Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
768/21.0T8CVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
INEPTIDÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
Data do Acordão: 02/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DA COVILHÃ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 555º, N.º 1, 186.º, N.º 2, ALÍNEA C), 8.º E 3.º, N.º 3, TODOS DO CPC
Sumário: I - O pedido de demarcação é substancialmente incompatível com o de reivindicação.

II - A disciplina prevista no art.º 38º do NCPC não é aplicável à nulidade resultante da ineptidão da petição inicial por cumulação de causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

III - A violação do princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão surpresa, pressupõe que a parte, razoavelmente, ante o processado nos autos e o conhecimento que dele teve e em que interveio, ou em que teve a possibilidade de intervir, não pudesse contar com a decisão que veio a ser proferida, ainda que a mesma se pudesse conceber como representando uma das soluções juridicamente viáveis para o caso.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:[1]

I - A) - 1) - AA e mulher BB, intentaram, em 15/6/2021, acção sob a forma de processo comum, contra CC e mulher DD, terminando o articulado inicial do modo que ora se transcreve:

«… deve a presente acção ser julgada totalmente procedente, por provada, e em consequência:

a)  Serem demarcados os prédios identificados nos artigos 1º e 3º deste articulado na estrema em que confinam um com o outro, ou seja, na estrema poente do primeiro e nascente do segundo, em conformidade com os respectivos títulos de aquisição e com o levantamento topográfico;

b)  Serem os réus condenados a reconhecer que a parcela de terreno do logradouro, com a área total de 64,12 m2, que separa os prédios identificados nos artigos 1º e 3º, faz parte integrante do prédio adquirido pelos autores, em toda a sua extensão.

c)  Serem os réus condenados a concorrer para a demarcação das estremas do seu prédio, fixando-se uma linha divisória entre os dois prédios, de acordo com os respectivos títulos e com o levantamento topográfico;

d)  Serem os réus condenados a desocupar a dita parcela de terreno correspondente ao logradouro, daí retirando todos os objectos colocados e a absterem-se, de praticar, por si ou por interposta pessoa, atos ou factos que impeçam, prejudiquem ou obstem o exercício do direito de propriedade dos autores sobre aquela parcela de terreno que faz e sempre fez parte integrante do prédio dos autores, seja a que título ou por que forma for;

e) Serem os réus condenados a numa sanção pecuniária compulsória no montante de € 100,00 por cada dia que violem a sentença que vier a ser proferida na presente ação. (…)».

Sustentaram, em síntese, que:

- Eles, AA, são donos e legítimos proprietários do prédio urbano com a área total de 150,00 m2, o qual se encontra inscrito a seu favor, por compra 1 de Abril de 2019, tendo os RR registada a aquisição a seu do prédio urbano, inscrito na respectiva matriz sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...;

- Estes dois prédios são contíguos entre si, sendo que o prédio dos autores confina a poente com o prédio dos réus, e o dos réus a nascente com o dos autores;

-  O logradouro que separa os dois prédios confinantes, faz parte do prédio dos AA, tendo estes como assente que a área desse prédio que adquiriram é de 150 m2;

- Contudo, os RR têm utilizado tal logradouro, aí depositando mercadorias, designadamente vasilhame, grades, caixas e lenha, e recusam-se a desocupá-lo, uma vez que sustentam que o mesmo, em toda a sua extensão, faz parte integrante do seu prédio;

- As estremas dos prédios não se encontram bem definidas, pois não existe qualquer vedação a separar os dois prédios;

- As áreas resultantes da descrição predial e do levantamento topográfico que foi feito, não são coincidentes;

- Autores e réus, proprietários confinantes, estão em desacordo quanto aos limites dos seus prédios;

- Divergindo quanto às áreas e quanto à linha divisória entre os dois prédios.

2) - Contestaram os réus, que, para além de impugnarem, parcialmente, os factos articulados na petição inicial, vieram invocar a ineptidão desta, pelo facto de os AA. aí cumularem causas de pedir e pedidos, substancialmente incompatíveis, uma vez que na petição é formulado um pedido de demarcação e, simultaneamente, um pedido de reivindicação/reconhecimento do direito de propriedade.

Pugnaram, entre o mais, ante a cumulação ilegal e a ineptidão daí resultante, pela “declaração de nulidade insuprível da petição inicial”.

3) – No exercício do contraditório, determinado por despacho de 12-10-2021,  os RR negaram que se verificasse a apontada ineptidão, sustentando: “Os pedidos formulados não são substancialmente incompatíveis, porquanto nada impede o Tribunal de proceder à demarcação dos prédios confinantes, reconhecendo os autores como proprietários do prédio na extensão reclamada, e, em simultâneo, determinar que os réus sejam condenados a reconhecer essa mesma delimitação, onde se inclui a parcela de terreno que ocupam.”.


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B) - No saneador, proferido em 27/10/2021, a Mma. Juiz do Juízo Local Cível da Covilhã, fixando o valor da acção em 5.000,01 €, decidiu absolver os RR da instância, dado entender que, sendo os pedidos cumulados, de demarcação e de reivindicação, sendo substancialmente incompatíveis entre si, geram ineptidão da petição inicial e nulidade de todo o processo (artigo 186º, nºs 1 e 2, alínea c), do NCPC), ineptidão essa que não poderia ser suprida pelos AA, a convite do Tribunal, mediante a escolha de um desses pedidos cumulados.

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C) –1) - Os AA, em 11/11/2021, vieram reclamar a verificação de uma nulidade processual, sustentando, em síntese:

- O Tribunal, apesar do requerimento dos AA contrariando a verificação da ineptidão da petição, decidiu-se pela “…absolvição de instância, omitindo na sua fundamentação os argumentos invocados pelos autores naquele requerimento, tendo optando por uma decisão que desvaloriza em absoluto os princípios gerais subjacentes à actual redação do C.P.C.”;

- “…a sentença proferida traduziu uma verdadeira decisão surpresa para os autores, sendo ainda omissa acerca da pronúncia apresentada por estes.”.

Terminaram assim “…deve a nulidade ora arguida ser declarada, e consequentemente, anular-se todos os actos subsequentes, designadamente a sentença proferida, nos termos do disposto no artigo 195º nº 2 do C.P.C.”.

2)- A Mma. Juiz do Tribunal “a quo” por despacho de 26/1/2021, indeferiu a nulidade reclamada.


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D) Os AA, em 30/11/2021, interpuseram recurso do saneador-sentença, tendo, a finalizar a respectiva alegação, apresentado as seguintes conclusões:

«I. O presente recurso é interposto da sentença proferida em primeira instância que julgou verificada a excepção dilatória de nulidade do processado por ineptidão da petição inicial, atenta a cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, absolvendo os réus da instância.

II. Previamente, e perante o juiz da causa, os autores arguiram uma nulidade processual, nos termos previstos no artigo 195º nº1 do C.P.C., consubstanciada na omissão de um acto que a lei prescreve, por requerimento datado de 11/11/2021;

III. Os autores foram confrontados com uma decisão que não poderiam antecipar face ao conjunto do sistema jurídico ou do regime processual aplicável, isto é, com uma decisão surpresa;

IV. A proibição de decisões surpresa tem como fundamento essencial o princípio do contraditório, pedra angular do processo civil;

V. Salvo o devido respeito, a decisão proferida, que decidiu o objecto da causa, e que motiva o presente recurso, violou o princípio do contraditório previsto no nº3 do artigo 3º do C.P.C;

VI. Sem prescindir, os autores pediram a condenação dos réus a concorrerem para a demarcação dos prédios de acordo com os títulos de aquisição e com o levantamento topográfico e, bem assim, a reconhecerem que a parcela do logradouro que os separa, integra em extensão o prédio dos autores, dada a indefinição quanto aos seus limites;

VII. O Tribunal decidiu que os pedidos eram substancialmente incompatíveis, omitindo totalmente os argumentos apresentados pelos autores, tendo optado por uma decisão que desvaloriza em absoluto os princípios gerais subjacentes à actual redação do C.P.C.

VIII. Em rigor, só existe incompatibilidade substancial entre pedidos quando as pretensões produzirem efeitos jurídicos contraditórios e opostos entre si;

IX. Os autores alegam a titularidade dos prédios confinantes, a contiguidade dos mesmos e a indefinição dos seus limites, sendo esta a causa de pedir, coincidente com uma acção de demarcação;

X. As acções de reivindicação e de demarcação têm a particularidade de se tocarem nalguns pontos, pois só se pede a fixação das estremas no caso de haver violação do direito de propriedade pelo uso, em extensão, que o dono do prédio confinante está a dar aquela parcela de terreno;

XI. Ou seja, tanto na acção de reivindicação como na acção de demarcação se discute uma questão de domínio relativamente a uma determinada faixa de terreno;

XII. O critério para distinguir as duas acções reside em definir se as partes discutem o título de aquisição – acção de reivindicação – ou se discutem a extensão do prédio que possuem – acção de demarcação;

XIII. Com efeito, e em face da alegação feita na petição inicial, os autores discutem apenas a extensão do prédio que possuem, pretendendo definir as estremas do seu prédio e em conformidade com essa definição obter a entrega da área ocupada;

XIV. Em face dessa alegação é legítimo afirmar que o Tribunal fica impossibilitado de decidir, invocando desconhecer a verdadeira pretensão dos autores?

XV. Ou deveria o Tribunal ter convidado os autores a esclarecer qual dos pedidos pretendia ver apreciado?

XVI. Entendem os recorrentes que as pretensões formuladas não se excluem mutuamente, nem a procedência de uma inviabiliza o exercício da outra.

XVII. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não seguiu o entendimento predominante na doutrina - José Lebre de Freitas - A Acção Declarativa Comum Coimbra Editora 2013 - e na jurisprudência mais recente - Tribunal da Relação de Guimarães em acórdão datado de 31/10/2019; Acórdão da Relação de Évora datado de 21.05.2020; Acórdão da Relação de Évora datado de 17.06.2021 -, e que melhor se ajusta ao espírito do actual C.P.C.

XVIII. À luz dos princípios gerais do Processo Civil, deveria ter prevalecido o entendimento de pugnar pelo aproveitamento dos articulados e da instância, convidando os autores a saná-la, ao abrigo do dever de gestão processual;

XIX. O Tribunal a quo extinguiu a instância sem antes facultar aos autores a possibilidade de optarem pelo pedido com o qual o processo deveria prosseguir;

XX. Antecipando um cenário de incompatibilidade de pedidos, mas em que a descrição fáctica aponta para a demarcação dos prédios, o Tribunal a quo, através do recurso aos poderes de gestão processual, estava vinculado a proferir um despacho de aperfeiçoamento, para que os autores optassem pelo pedido que pretendiam ver apreciado.

XXI. Caso os autores não usassem dessa faculdade então estaria legitimada a decisão de absolvição da instância;

XXII. Acresce que, a decisão proferida não era de todo expectável para os autores, na medida em que, por um lado, até aí a litigância exprimia utilidade, pois o Tribunal concedeu aos ora recorrentes a possibilidade de se pronunciarem sobre a excepção invocada e não debatida nos articulados, de forma a adequar o acto ao fim do processo;

XXIII. E, por outro lado, esperavam os autores que, após essa pronúncia, fosse proferido despacho pré-saneador, ao abrigo do seu poder-dever de gestão inicial do processo nos termos previstos no artigo 590º nº2 do C.P.C;

XXIV. Entendem os autores que, no presente caso, tendo o Tribunal considerado a dedução de pedidos incompatíveis, tal seria sanável por aplicação do regime subjacente ao dever de gestão processual previsto no artigo 6º nº e no artigo 590º nº 2 e 3 do C.P.C, e por aplicação analógica da solução contida no artigo 38º do mesmo diploma;

XXV. Promovendo a regularização da instância, privilegia-se uma decisão de mérito, com benefícios óbvios para a celeridade da justiça e da composição do litígio.

XXVI. Para além evitar a necessidade futura de os autores terem de propor nova acção com um objecto praticamente idêntico, para verem apreciada a sua pretensão.

XXVII. Com o devido respeito, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, pelo menos, os artigos 3º, 6º, 7º, 38º e, bem assim, os artigos, 146º, 186.º, nº 1 e nº 2, alínea b), 576.º, nº 1 e nº 2, 577.º, alínea b), e 590.º, todos do Código de Processo Civil, devendo estas normas legais serem interpretadas no sentido de não se verificar uma excepção dilatória de ineptidão da Petição Inicial, e consequentemente, a nulidade do processo e absolvição dos réus da instância, ao contrário do que foi decidido pela Mmª. Juiz a quo.

XXVIII. Em consequência, deve ser revogada a sentença que colocou termo ao litígio, e substituída por outra que julgue improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial e, que não declare a nulidade de todo o processo e não absolva os Réus da instância, tudo nos termos e para os efeitos dos artigos 3º, 6º, 7º, e 38º, e bem assim, os artigos 146º, 186.º, nº 1 e n.º 2, alínea b), 576.º, nº 1 e nº 2, 577.º, alínea b), e 590.º, todos do Código de Processo Civil, prosseguindo os autos os seus ulteriores termos até final […]».

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II- As questões:
Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil[2] (doravante, NCPC, para o distinguir do Código que o precedeu, que se passará a identificar como CPC), o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”[3] e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.
Assim, o que importa solucionar no presente recurso consiste em saber se os pedidos cumulados na petição inicial são substancialmente incompatíveis e, no caso afirmativo, saber se a Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, podia, como fez - sem previamente convidar os AA a optarem por um dos pedidos incompatíveis -, absolver os RR da instância, devido a ineptidão da petição inicial.

III - Fundamentação:

A) - O circunstancialismo processual e a factualidade provada que importa ponderar para a decisão do presente recurso estão elencados em I “supra”.

B) – Preceitua o artº 555.º, nº 1, do NCPC: “Pode o autor deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação.”.

Por sua vez, acarretando, a ineptidão da petição inicial, a nulidade de todo o processo, de harmonia com o preceituado no artº 186º, nº 1, do NCPC, a alínea c) do nº 2 deste artigo estipula que a petição é inepta quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.

Importa atentar, ainda, que, de acordo com o nº 4 deste artº 186º, no caso da alínea c) do n.º 2, a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo.

Este nº 4, a nosso ver, não deve ser entendido como admitindo a sanação da nulidade nos outros casos de incompatibilidade que não os referidos no preceito, mas antes para clarificar, que mesmo nos casos em que um dos pedidos fique sem efeito - por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo – a nulidade permanece.

O núcleo essencial fundamentador da afirmação da invocada incompatibilidade substancial de causas de pedir, surpreende-se, essencialmente, no seguinte trecho do saneador que ora se transcreve:

«[…] Da leitura da petição inicial urge concluir que os autores cumulam, na presente ação, um pedido de demarcação (formulado sob as alíneas a) e c) do petitório), com um pedido de reivindicação da propriedade (formulado sob as alienas b) e d) do petitório).

Ora, como é sabido, a ação de reivindicação é um meio facultado ao proprietário para defender judicialmente o seu direito, podendo por essa via exigir de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence (artigo 1311º, nº. 1 do Código Civil).

Na reivindicação o autor não requer que se delimite ou determine as confrontações de terrenos uma vez que estas já estão devidamente definidas, pretendendo-se, apenas, a sua restituição aos legítimos proprietários, se a ocupação for ilegal.

Por sua vez, na ação de demarcação visa-se a determinação das estremas de prédios confinantes entre si (artigo 1353º do Código Civil), demarcação que é feita de harmonia com os títulos de cada um dos proprietários confinantes e, na falta de títulos suficientes, de acordo com a posse em que estejam os confinantes ou segundo o que resultar de outros meios de prova (artigo 1354º, nº. 1 do Código Civil).

Ora, no caso em apreço, os autores reivindicam, para si, uma parcela de terreno, integrando-a no seu imóvel, mas, simultaneamente, e por estarem em desacordo com os réus acerca dos limites dos prédios em presença nos autos, requerem a demarcação dos mesmos.

Se assim é, urge concluir que, ou bem que os autores estão certos das confrontações do seu prédio e pretendem revindicar, para si, a parcela de terreno em causa nos autos, em virtude de a mesma ser parte integrante do aludido imóvel; ou bem que não estão certos sobre os limites do seu prédio, pretendendo, por isso, demarcar o mesmo, para pôr fim à incerteza sobre o traçado da linha divisória entre os dois prédios.

Urge, assim, concluir que, atento o supra exposto, a ação de reivindicação e a ação de demarcação são ações distintas.

Ora, nos termos já supra expostos, na presente ação, os autores formulam um pedido de demarcação das estremas entre o seu prédio e o prédio dos réus, cumulativamente com o pedido de reivindicação da parcela de terreno em causa nos autos, por integrar o prédio dos autores.

Tais pedidos são substancialmente incompatíveis, uma vez que, enquanto na ação de reivindicação é pressuposto da mesma a certeza sobre os limites do prédio, na ação de demarcação, pelo contrário, é pressuposto a incerteza dos limites, por haver dúvidas ou desacordo sobre os mesmos (cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02/06/2011 e do Tribunal da Relação de Évora, de 09/10/2018, ambos disponíveis in www.dgsi.pt).

Os pedidos cumulados de demarcação e reivindicação são, assim, substancialmente incompatíveis entre si, gerando ineptidão da petição inicial e nulidade de todo o processo (artigo 186º, nºs 1 e 2, alínea c), do Código de Processo Civil).

No mais, sendo a petição inepta em virtude de os pedidos cumulados serem substancialmente incompatíveis, está vedado ao Tribunal proferir despacho de aperfeiçoamento, uma vez que este se destina apenas a permitir às partes suprir irregularidades, insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada, ou o esclarecimento, aditamento ou correção dessa matéria, mas já não tem aplicação nas situações mais graves, como é o caso dos autos, em que o vício da petição inicial corresponde a uma situação de ineptidão prevista no artigo 186º, nº. 2, al. c) do CPC, e que conduz necessariamente à nulidade de todo o processo e à absolvição dos réus da instância (cfr. Acórdão da Relação de Évora, de 30/06/2011, disponível in www.dgsi.pt). […]».

É correcto, a nosso ver, este entendimento seguido pelo Tribunal “a quo”.

Focando a incompatibilidade substancial da cumulação real dos pedidos característicos da acção de demarcação com os pedidos próprios da acção de reivindicação, diz-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02/06/2011, Apelação nº 406/09.0TBCMN.G1[4]: «[…] Entendemos (tal como a A. na sua petição inicial) que a presente acção é um misto de acção de demarcação e de reivindicação.

 A A., no caso em apreço, tanto poderia ter recorrido à acção de demarcação, como à acção de reivindicação. Se tem dúvidas sobre a possibilidade de provar os limites do seu prédio, então mesmo que os conheça e esteja segura dos mesmos, uma vez que há desacordo entre as partes quanto a esses limites, o recurso à acção de demarcação mostra-se adequado.

 E é esta possibilidade de optar por uma ou outra acção nos casos como o dos autos que, certamente, conduziu a que a A. acabasse por formular pedidos próprios de cada uma das acções conjuntamente: da acção de demarcação, na alínea c) e da acção de reivindicação, nas alíneas a) e b) e pedidos acessórios nas alíneas d) e e).

E estes pedidos são substancialmente incompatíveis Conforme se defende no Ac. do TRE de 9.10.2008, proferido no processo 1192/08 e no Ac. do STJ de 21.01.2003, proferido no processo 02A1029, ambos citados na sentença recorrida e disponíveis em www.dgsi.pt. . Na acção de reivindicação é pressuposto desta acção a certeza sobre os limites do prédio e na demarcação, pelo contrário, é pressuposto a incerteza dos limites, seja por se haver dúvidas sobre os mesmos, seja por haver desacordo quanto aos mesmos e se entender que não se consegue provar os limites que se consideram exactos.

Já seria diferente se a A., em vez pedir que se efectuasse uma linha de demarcação, pedisse que os RR. respeitassem a linha de demarcação que ela entendia ser a correcta. Nesse caso, o pedido da autora de condenação dos RR ao respeito de certa linha divisória teria como pressuposto a certeza da definição dessa estrema, pedindo-se o respeito do direito de propriedade da A. de acordo com a extensão definida por essa linha e nesse caso já não seria um pedido de estabelecimento da linha divisória e das estremas, como é próprio da acção de demarcação e poderia ser cumulado com o pedido de reconhecimento da propriedade numa acção de reivindicação Como se considerou no Ac. do TRC de 25.05.2010, proferido no proc. 115/09, disponível em www.dgsi.pt..

Conforme se defende no Ac. do TRG 1.06.2005, proferido no proc nº 980/05, a demarcação, só por si, é imprópria para o caso de as partes se atribuírem o direito de propriedade sobre certa faixa de terreno, impondo, pois, em paralelo, os trâmites de acção ordinária diversa, para que a questão assim posta consiga ser resolvida. […]».

Idêntico entendimento tiveram os Acórdãos, da Relação Guimarães, de 04/05/2018, Apelação nº 75/15.8T8TMC.G1, da Relação de Évora, de 10/31/2013, Apelação nº 98/11.6TBNIS.E1[5], do STJ, de 12/03/2009, no Agravo nº 4079/07.6TVPRT.P1 e, em caso semelhante ao que se nos depara aqui, da Relação do Porto, de 13/07/2021, Apelação nº 500/20.6T8ALB.P1[6], onde se escreveu, entre o mais:

«[…] importa ainda analisar um segundo fundamento invocado na douta sentença que remete para uma cumulação incompatível de pedidos: um pedido de demarcação e um pedido de reivindicação.

Ora, neste segmento, partilhamos da apreciação do tribunal da primeira instância: a nosso ver, resultam manifestamente incompatíveis os pedidos formulados nas alíneas a) e b).

Na verdade, na ação de reivindicação o autor tem o ónus de alegar os factos constitutivos do direito de propriedade sobre a coisa, no caso, imóvel, de que se arroga titular; por isso, sabe o que é seu e deve, naturalmente, definir, delimitar aquilo que lhe pertence para além de descrever a concreta ofensa a esse direito.

Na demarcação, o autor, de forma diversa, requer junto do tribunal que seja demarcado (delimitado) o seu prédio no confronto com aqueles que lhe é adjacente; nesta ação será o tribunal, não o autor, que virá a definir a área e os limites do prédio que possui.

A norma do art.º 1353º do Código Civil consagra o direito potestativo do dono de um prédio obter o concurso dos donos dos prédios vizinhos para a demarcação das estremas entre o seu prédio e o deles. Como resulta do artº 1354º, nº 2, do Código Civil, o direito a demarcar prédios não depende da invocação de uma linha de demarcação decorrente dos títulos na medida em que estes podem não lograr determinar os limites do prédio ou a área pertencente a cada proprietário. Na verdade, desde que se verifique a confinância de prédios pertencentes a proprietários diferentes e inexista linha divisória entre eles, ocorre imediatamente o direito de demarcação, podendo a divisão da área conflituante ser resolvida pelos títulos de cada um ou, sucessivamente, pela posse ou por outros meios de prova; no limite, não podendo ser resolvida por nenhum desses meios, será equitativamente dividida pelos proprietários confinantes.

Deste modo, conclui-se que “das duas, uma: ou o reivindicante está certo de que o terreno que reivindica é, todo ele, parte integrante do seu prédio, ou afirma que são incertos ou desconhecidos os seus limites e então já não é a acção de reivindicação que deve propor.” (citamos Acórdão desta Relação de 25 de Janeiro de 2021, processo nº 4029/18.4T8STS.P1, também acessível em dgsi.pt).

Neste segundo caso, em que existe uma dúvida sobre a configuração do prédio, é que se perfila a ação de demarcação.

Ora, no caso em apreço, os autores, como se lê no relatório acima, peticionam, ao mesmo tempo e de modo inconciliável, que se reconheça o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio urbano identificado no artigo 1º desta petição mas também que se ordene a demarcação dos limites entre o prédio dos Autores acima mencionado e o prédio da Ré. […]».

Também relativamente ao citado Acórdão da Relação de Guimarães, de 04/05/2018, Apelação nº 75/15.8T8TMC.G1, que versou caso idêntico ao que aqui se trata, se sumariou:

«[…] 8-Ocorre cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis quando o Autor instaura uma determinada ação em que pede a condenação do Réu a reconhecer o seu direito de propriedade sobre determinado prédio e que dele faz parte integrante uma determinada parcela de terreno que alega estar a ser possuída pelo Réu e pede a condenação do último a reconhecer esse seu direito de propriedade sobre esse seu prédio, nele se incluindo aquela parcela de terreno e, bem assim a restituir-lhe essa parcela de terreno (pedidos típicos da reivindicação) e em cumulação real, pede que se ordene a demarcação entre esse seu prédio e o prédio do Réu, contíguo ao primeiro (pedido típico da demarcação).

9- O vício referido em 8) determina a nulidade insuprível da petição inicial, de conhecimento oficioso, que cumpre ao Tribunal da Relação conhecer, ainda que oficiosamente. […]».

No presente caso, dizem os Recorrentes, que a apontada incompatibilidade de pedidos, poderia ter sido sanada, caso o Tribunal “a quo” tivesse-lhes dado a oportunidade de optarem por um deles.

Ora, em primeiro lugar, deve salientar-se que os AA sempre mantiveram o propósito de fazerem valer todos os pedidos que formularam, sustentando a respectiva compatibilidade, só trazendo à lide a possibilidade de optarem por uma vertente daquilo que, cumulativamente, peticionaram, após serem notificados da sentença, “rectius”, no requerimento de reclamação de nulidade e no presente recurso.

Em segundo lugar, não olvidando que há decisões dos Tribunais Superiores (v.g., o Acórdão da Relação de Évora, de 21/05/2020 – Apelação nº 1032/19.0T8STR-B.E1), que entendem ser possível sanar a incompatibilidade substancial de pedidos - e, consequentemente, suprimir a ineptidão que esta gera -, mediante a escolha, pelo Autor, a convite do Tribunal, formulado ao abrigo do nº 2 do nº 2 do artigo 6º do NCPC, do pedido que o mesmo pretende que seja apreciado na acção, ou a ordenação de ambos, em relação de subsidiariedade, não foi este o entendimento seguido pelos citados Acórdãos de 10/31/2013, de 04/05/2018, de 13/07/2021, pelo Acórdão desta Relação de Coimbra, de 14/12/2010, nos autos nºs 2604/08.4TBAGD.C1[7], ou por este Colectivo, no Acórdão de 10/11/2020 (Apelação nº 1438/19.5T8LRA.C1)[8], onde se escreveu:

«[…] conforme se entendeu no Acórdão do STJ, de 21/11/2006, Agravo nº 06A3636, embora versando o CPC que antecedeu o ora vigente, «…a ineptidão da petição inicial, conducente à nulidade de todo o processo, tem por escopo estabelecer a segurança jurídica quanto ao objecto do processo conformado pelo pedido e pela causa de pedir, sendo de natureza insuprível, levando mesmo ao indeferimento liminar do petitório (artº 234º-A do CPC), assentando a sua justificação em interesses de ordem pública e não em simples interesses das partes. A única situação de ineptidão passível de superação através de actuações processuais é a que expressamente consta do artº 193º, nº 3, aqui inaplicável (cfr. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, vol. I. págs. 29 e 225 e Vol. II, págs. 67 e 77 e segs.).

Tendo os autores cumulado na petição inicial pedidos substancialmente incompatíveis, há ineptidão dessa peça, tornando de forma insuprível todo o processado nulo, impondo a absolvição da ré da instância (artºs 193º, nºs 1 e 2, c) e 288º, nº 1, b) do CPC) […]».

E também não foi esse – o da possibilidade de sanação da incompatibilidade substancial de pedidos – o entendimento que ora transcreve e que perfilhamos, acolhido pelo Acórdão da Relação de Lisboa, de 12/07/2018 (Apelação nº 1706/16.8T8LRS.L1-6)[9]: «[…] A ineptidão da p.i., fundamento de nulidade total ou parcial do processado, não é um pressuposto processual susceptível de sanação (à excepção do previsto no nº 3 do artº 186 do C.P.C.), não sendo objecto nem de despacho de aperfeiçoamento (mormente dos factos alegados), nem de despacho de suprimento (este de eventuais excepções dilatórias existentes que possam ser supridas, como é o caso da ilegitimidade por preterição de litisconsórcio, sendo que outras existem insusceptíveis de sanação, v.g. incompetência absoluta, ineptidão da p.i., etc)[…].

Se é certo que o juiz deve convidar as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para suprimento ou correção do vício (n.º 3 do artº 590º do CPC), não é menos certo que, no caso de verificar a existência de excepções dilatórias insupríveis, o juiz deve indeferir a petição, conforme resulta expressamente do n.º 1 do artº 590º do CPC.

Conforme refere Abrantes Geraldes (in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 74) “O princípio da economia processual ou o da prevalência das razões de mérito sobre as razões de forma não foi levado ao extremo de conduzir a sanação das nulidades processuais ou das exceções dilatórias insupríveis”.

Com efeito, o artº 186 nº3 do C.P.C., consigna expressamente um única possibilidade de sanação, ao prever que “Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.”[…]

No entanto, no caso de cumulação de pedidos ou causas de pedir que sejam substancialmente incompatíveis, a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo (artº 186 nº4 do C.P.C.) 

Assim, “Fora dos casos de ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir em que a lei, perante a atitude do réu decorrente da contestação, prevê a sanação da ineptidão da petição inicial, as demais situações de ineptidão são insanáveis, não cabendo, pois, ao juiz empreender qualquer diligência no sentido da possível sanação, uma vez que não se pode utilizar o convite ao suprimento de irregularidades ou aperfeiçoamento de articulado para suprir aspetos substanciais ou materiais, que conduzem a ineptidão da petição”[…]

Por outro lado, a prolacção deste despacho foi precedida de prévio despacho, no qual o juiz recorrido, apontando a existência de incompatibilidades entre os pedidos, fundamento de ineptidão dos mesmos, convidou a A. a pronunciar-se sobre esta questão, o que esta fez, defendendo não existir qualquer incompatibilidade.

Não se assim, sequer, perante qualquer decisão que o A. pudesse considerar “decisão surpresa” fundamento de eventual nulidade. […]».

Salientamos, o que mais acima referimos: De acordo com o nº 4 do artº 186º, do NCPC, no caso da alínea c) do n.º 2 deste mesmo artigo, a nulidade subsiste, ainda que um dos pedidos fique sem efeito por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo.

Este nº 4, a nosso ver, não deve ser entendido como admitindo a sanação da nulidade nos outros casos de incompatibilidade que não os referidos no preceito, mas antes para clarificar, que mesmo nos casos em que um dos pedidos fique sem efeito - por incompetência do tribunal ou por erro na forma do processo – a nulidade permanece.

Entende-se, por outro lado, que a disciplina expressamente prevista no artº 38º do NCPC, não é aplicável à nulidade resultante da ineptidão da petição inicial por cumulação de causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis, arredada que está a analogia pelos termos do artº 186º do mesmo código, que só afastou expressamente a ineptidão na hipótese prevista nº 3 deste artigo.

Assim, no caso “sub judice”, ante a manifesta incompatibilidade substancial de pedidos, outra opção não restava ao Tribunal “a quo” senão entender verificar-se a ineptidão da petição inicial, que, gerando a nulidade de todo o processado, traduzia-se numa excepção dilatória que obstava ao conhecimento do mérito da causa e que dava lugar à absolvição do Réus da instância (cfr. art.ºs 576º, nºs 1 e 2, 577º, al. b) do CPC).

Quanto à nulidade processual invocada pelos AA, a mesma é claramente inexistente, sendo de atentar no seguinte:

Os AA, que estão representados por Ilustre Advogada, conheceram da posição assumida pelos RR na respectiva contestação, em que estes pediram a declaração da nulidade insuprível da ineptidão da petição inicial, e, subsequentemente, foram ainda expressamente notificados, por mando do despacho de 12-10-2021, para exercerem o contraditório face a essa posição dos RR, sendo que, na sequência disso vieram, entendendo inexistir incompatibilidade entre os pedidos que formularam, defender a improcedência da excepção.

Não se concebe como pretensão viável, ou, sequer, razoável, ante este quadro - que mostra ter sido discutida pelas partes, na fase dos articulados, a ineptidão da petição resultante da cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis e a nulidade insuprível daí decorrente -, virem os AA, subsequentemente à notificação da decisão recorrida – quer na reclamação da nulidade, quer no âmbito do presente recurso – sustentar a falta do contraditório quanto a tal matéria e apodar, tal decisão, de decisão-surpresa.

Ademais, os AA., no articulado apresentado para o exercício do contraditório, mantiveram a posição de que os pedidos que formularam não eram substancialmente incompatíveis, pelo que à decisão recorrida, cumpria resolver a questão, como fez, mesmo que sem se centrar, especificamente, na argumentação apresentada pelos AA naquele articulado.

Como se diz no sumário do Acórdão do STJ, de 11-02-2015, Incidente n.º 2384/08.3TBSTS-G.P1.S1 - 2.ª Secção[10], «[…] O contraditório processual cumpre-se, em relação a determinada parte, quando sobre uma questão concreta, expressamente colocada nos autos, a mesma parte teve a possibilidade de se pronunciar ou quando sobre a mesma questão expressamente tomou posição nos autos. […]».

A violação do princípio do contraditório, na vertente proibitiva da decisão surpresa, pressupõe que a parte, razoavelmente, ante o processado nos autos e o conhecimento que dele teve e em que interveio, ou em que teve a possibilidade de intervir, não pudesse contar com a decisão que veio a ser proferida, ainda que a mesma se pudesse conceber como representando uma das soluções juridicamente viáveis.

Ora, em face de tudo o que se narrou que ocorreu nos autos a preceder a sentença, a solução que nesta se adoptou, da absolvição dos RR da instância, na decorrência da afirmação da nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial resultante da incompatibilidade substancial de pedidos, era solução que, claramente, os AA teriam que contar que o Tribunal poderia adoptar na decisão a proferir.

Inexistiu, assim, a violação do contraditório e a decisão surpresa que os AA invocam, improcedendo a nulidade processual que sustentaram verificar-se.

                        Do exposto decorre, pois, que o Tribunal “a quo” decidiu, com correcta aplicação das normas legais pertinentes, verificar-se, por via de cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, ineptidão da petição inicial, que, gerando a nulidade de todo o processo, determina a absolvição dos RR da instância.

A Apelação improcede, pois, confirmando-se a decisão recorrida.


*

III - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a Apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.


Custas pelos Apelantes (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, todos do NCPC).

15/2/2022[11]

(Luiz José Falcão de Magalhães)

(António Domingos Pires Robalo)
   (Sílvia Maria Pereira Pires)


[1] No presente acórdão segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
[2] Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.
[3] Cfr. Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, tal como aqueles que, desse Tribunal e sem referência de publicação, vierem a ser citados adiante.
[4] Consultável - tal como os acórdãos da Relação de Guimarães, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -, em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf?OpenDatabase.
[5] Consultável - tal como os acórdãos da Relação de Évora, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -, em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf?OpenDatabase.
[6] Consultável - tal como os acórdãos da Relação do Porto, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -, em http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf?OpenDatabase.
[7] Consultável - tal como os acórdãos da Relação de Coimbra, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -, em http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf?OpenDatabase.
[8] Não publicado, ao que se julga.
[9] Consultável - tal como os acórdãos da Relação de Lisboa, que, sem referência de publicação, vierem a ser citados -, em http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase.
[10] Consultável em https://www.stj.pt/?page_id=4471.
[11] Processado e revisto pelo Relator.

(…)