Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
315/10.0TBTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: INSOLVÊNCIA
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
REVOGAÇÃO
EFEITOS
Data do Acordão: 03/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 43.º E 209.º, N.ºS 1 E 2, DO CIRE
Sumário: I – A apreciação do plano de insolvência pela assembleia de credores e consequente homologação por sentença está dependente, além do mais, do trânsito em julgado da sentença que declare a insolvência (art.º 209.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE);

II – Revogada essa sentença pelo tribunal ad quem, a instância extingue-se pelo julgamento, ressalvando-se apenas os efeitos dos actos legalmente praticados pelos órgãos da insolvência, não podendo a causa prosseguir para apreciação do plano de insolvência, cuja proposta pura e simplesmente se torna ineficaz (art.º 43.º do CIRE), nem para apreciação da destituição da administradora da insolvência face à sua inevitável cessação de funções.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

1. Relatório

A..., B... e C..., na qualidade de credores laborais, em 22.6.10 requereram a declaração de insolvência de “D..., Lda.”, insolvência que, após oposição da requerida, viria a ser decretada por sentença de 2.8.10, mas posteriormente revogada por acórdão desta Relação de 26.10.10 que, com trânsito em julgado, rejeitou o pedido de declaração de insolvência.

Face ao assim decidido, o Ex.mo Juiz, mediante despacho datado de 25.11.10, proferiu despacho no sentido de “Atendendo ao teor do acórdão proferido no apenso A, ter-se-á que declarar extinta a presente instância, por o mesmo ter declarado improcedente o pedido de insolvência. À conta com custas a cargo dos requerentes. Notifique a A. I. para apresentar as respectivas contas”.

Foi deste despacho que o credor subordinado da requerida “ D..., Lda.”, E..., recorreu, subindo os autos a esta Relação na sequência do deferimento de reclamação sobre a inadmissibilidade do recurso na 1.ª instância, vertendo nas alegações as seguintes úteis conclusões:

a) – Não obstante a improcedência do pedido de insolvência pelo Tribunal da Relação de Coimbra, a instância podia e devia ter prosseguido para apreciação das demais questões colocadas no tribunal a quo no âmbito da insolvência, nomeadamente para execução do plano de pagamentos apresentado pela requerida;

b) – Mantendo-se a instância, a sociedade requerida seria objecto de reestruturação, com futura obtenção de lucros que permitisse o pagamento dos seus créditos;

c) – Com a prolação da sentença recorrida a requerida viu coarctada a sua possibilidade de dar continuidade ao plano que os credores tinham deliberado realizar e os credores viram coarctados, em grande medida, ou pelo menos dificultada, a possibilidade de ver saldados os seus créditos;

d) – Daí o interesse do credor reclamante/recorrente na prossecução da instância que, ainda que a longo prazo veria, muito provavelmente, saldado o seu crédito;

e) – Além disso, também outras questões ficaram por apreciar, como sejam, a incompatibilidade da administradora da insolvência para o exercício de funções, a suspeição e sua substituição por outro administrador.

Concluiu pela revogação da decisão que julgou extinta a instância, em consequência prosseguindo os autos para apreciação do plano de pagamentos apresentado e demais questões suscitadas nos processos apensos.

A administradora da insolvência respondeu para alegar a sua ilegitimidade para contra-alegar, decorrente da cessação de funções subsequente ao trânsito em julgado do despacho recorrido.

Foram dispensados os vistos.

É questão a decidir:

- Saber quais os efeitos decorrentes da revogação da sentença declaratória de insolvência, especialmente se os autos devem prosseguir para apreciação do plano de insolvência proposto pela então declarada insolvente “ D..., Lda.” e da destituição da administradora da insolvência.


*

            2. Fundamentos

            a) - De facto

            O quadro factual relevante para o julgamento do recurso, que é delimitado pelas suas conclusões, é o indicado no antecedente relatório, havendo ainda a considerar que na assembleia de credores de 1.10.10 (fls. 771) foi junto pela insolvente um plano de insolvência onde, além do mais, o credor subordinado ora recorrente, com crédito no valor de € 49.750,00, se previa fosse transformado em capital social, plano esse cuja reformulação, a efectuar no prazo de 10 dias, (para eliminação de vícios e ilegalidades), foi atribuído à administradora da insolvência o que, entretanto, não veio fazer dada a extinção da instância subsequente ao acórdão desta Relação que, revogando a sentença, indeferiu o pedido de insolvência.


*

            b) - De direito

            A única questão suscitada, da utilidade do prosseguimento dos autos, não obstante a revogação da sentença declaratória de insolvência por esta Relação, é resolvida à luz do disposto no art.º 43.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) quando dispõe que “a revogação da sentença de declaração de insolvência não afecta os efeitos dos actos legalmente praticados pelos órgãos da insolvência”.

            De acordo com o disposto no art.º 14.º, n.º 5 do CIRE o recurso da sentença que declara a insolvência tem efeito devolutivo, pelo que não suspende os efeitos da decisão, sem prejuízo de determinados actos só poderem ser levados a efeito após o trânsito em julgado dessa sentença, como a venda de bens, dado que o recurso da decisão suspende a liquidação e partilha do activo, embora se exceptuando a venda, urgente, de bens perecíveis, uma vez obtida a concordância da comissão de credores (n.º 3 do art.º 40.º do CIRE).

            Informa Carvalho Fernandes e João Labareda[1] que, não obstante a revogação da sentença que decreta a insolvência, são válidos, v. g., todos os actos, entretanto praticados, de apreensão de bens e elementos de contabilidade levados a efeito pelo administrador da insolvência, como o são a fixação da residência do devedor e a nomeação do próprio administrador e nomeação do próprio administrador, com relevância na remuneração de funções pelo respectivo período, como aquelas vendas urgentes, a suspensão de negócios não cumpridos e a resolução dos mesmos, que o administrador haja desencadeado.

            Exceptuando esses actos e outros inerentes à administração, obviamente que uma vez revogada a sentença de insolvência o devedor insolvente deixa de o ser e a empresa volta a recuperar o seu funcionamento normal, podendo a sua administração ou gerência alterar as opções que o administrador da insolvência haja tomado.

            Esta é uma solução advinda, já, do anterior CPEREF (art.º 131.º).

            O que, em particular, o recorrente põe em causa reporta-se ao cumprimento do plano de insolvência apresentado pela então devedora e ainda a apreciação da destituição da administradora da insolvência.

            Antes de mais, importa deixar claro que, revogada a sentença (seja pela procedência de embargos, seja pela procedência do recurso), a instância extingue-se automaticamente. Se não havia razão para ter nascido, não há razão para continuar…

            O que o citado art.º 43.º ressalva é a produção de alguns efeitos legalmente praticados pelos órgãos da insolvência entre o decretamento da insolvência e a sua revogação.

            Depois, o plano de insolvência apresentado pela então devedora insolvente não passou de mera proposta, ficando, aliás, de ser corrigida e, de acordo com o art.º 209.º, n.ºs 1 e 2 do CIRE, a sua discussão e aprovação é daquelas matérias que pressupõem o trânsito em julgado da sentença declaratória de insolvência, além do esgotamento do prazo para impugnação da lista de credores reconhecidos e da realização da assembleia para apreciação do relatório.

            Para além disso, qualquer execução do plano de insolvência está dependente da homologação judicial que, não obstante aprovado maioritariamente em assembleia de credores, pode não ocorrer, mesmo oficiosamente, no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou nos demais casos a que alude o art.º 215.º do CIRE.

            Decorre do exposto que o efeito pretendido pelo recorrente, da ressalva de um “plano de pagamentos apresentado”, não tem nem pode ter salvaguarda legal da revogação da sentença de insolvência, nem esse plano passou de mera proposta que a falta de trânsito em julgado da sentença sempre impediria fosse discutido e votado pela assembleia de credores.

As demais questões atinentes à destituição da administradora da insolvência nenhuma relevância apresentam, pela simples razão de as suas funções terem cessado com a prolação do acórdão revogatório da sentença da 1.ª instância.

            Soçobram, deste modo, as conclusões recursivas, mantendo-se a decisão recorrida de extinção da instância, concretamente pelo julgamento, nos termos da alín. a) do art.º 287.º do CPC.


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c) - Sumariando (n.º 7 do art.º 713.º do CPC):

             I – A apreciação do plano de insolvência pela assembleia de credores e consequente homologação por sentença está dependente, além do mais, do trânsito em julgado da sentença que declare a insolvência (art.º 209.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE);

            II – Revogada essa sentença pelo tribunal ad quem, a instância extingue-se pelo julgamento, ressalvando-se apenas os efeitos dos actos legalmente praticados pelos órgãos da insolvência, não podendo a causa prosseguir para apreciação do plano de insolvência, cuja proposta pura e simplesmente se torna ineficaz (art.º 43.º do CIRE), nem para apreciação da destituição da administradora da insolvência face à sua inevitável cessação de funções.


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            III. Decisão
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
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Francisco M. Caetano (Relator)
António Magalhães
Freitas Neto


[1] “CIRE, Anot.”, 2008, pág. 218.