão da matéria de facto

O Apelante, no âmago da sua alegação recursória, começa por parecer manifestar inconformismo com a decisão da matéria de facto, pretendendo que seja alterado o juízo da 1.ª instância, aparentemente também nesta vertente, quanto, pelo menos, aos factos dos pontos 1, 3 e 25 dados como provados (cfr. conclusões aperfeiçoadas 58 a 61 e 63).

Esperava-se, por isso, que o Recorrente, ao pretender impugnar a decisão de facto, esclarecesse/concretizasse, não só qual a factologia que, na sua ótica, o julgador julgou erradamente, como ainda quais as provas que, uma vez criticamente analisadas/valoradas, obrigavam a uma decisão diversa da adotada em sede de decisão de facto, no sentido de delimitar, de forma motivada, o âmbito objetivo e probatório da impugnação de facto, sem deixar, obviamente, de sinalizar qual o sentido, quanto a cada um dos factos impugnados, da decisão a ser proferida, em concreto, pelo Tribunal de recurso (cfr. art.º 640.º, n.º 1, mormente al.ª c), do NCPCiv.).

Assim, sob pena de rejeição da impugnação da decisão de facto, impendia sobre o Apelante o ónus de especificar qual a decisão a proferir sobre cada um dos pontos fácticos objeto de impugnação (quais as concretas respostas alternativas pretendidas quanto a cada singular ponto factual impugnado).

Sem o que não se entenderia a pretensão recursória do impugnante, ao qual, por isso, não bastava sinalizar que impugnava certos factos (também o âmbito fáctico objetivo da impugnação não deveria ser dúbio ou obscuro), já que se lhe impunha deixar expressa, facto a facto, a resposta pretendida, o que teria de ocorrer no corpo das suas conclusões aperfeiçoadas de recurso (ou, ao menos, na antecedente alegação).

São os seguintes os segmentos fácticos aludidos, julgados provados a que o impugnante se dirige:

«1. Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial da Covilhã sob o n.º 798/10910410, o prédio urbano, sito em S(...), com a área total de 1650 metros quadrados, sendo 128,9 metros quadrados de área coberta e 1521,1 metros quadrados de área descoberta, inscrito na matriz sob o artigo 4831.º, consistente de edifício de rés-do-chão e sótão, que confronta de norte e sul com J(...) e M(...), de nascente com caminho do Prazo, de poente com Ribeira da Carpinteira, desanexado do prédio n.º 23.

(…)

3. Mostra-se descrito na Conservatória do Registo Predial da Covilhã sob o n.º 797/19810410 o prédio urbano, sito em Sineiro, com a área total e descoberta de 120 metros quadrados, inscrito na matriz sob o artigo 2545.º (actual artigo 4505.º), consistente em lote para construção urbana, que confronta de norte, nascente e poente com J(...) e de sul com caminho do Prazo, desanexado do prédio n.º 23.

(…)

25. Em 20 de Novembro de 2014, o A. remeteu à R. carta com o seguinte teor:

Exmºs Sres., junto envio comprovativo do recebimento da indemnização, por cópia 1 de depósito do cheque N (...) do banco BES, no valor de 726,51€ relativo ao pagamento dos prejuízos causados mais concretamente em árvores de fruto pelos trabalhos que foram realizados da vossa responsabilidade, no desvio de uma linha eléctrica (junto cópia 2) que atravessava os meus terrenos na zona do Sineiro, união de Freguesias Covilhã e Canhoso, para a colocação de um poste em cimento de grandes dimensões, e retirar duas torres metálicas, que suportavam a mesma, que se encontravam colocadas à vários anos nos mesmos terrenos, e assim impedindo que eu usufruísse da totalidade dos ditos terrenos

que adquiri, livre de onos e encargos, às Finanças da Covilhã através do processo de execução em abril do ano de 1994 (junto cópia 3). Desde então, tenho pago a taxa de IMI (imposto municipal sobre imóveis) pela totalidade dos respectivos terrenos, mesmo estando impedido de utilizar o espaço das referidas torres ali colocadas desconhecendo a legalidade das mesmas.

Assim sendo, venho por este meio informar-lhes que para além da indemnização paga pelos estragos nas árvores de fruto, a E.D.P. deve também assumir a responsabilidade pelos prejuízos causados ao longo dos anos pelas duas torres metálicas (agora retiradas), indemnização essa com base em 75€ por mês, pela ocupação do espaço de cada torre, a contar de abril de 1994, data em que os terrenos foram adquiridos (junto cópia 4) até setembro de 2014, data em que as mesmas foram retiradas (libertando o espaço ocupado por estas). Enquanto ao valor da indemnização pela colocação do poste em cimento agora colocado, num terreno composto por árvores de fruto, em julho de 2014, deve a E.D.P. pagar uma renda de 75€ por mês por ocupação de espaço desde a data em que foi colocado, ou um total de indemnização, a receber já, baseado no mesmo valor mensal sobre 20 anos, até porque o poste agora colocado, para além de ocupar o espaço do mesmo, vai obrigar a anular uma árvore de fruto no terreno, passando assim a haver quebra anual da produção dos frutos.

Mais informo que as referidas indemnizações devem ser pagas num prazo máximo de 30 dias a partir desta data, para evitar juros acrescidos e agir judicialmente a pedir também indemnização por danos morais e patrimoniais pelos anos que o agregado familiar, incluindo uma menor, alegadamente esteve impedido de ter o direito à sua privacidade na própria morada de família que se encontra toda vedada por muro e rede, por alegadamente, sem autorização, ao longo destes anos ter sido várias vezes invadida por funcionários da E.D.P. pata irem a uma das torres, já retirada junto da moradia, fazer manobras no seccionador suportado pela mesma».

Ora, é manifesto, salvo o devido respeito, que o Apelante não indica, facto a facto (ou por conjunto de factos concretos), a resposta que pretende seja agora proferida em alteração ao decidido pela 1.ª instância, sendo que dúvidas não restariam sobre a matéria se o tivesse feito.

Na verdade, se expressa, de forma vaga, que esse factualismo deve ser objeto de “diferente julgamento de facto”, não é minimamente claro sobre os termos de tal diverso julgamento no concernente ao sentido preciso da decisão a proferir ([11]).

Assim, por inobservância de ónus legal a cargo do Apelante (o previsto na al.ª c) do n.º 1 do art.º 640.º do NCPCiv.), vai a impugnação rejeitada.


***

D) O Direito

1. - Dos pressupostos do direito reparatório

Deve dizer-se, salvo o devido respeito, que o A./Apelante incorre em diversos equívocos.

1.1. - Um deles é o de pretender reparação à luz do enriquecimento sem causa – isto é, a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa (art.ºs 473.º e segs. do CCiv.) – ou, não sendo tal possível, de acordo com os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos (direito indemnizatório pelo dano causado, de acordo com o disposto nos art.ºs 483.º e segs. do mesmo Cód.) ([12]).

É que, como é consabido, os pressupostos/fundamentos de procedência da pretensão de reparação (ou restituição) são diversos perante um e outro enquadramento: enquanto que no enriquecimento sem causa do que se trata é da verificação quanto a um injusto locupletamento, por destituído de causa justificativa, de uma parte à custa do património da outra, com o decorrente dever de restituição daquilo com que injustamente se enriqueceu – compreendendo tudo quanto se obteve à custa do empobrecido ou, não sendo possível a restituição em espécie, o valor correspondente (cfr. art.ºs 473.º e 479.º, ambos do CCiv.) –, independentemente da prática de um qualquer facto culposo, já na obrigação indemnizatória por responsabilidade extracontratual (por factos ilícitos, objetiva ou mesmo, em certos casos, por facto lícito) está, diversamente, em causa a reparação de um dano, causado a outrem, decorrente de facto (ilícito e culposo na responsabilidade por factos ilícitos, como a aqui invocada), como tal imputável à parte lesante (ditos art.ºs 483.º e segs. do CCiv.).

Por isso, enquanto o enriquecimento sem causa depende (cumulativamente) da verificação da existência de (1.º) um enriquecimento, (2.º) que seja obtido à custa de outrem, (3.º) faltando uma causa justificativa, a responsabilidade extracontratual por factos ilícitos pressupõe, como é consabido, um facto, a ilicitude, a culpa e o consequente dano para o lesado.

Em sede de enriquecimento sem causa, é pacífico que a vantagem em que o enriquecimento ([13]) se manifesta pode traduzir-se no evitar de uma despesa ([14]), como também no auferir/alcançar de um novo direito ou no acréscimo de valor de direito anterior (aumento do ativo patrimonial).

Essa vantagem, auferida por um sujeito, por repercutida no seu património, tem sempre de ocorrer para que haja enriquecimento sem causa, sendo suportada por outrem, com inerente, por regra, diminuição patrimonial, a qual pode traduzir-se, por exemplo, num montante que se não cobra. Todavia, pode até “não se verificar qualquer efectivo empobrecimento”, já que “… o instituto abrange situações em que a vantagem adquirida por uma pessoa não resulta de um correspondente sacrifício económico sofrido por outra – diminuição patrimonial ou simples privação de um aumento –, embora se haja produzido a expensas desta, à sua custa. Recordem-se, por exemplo, certos casos de uso de coisa alheia sem prejuízo algum para o proprietário” ([15]).

Cabem aqui as situações denominadas de lucro por intervenção (ou por ingerência ou intromissão), atinentes ao uso não lícito de bens ou direitos alheios ([16]), podendo a intervenção causar ao dono do bem um dano excedente ou equivalente à medida do lucro do interventor, ou, em vez disso, um dano inferior ou mesmo nenhum dano causar. Em tais situações, pressuposta a ilicitude do uso (por contrária ao direito de propriedade do titular), haverá que distinguir entre intervenção culposa e intervenção não culposa, sendo que, no caso de intervenção culposa e danosa, o interventor ficará constituído no dever de indemnizar nos termos gerais (art.º 483.º, n.º 1, do CCiv.).

Se, ao contrário, a intervenção não é culposa, excluída fica, por isso, a obrigação de indemnizar (por responsabilidade extracontratual), mas não a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa – que prescinde da culpa –, podendo esta subsistir mesmo que não haja prejuízo para o proprietário (pode prescindir-se, pois, também do dano), com o interventor a ter de satisfazer o proprietário pelo “valor objectivo do uso ou fruição do prédio, «ex vi» do art. 473.º …” ([17]).

Ponto é que o enriquecimento – à custa de outrem – se verifique e careça de causa justificativa, ou por nunca a ter tido ou por a ter perdido ([18]), tornando-se, por isso, injusto e, como tal, inaceitável para o direito.

Imprescindível é ainda a ausência de outro meio jurídico – se a lei não faculta ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído –, pois que estamos perante obrigação com natureza subsidiária, como resulta do art.º 474.º do CCiv..

Quer dizer, a ação por enriquecimento é uma “… acção subsidiária ou que apresenta carácter residual”, não permitindo o nosso sistema que “… o empobrecido disponha de uma acção alternativa. Ele apenas poderá recorrer à acção de enriquecimento quando a lei não lhe faculte outro meio para cobrir os seus prejuízos. Sempre que exista uma acção normal (de declaração de nulidade ou anulação, de resolução, de cumprimento, de reivindicação, etc.) e possa ser exercida, o empobrecido deve dar-lhe preferência: não se levantará, pois, questão de averiguar se há locupletamento injustificado. E, então, só apurando-se, por interpretação da lei, que essas normas directamente predispostas não esgotam a tutela jurídica da situação é que se justifica o recurso complementar ao instituto do enriquecimento sem causa …” ([19]).

Neste sentido, é patente, como sublinha a doutrina, “… relativamente aos exemplos apontados (acção de declaração de nulidade, de anulação, de indemnização, etc.), que o instituto do enriquecimento sem causa não será aplicável, por maioria de razão, se o enriquecimento puder ser destruído mediante simples acção (contratual) destinada a exigir o cumprimento do contrato ou por meio da acção de reivindicação …” ([20]).

A obrigação de restituir abrange, segundo o preceituado no art.º 479.º do CCiv., tudo quanto o enriquecido obteve à custa do empobrecido ou, não sendo possível a restituição em espécie, o correspondente valor em dinheiro (n.º 1), não podendo, porém, exceder-se a medida do locupletamento (n.º 2), do enriquecimento patrimonial obtido.

In casu, pretende o A./Apelante que existiu uma atuação ilícita (e culposa/dolosa) da R./Apelada, violadora do seu direito de propriedade e, como tal, geradora de danos, para além de também, por consequência, ter levado ao enriquecimento do infrator/lesante (aquela R.).

Mas, se assim é, a causa de pedir adequa-se à ação de indemnização, donde que, por força do carater subsidiário aludido do enriquecimento sem causa, este seja inaplicável.

Facultando, naturalmente, a lei ao A./Apelante a ação indemnizatória por facto ilícito, via pela qual pode ser indemnizado ou restituído, não opera o instituto do enriquecimento sem causa, que não deveria ser eleito – como foi – como causa/fundamento principal.

Quer dizer, aquela conclusão 53 deveria ter sido formulada ao contrário: se não procedesse a ação de indemnização, com a respetiva causa de pedir (principal), existiria enriquecimento sem causa, com a sua obrigação restitutória (do injustamente locupletado) com natureza subsidiária, como resulta do art.º 474.º do CCiv. (causa de pedir subsidiária).

1.2. - Outro “equívoco” – aliás, bem salientado na sentença – é o de fazer crer que a intervenção/ocupação/intromissão da R./Apelada se iniciou quando o A./Apelante era o proprietário dos imóveis.

Na verdade, a tese do A./Apelante é a de que foi lesado, como proprietário, com a intervenção da R. de colocação ([21]) de “dois postes, uma torre metálica que suporta um seccionador e um poste de alta tensão” (art.º 4.º da p. i.), intervenção essa com a torre metálica a ocupar “à volta de 20 m2 de área do prédio” (art.º 7.º da p. i.), tudo feito (colocação dos referidos postes) “… nos terrenos do Autor sem qualquer autorização e contra a vontade deste” (art.º 27.º da p. i.).

Ora, prova-se ([22]) que o A./Apelante apenas se tornou proprietário dos imóveis em questão em 14/04/1994 (adjudicação na sequência de venda por propostas em carta fechada, como resulta do facto 5.), numa altura em que ali já estavam colocados dois postes de eletricidade, uma torre metálica que suportava um seccionador (num dos prédios) e com a área de 4 m2 e um poste de média tensão (no outro prédio).

Quer dizer, o A. adquiriu os imóveis já “onerados” com o que ali se encontrava, pelo que o que ali foi edificado/colocado teve consumação com antecessor do Apelante (um anterior proprietário).

E só muito mais tarde (desde 2002) o A. construiu a moradia e ali vive com a sua família (ponto fáctico 7).

A questão é então a de saber – e o A. jamais o explicou – se esse seu antecessor (anterior proprietário), aquele que era dono ao tempo da inicial intervenção da R., consentiu, ou não, nessa intervenção, algo negociou/acordou com a R., foi, ou não, por ela indemnizado e em que termos.

Assim, se o A. se apresenta como o proprietário que sofre diretamente o dano, certo é que não era ele o dono ao tempo da “ocupação”, pelo que não lhe foi – nem tinha de ser – pedida autorização (e obtido o seu consentimento) para a intervenção.

Como, então, asseverar, sem mais, que a inicial ocupação foi ilegítima, se nem sequer se caracteriza a propriedade ao tempo dessa ocupação?

Uma coisa é certa, perante este quadro fáctico, a ilegitimidade/ilicitude não pode resultar da falta de consentimento de quem não era ao tempo ainda proprietário, o aqui A./Apelante.

Este invoca, por outro lado, quanto ao seu direito de propriedade, não o dano da passagem das linhas elétricas sobre os seus prédios ([23]), mas a “ocupação ilegítima”, até à remoção em 2014 (conclusão 46), do solo/superfície e a invasão de pessoas (funcionários da R.) para acederem àqueles equipamentos, situação originada, como visto, no tempo de anterior proprietário, com o adquirente dos imóveis (A.) a adquiri-los no estado em que se encontravam ([24]).

Se esses equipamentos já estavam colocados nos imóveis desde tempos em que era outro/anterior o proprietário, que sentido faz alegar que, em atuação à revelia, não foi pedida ao A. (ainda não dono) autorização de instalação? Ou que este só depois da compra se apercebeu da existência de tais equipamentos e espaço por eles ocupado?

Falha, pois, um pressuposto essencial da pretensão do demandante: o de que era o proprietário ao tempo da ocorrência/consumação da dita “ocupação” e de que sofreu, por isso (diretamente, no seu património), o dano daí resultante.

Tal como não se esclarece em que condições se deu, perante anterior dono dos imóveis, aquela “ocupação” pela R.: se com, ou sem, consentimento, acordo, indemnização.

Uma coisa é certa: na ação de indemnização é ao demandante que cabe o ónus da alegação e prova dos requisitos da responsabilidade extracontratual, designadamente, a ilicitude ([25]) e a culpa do lesante (art.ºs 483.º e segs. e 342.º, n.º 1, todos do CCiv.).

Tal como, falhando a ação indemnizatória, é ao mesmo demandante que cabe esse ónus quanto aos pressupostos do enriquecimento sem causa (art.ºs 473.º e segs. e 342.º, n.º 1, todos do mesmo Cód.), visto como causa de pedir subsidiária.

Como, porém, não se fez luz quanto ao que ocorreu entre a R. e o proprietário (que não o A.) ao tempo da consumação da ocupação – matéria não alegada –, não pode concluir-se pela existência de ilicitude e culpa na “ocupação”, nem pela ausência de causa e por injusto locupletamento pela R., ante a total falta de suporte fáctico para tanto.

Tal afasta a pretendida indemnização ou restituição pela ocupação.

1.3. - Equívoco é ainda – salvo o devido respeito – concluir, perante o facto do ponto 18, que apenas no ano de 2012 foi concedida à R. a licença necessária (conclusão 7), pelo que antes atuaria à revelia de licenciamentos.

Com efeito, do facto 18 não pode retirar-se que a atuação anterior da R. era destituída das licenças legalmente exigidas, que atuava impunemente pelo País, à margem da regulamentação em vigor e dos licenciamentos exigíveis.

O que se refere nesse âmbito fáctico é, diversamente, que, sendo a R. entidade concessionária da Rede Nacional de Distribuição e das redes em Baixa Tensão na quase totalidade dos Municípios Portugueses (ponto 17), no quadro da sua atividade de expansão da rede de distribuição, respondendo às necessidades de regular e contínuo abastecimento de energia elétrica aos seus clientes, lhe foi concedida, em 21/09/2012, e sem prejuízo de toda a sua atividade anterior e respetivo enquadramento administrativo, licença de estabelecimento aludida.

1.4. - De notar também, como dito na sentença, que, aquando da construção pelo A. da sua moradia, tal como aquando da prévia aquisição dos imóveis, já aqueles equipamentos elétricos ocupavam o terreno, não se mostrando que sem autorização/conhecimento/indemnização do então proprietário, que não era ainda o A., contrariamente ao que sempre foi por este defendendo nos autos.

Por outro lado, haverá ainda de concordar-se com a sentença no respeitante ao acordo indemnizatório (datado de 23/09/2014) a que o A./Apelante chegou com a R., com formalização aludida no ponto 24 dos factos provados.

Assim, como expendido na decisão em crise:

«Ora, compulsados os autos, verifica-se que o A. e a R. assinaram um documento contemporâneo da modificação da localização do novo poste de electricidade, que foi colocado após remoção dos dois antes existentes, nos termos do qual o mesmo aceitou receber a quantia indemnizatória que consta dos factos provados e na qual foram contemplados os critérios legais para a fixação de tal indemnização.

Não concordando com o seu montante, pretendendo colocar em causa os critérios que estiveram na base da sua fixação ou entendendo que lhe era devido outro valor, o A. deveria ter procedido em conformidade nessa ocasião.

O que não pode é, depois de ter acordado com a R. um determinado valor indemnizatório, vir novamente discutir a questão.

Ainda que assim não se entendesse, a verdade é que o A., na sua petição inicial, não alegou quaisquer factos que pudessem, sequer, levar a que o Tribunal considerasse que a área de terreno ocupada ou a produção das árvores de fruto que ficou afectada, justificasse preço diverso.

Consequentemente, não tem a pretensão do A., quanto ao poste que actualmente se encontra colocado no seu terreno, qualquer substracto legal, pelo que igualmente será julgada improcedente.».

Improcedem, pois, a nosso ver, as conclusões em contrário do Apelante ([26]).

2. - Dos requisitos legais da má-fé processual

Resta apreciar, no âmbito do quadro fáctico fixado – não alterado nesta instância de recurso –, a matéria de direito em sede incidental de condenação por litigância de má-fé – incidente requerido pela R. –, já que o A./Apelante se não conforma com o juízo condenatório da 1.ª instância nesta parte.

Pretende tal A./Apelante inexistir qualquer litigância de má-fé da sua parte.

Na sentença foi apresentada a seguinte fundamentação:

«(…) à data em que o A. adquiriu os terrenos em causa nos autos, os mesmos já tinham implantados dois postes de electricidade, um deles com seccionador, o que não podia deixar de implicar a entrada dos técnicos da R. com vista à realização de manobras em caso de avarias.

Não é verosímil, de acordo com as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, independentemente do modo de aquisição dos terrenos, que o A. desconhecesse, à data da aquisição dos mesmos, tal realidade.

Mesmo assim, decidiu adquiri-los.

Por outro lado, pese embora existindo neles os referidos postes, decidiu aí construir uma casa de habitação, com a finalidade de nela residir juntamente com a sua família, sem que tenha visto, a essa data, qualquer inconveniente na existência dos postes e sem que, contrariamente ao que poderia ter feito, de acordo com a lei, tenha solicitado à R. a mudança de localização dos postes.

O que resulta da factualidade julgada provada é que a pretensão do A. sempre foi indemnizatória, ou seja, de obter rendimento com a situação existente.

Sintomática desta situação é a circunstância de ter sido o próprio A. que contribuiu para os seus próprios incómodos, pois que, ao construir a sua residência num local onde já sabia que existia a realidade descrita, não podia deixar de se conformar com essa mesma realidade.

Por outro lado, e quanto ao poste actualmente existente, o A., após ter acordado com a R. um valor indemnizatório, vem agora peticionar outro valor e inclusivamente pagamento de uma renda, situação que não encontra na lei qualquer fundamento.

Na perspectiva do Tribunal, o A. litiga de má-fé.».

Sem se pronunciar sobre o montante fixado (de multa) – que, por isso, não está agora em questão –, cabe saber se o A./Apelante, como afirma, não litiga de má-fé, situação que, a verificar-se, obrigaria à revogação desta parte da sentença (o seu único segmento condenatório).

Porém, também aqui não vemos que assista razão ao Apelante.

Sobre a noção de má-fé dispõe o n.º 2 do art.º 542.º do NCPCiv.:

“Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

(…)

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão” (itálico aditado).

Deste normativo legal logo se conclui que o juízo de litigância de má-fé não pode, em caso algum, prescindir da culpa do agente/litigante, seja na modalidade do dolo, seja na da negligência grave.

O Apelante, na verdade, adquiriu os imóveis quando estes já tinham implantados dois postes de eletricidade, um deles com seccionador, o que não podia deixar de implicar a entrada dos técnicos da R. com vista à realização de manobras em caso de avarias.

Mas mais, se os adquiriu nessa situação, veio alegar aos autos, contra a verdade dos factos, da sua necessária esfera de conhecimento direto e pessoal, que tais equipamentos foram implantados – e o solo ocupado – quando (já) era o respetivo proprietário, sem o seu conhecimento e a sua autorização (de dono), como decorre dos art.ºs 4.º, 9.º, 27.º e 34.º e segs., da p. i..

Acresce que também a torre metálica não ocupava “à volta de 20 m2 de área do prédio” (art.º 7.º da p. i.), mas apenas, como provado, “a área de 4 metros quadrados” (facto 6), realidade física/objetiva/visível que também o A. não podia ignorar.

Tal conduta, que configura alteração da verdade dos factos – dolosa, por se tratar de factos da sua necessária esfera de conhecimento pessoal –, aliada ao demais fundamentado na sentença nesta sede incidental, justifica a condenação operada do demandante como litigante de má-fé, o qual, como dito, não questionou o montante da sanção.

Deve, nestes termos, manter-se a decisão em crise, improcedendo as conclusões do Apelante em contrário.


***

IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Cabe ao recorrente que argui a nulidade da sentença mostrar onde se encontra consubstanciado o vício gerador dessa nulidade.

2. - Há oposição entre a decisão e os seus fundamentos quando a fundamentação da sentença aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou direção diferente, dando lugar a um vício formal da sentença.

3. - A nulidade da sentença (art.º 615.º do NCPCiv.), não sendo cominada pela lei como insanável, tem de ser invocada pelas partes, não sendo de conhecimento oficioso.

4. - A ação por enriquecimento sem causa depende da verificação de um enriquecimento à custa de outrem, que careça de causa justificativa – por nunca a ter tido ou por a ter perdido –, tornando-se, por isso, injusto e, como tal, inaceitável para o direito.

5. - Tal ação tem natureza subsidiária (art.º 474.º do CCiv.), impedindo que o empobrecido disponha de mecanismo alternativo de ressarcimento – só pode recorrer à ação de enriquecimento quem não tenha outro meio para cobrir os seus prejuízos, pois que se o tiver deverá dar-lhe preferência.

6. - Se o que está em causa é a indemnização por danos em sede de responsabilidade extracontratual, então o mecanismo adequado para tutela integral do direito do credor/lesado é a ação de indemnização, vedando a aplicação, por subsidiário, do instituto do enriquecimento sem causa, que só pode operar como causa de pedir subsidiária (para o caso de a principal não proceder).

7. - Em qualquer desses casos, cabe ao autor o ónus da alegação e prova dos factos tendentes a fazer operar qualquer desses institutos, de que depende o direito à indemnização ou à restituição.

8. - Na aquisição derivada translativa o direito adquirido pelo novo titular é exatamente o mesmo que pertencia ao titular precedente.

9. - Se o novo titular adquire prédios em cuja superfície já estavam instalados equipamentos elétricos de média tensão (postes e torre metálica de suporte de seccionador), nada alegando quanto ao anterior proprietário e respetiva autorização para essa colocação ou indemnização, não pode pretender que a colocação e manutenção são ilícitas por não ter sido obtida a autorização do novo dono.

10. - Se esse novo titular, autor na ação de ressarcimento, alega que a ilicitude deriva da instalação desses equipamentos nos seus prédios sem o seu conhecimento e autorização, apresentando-se como dono lesado, quando só mais tarde veio a adquirir a propriedade, incorre em litigância de má-fé, litigando contra a verdade de factos do seu conhecimento pessoal.

***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida.

Custas da apelação pelo Apelante.

Escrito e revisto pelo relator.

Elaborado em computador.


Coimbra, 21/02/2017

Vítor Amaral (Relator)

Luís Cravo (1.º Adjunto)

Fernando Monteiro (2.º Adjunto )


([1]) Após despachos do Relator, constantes de fls. 120 e segs. e 165 e v.º, de convite ao aperfeiçoamento conclusivo.
([2]) São estas – as aperfeiçoadas – que devem ser consideradas, em detrimento das primitivas, como tal, substituídas pelas definitivas.
([3]) Cfr. “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9.ª ed., pág. 57.
([4]) Vide “Código de Processo Civil, Anotado”, vol. V, pág. 143.
([5]) In “Dos Recursos”, Quid Júris, pág. 117.

([6]) Cfr. “Manual de Processo Civil”, pág. 686.
([7]) Assim o Ac. STJ, de 14/01/2010, Proc. 2299/05.7TBMGR.C1.S1 (Cons. Oliveira Vasconcelos), com sumário disponível em www.dgsi.pt.
([8]) Cfr., por todos, o Ac. STJ, de 23/05/2006, Proc. 06A1090 (Cons. Sebastião Póvoas), em www.dgsi.pt.

([9]) É pacífico o entendimento de que a fundamentação insuficiente ou deficiente da sentença não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, mas apenas a falta absoluta da respetiva fundamentação. Com efeito, a causa de nulidade referida na al. b) do n.º 1 do dito art.º 668.º (atual art.º 615.º do NCPCiv.) ocorre quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (cfr. art.º 208.º, n.º 1, CRPort., e art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv. aplicável). Como refere, a este propósito, Teixeira de Sousa – cfr. “Estudos  sobre o Processo Civil”, pág. 221 –, “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”. Também Lebre de Freitas – cfr. Código de Processo Civil, pág. 297 – esclarece que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”. Por sua vez, Alberto dos Reis já ensinava – cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140 – que deve distinguir-se “a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.
([10]) A nulidade da sentença, não sendo cominada pela lei como insanável, tem de ser invocada pelas partes, não sendo de conhecimento oficioso – assim, por todos, o Ac. STJ, de 07/07/1999, Proc. 99B536 (Cons. Simões Freire), tal como o anterior Ac. STJ, de 07/12/1995, Proc. 086843 (Cons. Sá Couto), ambos com sumário em www.dgsi.pt.
([11]) E nem esse sentido se logra extrair na conjugação com a extensa amálgama de alegações recursórias apresentadas nos autos (onde se mistura matéria de facto com matéria de direito e se invocam extratos probatórios para reforçar conclusões jurídicas, em matéria de fundamentação de direito, ou para lançar dúvidas sobre o juízo fáctico, sem concretização do que se pretende factualmente ver agora julgado provado, aludindo-se amiúde a “uma realidade completamente diferente”, que se não mostra qual seja no plano fáctico).
([12]) Esta relação de subsidiariedade – primeiro a causa de pedir “enriquecimento sem causa” e só depois a outra causa de pedir, “responsabilidade civil por factos ilícitos” – mostra-se bem expressa na conclusão 53 da peça recursória aperfeiçoada. 
([13]) Visto como um enriquecimento real ou patrimonial, traduzindo-se este último na “diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (situação real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado (situação hipotética)”, sendo certo que, nesta sede, “a obrigação de restituir se pauta pelo efectivo alcance das vantagens no património do enriquecido” – assim M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11.ª ed., Almedina, Coimbra, 2008, ps. 492 e seg..  
([14]) Cfr. Almeida Costa, op. cit., p. 492.
([15]) Assim Almeida Costa, op. cit., p. 492. Também Pires de Lima e Antunes Varela aludem, neste âmbito, ao uso ou consumo de coisa alheia, como, por exemplo, a instalação em casa alheia (cfr. Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 454).
([16]) Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., p. 455, quando aludem a “… um acto de intromissão do enriquecido em direitos ou bens jurídicos alheios”.
([17]) Vide ainda Almeida Costa, op. cit., ps. 495 e seg., sendo que o Autor cita também Pereira Coelho, na sua obra O Enriquecimento e o Dano, Coimbra, 1970. 
([18]) Cfr., por todos, Almeida Costa, op. cit., p. 499, e Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., p. 454.
([19]) Ver ainda Almeida Costa, op. cit., ps. 501 e seg., ilustrando este Autor que, assim, “… aquele que tenha o direito de pedir a declaração de nulidade ou a anulação de um negócio jurídico e a restituição da prestação entregue (art.º 289.º, n.º 1) não é admitido a exercer a acção de enriquecimento”.
([20]) Assim Pires de Lima e Antunes Varela, op. cit., ps. 459 e seg..
([21]) Colocação pela R. nos prédios do A. (dito art.º 4.º da p. i.).
([22]) Cfr. facto 6 do quadro fáctico provado.
([23]) Que persistiu durante vários anos em que já era o proprietário dos imóveis.
([24]) “Na aquisição derivada translativa o direito adquirido pelo novo titular é exactamente o mesmo que pertencia ao titular precedente” – assim, por todos, o Ac. STJ, de 20/11/2003, Proc. 03A2743 (Cons. Nuno Cameira), em www.dgsi.pt.
([25]) Incluindo a alegada – mas não provada – falta de legitimidade de intervenção da R., ausência de licenciamento para instalação deste tipo de equipamentos, falta de ato administrativo e de constituição de servidão administrativa.
([26]) Questão diversa, aqui não colocada, seria a da possível depreciação dos prédios decorrente da passagem aérea das linhas de média tensão e suas eventuais consequências/limitações.