Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
100/14.0GCSRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
IN DUBIO PRO REO
AMEAÇA
MEDIDA DA PENA
PEDIDO CÍVEL
EQUIDADE
Data do Acordão: 02/24/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (INSTÂNCIA LOCAL DE OLEIROS)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 40.º, 71.º, 153.º DO CP; ART. 412.º DO CPP; ARTS. 70.º, 483.º E 496.º DO CC
Sumário: I - Para que se altere a matéria de facto, com base em erro de julgamento, é necessário que as provas concretas façam prova por si, que os factos se passaram de forma diversa da que perfilhou o tribunal a quo.

II- Só quando for impossível chegar a um juízo de certeza, perante uma dúvida irremovível, é que o tribunal na dúvida deve decidir a favor do arguido, em obediência à presunção de inocência de que beneficia, incumbindo à acusação a prova dos factos articulados.

III - Para o preenchimento do crime de ameaça, é necessário que se verifiquem três características essenciais:

- Em primeiro lugar, o mal, que tanto pode ser de natureza pessoal como patrimonial;

- Em segundo, o mal que é objecto da ameaça tem de ser futuro (e não iminente);

- Por último, que a ocorrência do mal futuro dependa da vontade do agente.

IV - Devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes e Ac. STJ 29.4.98 CJ, T. II, pág. 194.

V - A indemnização que se pretende ver efectivada nos autos emerge de crime contra a personalidade da ofendida, a qual beneficia de protecção legal contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, fundada na responsabilidade subjectiva do demandado, nos termos dos art. 70.º, do CC.

VI - O facto de se tratar de um julgamento de equidade não impede que se deva atender à justa medida da gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras que o juiz deve seguir, com motivação adequada, o processo lógico através do qual chegou à liquidação equitativa do dano.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra

I - Relatório

No processo supra identificado o Ministério Público deduziu acusação para julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, contra o arguido A... , casado, nascido em 03/04/1951, em Évora, filho de (...) e (...) , residente no (...) , Proença-a-Nova, imputando-lhe a prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153.º, n.º1, do Código Penal (CP).

A ofendida / demandante civil deduziu pedido de indemnização civil, peticionando a condenação do arguido no pagamento da importância de € 1.500,00, a título de danos não patrimoniais sofridos.

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O tribunal decidiu:

a)     Condenar o arguido, pela prática, em autoria material, de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153.º, n.º1, do CP, na pena de 65 dias de multa, à razão diária de € 9, no total de € 585.

b)     Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado, condenando o arguido no pagamento da quantia de € 400.

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Inconformado recorreu o arguido, o qual pugna pela sua absolvição, formulando as seguintes conclusões:

«1 - A versão dos factos apresentada pela Queixosa/Demandante Civil não pode merecer credibilidade por parte do Tribunal.

2 - Tal versão foi sustentada nos depoimentos das testemunhas B... , os quais se revelaram eivados de falta de isenção e clareza e cheios de contradições e ambiguidades as quais se concretizam sinteticamente no seguinte:

B... , cujo depoimento se encontra gravado em CD e teve o seu início pelas 11h.06m e 14s., tendo terminado pelas 11h.22m e 12s., referiu que:

- "Quando ele passou eu estava a apanhar cogumelos".

- "Fomos à casa da senhora mas ela não estava".

- "À volta para baixo este senhor passou com a carrinha vermelha".

A D. C... cujo depoimento se encontra gravado em CD, teve tido início pelas 11h22m51s e fim pelas 11h33m44s., referiu que:

"Não se recorda de ter parado e que não apanharam nada, disse mais não estou a mentir, não tenho razão para estar a mentir".

"Referiu que a Senhora da casa, onde iam estava em casa".

"Referiu que ainda lá estiveram algum tempo, pois ainda foram cortar as árvores, os ramos para fazer jarras".

"Referiu ainda que quando se cruzaram com o Sr. A... ainda iam para lá, ou seja para a casa da senhora".

3 - Por isso no caso subjudice o recorrente considera incorrectamente julgados os pontos 1, 2, 3, e 4 da matéria de facto dada como provada, os quais face á prova produzida em audiência de julgamento devem ser considerados como não provados.

4 - No caso concreto não existem provas que devam ser renovadas, uma vez que conforme se alegou não foi feita prova dos factos constantes da acusação.

5 - A decisão terá assim que ser alterada em consequência dos depoimentos prestados pelas testemunhas B... e C... não serem suscetíveis de merecer credibilidade, por terem sido prestados de forma não isenta e cheios de contradições e ambiguidades, pelo que, face a ausência de prova dos factos constantes da acusação terá o arguido que ser absolvido com base no princípio "in dúbio pro reo ".

6 - Como o arguido negou a prática dos factos que vinha acusado, a condenação do recorrente assentou unicamente nos referidos depoimentos e face à inexistência de outras testemunhas que tenham corroborado a versão da recorrida de forma isenta e credível, a única alternativa é a de aplicar o princípio "in dúbio pro reo", absolvendo o recorrente, não só da acusação contra si formulada como também do pedido cível deduzido;

7 - Assim, verifica-se uma subversão dos princípios de presunção da inocência na face de julgamento e "in dúbio pro reo", com a violação expressa do comando contido no artigo 62.º, n.º 2 da Constituição de República Portuguesa;

8 - O supra exposto traduz-se também em erro notório na apreciação da prova e contradição entre a fundamentação e decisão, dado que a decisão surge como conclusão ilógica e contraditória, violadora das regras da experiência comum;

9 - Mostra-se também violado o preceituado no artigo 410.º, n.º 2, alínea a) e c) do CPP.

10 - Se o Tribunal assim o não entender sempre se dirá que a frase que é atribuída ao arguido tem que ser entendida, num contexto em que as relações familiares de parte a parte se regem por conflitos e desentendimento diários, não podendo por isso a mesma ser entendida como tendo o arguido intenção de praticar um mal futuro, na pessoa da queixosa, não preenchendo a mesma, a tipicidade objetiva do crime de ameaças.

11 - Atendendo à ilicitude do facto, ao dolo do agente, às condições de vida, à situação económica e ao facto de ser delinquente primário, a pena aplicada ao recorrente, pelo Tribunal "a quo" mostra-se exagerada;

12 - Cabendo ao crime em causa, p.p. pelo artigo 153.º, do C. Penal, uma pena de multa de 120 dias, a pena de multa não deve ser superior a 50 dias;

13 - A quantia diária da multa é exagerada em função das circunstâncias e modo de vida do recorrente, devendo ser fixada em valor não superior a 5€.

14 - Nesse caso a indemnização deve ser reduzida ao montante de €250,00».

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Notificado o Ministério Público nos termos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, sustenta que o recurso não merece provimento e que a sentença recorrida deve manter-se, uma vez que não houve errada apreciação da prova, não foi violado o princípio in dúbio pro reo e que a determinação da pena concreta l, bem como o quantitativo da taxa diária da multa obedeceram aos critérios legais aplicáveis.

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Nesta instância, os autos tiveram vista do Ex.ma Senhor Procuradora-geral Adjunta, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, a qual, em síntese, emitiu douto parecer no sentido de que acompanhava as contra-alegações do MP na 1.ª instância.

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Notificado o arguido, nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP respondeu, limitando-se a dizer que mantém tudo quanto consta das alegações de recurso.

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Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, e uma vez colhidos os vistos legais, indo os autos à conferência, cumpre decidir.

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Vejamos pois a factualidade apurada pelo tribunal e respectiva motivação:

Factos provados:

Da acusação pública e do pedido cível:

1) No dia 28 de Novembro de 2014, cerca das 14 horas, junto ao Pontão do Laranjeiro, no concelho de Proença-a-Nova, o arguido A... seguia no seu veículo automóvel e quando se aproximou da denunciante D..., afrouxou a marcha, abriu a janela do veículo e dirigiu-lhe a seguinte expressão “parto-te o focinho, nem que para isso me parte todo”.

2) Por causa dessas expressões intimidatórias e, porque justamente se convenceu que o arguido poderia vir a fazer o mal que anunciou, - bater-lhe, D... sentiu medo e inquietação da concretização daquela ameaça.

3) Ao dirigir a expressão supra mencionada à denunciante, do modo que o fez e o teor da expressão proferida, o arguido agiu com o propósito de tolher a liberdade de acção e decisão da denunciante, e provocar-lhe medo e inquietação, o que quis e conseguiu.

4) O arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Dos demais factos provados e condições socioeconómicas do arguido:

5) O arguido vive com a esposa em casa própria adquirida com recurso a crédito à habitação pelo qual paga a quantia mensal de € 350.

6) (…) é reformado e aufere a pensão mensal de € 850 e uma pensão de invalidez de € 1.800.

7) (…) gasta a quantia mensal de cerca de € 400 no crédito para aquisição de veículo automóvel.

8) (…) gasta a quantia mensal de cerca de € 400 com a empregada doméstica que necessita para prestar cuidados á esposa acamada.

9) O ora arguido como habilitações literárias possui o 5.º ano.

10) (…) do seu registo criminal nada consta.

Factos não provados:

a) Por causa da actuação descrita a ofendida anda atemorizada e tem receio de se cruzar com o arguido.

Motivação da decisão de facto:

A formação da convicção do Tribunal teve por base, quanto aos factos descritos na douta acusação, a análise crítica da globalidade da prova, analisada à luz das regras da experiência comum e segundo juízos lógico-dedutivos.

Assim, teve o tribunal em conta, em particular o depoimento da ofendida que mereceu toda a credibilidade pela forma que foi prestado, tendo-se pautado pela coerência, calma e isenção (não obstante ser ofendida) que relatou os factos tais como constavam da acusação.

Cumpre mencionar que quanto às circunstâncias de tempo e lugar as declarações prestadas pelo arguido e ofendido coincidiram, inclusive no que diz respeito às pessoas que se encontravam presentes no local, as testemunhas B... (mãe da ofendida) e C... (tia da ofendida), contrapondo-se unicamente no que diz respeito às concretas palavras proferidas pelo arguido.

No que diz tange àquele ponto em concreto, o arguido relatou ao tribunal que apenas disse à ofendida para ter atenção ao que andava a fazer que o filho lhe tinha dito que ela já tinha sido chamada, porque andava a maltratar a filha, enquanto a ofendida mencionou que aquele lhe terá dito que “lhe partia o focinho, nem que se partisse todo”.

A versão da ofendida foi confirmada pelas testemunhas B... e C... , cuja presença no local reiteramos não foi colocada em crise, e que apesar das pequenas discrepâncias relativas a alguns momentos que antecederam e sucederam o momento da alegada ameaça, tiveram um relato credível e coerente e não exactamente coincidente, facto que na opinião do tribunal só lhes acrescenta credibilidade.

Ambas as testemunhas relataram que na situação em apreço ouviram a expressão plasmada na acusação e foram unânimes no que diz respeito aos factos essenciais, isto é, que o arguido abrandou a marcha (não tendo parado), que seguiam no lado esquerdo da estrada e o arguido do lado direito e no mesmo sentido de trânsito, e por fim, quanto às concretas palavras proferidas.

Não diminui a credibilidade daqueles depoimentos, o facto de, por exemplo, a testemunha C... não se recordar que a testemunha B... apanhou um cogumelo ou que a vizinha para casa de quem se dirigiam não se encontrava, sendo perfeitamente verosímil que pelo contrário recorde com precisão o momento em que o arguido proferiu as palavras, dado que tal situação é marcante.

Por outro lado, não convenceu o tribunal que atento o conflito que existe entre o arguido e a ofendida, cuja origem não foi por ambas as partes claramente explicada, o arguido tenha abordado a ofendida apenas para a advertir quanto à situação da filha, sendo que a situação em si, por exemplo o facto do arguido nem sequer ter parado, aponta no sentido de ter sido proferida uma única frase, o que não é compatível com aquilo que foi relatado pelo arguido.

Em face do exposto, o tribunal acreditou no relato da ofendida, quer quanto aos factos da acusação, quer quanto aos factos do pedido cível, sendo que neste particular recorreu, ainda, o tribunal às regras da experiência comum que ditam que a situação em apreço (ser abordada na rua e a concreta frase proferida) é passível de causar inquietação. No que tange ao facto da situação em apreço ter proporcionado que a ofendida evite cruzar-se com o arguido e ande atemorizada, entende o tribunal que não resultou claro que tal seja resultado deste episódio em concreto porquanto foi patente que já existiram outros que envolveram ameaças.

Por fim, quanto às condições socio económicas do arguido e o problema do alcoolismo relevaram as declarações do próprio que, nesta sede, não foram colocadas em crise e mostraram-se verosímeis.

Quanto aos antecedentes criminais foi tido em conta o C.R.C. de fls.75 e ss.».

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II- O Direito

As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questões a decidir:

a) Erro notório na apreciação da prova e violação do princípio in dúbio pro reo.

b) Enquadramento jurídico-penal dos factos

c) Medida da pena e da taxa diária da multa

d) Redução do pedido cível.

Apreciando:

a) Erro notório na apreciação da prova e violação do princípio in dúbio pro reo.

O arguido nas conclusões 3, 4 e 5 refere que se mostram incorrectamente julgados os factos 1, 2, 3 e 4, dados como provados, alegando que não foi feita prova dos factos constantes da acusação.

Sustenta que a decisão terá assim que ser alterada em consequência dos depoimentos prestados pelas testemunhas B... e C... , por não merecerem credibilidade, uma vez que foram prestados de forma não isenta e cheios de contradições e ambiguidades, pelo que, face a ausência de prova dos factos constantes da acusação terá o arguido que ser absolvido com base no princípio in dúbio pro reo.

Refere ainda que o arguido negou a prática dos factos, tendo a condenação do recorrente assentado unicamente nos referidos depoimentos e face à inexistência de outras testemunhas que tenham corroborado a versão da recorrida de forma isenta e credível, a única alternativa é a de aplicar o princípio "in dúbio pro reo", absolvendo o recorrente, não só da acusação contra si formulada como também do pedido cível deduzido.

Conclui depois que tal se traduz em erro notório na apreciação da prova e contradição entre a fundamentação e decisão, dado que a decisão surge como conclusão ilógica e contraditória, violadora das regras da experiência comum.

Ora esta forma de atacar a matéria de facto não se traduz minimamente em impugnação especificada da matéria de faco com base em erro de julgamento. 

Nos termos do art. 412.º, n.º 1, do CPP a motivação especifica os fundamentos do recurso, devendo terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, devendo ainda obedecer às prescrições dos n.ºs 2 a 5.

Em bom rigor o art. 412.º, n.º 3, do CPP impõe o seguinte:

«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devam ser renovadas».

O recorrente indica os factos 1, 2, 3 e 4, dados como provados que considera incorrectamente julgados.

Antes de mais importa frisar que devemos ter em atenção que as concretas provas indicadas pelo recorrente, para se concluir pela alteração da matéria de facto, devem impor decisão diversa da recorrida, não deixando alternativa ao julgador.

Se fosse tido mais em atenção este preceito, por certo haveria mais cuidado na impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento.

Repetimos: para que se altere a matéria de facto, com base em erro de julgamento, é necessário que as provas concretas façam prova por si, que os factos se passaram de forma diversa da que perfilhou o tribunal a quo. 

Não é manifestamente o caso seguido pelo recorrente.

A impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento não se pode traduzir na repetição do julgamento da 1.ª instância.

Esta não é a função do tribunal de recurso, mas corrigir pontualmente os pontos que concretamente o recorrente considera incorrectamente julgados.

E verificar se os factos acima apontados estão incorrectamente julgados implica a reapreciação da prova, isto é, verificar, se apontam em sentido diverso do vertido na decisão.

Para tal devemos partir de elementos extrínsecos à sentença.

Quando partimos dos elementos intrínsecos à sentença estamos perante os vícios da sentença, que devem resultar do próprio texto e as deficiência apontadas à matéria de facto e fundamentação enquadram-se nos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP.

São caminhos bem diferentes de por em causa a matéria de facto, mas que ambos podem levar à sua modificabilidade.

No caso dos autos o arguido confunde a errada apreciação da prova, com o erro de julgamento.

E para impugnar os quatro factos acima apontados fundamenta-se na falta de credibilidade das testemunhas em que se fundamentou a convicção do tribunal.

Como vimos o arguido enveredou por atacar toda a matéria de facto de uma forma geral e forma como pôs em causa o acórdão recorrido, nada mais fez que se pôr no lugar do julgador a fazer a apreciação da prova, segundo a sua interpretação, e, salvo o devido respeito, esta não é a via de recorrer da matéria de facto com base em erro de julgamento.

A insuficiência da prova a que alude o recorrente também não tem a ver com a impugnação da matéria de facto especificada e nem se confunde com o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Uma coisa é não haver prova para dar os factos provados, outra é que os factos dados como provados não podem levar à condenação, por serem insuficientes.

O tribunal deu credibilidade ao depoimento das testemunhas acima mencionadas, não podendo ser posta em causa a sua versão apenas porque o seu depoimento não merece credibilidade, segundo a interpretação que o recorrente faz da prova.

Como resulta da análise que fizemos a impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, não reúne minimamente os requisitos do art. 412.º, n.º 2, al. b), do CPP, isto é, não indica um aprova que imponha decisão diversa da recorrida, limitando-se o arguido a apontar o sentido que daria à prova, pondo em causa a credibilidade do depoimento das testemunhas.

Por outro lado, não deu cumprimento ao disposto no n.º 4, do mesmo artigo, devendo designadamente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

O critério não foi este, antes impugnou genericamente a matéria de facto, pondo em causa sobretudo a credibilidade do depoimento da ofendida.

E nesta parte aponta o art. 417.º, n.º 3, do CPP, que se das conclusões de recurso não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.º 2 a 5 do art. 412.º, o relator convida o recorrente a completar ou a esclarecer as conclusões formuladas.

Porém, de acordo com o n.º 4, do art. 417.º, o aperfeiçoamento previsto no número anterior não permite modificar o âmbito do recurso que tive sido fixado na motivação.

Aliás, ao abordarmos esta questão não só tivemos em conta as conclusões, como essencialmente a longa motivação que analisámos em pormenor.

Nesta conformidade, concluímos que o arguido não impugnou a matéria de facto, ao abrigo do disposto do art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, antes a sua posição configura o vício de erro notório na apreciação da prova, constante do art. 410.º, n.º al. c), como deixa transparecer o recorrente na sua motivação de recurso e nas próprias conclusões.

Vejamos agora se existe erro notório na apreciação da prova e violação do princípio in dúbio pro reo.

O recorrente confunde a diferente valoração que o tribunal fez da prova, relativamente à versão do arguido, que em seu entender não existe prova bastante para dar como provados os factos constantes dos pontos 1, 2, 3 e 4, os quais foram dados como provados com violação do princípio in dubio pro reo.

Nos termos do art. 32.º, n.º 2, da CRP o arguido se presume-se inocente até ao trânsito em julgado.

O princípio de inocência in dubio pro reo, deve estar sempre presente na mente do julgador, ma por outro lado deve pautar-se pela observância do princípio da livre apreciação da prova, cabendo-lhe fazer uma apreciação crítica da conjugação dos vários elementos probatórios, valorando e credibilizando uns em detrimento de outros.

Ora, de acordo com o disposto no art. 127.º, do CPP, o princípio da livre apreciação da prova, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.

Porém, o julgador, obedecendo a estas regras, não aprecia a prova de forma arbitrária, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com apoio na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção, como um dos requisitos da sentença, exigidos pelo art. 374.º, n.º 2, do CPP.

A apreciação pelo Tribunal da Relação da eventual violação do princípio in dúbio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto, designadamente erro notório na apreciação da prova, isto é, deve ser da análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, seguindo o processo decisório, evidenciado pela análise da motivação da convicção, se se chegar à conclusão que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido.

Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade: trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.

No caso dos autos o arguido esquece que o princípio in dúbio pro reo deve ser conciliado com os princípios da livre apreciação da prova e com as regras de interpretação e valoração da prova, que o julgador deve ter também sempre em conta na procura da verdade material, como objectivo da realização da justiça.

E só quando for impossível chegar a um juízo de certeza, perante uma dúvida irremovível, é que o tribunal na dúvida deve decidir a favor do arguido, em obediência à presunção de inocência de que beneficia, incumbindo à acusação a prova dos factos articulados. 

O juiz enquanto julgador deve procurar a verdade material, que tem de ponderar, de forma sensata com a observância dos diversos princípios constitucionais na realização da justiça.

A existência de duas versões contraditórias não implica necessariamente a aplicação do princípio in dúbio pro reo, dando como não provada a autoria do crime de cheque sem provisão imputado ao arguido.

Tal tem de resultar de um juízo positivo de dúvida resultante de um impasse probatório irredutível.

Em conclusão diremos que a violação do in dúbio pro reo se traduz em erro notório na apreciação da prova, quando a prova não permite tirara a conclusão para a condenação.

No seguimento das conclusões a que chegámos para enquadrar a motivação de recurso do arguido se pronunciou a seguinte jurisprudência: Ac. do STJ, de 12/03/2009 – Proc. 07P1769, in http://www.dgsi.pt; Ac. do STJ, de 3/04/2003 – Proc. 975/03, in http://www.pgdlisboa.pt/iure/stj; Ac. do TRC de 30/09/2009 – Proc. 195/07.2GBCNT.C1 e de 6/09/2009 – Proc. 363/08.00GACB.1, in http//www.trc.pt.

No caso dos autos a ofendida disse que o arguido, dirigindo-se a si, proferiu a expressão que “lhe partia o focinho, nem que se partisse todo”.

As testemunhas B... e C... confirmaram que ouviram o arguido proferir aquela expressão, a qual mereceu credibilidade do tribunal.

O recorrente não pode questionar a matéria de facto com base na credibilidade que o tribunal deu à prova que em seu entender deveria ter sido valorada de forma diferente, pois o vício de erro notório na apreciação da prova, não tem a ver com a credibilidade que o tribunal a quo deu à prova em que baseou a decisão, não podendo deste modo, e por si só, pôr-se em causa a factualidade dada como assente.

A apreciação da prova pelo julgador é livre, embora a discricionariedade na apreciação da prova tenha o limite das regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e de controlo, nos termos do art. 127. ° do CPP.

Neste sentido decidiu o Tribunal Constitucional em Acórdão de 19-11-96, in BMJ, 461, 93.

Sendo o tribunal soberano na apreciação da prova, o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, só pode servir de fundamento à motivação do recurso, desde que resulte do texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.

Os contornos da figura jurídica do vício de erro notório na apreciação da prova aparecem recortados na jurisprudência dos tribunais superiores como sendo o erro segundo o qual na apreciação das provas se constata o mesmo de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, ao comum dos observadores, mas que tem de ser observado a partir do texto da sentença recorrida nos termos sobreditos.

Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum.

Concluímos assim pelos fundamentos expostos que a motivação recurso carece de fundamentos para alterar a matéria de facto constante dos factos 1, 2, 3 e 4 provados, não padecendo a sentença recorrida de vício de erro notório na apreciação da prova e não incorrendo o tribunal a quo em violação do princípio in dúbio pro reo.

*

b) Enquadramento jurídico-penal dos factos

Uma vez considerada fixada definitivamente a matéria de facto, importa agora apreciar se estão reunidos os elementos constitutivos do tipo legal de crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153.º, n.º1, do CP.

Dispõe o art. 153.º, n.º 1, do Código Penal:

«Quem ameaçar outra pessoa com a prática de o crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias» ”.

O bem jurídico protegido por esta norma legal é a liberdade de decisão e de acção - a paz jurídica individual.

Como refere Taipa de Carvalho “as ameaças, ao provocarem um sentimento de insegurança, intranquilidade ou medo na pessoa do ameaçado afectam, naturalmente, a paz individual que é condição de uma verdadeira liberdade” - In Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo I, pág. 342.

A análise do tipo objectivo do presente ilícito permite-nos constatar que, para o seu preenchimento, é necessário que se verifiquem três características essenciais do conceito de ameaça:

- Em primeiro lugar, o mal, que tanto pode ser de natureza pessoal como patrimonial;

- Em segundo, o mal que é objecto da ameaça tem de ser futuro (e não iminente);

- Por último, que a ocorrência do mal futuro dependa da vontade do agente.

Por outro lado, a forma da acção de ameaçar não assume foros de relevância para o preenchimento do tipo, pelo que tanto pode ser oral, escrita ou gestual.

Acresce que, como resulta do segmento da letra da lei “com a prática de crime”, o objecto da ameaça tem que configurar um facto ilícito típico, seja sob a forma de acção seja de omissão.

Resulta ainda do texto da lei que o conhecimento da ameaça por parte do sujeito passivo é elemento integrante deste conspecto delitual.

Para o preenchimento deste tipo de crime torna-se, ainda, necessário que a ameaça perpetrada seja adequada a provocar ao sujeito passivo medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.

Importa agora esclarecer o que se deve entender por “adequação da ameaça”.

Segundo Taipa de Carvalho (In ob. cit., pág. 348)“o critério da ameaça de molde a provocar medo ou inquietação, ou de modo a prejudicar a liberdade de determinação é objectivo – individual:

- Objectivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do “homem comum”);

- Individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico - mentais da pessoa ameaçada (relevância das “sub-capacidades” do ameaçado)”.

Relativamente ao elemento subjectivo do ilícito ora em questão, trata-se de um crime doloso – dolo esse que exige e se basta com a consciência (representação e conformação) da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade ao ameaçado, sendo irrelevante que o agente tenha ou não a intenção de concretizar a ameaça.

A factualidade que suporta o crime de ameaça é a seguinte:

«1) No dia 28 de Novembro de 2014, cerca das 14 horas, junto ao Pontão do Laranjeiro, no concelho de Proença-a-Nova, o arguido A... seguia no seu veículo automóvel e quando se aproximou da denunciante D... , afrouxou a marcha, abriu a janela do veículo e dirigiu-lhe a seguinte expressão “parto-te o focinho, nem que para isso me parta todo”.

2) Por causa dessas expressões intimidatórias e, porque justamente se convenceu que o arguido poderia vir a fazer o mal que anunciou, - bater-lhe, D... sentiu medo e inquietação da concretização daquela ameaça.

3) Ao dirigir a expressão supra mencionada à denunciante, do modo que o fez e o teor da expressão proferida, o arguido agiu com o propósito de tolher a liberdade de acção e decisão da denunciante, e provocar-lhe medo e inquietação, o que quis e conseguiu.

4) O arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

O arguido ao dirigir-se à ofendida dizendo-lhe que “lhe partia o focinho, nem que para isso se partisse todo”, intimidou a visada directa e oralmente com a prática futura de um mal (a prática de crime contra a sua integridade física), de modo adequado a provocar-lhe temor e inquietação, bem como a perturbar o seu sentimento de segurança, cuja eventual execução dependeria exclusivamente da vontade do arguido.

O fim pretendido pelo arguido era criar medo e inquietação na ofendida.

Ora, para qualquer pessoa média, colocada nas mesmas circunstâncias que a ofendida, se afigura a atitude do arguido, ao tomar a iniciativa, de, ao passar por ela de automóvel, incomodá-la sem qualquer pretexto, para lhe dirigir aquela expressão, idónea a provocar medo e inquietação pela sua integridade física e vida, bem como a perturbar o seu sentimento de segurança e a sua liberdade de determinação.

A ofendida tomou a intenção do arguido como séria, de tal modo que ficou “com medo e inquietação da concretização da ameaça”.

Encontram-se pois reunidos os elementos objectivos do tipo legal de crime de ameaça exigíveis na previsão do art. 153.º, n.º 1, do CP.

No caso concreto, o arguido sabia que ao dirigir oralmente à ofendida a descrita expressão, podia provocar-lhe medo ou intranquilidade, bem como perturbar o seu sentimento de segurança e a sua liberdade de determinação, e, mesmo assim, não se absteve de agir da forma descrita.

Aliás fez mesmo o propósito de criar a situação para a ofendida.

Como decorre dos pontos n.º 3 e 4,da matéria de facto provada, o arguido actuou com dolo directo, sendo certo que preenche o tipo subjectivo de crime em questão quem representa a adequação da sua conduta (a atitude intimidativa oral, escrita ou gestual, expressa ou tácita) para provocar medo ou inquietação em outrem e age com vontade que a intimidação chegue ao conhecimento dessa pessoa (sendo irrelevante que tenha ou não intenção de concretizar a ameaça).

Concluímos assim que se verificam todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153.º, n.º 1, do Código Penal, pelo qual foi condenado o arguido.

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c) Medida da pena e da taxa diária da multa

O crime de crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153.º, n.º1, do CP é punível com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

Feita a opção da natureza da pena por multa, que não se discute no âmbito do recurso, mas apenas a medida concreta, o arguido foi condenado em 65 dias de multa, à razão diária de € 9, no total de € 585, o arguido pugna para que a pena de multa seja fixada em medida não superior a 50 dias e a taxa diária não superior a €5,00.

A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 1 e 2 do CP).

A prevenção e a culpa são pois instrumentos jurídicos obrigatoriamente atendíveis e necessariamente determinantes para balizar a medida da pena concreta a aplicar.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes e Ac. STJ 29.4.98 CJ, T. II, pág. 194.

Uma vez escolhida a natureza da pena há que determinar a sua medida concreta, tendo em conta os limites mínimo e máximo apontados pela moldura penal abstracta, devendo o tribunal ter em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção, conforme os trilhos apontados pelo art. 71.º, n.º 1, do CP.

E a concretização desse critério para determinar a pena concreta que se pretende justa e adequada a cada caso concreto tem desenvolvimento, na ponderação que o tribunal deve ter, de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor e/ou contra o agente do crime, conforme art. 71.º, n.º 2, do CP.

E aquele preceito prevê, “nomeadamente”, nas al. a) a f), que o julgador deve ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita.

A lei ao referir que se deve atender nomeadamente àquelas circunstâncias, por serem as mais comuns, mais não diz que o tribunal deve atender a outras ali não especificadas, isto é, a todas as circunstâncias susceptíveis de influenciarem a determinação da pena concreta.

A favor do arguido intervêm as seguintes circunstâncias:

- A sua integração social e familiar;

- A inexistência de condenações anteriores por crime de idêntica natureza;

E depõem as seguintes circunstâncias contra o arguido:

- A consciência da ilicitude, face ao seu grau de instrução;

- A intensidade do dolo que se reputa alta, porquanto directo.

O tribunal a quo movimentou-se num a moldura penal abstracta, prevista nos termos dos art. 153.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1, do CP, de 10 a 120 dias de multa.

Face ao exposto, foram observados de forma ponderada e sensata os critérios apontados pelos art. 40.º e 71.º, do CP, pelo que uma vez justificada a opção pela pena de prisão, mostra-se justa e adequada, a fixação da pena concreta em 65 meses de multa.

O tribunal de recurso deve intervir na alteração da pena concreta, apenas quando se justifique uma alteração minimamente substancial, isto é, quando se torne evidente que foi aplicada, sem fundamentos que o justifiquem e com desvios aos critérios legalmente apontados.

Não é manifestamente o caso.

Assim, não se justifica a redução da pena de 65 dias de multa, em que o arguido foi condenado.

Apreciemos agora se se justifica a redução da taxa diária da multa de €9,00 par €5,00.

Na determinação concreta da taxa diária da multa dispõe o art. 47.º, n.º 2, do CP o seguinte:

«Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais».

Relativamente à determinação do quantitativo diário, tendo em atenção que a situação económica do arguido que tem rendimentos que ascendem a cerca de € 2.650 e despesas fixas de cerca de € 1.150, considera-se adequado o montante diário de € 9, conforme decidiu o tribunal recorrido.

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d) Do pedido de indemnização cível

O arguido, a manter-se a condenação, alega que a indemnização fixada em €400,00, deve ser reduzida para €250,00.

Não se discutem os pressupostos, mas apenas o quantum indemnizatório, por danos não patrimoniais.

A responsabilidade civil emergente de crime é regulada pela lei civil, por força do art. 129.º, do CP.

Dispõe do artigo 483º, n.º1 do Código Civil:

«Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

A indemnização que se pretende ver efectivada nos autos emerge de crime contra a personalidade da ofendida, a qual beneficia de protecção legal contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, fundada na responsabilidade subjectiva do demandado, nos termos dos art. 70.º, do CC.

Nos termos do art. 496.º, n.º 1, do Cód. Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

“A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada); por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” - Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2.ª Edição, pág. 486 e 489.

Não há fórmulas concretas ou tabelas para de uma forma matemática se determinar o “quantum” indemnizatório. Aliás a própria natureza dos danos não se quadunam com tais critérios, o que se conclui de uma simples leitura dos art. 496, n.º 3 e 494.º, do Cód. Civil.

No primeiro preceito acabado de citar, consagra-se que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias relevantes do caso concreto.

O facto de se tratar de um julgamento de equidade não impede que se deva atender à justa medida da gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras que o juiz deve seguir, com motivação adequada, o processo lógico através do qual chegou à liquidação equitativa do dano.

A ofendida, como resulta da matéria de facto provada, sofreu danos não patrimoniais, que se traduzem no medo e inquietação que sentiu, com receio de que a ameaça se concretizasse.

Foi peticionada pela ofendida a quantia de €1.500,00.

O tribunal a quo atendeu à relativa gravidade e relativas consequências dos danos causados, ao grau de culpabilidade do arguido, o qual agiu com dolo directo, à condição social e económica do arguido e da lesada.

Foram variáveis que a senhora juíza teve em consideração, de acordo com o disposto nos art. 496.º, n.º 1 e 2 e 494.º, do CC, não havendo razões para reduzir a módica quantia fixada apenas em 400.00 € (quatrocentos euros), fixada equitativamente para o ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pela ofendida.

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III- Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4.ª Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido, mantendo-se a sentença recorrida.

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Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3UCs.

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NB: Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP.

Coimbra, 24 de Fevereiro de 2016

(Inácio Monteiro - relator)

(Alice Santos - adjunta)