Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
106/09.0TBSRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
DEVER DE VIGILÂNCIA
PRESUNÇÃO DE ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 06/07/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SERTÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.350, 483, 487, 493 Nº1 CC
Sumário: 1. A presunção de culpa estabelecida no nº1 do art.493 do CC é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, face à ocorrência de danos, se presume ter existido incumprimento do dever de vigiar.

2. Provando-se que uma árvore ( pinheiro ), que se abateu sobre uma viatura, pertencia à ré, esta responde civilmente pelos danos ocasionados, se não ilidir aquela presunção.

3. A queda abrupta na estrada, de uma árvore de 12 metros de altura, sem que se alegue e prove qualquer factor extrínseco que a justifique, nomeadamente o derrube por acção humana ou causa natural (chuvas torrenciais, ventos, etc), de acordo com as regras da experiência comum só poderá ser atribuída a factores intrínsecos, relacionados com o seu estado de conservação.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
A (…) intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra a Herança Ilíquida Indivisa aberta por óbito de G (…) e C (…)  (este em nome próprio e como representante da 1.ª ré, como seu único e universal herdeiro), pedindo a condenação dos réus: no pagamento da quantia global de € 39.241,17, sendo € 36.241,17, a título de danos patrimoniais e € 3.000,00 a título de danos morais; no pagamento a título de indemnização por danos futuros elencados no artigo 31.º da petição inicial (prejuízos atinentes à privação de uso do veículo) requerendo que se relegue a fixação para execução de sentença.
Alegou em síntese a autora: no dia 23 de Março de 2006, pelas 6 horas e 45 m, na EN2, ao Km 338,7, em Tapada, Concelho da Sertã, ocorreu um acidente de viação, que envolveu o veículo automóvel propriedade da autora, com a matrícula (...)QP, por esta conduzido; circulava com tal veículo no sentido de marcha Vale Cortiço - Sertã, quando imediatamente à sua frente um pinheiro de grande porte, com mais de 12 metros de comprimento e de 1 metro de diâmetro caiu sobre a estrada por onde circulava; tentou imobilizar o veículo que conduzia, travando-o e desviando-se desse pinheiro; todavia, face ao carácter imprevisto e repentino de tal queda, não conseguiu evitar a colisão; até porque o pinheiro caiu à sua frente, sobre o veículo que conduzia e atravessou toda a estrada, por onde circulava, cortando o seu sentido de marcha; tal pinheiro encontrava-se num prédio que pertencera à esposa do segundo réu, G (…); que o adquiriu por escritura de partilha outorgada no dia 30 de Agosto de 2000; desde então a dita G (…) possuiu tal prédio até à sua morte, sem qualquer interrupção; tendo falecido 2 ou 3 meses antes do acidente, o prédio à data do acidente pertencia ao 2.º réu e à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de G (…); em virtude do acidente em causa a autora sofreu avultados prejuízos (nomeadamente os danos verificados na viatura, a qual ficou impossibilitada de circular; danos resultantes da privação do veículo e que durarão até à reparação do veículo; danos morais) de que pretende agora ser indemnizado pelos réus; reclamou aos réus, a responsabilidade destes por tal acidente, por carta registada com aviso de recepção datada de 20/09/2006, sendo que os réus não recepcionaram tal carta.
Contestando, defenderam-se os réus por excepção, invocando a prescrição do direito da autora.
Mais alegaram que todas as árvores implantadas nos prédios que advieram a G (…) estavam sãs, sendo que esta e o marido exerciam uma fiscalização regular, apropriada e adequada à conservação do seu património arbóreo, tal como continuou afazer apenas o réu, na sequência do óbito da sua esposa, e que o réu nunca teve qualquer notícia de uma árvore de um prédio pertencente à herança aberta por óbito de sua esposa ter causado quaisquer danos.
Replicando, alega a autora que a acção deu entrada em juízo a 13/3/2009, pelas 10h30m, sendo que o acidente descrito nos autos ocorreu a 23/3/2006, pelo que, não obstante os réus terem sido citados para contestar 26/3/2009, o prazo de prescrição interrompeu-se em 18/3/2009.
Realizou-se audiência preliminar, na qual, conforme consta da acta de fls. 64, se proferiu despacho saneador, em que se relegou para final a apreciação da excepção peremptória de prescrição, e se procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes e organizando-se a base instrutória com os factos controvertidos.
Procedeu-se à audiência de julgamento, na sequência da qual se decidiu a matéria de facto, nos termos constantes do despacho de fls. 104, que não foi objecto de reclamação.
Foi proferida sentença, na qual, para além de se julgar improcedente a excepção peremptória de prescrição, se decidiu julgar: «[…] parcialmente procedente e provada apresente acção intentada por A (…) contra a Herança Ilíquida Indivisa aberta por óbito de (…)  e C (…), condenando os réus a pagar à autora a quantia global de 7.071,17 (sete mil e setenta e um euros e dezassete cêntimos)»
Não se conformaram os réus, e interpuseram recurso de apelação, apresentando alegações, que sintetizam nas seguintes conclusões:

1. Entendeu o Tribunal que existia nos presentes autos uma presunção de culpa que os RR. não conseguiram ilidir.

2. Face à matéria dada como provada, os RR discordam de tal posição.

3. Foi dado como provado que o Réu, por si e na qualidade de Cabeça-de-Casal da herança aberta por óbito da sua esposa (…) há mais de 20 anos que plantam e cuidam de árvores, colhem os seus frutos, lavram, semeiam e colhem cereais, e cortam silvas do prédio rústico sito em (...), composto de pinhal e semeadura, com a área de 0,592 Ha, que confronta de norte com (...), Sul e Nascente com estrada e poente com (...), inscrito na matriz predial da freguesia do (...) com o nº (...).

4. Foi dado como provado que desde 30/08/00 que o pinheiro era tratado por (…)

5. Nem o pinheiro em causa nos autos, nem a propriedade pertencente aos RR estavam em situação de abandono. Antes ficou provado que o prédio era tratado e fiscalizado com regularidade.

6. Assim, verifica-se que os RR exerceram o seu dever de vigilância e fiscalização sobre os bens que lhe pertencem, com a diligência de um bom pai de família, e nomeadamente sobre o pinheiro, encontrando-se ilidida a presunção de culpa que sobre eles recaía.

7. O Tribunal fez uma incorrecta aplicação do direito aos factos dados como provados, e deveria ter considerado ilidida a culpa dos RR, com a consequente absolvição dos RR.

8. Cabia à A. adequar a sua circulação automóvel às condições envolventes, nomeadamente circular em condições que lhe permitissem fazer parar o veículo em espaço livre e visível à sua frente, nos termos do artigo 24º do Código da Estrada.
Não se conformou também a autora, e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, que sintetiza nas seguintes conclusões:

1.º A sentença recorrida viola o disposto no art. 483º e ss do Código Civil.

2.º Porquanto, atendendo aos factos provados em 3), 11), 15), 16), 17), 18) na douta sentença.

3.º Deveriam os RR. serem condenados no pagamento da indemnização diária de € 20 (vinte euros), desde a data do acidente (23/03/2006) até à data em que tal veículo fosse reparado.

4.º Pois, provado está que a A. está privada do uso do seu veículo automóvel, desde 23/03/2006.

Termos em que e nos melhores de direito, deve a sentença recorrida, ser revogada na parte em que fixou no montante de € 1.320,00 (mil, trezentos e vinte euros) a indemnização deveria pela privação do uso do veículo automóvel (...)QP.

Devendo, ser fixada a indemnização de € 20/dia, desde 23/03/2006, até que tal veículo seja reparado.
A autora apresentou contra-alegações, onde preconiza a improcedência do recurso dos réus.
Os réus apresentaram contra-alegações, onde preconizam a improcedência do recurso da autora.
Nas suas contra-alegações, os réus invocam a intempestividade do recurso da autora (fls. 147), julgada improcedente no despacho de fls. 157, que admitiu o recurso em causa, admissão confirmada no despacho preliminar proferido pelo relator do presente acórdão.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto dos recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) no que respeita ao recurso dos réus, saber se se verificam os pressupostos da sua obrigação de indemnizar; ii) no que concerne ao recurso da autora, saber se a indemnização fixada por privação de uso do seu veículo é adequada à factualidade provada e ao direito aplicável.

2. Fundamentos de facto
2.1. Em 16/01/2003, A (…) e (…) S.A. acordaram na aquisição a crédito, pela primeira, a (…) do veículo Peugeot 106, de matrícula (...)QP, aquisição esta que seria financiada por aquela sociedade.
2.2. A Autora pagou as prestações do acordo referido em 1.
2.3. Desde 28/02/2003 que o veículo de matrícula (...)QP pertence à Autora.
2.4. Há mais de 20 anos que G (…) e antecessores plantam e cuidam de árvores, colhem os seus frutos, lavram, semeiam e colhem cereais, e cortam silvas do prédio rústico sito em (...), composto de pinhal e semeadura, com a área de 0,592 Ha, que confronta de norte com (...), Sul e Nascente com estrada e poente com (...), inscrito na matriz predial da freguesia do (...) com o nº (...), de forma contínua, à vista de todos, sem oposição de ninguém, ignorando lesar o direito de outrem, e na convicção de que o prédio referido lhes pertencia.
2.5. G (…) faleceu com 71 anos de idade em 26/02/2006, no estado de casada com C (…).
2.6. Por escritura intitulada de “Partilha” de fls. 97 a 99 verso do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 807-A do extinto Cartório Notarial da Sertã, de 30 de Agosto de 2000, (…) e marido (…), casados no regime da comunhão geral, na qualidade de primeiros outorgantes, e G (…)e marido C (…), casados no regime da comunhão de adquiridos, na qualidade de segundos outorgantes, declararam: “Que, como consta da escritura de Habilitação de Herdeiros, outorgada neste Cartório, neste livro e que antecede esta imediatamente, no dia vinte e dois de Dezembro de mil novecentos e setenta e dois na Freguesia de (...) concelho de (...), faleceu (…) que também usou (…) (…) no estado de casado no regime da comunhão geral e em primeiras e únicas núpcias de ambos, com (…), que também usou e era conhecida por (…), a qual veio a falecer no estado de viúva do referido (…), no dia nove de Janeiro de mil novecentos e oitenta e seis (…) ambos sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade pelo que lhes sucederam como únicas e universais herdeiras legitimarias suas filhas atrás indicadas (…), esta solteira ao tempo do falecimento do pai e casada com o referido (…) ao tempo do falecimento da mãe (…) que os bens a partilhar são os a seguir indicados: (…) 5º - pinhal e semeadura, sita em (...), com a área de cinco mil novecentos e vinte metros quadrados, que confronta pelo norte com (...), sul e nascente com a estrada e poente com (...), inscrito na matriz no artigo número (...), com o valor patrimonial de 9.764$00 (…) que à partilha procedem do seguinte modo (…) À outorgante, (…), são-lhe adjudicados os prédios supra descritos sob os números (…) cinco; (…) tudo no valor de quarenta e nove mil setecentos e noventa e dois escudos e noventa e três centavos (…) estes os termos em que dão por concluída a presente partilha, dando-se por pagos do que a título de tornas houverem que receber. A legitimidade dos partilhantes para este acto advém-lhes da escritura de Habilitação de Herdeiros acima referida”.
2.7. O aviso de recepção de fls. 44 do PP, relativo à citação com a referência electrónica nº 706.880 do PE, com o nº 200460-10084550, endereçada pelo Tribunal Judicial da Comarca da Sertã no âmbito deste processo nº 106/09.0TBSRT aos réus (…), e na pessoa deste da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de (…) foi assinado por C (…) em 30/03/09.
2.8. A acção declarativa comum de condenação nº 106/09.0TBSRT deu entrada neste Tribunal Judicial da Comarca da Sertã em 13/03/09, por via electrónica.
2.9. C (…) e G (…) celebraram casamento católico, na Igreja Paroquial de (...), Concelho da Sertã, sem convenção antenupcial, às 12:00 horas do dia 8/10/77, adoptando G (…) o apelido (…).
2.10. Em 23/03/06, pelas 6h45m, na E.N. 2, ao Km 338,7, Tapada, Sertã, a autora conduzia o veículo automóvel Peugeot modelo 106, a gasolina, de 954 de cilindrada, de matrícula (...)QP, no sentido Vale Cortiço – Sertã.
2.11. Quando caiu na estrada um pinheiro com cerca de 12 metros de altura e cerca de 50 cm de diâmetro.
2.12. A autora não conseguiu evitar o embate, apesar de ter travado.
2.13. O pinheiro referido em 11. pertencia ao prédio referido em 4.
2.14. Em consequência do embate referido em 12., o veículo referido em 10. partiu, amolgou ou riscou o pára-choques dianteiro, capot, pára-brisas, faróis dianteiros, radiador, guarda-lamas.
2.15. Não podendo circular desde 23/03/06.
2.16. Em consequência do embate referido em 12., o custo da reparação referido em 10. é de € 3.751,17.
2.17. Em 23/03/06, o aluguer de veículo como o referido em 12. custava cerca de 20 euros por dia.
2.18. Em consequência do embate referido em 12., a autora: sentiu a sua morte iminente; acordando em sobressalto durante a noite nos três meses seguintes; passou a evitar circular em estradas ladeadas por pinhais; sofreu dores na coluna e no peito; e sente-se desgostosa por não poder utilizar o veículo referido em 2.
2.19. Desde 30/08/00 que o pinheiro referido em 12. a 13. era tratado por G (…) e C (…).
2.20. A autora desde, pelo menos, Setembro de 2006 usa um automóvel Seat, modelo Alhambra.
2.21. No dia 15 de Novembro de 2006, no Cartório Notarial Privado de Nelas o réu compareceu perante a Sra. Notária, e, por aquele, foi dito que: “… lhe incumbe o cargo de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de sua mulher G (…), e nessa qualidade sabe e declara: Que no dia vinte e seis de Fevereiro de dois mil e seis, na Freguesia de Viseu (Santa Maria de Viseu), concelho de Viseu, sendo natural da Freguesia de (...), concelho da Sertã, com última residência habitual no (...)s, faleceu G (…)no estado de casada com ele declarante em primeiras e únicas núpcias de ambos e sob o regime da comunhão de adquiridos, sem deixar descendentes nem ascendentes vivos. Que a falecida não deixou testamento ou qualquer outra disposição de bens de última vontade. Que lhe ficou a suceder como único herdeiro, o cônjuge sobrevivo: ELE DECLARANTE, já supra identificado. Que não existem outros herdeiros que com ele concorram à sucessão…”.

3. Fundamentos de direito
3.1. Apreciação do recurso dos réus
Alegam os recorrentes que o tribunal a quo fez incorrecta aplicação do direito, ao não considerar ilidida a sua presunção de culpa, dado que se provou que há mais de 20 anos que plantam e cuidam de árvores, desde 30/08/00 que o pinheiro era tratado por G (…) e C (…), nem o pinheiro em causa nos autos, nem a propriedade pertencente aos RR estavam em situação de abandono, antes se provando que o prédio era tratado e fiscalizado com regularidade.
Concluem que exerceram o seu dever de vigilância e fiscalização sobre os bens que lhe pertencem, com a diligência de um bom pai de família, encontrando-se, em consequência, ilidida a presunção de culpa que sobre eles recaía.
Vejamos o direito aplicável.
Em sede de responsabilidade civil, a regra geral, no que concerne à prova da culpa, reside no n.º 1 do artigo 487.º do Código Civil, incumbindo ao lesado “provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa”.
Na segunda parte do normativo que parcialmente se transcreveu, prevêem-se as situações de excepção, consagrando a lei, pontualmente, presunções de culpa do lesante, que implicam a inversão do ónus probatório (artigo 350/1 CC), sendo tais presunções ilidíveis mediante prova em contrário (artigo 350/2 CC).
Uma das situações em que a lei consagra a presunção de culpa do lesante, está prevista no n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil, nestes termos: «Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua.».
Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2.03.2011[1], a presunção de culpa estabelecida na norma citada é, simultaneamente, uma presunção de ilicitude, de tal modo que, face à ocorrência de danos, se presume ter existido incumprimento do dever de vigiar. Por essa razão, provando-se que uma árvore que se abateu sobre uma viatura pertencia à ré, esta responde civilmente pelos danos ocasionados se não ilidir aquela presunção.
Provou-se que: i) a autora seguia no seu veículo, quando caiu na estrada um pinheiro com cerca de 12 metros de altura e cerca de 50 cm de diâmetro; ii) a autora não conseguiu evitar o embate, apesar de ter travado; iii) o pinheiro pertencia aos réus; iv) em consequência do embate referido em 12., o veículo da autora partiu, amolgou ou riscou o pára-choques dianteiro, capot, pára-brisas, faróis dianteiros, radiador, guarda-lamas (factos n.º 2.10 a 2.14)
A questão resume-se em saber se os réus lograram ilidir a presunção de culpa que sobre eles impendia, decorrente do citado n.º 1 do artigo 493.º do CC.
De acordo com as regras da experiência comum, as árvores saudáveis, tratadas com zelo pelos seus proprietários - aferindo-se tal zelo, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, nos termos do art. 487/2 do CC - não caem de súbito, sem qualquer factor que o justifique ou que contribua para esse desfecho.
Não tendo os réus invocado condições climatéricas anormais, ventos, ou tempestades, ou outro caso de força maior[2], não vemos, salvo o devido respeito, como possam ter afastado a presunção de culpa que sobre eles recaía.
Na situação em apreço, temos que partir do resultado que constitui a causa directa do dano (queda da árvore), e procurar na factualidade provada, uma explicação susceptível de afastar o juízo de censura que a lei estabelece, presumindo que a pessoa que tinha a seu cargo o dever de vigilância da árvore, não agiu com o zelo, aferido, como já se referiu, pela diligência do bom pai de família.
Ora, tal juízo de censura só é afastável mediante factualidade demonstrada, integradora da previsão legal da parte final do n.º 1 do artigo 493.º do CC: a prova de que nenhuma culpa houve da parte da pessoa responsável pela vigilância da árvore, ou de que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua
Por seu lado, à lesada (autora), basta a demonstração da ocorrência do dano, do nexo causal entre o mesmo e a queda da árvore, bem como da pertença da árvore aos réus.
Entendem os réus que lograram afastar a presunção de culpa face à factualidade provada sob os n.º 2.4 e 2.19, que aqui se transcreve parcialmente:
«2.4. Há mais de 20 anos que G (…) e antecessores plantam e cuidam de árvores, colhem os seus frutos, lavram, semeiam e colhem cereais, e cortam silvas do prédio rústico sito em (...) […]
2.19. Desde 30/08/00 que o pinheiro referido em 12. a 13. era tratado por G (…)e C (…)»
Ora, de tais factos não se pode minimamente concluir que os réus tenham actuado com o zelo devido, no que concerne ao dever de vigilância imposto pelo n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil.
Como já se referiu, a queda abrupta na estrada, de uma árvore de 12 metros de altura, sem que se alegue e prove qualquer factor extrínseco que a justifique, nomeadamente o derrube por acção humana ou causa natural (chuvas torrenciais, ventos, etc), de acordo com as regras da experiência comum só poderá ser atribuída a factores intrínsecos, relacionados com o seu estado de conservação.
Em suma, parte-se do resultado (queda abrupta da árvore), para averiguar a causa e, na falta de uma explicação traduzida na demonstração da existência de factores externos (alheios ao dono ou ao responsável pela manutenção da árvore), susceptíveis de justificarem essa queda, resta ao julgador considerar que tal resultado só pode ter ocorrido devido a factores internos, inerentes ao estado de conservação da árvore.
Face à ausência de factores externos susceptíveis de justificarem a queda da árvore (mesmo que esta estivesse saudável), chegamos à conclusão de que a pessoa sobre quem recaía o dever de vigilância da árvore não actuou com a diligência devida, de acordo com o critério enunciado no artigo 487/2 do CC, porque se o tivesse feito, se tivesse mantido a árvore em boas condições de manutenção, nomeadamente no que concerne à saúde do tronco e à implantação das raízes, ela nunca cairia sem o indispensável e decisivo contributo de factores externos imprevisíveis ou não controláveis.
De todo o exposto se conclui que os réus não lograram ilidir a presunção de culpa estabelecida no n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil, não merecendo censura nesta parte, a decisão de primeira instância, pelo que terá que improceder o recurso dos réus.

3.2. Apreciação do recurso da autora
Alegou a autora (artigos 28.º a 31.º da petição), que: o veículo sinistrado é um Peugeot modelo 106; custando o aluguer diário de veículo equivalente, pelo menos € 30,00; está privada do veículo desde 23.03.2006, pelo que, até à data da entrada da petição (11.03.2006), teve o prejuízo de € 32.490,00 [€ 30 x 1083]; prejuízo que reclama até que o veículo seja reparado.
Ficou provado: [Facto 2.20.], que a autora desde, pelo menos, Setembro de 2006 usa um automóvel Seat, modelo Alhambra; 2.17; [Facto 2.17.] Em 23/03/06, o aluguer de veículo como o referido em 12. custava cerca de 20 euros por dia.
Na sentença recorrida, invocando jurisprudência do STJ [acórdão de 09.12.2008, Proc. n.º 08A3401], decidiu-se, nestes termos:

«Entendemos que o mais correcto é considerar que não basta a simples privação do veículo automóvel em si mesma, sendo essencial a alegação e prova da frustração de um propósito real, concreto e efectivo, de proceder à sua utilização, não fora impossibilidade da sua utilização. […]

[…] provou-se também que a autora, desde, pelo menos, Setembro de 2006 usa um automóvel Seat, modelo Alhambra, não tendo ficado provado, nem, tão pouco alegado que tal utilização comporta, para a autora, qualquer encargo que não suportaria se pudesse continuar a usar o Peugeot modelo 106, de matrícula (...)QP .

Assim sendo, terá a autora direito a ser indemnizada pelo período de tempo em que efectivamente esteve provada de viatura, ou seja entre 23-03-2006 e Setembro de 2006 (cerca de 66 dias). Tendo ficado demonstrado que em 23/03/06, o aluguer de veículo como aquele que era propriedade da autora custava cerca de 20 euros por dia, terá esta direito a ser indemnizada, a este título, no montante de € 1.320,00.»
Apreciando a questão.
Sobre esta matéria, confrontam-se na jurisprudência duas teses irredutíveis e antagónicas: há os que entendem que a privação de uso do veículo é de per se um dano; e há quem entenda que é necessário provar um dano concreto e específico decorrente dessa imobilização.
No primeiro sentido, veja-se a posição assumida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5.07.2007, relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino[3]: «1. A privação do uso de um veículo automóvel, em consequência dos danos por ele sofridos em acidente de trânsito, envolve, para o seu proprietário, a perda de uma utilidade do veículo – a de o utilizar quando e como lhe aprouver – que, considerada em si mesma, tem valor pecuniário. 2. Assim, essa privação constitui, só por si, um dano patrimonial indemnizável, devendo recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art. 566º/3 do CC, para fixar o valor da respectiva indemnização.»
No acórdão do Supremo, de 9.03.2010[4], relatado pelo Conselheiro Alves Velho, defende-se uma tese que se pode traduzir na síntese entre as posições enunciadas, a que aderimos: «Para efeito de atribuição de indemnização pela privação do uso não será de exigir a prova de danos efectivos e concretos (situação vantajosa frustrada/teoria da diferença), mas a ressarcibilidade também não pode ser apreciada e resolvida em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa (independentemente de que a utilização tenha ou não lugar durante o período de privação), emergindo como critério de atribuição do direito à indemnização a demonstração no processo que, não fora a privação, o lesado usaria normalmente a coisa, vendo frustrado esse propósito
Na situação sub judice não restam dúvidas, tal como se refere na sentença, que entre a data do acidente (23.03.2006) e Setembro de 2006, a autora sofreu um dano, consistente na privação de uso do veículo, traduzido no valor pecuniário correspondente a esse período multiplicado pelo valor de aluguer/dia (€ 20,00), o que corresponde ao valor global de € 1.320,00.
Provou-se, no entanto, que desde Setembro de 2006, a autora vem utilizando para seu uso pessoal, um veículo Seat, modelo Alhambra.
Ou seja, a autora utiliza um veículo de características semelhantes ao sinistrado, não o fazendo em regime de aluguer[5], tendo antes declarado no requerimento de apoio judiciário (fls. 36), que adquiriu por compra o referido veículo, que se provou utilizar desde Setembro de 2006.
Utilizando diariamente um veículo de características semelhantes ao sinistrado, não se vislumbra, nem a autora alegou, qual a necessidade de utilizar em simultâneo o veículo interveniente no acidente.
Por outro lado, no artigo 25.º da petição, alegou a autora que naquela data o veículo não havia sido ainda “reparado na totalidade”, sendo certo que não juntou qualquer orçamento aos autos, mas antes o quadruplicado duma factura (fls. 19), no montante de € 3.751,170, emitida em 19.02.2008, e vencida na mesma data, de onde se poderá inferir que o veículo terá sido efectivamente reparado[6].
Aplicando in casu, o critério enunciado no último acórdão do Supremo citado, de acordo com o qual a ressarcibilidade por privação de uso de veículo não pode ser apreciada e resolvida em abstracto, aferida pela mera impossibilidade objectiva de utilização da coisa, emergindo como critério de atribuição do direito à indemnização a demonstração no processo que, não fora a privação, o lesado usaria normalmente a coisa, vendo frustrado esse propósito, pensamos, face à factualidade descrita, que a M.ª Juíza do tribunal a quo fez uma ponderada e correcta aplicação do direito, restringindo a indemnização aos danos efectivamente provados (entre a data do acidente e o momento em que a autora passou a utilizar outra viatura, sobre a qual declarou, em documento junto aos autos, que a adquiriu por compra).
Consideramos, face ao exposto, atenta a factualidade descrita, que será de manter a decisão também neste segmento.

III. Decisão
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedentes os recursos, aos quais se nega provimento, mantendo na íntegra a douta decisão recorrida.
Custas do recurso pelos Apelantes na proporção dos decaimentos.
                                                         *


Carlos Querido ( Relator )
Pedro Martins
Virgílio Mateus


[1] Proferido no Processo n.º 1639/03.8TBVNB.L1, acessível em http://www.dgsi.pt
[2] Circunstância que se poderá definir como “todo o acontecimento natural ou acção humana que, embora previsível ou até prevenida, não se pode evitar, nem em si mesmo nem nas suas consequências” – Acórdão do Pleno do STA, de 14.01.2010, Proc. n.º 0566/08, acessível em http://www.dgsi.pt.
[3] Proferido no Processo n.º 07B1849, disponível em http://www.dgsi.pt
[4] Proferido no Processo n.º 1247/07.4TJVNF.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt
[5] A autora não alegou esse facto, omitindo mesmo a circunstância de ter adquirido o SEAT. Foram os réus que alegaram o facto em apreço (art. 36.º da contestação), a partir da declaração da autora expressa no pedido de apoio judiciário (fls. 36), onde refere que comprou o veículo SEAT Alhambra, matrícula (...)-MC, e que o seu valor de aquisição é de € 10.000,00.
[6] Ao contrário do orçamento prévio, a factura emite-se após a realização do serviço a que se reporta.