Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
10/11.2JALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: ATO PROCESSUAL
PRAZO
EXTEMPORANEIDADE
SANÇÃO
NÃO PAGAMENTO
Data do Acordão: 07/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO CRIMINAL – JUIZ 3)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.139.º, N.º 3 E 145.º, DO CPC; ARTS.105.º E 107.º-A DO CPP
Sumário: I - Se não houvesse consequências para a prática de acto processual para além do prazo que a lei estabelece não tinha qualquer sentido definir prazos para a prática dos actos.

II - Tendo o ato sido praticado para além do prazo sem que a multa devida tivesse sido paga o arguido perdeu o direito de o praticar, que no caso significa perder o direito a que o acto praticado para além do prazo, e fora da situação prevista nos art. 107.º, n.º 2, e 107.º-A do C.P.P., seja apreciado.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO


1.

Por acórdão de Maio de 2015 o tribunal recorrido decidiu, além do mais, julgar a pronúncia, com a alteração não substancial dos factos verificada no decurso da audiência, parcialmente procedente e provada e, em consequência, condenou o arguido A... pela prática, em concurso real, dos crimes de burla qualificada, do art. 218º, nº 1, do Código Penal, na pena de 18 meses de prisão, burla qualificada, do art. 218º, nº 2, do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, por sete crimes de falsificação de documento, do art. 256º, nº 1, al. d) e e), do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão por cada um deles, um crime de furto, do art. 203º, nº 1, do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão, um crime de ofensa à integridade física, do art. 203º, nº 1, do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão, um crime de falsificação de documento, do art. 256º, nº 1, al. d) e e), do Código Penal, em 9 meses de prisão, tendo a pena única sido fixada em 7 anos e 6 meses de prisão.

Foi, ainda, condenado a pagar à demandante “C... , Lda” a quantia de 5.400,00 €, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4%, vencidos desde a notificação e vincendos até integral pagamento.

            B... foi condenado pela prática de um crime de falsificação de documento, do art. 256º, nº 1, al. d) e e), do Código Penal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 6 €.

Os arguidos recorreram da decisão condenatória, bem como do despacho que se pronunciou sobre a nulidade do despacho que comunicara a alteração não substancial dos factos.

            Os recursos foram julgados improcedentes.

2.

Por requerimento entrado no processo em 8-3-2016 os arguidos vieram arguir a nulidade do acórdão e terminaram pedindo a prolação de novo acórdão por julgadores diferentes, com vista a garantir a necessária imparcialidade da nova decisão.

Sobre o requerido foi proferido despacho pela relatora, nos seguintes termos:

«Uma vez que este requerimento deu entrada no processo no primeiro dia para além do prazo, procedeu-se à notificação constante do nº 9 do art. 139º do CPC, dizendo-se ainda que se a multa em questão não fosse paga considerar-se-ia perdido o direito de praticar o acto.

A multa não foi paga.

*

Nos termos do art. 105º, nº 1, do C.P.P. «salvo disposição em contrário, é de 10 dias o prazo para a prática de qualquer acto processual».

Estabelece, depois, o art. 107º-A deste diploma que à prática extemporânea de actos processuais penais aplica-se o disposto nos nº 5 a 7 do art. 145º do CPC, com as alterações que especifica quanto aos montantes das multas aplicáveis.

Dizia o nº 6 deste artigo que praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta fosse verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notificaria o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se tratasse de ato praticado por mandatário.

Com a alteração do CPC esta norma consta agora do art. 139º, nº 6, que continua a estabelecer que praticado o ato em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se tratasse de ato praticado por mandatário.

E qual a consequência?

Embora não o diga a consequência, conforme consta da notificação, é que o acto praticado fica sem efeito.

Pois se a lei estabelece uma condição para a admissão de um acto praticado fora de prazo, se a condição não se verifica a consequência é o acto ficar sem efeito.     

Por todo o exposto, não admito o requerimento referido».

3.

O arguido A... reclamou para a conferência, alegando em síntese:

«… a lei distingue entre atos decisórios, por um lado, despachos de mero expediente e decisões que ordenam atos da livre resolução do tribunal, estes nos termos do art. 400º-1-a-b do CPP. Do que resulta, como não podia deixar de ser que todos os atos judiciais são, hoc sensu, da perspetiva semântica … decisórios. Mesmo aqueles aos quais se refere o art. 400º-1-a do CPP, pressupõem, nalguma medida, uma decisão. Decisão que, todavia, não tem implicações de cariz material relativamente ao decurso do processo. No que lhes concerne, o juiz tem sempre de tomar uma decisão …

Posto isto, resulta à saciedade que uma decisão a qual … incorre em “homicídio” relativamente a um processo … fosse um ato insuscetível de recurso, por alegadamente se tratar – alegadamente, repete-se – de ato de mero expediente.

O ato em apreço configura uma decisão judicial que não deixa intocados os direitos do sujeito processual a que respeita, no caso, o do arguido/recorrente A... . Trata-se, na verdade de um ato ou decisão judicial, visando acabar com o processo, fazendo sumir, na prática, quaisquer vestígios dele, assim pretendendo não permitir que o TRC seja agora convocável para realmente fazer o que não fez anteriormente, nos termos já adrede explicitados nos presentes autos: conhecer do objeto de um recurso, consabidamente definido pelas conclusões, dizendo melhor e mais enfaticamente, por todas as conclusões que o recorrente formulou e não apenas por um resumo ou condensação delas, tarefa que passaria a ficar fixada, ainda que de forma mais ou menos atrabiliária, a determinado juiz, com violação, desde logo, do art. 32º-1 CRP,

O que, como é de primeira evidência, é algo que não é, não pode nem jamais poderá vir a ser lei, pela total subversão do instituto dos recursos penais e da discussão a este propósito travada no passado … no âmbito da jurisprudência e da doutrina.

O despacho em questão, pretende a aplicação de determinada norma, a qual, na respetiva atual redação, é destituída de sanção – por isso se tratando de norma imperfeita – como o mesmo despacho reconhece.

Como assim, o Juiz que pretende a respetiva aplicação e dela retira consequências de cariz sancionatório que a norma não prevê, como sucedeu no caso dos autos - o que constituiria uma “sanção processual”, como, por exemplo, aquela estabelecida no art. 107º do CPP (soma): nomen iuris a que tem de fazer-se apelo pois, no caso, de "multa" não poderia falar-se, para não incorrer no mesmo erro das três alíneas do art. 107º-A cpp, dado que a multa, ou pena de multa, é uma sanção (criminal) da qual, numa correta conceção dogmática, só pode falar-se por força de uma decisão judicial, após um julgamento criminal (art 47º CP).

Por conseguinte, face ao exposto, a sanção a que o julgador entendeu dever lançar mão, é algo que a lei não prevê sub specie e, nessa medida, fere o princípio da legalidade das reações criminais (art. 2º-1 CP) e, outrossim, o que ainda é pior, para quem entenda, erradamente, não ser o art. 2º CP uma norma de conteúdo análogo às formalmente constitucionais, sempre violaria o disposto no art. 29º-1-3 da CRP, vicio(s) que expressamente se invoca(m) - conf., neste sentido, claramente, o art. 81º-A do Código das Custas Judiciais.

Como assim, no entender do requerente, a "multa" a que errónea - errónea e inconstitucionalmente, como visto: conf., aliás, o art. 28º do Regulamento das Custas Processuais: pagamento das multas no prazo de dez dias contado do trânsito da decisão que a tiver fixado - e respetiva alegada consequência, não podem ser tidas em conta neste momento, mas apenas a final, como dispõem os art. 102º e 103º do Código das Custas Judiciais.

Do art. 107º-A CPP, pode dizer-se que pereceu (ou caducou ou o que for) na medida em que remete para o art. 154º do CPCivil anterior ao de 2013, que se encontra expressamente revogado pelo art. 4º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.

Termos em que, uma vez o processo presente à conferência, deve ser proferido acórdão que, em substituição do despacho a que acima se faz referência, proceda à correta aplicação do direito, nos termos preconizados».


*

DECISÃO

Considerando o art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., a questão a decidir respeita à consequência do não pagamento da multa derivada da prática de acto processual para além do prazo legal.


*

            Conforme resulta do processo, o acórdão que negou provimento aos recursos foi notificado ao defensor dos arguidos por notificação enviada em 22-2-2016.

Por requerimento entrado nos autos em 8-3-2016 os arguidos arguiram a nulidade do acórdão e requereram a prolação de novo acórdão, por julgadores diferentes.

            Dado que este requerimento entrou no processo no primeiro dia depois do prazo a secretaria procedeu à notificação constante do nº 9 do art. 139º do CPC, com a menção de que se a multa em questão não fosse paga considerar-se-ia perdido o direito de praticar o acto.

            A multa não foi paga.

            Nos termos do art. 107º, nº 2, do C.P.P. «os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento».

            Estabelece, depois, o art. 107º-A deste diploma o seguinte:

«Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, à prática extemporânea de actos processuais penais aplica-se o disposto nos n.os 5 a 7 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:

a) Se o acto for praticado no 1.º dia, a multa é equivalente a 0,5 UC;

b) Se o acto for praticado no 2.º dia, a multa é equivalente a 1 UC;

c) Se o acto for praticado no 3.º dia, a multa é equivalente a 2 UC»

            Ou seja, mesmo sem a ocorrência de justo impedimento, o acto pode praticar-se num dos três dias seguintes ao termo do prazo desde que seja paga a multa aqui fixada.

Trata-se, pois, de multas com natureza processual e não penal, como o arguido alega.

Nos termos do nº 6 do art. 145º do CPC quando o acto fosse praticado em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta fosse verificada a secretaria, independentemente de despacho, notificaria o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se tratasse de ato praticado por mandatário.

            Com a alteração do CPC a norma do art. 145º, nº 6, consta agora do art. 139º, nº 6, que continua a estabelecer que praticado o acto em qualquer dos três dias úteis seguintes sem ter sido paga imediatamente a multa devida, logo que a falta seja verificada, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para pagar a multa, acrescida de uma penalização de 25 % do valor da multa, desde que se tratasse de ato praticado por mandatário.

            Bem vistas as coisas, o recurso ao disposto no art. 145º do CPCV/139º do NCPC até pode considerar-se dispensável, aceitando a tese do arguido, pois o C.P.P. tem norma sobre a matéria, que até dispensa qualquer notificação ao interveniente que pratique o acto fora de prazo.

            Mas que prazo é este?

            O prazo peremptório é o período de tempo que a lei estabelece durante o qual um acto pode ser praticado.

            E o que sucede quando um acto processual seja praticado para além do prazo estabelecido na lei, sem que se verifique justo impedimento e sem que seja paga a multa fixada no art. 107º-A?

            Nos termos do art. 139º, nº 3, do NCPC o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto, norma aplicável ao processo penal por via do art. 4º do C.P.P.

            É claro que se não houvesse consequências para a prática de acto processual para além do prazo que a lei estabelece não tinha qualquer sentido definir prazos para a prática dos actos.

            E sendo assim era absurdo prever a figura do justo impedimento como possibilitador dessa prática para além do tal período estabelecido, uma vez que nada aconteceria, e mais absurdo era prever a possibilidade da prática de acto num dos três dias depois de terminado o prazo mediante o pagamento de determinada multa, quando não ocorresse justo impedimento, uma vez que nada aconteceria, qualquer que fosse o dia em que o acto viesse a ser praticado.

            Nos termos do art. 105º, nº 1, do C.P.P. o prazo para a prática do acto em causa era de 10 dias.

Tendo ele sido praticado para além deste prazo sem que a multa devida tivesse sido paga o arguido perdeu o direito de o praticar, que no caso significa perder o direito a que o acto praticado para além do prazo, e fora da situação prevista nos art. 107º, nº 2, e 107º-A do C.P.P., seja apreciado [1].


*

DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, não se admite o requerimento de arguição de nulidade do acórdão.

Fixa-se em duas UCs a taxa de justiça.

Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P.

Coimbra, 6 de Julho de 2016

(Olga Maurício - relatora)

(Luís Teixeira - adjunto)


[1] Vide Código de Processo Penal comentado, de Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Henriques da Graça, 2014, pág. 353 a 358, e o acórdão desta relação de 29-10-2014, proferido no processo 1713/12.0TALRA.C1.