Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4337/17.1T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: LINHAS DE ALTA TENSÃO
CONSTITUIÇÃO DE UMA SERVIDÃO ADMINISTRATIVA AÉREA DE PASSAGEM DE ENERGIA ELÉTRICA DE ALTA TENSÃO
INDEMNIZAÇÃO
PROCESSO ADEQUADO
Data do Acordão: 03/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUCIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE COMP. GENÉRICA DA LOUSÃ – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 37º E 38º, §2º DO DECRETO LEI Nº 43.335, DE 19/11/1960.
Sumário: I – Conforme resulta do artº 37º Dec. Lei nº 43.335, de 19/11/1960, ‘os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas elétricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário das linhas de alta tensão elétrica sempre que dessa utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas’, valor indemnizatório esse que poderá ser fixado por acordo com os proprietários ou, na falta desse acordo, através da realização de uma arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados – artº 38º - ou, ainda, através de propositura de ação judicial cível contra a entidade que ocupa prédios particulares para o referido efeito.

II - Uma vez seguida a via administrativa – por arbitragem pedida por qualquer interessado - para determinação do valor indemnizatório devido ao proprietário dos terrenos, tornou-se inviável a propositura de uma ação cível nos tribunais comuns, como é a presente ação, para fixação de tal valor - §2º do artº 38º do citado Dec. Lei.

III - Uma vez proferida decisão pelos árbitros – 3 (um dos quais é indicado pelo proprietário) -, poderá da dita haver recurso para os tribunais, em prazo fixado pela lei – artº 42º, § único do Dec. Lei nº 43.335 -, podendo ainda o proprietário requerer, em determinados casos, que o concessionário lhe adquira pelo justo valor o prédio atravessado pelas linhas – artº 45º.

Decisão Texto Integral:



Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

            No Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra - Juízo de Competência Genérica da Lousã - Juiz 2 corre termos a presente ação declarativa, com processo comum, instaurada por A..., residente na Rua ..., contra ‘E... – Energia, S.A.’, com sede na Rua ..., pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de €21.204,50, a título de danos patrimoniais alegadamente causados pela Ré, quantia essa acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de citação até integral pagamento; e a pagar-lhe €2.000,00 por danos não patrimoniais causados, com juros de mora.

            Alega, muito em resumo, ser dono de 6 prédios rústicos, sitos em ..., freguesia e concelho de x (...) , que identifica.

            Que em Novembro de 2000 a Ré entrou nesses prédios e neles procedeu ao corte de árvores (eucaliptos), com vista a por eles fazer passar a linha aérea de passagem de energia elétrica a 15kv, PCS de x (...) /norte do concelho, como fez, ao longo de uma faixa de terreno de 258 metros, por 15 metros de largura.

            Que em 6/10/2004 a Ré enviou ao A. uma carta registada, propondo pagar-lhe uma indemnização de €3.397,41, ao que o A. respondeu dizendo não aceitar essa proposta e juntando um requerimento a solicitar a realização de uma arbitragem, tendo logo indicado o seu perito para esse efeito.

            Que até à data da propositura desta ação nada lhe foi comunicado sobre a realização de tal arbitragem, razão da presente demanda.

            Mais alega os prejuízos que considera lhe terem sido causados pela Ré.


II

            A Ré contestou alegando, além do mais, que a construção da referida linha de alta tensão foi devidamente licenciada pela DRE do Centro do Ministério da Economia, o que oportunamente foi devidamente comunicado ao A..

            Que dada a posição negocial sempre manifestada pelo A. lhe foi comunicado pela Ré que teria direito a ser indemnizado e que até poderia recorrer a uma arbitragem para fixação desse valor.

            Tendo o A. requerido a realização de uma arbitragem em 2005, teve esta lugar no Ministério da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento.

            Terminou pedindo a improcedência da presente ação.


III

            O Tribunal obteve junto do Ministério da Economia informação sobre essa requerida arbitragem, com o envio de cópia da acta da respetiva comissão arbitral, datada de 17/03/2010, conforme fls. 74vº.

            Nessa sequência teve lugar uma audiência prévia, conforme acta de fls. 95/97, na qual consta o seguinte despacho:

- Despacho saneador:

...

- Da inadmissibilidade legal da presente ação:

Através da presente ação, o autor pretende o pagamento de uma indemnização, por conta dos danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos do art. 37.º do Decreto-Lei n.º 43.335, de 19/11/60, pela constituição de uma servidão administrativa aérea de passagem de energia elétrica de alta tensão sobre o prédio identificado no art. 1.º da petição inicial. O pedido de reconhecimento do direito de propriedade sobre esse mesmo prédio, embora autonomizado, não tem efetiva utilidade e autonomia em relação ao primeiro, não tendo sequer sido alegado qualquer facto de onde emergisse controvérsia relativamente ao arrogado direito de propriedade, pressuposto da verificação do pressuposto processual do interesse em agir. Assim, é sobre o pedido indemnizatório que nos deveremos centrar, lendo o pedido de reconhecimento do direito de propriedade como meramente acessório deste. Caso assim não fosse, sempre teríamos de considerar que inexiste qualquer interesse em agir relativamente ao pedido de simples apreciação positiva que foi deduzido.

Ora, a propósito da questão central que nos ocupa, o autor alegou igualmente que requereu a realização de uma arbitragem, tendo indicado perito, desconhecendo, no entanto, o estado dessa mesma arbitragem – arts. 30.º a 33.º da petição inicial.

Na sua contestação, a ré admite que foi solicitada a realização de arbitragem, tendo o processo sido remetido para a Direção Regional do Centro do Ministério da Economia.

Por requerimento de 6/4/2018, a ré veio acrescentar que a arbitragem solicitada pelo autor foi conhecida por uma Comissão Arbitral que determinou a indemnização devida.

Conclui, para o que importa, que em função da constituição da Comissão Arbitral encontra-se vedada a possibilidade de propor a presente ação, nos termos do disposto no art. 38.º do Decreto-Lei n.º 43.335, de 19/11/60.

O que configura uma exceção dilatória, que impede o prosseguimento do processo.

Vejamos.

O artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 43.335, de 19/11/60 prevê o direito à indemnização pelos danos resultantes do estabelecimento de linhas elétricas.

O art. 38.º do mesmo normativo legal faculta dois modos de encontrar o valor dessa indemnização quando, como sucede no caso, não há acordo entre os interessados, a saber, a arbitragem ou através de uma ação declarativa de condenação.

A arbitragem pressupõe o requerimento de algum dos interessados, nos termos do §1 do citado art. 38.º e esse requerimento solicitando a arbitragem impede a propositura de ação nos tribunais competentes sobre o objeto dela, mas a arbitragem não terá lugar se, quando for requerida, já houver ação pendente acerca do mesmo objeto - §2.º do mesmo normativo legal, que dispõe “O requerimento solicitando a arbitragem impede a propositura de ação nos tribunais competentes sobre o objeto dela, mas a arbitragem não terá lugar se, quando for requerida, já houver ação pendente acerca do mesmo objeto”.

Ora, dos citados normativos legais resulta que a fixação do valor indemnizatório através de recurso à arbitragem não é obrigatória ou forçosa, encontrando-se plenamente aberta a possibilidade de o interessado vir a intentar a respetiva ação declarativa de condenação com vista a obter este mesmo desiderato.

No entanto, precisamente por não ser obrigatória, se o interessado optar pela arbitragem fica impedido de instaurar a respetiva ação declarativa de condenação – art. 38.º,§ 2.º do Decreto-lei nº 43.335, de 19 de Novembro de 1960 -, abrindo-se-lhe, sim, posteriormente, a via do recurso, para o tribunal competente, da decisão arbitral – art. 42.º do já citado diploma legal.

Ora, no caso em concreto, a presente ação configura uma ação declarativa comum instaurada com vista à obtenção da indemnização prevista no art. 37.º do Decreto-Lei n.º 43.335, de 19/11/60.

No entanto, ela surge depois de o autor ter manifestado a sua preferência pelo recurso à arbitragem, na medida em que as partes admitem que o autor, anos antes da instauração da presente ação, requereu a arbitragem, estando junto ao processo esse requerimento como doc. 27 a fls. 39.

Foi dado seguimento a esse requerimento, vindo o Ministério da Economia juntar a estes autos toda a documentação relativa ao processo de arbitragem, inclusivamente a decisão arbitral, proferida em 17/3/2010, ou seja mais de sete anos antes da propositura da presente ação – fls. 69 e sgs..

O que apenas é revelador como a presente ação, a prosseguir, contenderia com uma decisão já tomada por árbitros e, consequentemente, com o caso julgado que da mesma tem necessariamente de emergir.

Em sede de audiência prévia veio o autor invocar que desconhecia se foi dado seguimento ao seu requerimento sobre a arbitragem, entendendo que tal afastava o impedimento à via da presente ação.

No entanto, a lei é cristalina quando refere que é o requerimento a solicitar a arbitragem a impedir o recurso à ação judicial. E, mais, os documentos juntos pelo próprio autor indicam claramente que foi dado o devido seguimento ao seu requerimento de arbitragem e que disso lhe foi dado conhecimento, tendo ele sido informado das diligências prévias à composição do colégio de árbitros – cfr fls. 40 e 41-.

Em concreto, na missiva de fls. 41 foi expressamente informado que “[…]No seguimento do pedido de Arbitragem oportunamente solicitado, esta Direção Regional o devido encaminhamento.

Nos termos regulamentares solicitámos à Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro, a indicação do Perito que representará esta Direção Geral (e que será o Perito Presidente).

Informamos que aguardamos que a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro no envio o respetivo Parecer […]”

Pelo que, em rigor, não pode o autor sequer invocar que desconhece se o seu requerimento foi aceite ou não. Os documentos apresentados e por eles juntos transmitem-lhe que foi dado seguimento ao seu pedido de arbitragem e, tanto assim, que se constata dos documentos juntos que há mais de oito anos que os srs. árbitros decidiram quanto à indemnização devida.

Isto posto, como expusemos, depois de ter requerido a arbitragem, não pode o autor instaurar uma ação com o mesmo objeto e finalidade daquela, como sucede no caso em mãos – art. 38.º,§ 2.º do Decreto-lei nº 43.335, de 19 de Novembro de 1960. Sendo que, no caso, uma tomada de posição pelo Tribunal ex novo sobre tal questão contenderia com uma decisão arbitral já preteritamente tomada.

Donde, estava vedado ao autor o recurso à presente ação. Isto concluído, resta retirar as devidas consequências.

Estamos em crer que estamos perante um óbice ao prosseguimento da ação, o que nos reconduz à falta de um pressuposto processual e, consequentemente, à verificação de uma exceção dilatória, ainda que atípica.

Senão vejamos.

Os pressupostos processuais são aqueles requisitos de que depende dever o juiz proferir decisão sobre o mérito da causa, concedendo ou denegando a providência judiciária requerida pelo demandante. Na falta deles o juiz só pode e deve declarar isso mesmo, abstendo-se de estatuir sobre o mérito - Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs.74 e seguinte.

No caso, não se mostram reunidos os pressupostos legais para o recurso à presente ação como via de efetivação do direito indemnizatório, previsto no art. 37.º do Decreto-lei nº 43.335, de 19 de Novembro de 1960, estando, por conseguinte, em causa, um uso indevido e inadequado da ação declarativa comum, o que configura uma exceção dilatória que impede o tribunal de conhecer do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância – arts. 278.º/1, al. e) e 576.º/2, ambos do Código de Processo Civil.

Por conseguinte, ao abrigo do disposto nos citados normativos legais, absolvemos a ré da instância.

O que prejudica o prosseguimento da audiência prévia.


IV

            Desse despacho interpôs recurso o A., em cujas alegações formula as seguintes conclusões: 

...


V

            Contra-alegou a Ré/recorrida, onde também formula as seguintes conclusões:

...


VI

            O recurso interposto foi admitido em 1ª instância, como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, tendo comno tal sido aceite nesta Relação, nada obstando ao conhecimento do seu objeto.

            Esse objeto traduz-se na reapreciação do despacho recorrido que decidiu pela inadmissibilidade legal da presente ação, ao abrigo do artº 38º do Decreto Lei nº 43.335, de 19/11/1960.

            É o que cumpre apreciar.

            Conforme resulta do artº 37º Dec. Lei nº 43.335, de 19/11/1960, ‘os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas elétricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário das linhas de alta tensão elétrica sempre que dessa utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas’, valor indemnizatório esse que poderá ser fixado por acordo com os proprietários ou, na falta desse acordo, através da realização de uma arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados – artº 38º - ou, ainda, através de propositura de ação judicial cível contra a entidade que ocupa prédios particulares para o referido efeito.

            No presente caso o aqui autor não concordou com a Ré no montante indemnizatório a ser-lhe pago, tendo o A. oportunamente requerido a realização de uma arbitragem em 2005, a qual teve lugar no Ministério da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento.

            Ora, uma vez seguida esta via administrativa para determinação do valor indemnizatório devido ao autor, tornou-se inviável a propositura de uma ação cível nos tribunais comuns, como é a presente ação, para fixação de tal valor - §2º do artº 38º do citado Dec. Lei.

            Uma vez proferida decisão pelos árbitros – 3 (um dos quais é indicado pelo proprietário) -, poderá da dita haver recurso para os tribunais, em prazo fixado pela lei – artº 42º, § único do Dec. Lei nº 43.335 -, podendo ainda o proprietário requerer, em determinados casos, que o concessionário lhe adquira pelo justo valor o prédio atravessado pelas linhas – artº 45º. 

            Como resulta de fls. 74vº, o Tribunal a quo obteve junto do Ministério da Economia informação sobre essa requerida arbitragem, com o envio de cópia da acta da comissão arbitral realizada, datada de 17/03/2010, onde o montante indemnizatório arbitralmente fixado é de €6.000.00.

            Uma vez que o A. sustenta que ainda não foi notificado dessa acta, então ainda estará em tempo de interpor recurso de tal decisão, nos termos do artº 42º do Dec. Lei nº 43.335.

            O que não pode é socorrer-se de uma ação como a presente, uma vez que ele mesmo já optou pela via da arbitragem, como resulta do supra exposto.

            Este caminho ou ‘iter processual’ está em consonância com o vigente código das expropriações, republicado pela Lei nº 56/2008, de 04/09, como bem resulta dos seus artºs 33º, 34º, 35º, 36º, 38º, nº 1, 40º, 45º, 49º, 52º e 58º a 66º.

            Ora, assim sendo é manifesto que tendo o A. seguido ou optado pela via administrativa para determinação do valor indemnizatório que lhe é devido, tornou-se inviável a propositura de uma ação cível nos tribunais comuns, como é a presente ação, para fixação de tal valor - §2º do artº 38º do citado Dec. Lei.

            Donde estarmos de acordo com o despacho recorrido, segundo o qual ‘... No caso, não se mostram reunidos os pressupostos legais para o recurso à presente ação como via de efetivação do direito indemnizatório, previsto no art. 37.º do Decreto-lei nº 43.335, de 19 de Novembro de 1960, estando, por conseguinte, em causa um uso indevido e inadequado da ação declarativa comum, o que configura uma exceção dilatória que impede o tribunal de conhecer do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância – arts. 278.º/1, al. e) e 576.º/2, ambos do Código de Processo Civil.

Por conseguinte, ao abrigo do disposto nos citados normativos legais, absolvemos a ré da instância.’.

            Afigura-se-nos que também se verifica manifestamente um erro no meio processual seguido com a presente ação, nos termos do artº 193º, nº 1 do nCPC – aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06 -, que determina a anulação de todo o processado.

            Como jurisprudência atinente ao caso presente referiremos a seguinte:

               Como se diz no Ac. STJ de 03/07/2014, Procº nº 421/10.0TBAVV.G1.S1, ‘enquanto as servidões civis aumentam o valor económico do prédio dominante, as servidões administrativas tendem, unicamente, a facilitar a produção da utilidade pública dos bens do domínio que, estando fora do comércio privado, não têm valor venal, ou de coisas particulares afectadas a um fim público de grande interesse social.

As servidões administrativas têm, em princípio, carácter duradouro. Extinguem-se pela cessação da dominialidade dos bens ou da função pública das coisas dominantes. Terminada a função pública da coisa dominante desaparece a razão de ser da servidão administrativa, pelo que esta deve cessar ipso facto.

As servidões administrativas só dão lugar a indemnização mediante disposição expressa da lei. A sua constituição deve permitir, segundo o princípio do mínimo prejuízo, que o prédio onerado continue a ser utilizado pelo seu proprietário. Só se a servidão impedir o prosseguimento da fruição normal de todo ou de parte do prédio, envolvendo diminuição efectiva do seu valor, nasce da violação da regra da igualdade dos encargos públicos a necessidade de aplicar o princípio da indemnização, sempre por expressa disposição da lei.

Ora no caso vertente não foi minimamente colocado em dúvida que estamos perante uma servidão administrativa imposta por lei e de manifesta utilidade pública. Em princípio de carácter duradouro dado que tratando-se de fornecimento de energia eléctrica não se prevê a sua extinção a curto ou médio prazo.

É certo que o nº 2 do art.1344º do CC dispõe que o proprietário não pode, todavia, proibir os actos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse impedir, mas não é esta a questão a considerar: nem a altura a que se encontram os cabos de alta tensão estão colocados a uma altura despicienda ao uso e fruição normais do imóvel em questão nem a perigosidade que lhes é imanente é irrelevante.

Dispõe o art. 37º do Decreto-Lei nº 43.335, de 19 de Novembro de 1960, que: “Os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas”.

O citado art. 37º do Decreto-Lei nº 43.335, de 19 de Novembro de 1960, ao prever quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas quis estabelecer um direito indemnizatório geral decorrente não só do facto de existirem prejuízos directos advindos do acto de construção mas de todos os prejuízos actuais ou futuros decorrentes de uma diminuição do valor do imóvel pela construção ou passagem de linhas, in casu, de alta tensão.

               Tem aqui perfeita aplicação a doutrina de Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao art.1344º do Código Civil (anotado) citada pelos recorridos “Nos casos em que a lei permite a ocupação do espaço aéreo para a satisfação de certos interesses de carácter colectivo (passagem de linhas de alta tensão para transporte de electricidade, instalação de fios telegráficos ou telefónicos, etc) há, em regra, a atribuição de um direito de indemnização ao proprietário pelo prejuízo que ele sofre. É mais um tipo de caso em que a licitude do acto não impede a obrigação de reparar o dano, pela injustiça que constituiria o sacrifício de uns tantos em proveito de muitos outros”.

               Finalmente, como afirmamos supra a desvalorização sofrida pelo prédio dos AA. é actual e mesmo que o prejuízo de tal desvalorização só se venha a concretizar no futuro, ele é sempre atendível (art.564º do CC) desde que previsível como é.

            O Ac. Rel. do Porto de 06/03/2017, Proc.º nº 4124/03.4TBSTS.P2:

II. Está em causa a fixação da indemnização pela constituição de uma servidão administrativa de que é beneficiária a B…, S.A., e que, tendo esta empresa por objeto a produção, transporte e distribuição de energia eléctrica, nos termos do artigo 51º do Decreto-Lei nº 43.335, de 19.11.1960, tem o direito de atravessar prédios com linhas aéreas e montar neles os respetivos apoios.

A servidão administrativa é um encargo imposto por lei sobre um prédio, em proveito da utilidade pública duma coisa, que pode ser um prédio ou qualquer outro bem - Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Volume II, pág. 1053.

A servidão elétrica em questão está dependente da licença de estabelecimento da instalação, a obter nos termos do Regulamento de Licenças para Instalações Elétricas, aprovado pelo Decreto-Lei 26.852, de 30.7.1936, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 446/76, 5.6.1976, e 344/89, de 13.5.1989.

Em matéria de servidões elétricas á aplicável o regime jurídico previsto no citado Decreto-Lei nº 43.335, de 19.11.1960, em vigor à presente data, como resulta do disposto no artigo 75º, nº 2, do Decreto-Lei nº 172/2006, de 23 de Agosto.

Nos termos do artigo 37º daquele Decreto-Lei nº 43.335, os proprietários dos prédios onerados com este tipo de servidões têm direito a indemnização, sempre que da ocupação resulte a redução do rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos decorrentes da construção das linhas.

Por sua vez, o artigo 38º do mesmo diploma estabelece que o valor das indemnizações será determinado por comum acordo entre as duas partes e, na falta dele, poderá ser fixado por arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados.

Da decisão arbitral pode haver recurso no prazo de prazo de oito dias, nos termos do artigo 42º do DL 43.335, recurso que, nos termos do artigo 8º da Lei 2063, de 3.6.1953, é interposto para o juiz da comarca onde se insere o prédio.

A citada Lei 2063 é a que, à data da entrada em vigor do DL 43.335, regulava os recursos em matéria de expropriações.

Portanto, embora a constituição de uma servidão administrativa não possa ser considerada uma expropriação, a disciplina legal desta é aplicável à fixação do montante da indemnização a atribuir ao proprietário do prédio onerado.

Atualmente, isso mesmo resulta do disposto no artigo 8º, nº 3, do C.E: «À constituição das servidões e à determinação da indemnização aplica-se o disposto no presente Código com as necessárias adaptações, salvo o disposto em legislação especial».


            O Ac. Rel. de Évora de 13/12/2005, Proc.º nº 1834/05-3:

... nos termos do disposto no art. 37º do D.L. nº 43.335, de 19/11/60, “os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção das linhas.

Também por força da Base XIII do anexo do D.L. nº 185/95, de 27/7 (regime jurídico da actividade de transporte de energia eléctrica), “no atravessamento de terrenos do domínio público ou dos particulares, a concessionária deve adoptar os procedimentos estabelecidos na legislação aplicável e proceder à reparação de todos os prejuízos que resultem dos trabalhos executados”.

No caso em apreço, resulta claro da factualidade dada como provada que estamos perante uma servidão administrativa de passagem de linhas eléctricas aéreas.

Ora, a servidão administrativa é o encargo imposto por lei sobre certo prédio, não em benefício de outro prédio (como acontece nas servidões prediais reguladas no Código Civil), mas em proveito da utilidade pública de uma coisa (cfr. Marcello Caetano, Manual, Tomo II/1052) e postula, tão só, uma relação objectiva entre coisas, implicando uma restrição no gozo da coisa alheia (cfr. Oliveira Ascensão, Direitos Reais, pág. 166), não visando a realização de interesses públicos abstractos, como acontece no caso das simples restrições de utilidade pública.

Assim, nos termos do art. 8º, nº 3, do Cód. Exp., directamente aplicável à constituição de servidões administrativas, “à constituição das servidões e à determinação da indemnização aplica-se o disposto no presente Código, com as necessárias adaptações, salvo o disposto em legislação especial.

Daqui resulta que, como regra geral, a indemnização pelas servidões (administrativas) deve ser calculada de acordo com as normas respeitantes à indemnização por expropriação, isto sem prejuízo de existir legislação especial que preveja a indemnização para as servidões no domínio da electricidade, ou seja o já citado art. 37º do D.L. nº 43.335, de 19/11/60, acima transcrito, normativo este que, inexoravelmente, se aplica no caso dos presentes autos.

Além disso, haverá também que ter presente, “in casu”, o disposto no art. 28º do Regulamento de Segurança das Linhas Eléctricas de Alta Tensão, aprovado pelo Dec. Regulamentar nº 1/92, de 18/2, sendo que o nº 2 de tal preceito estipula que:

- Deverá estabelecer-se ao longo das linhas uma faixa de serviço com uma largura de 5 m, dividida ao meio pelo eixo da linha, na qual se efectuará o corte e decote de árvores necessários para tomar possível a sua montagem e conservação.

Por sua vez, resulta dos nºs 3, alínea b) e 4 que, atendendo à tensão da linha em causa - 25 m para linhas de tensão nominal igual (ou inferior) a 60 kV - existe uma zona de protecção de 25 m com vista a garantir a segurança de exploração das linhas, e onde se procede ao corte ou decote das árvores que for suficiente para garantir a distância mínima referida no nº 1, bem como das árvores que, por queda, não garantam, em relação aos condutores, na hipótese de flecha máxima sem sobrecarga de vento, a distância mínima de 1,5 m..


***

            O Recorrente ainda alude a uma a uma pretensa nulidade do despacho recorrido, por alegadamente não conter qualquer fundamentação de facto ou de direito – artº 615º do nCPC.

            Mas carece completamente de razão, como resulta manifesto da transcrição do despacho recorrido, sendo que é o próprio autor que refere ter requerido a realização de uma arbitragem ao caso e ter logo indicado o seu perito para esse efeito, pelo que ao ter optado por essa via processual ficou imediatamente proibido ou impedido de se socorrer de uma ação judicial cível, como é a presente, o que está claramente dito e exposto no despacho recorrido,

            Logo, não se verifica a invocada nulidade do despscho recorrido.

            Concluindo, impõe-se a confirmação do despacho recorrido, improcedendo o presente recurso, o que se decide.


VII

            Decisão:

            Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando-se o despacho recorrido.

            Custas pelo Recorrente.

                                               Tribunal da Relação de Coimbra, em 12/03/2019