Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
169/08.6GBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE JACOB
Descritores: CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
Data do Acordão: 06/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE POMBAL – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 86º, Nº 1, AL. C), 99º-A DA LEI 5/2006
Sumário: O art. 99º-A da Lei 5/2006, introduzido pela Lei nº 17/2009, de 6 de Maio, não contempla qualquer excepção à situação prevista no art. 86º, nº 1, al. c), da Lei nº 5/2006
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO:

Nestes autos de processo comum que correram termos pelo 1º Juízo do Tribunal Judicial de Pombal, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos:
“(…)
Por todo o exposto, julga-se parcialmente procedente a acusação e em consequência:
a) Absolve-se o arguido C... da prática de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal, na pessoa do ofendido J...;
b) Condena-se o arguido C... pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 210 (duzentos e dez) dias de multa, à razão diária de 7,50 € (sete euros e cinquenta cêntimos);
c) Condena-se o arguido C... pela prática de quatro crimes de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 130 (cento e trinta) dias de multa para cada um deles, à razão diária de 7,50 € (sete euros e cinquenta cêntimos);
d) Condena-se o arguido C... pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 260 (duzentos e sessenta) dias de multa, à razão diária de 7,50 € (sete euros e cinquenta cêntimos);
e) Em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, condena-se o arguido C... na pena única de 580 (quinhentos e oitenta) dias de multa, à razão diária de 7,50 € (sete euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a quantia de 4 350 € (quatro mil trezentos e cinquenta euros);
f) Condena-se ainda o arguido no pagamento das custas do processo (artigos 513.º e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que compreendem:
- 3 UC de taxa de justiça (artigos 513.º do Código de Processo Penal e 74.º, 82.º, n.º 1, e 85.º, n.º 1, alínea b), do Código das Custas Judiciais, ainda aplicável aos autos);
- e procuradoria em ¼ da taxa de justiça a favor do Instituto de Gestão Financeira (artigos 514.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e 74.º, n.º 1, 89.º, n.º 1, alínea e), e 95.º, n.ºs 1 e 2 do Código das Custas Judiciais).
Julga-se parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por M...... e em consequência:
a) condena-se o demandado C... a pagar à demandante M......, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de 1 150 € (mil cento e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento.
Custas quanto ao pedido cível pela demandante e pelo demandado, na proporção dos respectivos decaimentos (art.º 446.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi art.º 523.º do Código de Processo Penal).
Julga-se também parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por J... e em consequência:
a) condena-se o demandado C... a pagar ao demandante J..., a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de 450 € (quatrocentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento.
Custas quanto ao pedido cível pelo demandante e pelo demandado, na proporção dos respectivos decaimentos (art.º 446.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi art.º 523.º do Código de Processo Penal).
Por terem servido para a prática de factos ilícitos típicos, oferecendo, pela sua natureza, sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos crimes, declaro perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos ao arguido (art.º 109.º, n.º 1 do Código Penal).
Cumpra, quanto às armas e munições apreendidas, o disposto no art.º 78.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.
(…)”

Inconformado, o arguido C... interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões:
Do crime de detenção de arma proibida
1 - O arguido condenado como autor material de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art. 86º nº 1, al. c), por referência aos artigos 3º e 6º, al. c) e 8º, todos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro na pena de 260 dias de multa à razão diária de € 7,50.
2 - Posteriormente à data da prática dos factos entrou em vigor a Lei nº 17/2009, de 6 de Maio, que procedeu à segunda da Lei nº 5/2006 e aprovou o novo regime jurídico das armas e suas munições.
3 - Onde consagrou sob o art. 99º-A uma violação especifica de norma de conduta atinente à renovação da licença de uso e porte de arma.
4 - Ora, efectivamente o aqui recorrente deixou caducar a sua licença de uso e porte de arma, por falta de promoção à tramitação necessária sua legalização prevista nos nºs 1 e 3 do artigo 29º, preenchendo deste modo, o tipo legal acima descrito (art. 99º-A), do sendo agora punido, em sede contra-ordenacional.
5 - Pelo que, atentos ao disposto no art. 2º, nº 4, do CP, deve-se considerar que a conduta do arguido deixou de ser sancionável criminalmente, sendo agora subsumível ao artigo 99-A da Lei nº 17/2009, de 6 de Maio, em sede contra-ordenacional.
Do regime da punição do concurso de crimes
6- O regime da punição do concurso de crimes encontra-se fixado no art. 77º do Código Penal, aí estipulando-se no seu nº 1 que "Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente", logo se acrescentando no seu nº 2 que "A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
7- O Meritíssimo Juiz a quo considerou da determinação da moldura penal do concurso, no seu limite máximo de 990 dias de multa, pelo que não respeitou o tecto legalmente admissível, 900 dias de multa
8- Tendo em consideração que a medida da pena é encontrada dentro dos limites estabelecidos pelo Meritíssimo Juiz à quo e, tendo este estendido o limite máximo para lá do legalmente admissível, agravou por si só a pena única aplicada.
9- Pelo que se deve determinar a moldura penal do concurso respeitando o limite máximo e encontrar a medida da pena única.
Da impugnação da matéria de facto e do erro da apreciação da prova
10- Efectivamente, o arguido não pode deixar considerar que o Tribunal a quo atenta a diversa prova produzida, andou mal ao dar como provado que:
O arguido Trabalha por conta de outrem na construção civil, auferindo rendimento mensal não concretamente apurado (facto dado como provado supra identificado em 5) e em 24) da douta sentença à quo.
11- Compulsado o processado constata-se que a única prova existente, no que versa ao rendimento salarial do arguido são as suas declarações.
Questionado pelo Meritíssimo Juiz sobre o montante salarial, respondeu: “…o salário mínimo” (gravação áudio 20091027123500 – 82318-64921, 12h:35m:01s a 12h:37m:29s, precisamente ao 1m:30s de gravação).
12- Os meios probatórios constantes no processo, nomeadamente, o aqui elencado, registo de gravação nomeadamente, o aqui elencado, registo de gravação, nomeadamente no que toca ao apuramento da matéria dê facto vertida nos artigos 24º, impõem decisão sobre os pontos de matéria de facto impugnados, diversa da recorrida.
13- Pelo exposto, deveria o tribunal a quo dar com provado que:
o arguido Trabalha por conta de outrem na construção civil, auferindo como rendimento mensal o salário mínimo
14- Assim, merecem análise e avaliação os elementos probatórios supra referidos, devendo proceder-se, nos termos dos artigos 412º,al. c) e 430º, ambos da CPP, à sua renovação, o que se requer.
Alteração da qualificação jurídica da matéria de facto
15- O sistema de sanção pecuniária diária em montante variável, acolhido no nosso ordenamento penal, procura obviar aos inconvenientes assacados à pena de multa, a saber, o peso desigual para pobres e ricos e constitui corolário evidente do principio da igualdade, impondo o mesmo sacrifício a qualquer que sejam os meios de fortuna.
16- Através da autonomização da operação de determinação da pena consubstanciada na definição do quantitativo diário da pena, procura conferira-se ao sistema elasticidade na adequação à situação económico-financeira do condenado, preservando eficácia preventiva, tanto no plano da prevenção geral positiva - contrariando a percepção comunitária de que a sanção pecuniária não é dissuasora - como da prevenção especial de integração obrigando o condenado à genuína reflexão, através de real sacrifício, sem colocar em causa mínimos de subsistência.
17- O quantitativo diário mínimo deverá ser aplicado aos condenados de mais baixos rendimentos, designadamente àqueles que nem sequer ganham o suficiente para fazer face às necessidades mais elementares, sob pena de se desvirtuar a essência da pena de multa e se criarem injustiças relativas entre os condenados.
18- Ora, o arguido é Casado, mora em casa de seus pais com sua mãe, a sua mulher é doméstica e tem dois filhos de l3 e de 6 anos de idade, trabalha por conta de outrem na construção civil, auferindo o salário mínimo como rendimento mensal, enquadrando-se no supra descrito, ou seja naquele grupo de pessoas que vivem no limiar da subsistência e da dignidade da pessoa humana.
19- Pelo que, afigura-se mais ajustada à situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais, a taxa diária pelo mínimo, de € 5,00 (cinco euros), em substituição da de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos) que lhe vinha fixada na sentença.
Caso assim não se entenda,
Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
20- O vício da “insuficiência… da matéria de facto provada” radica na insuficiência de investigação/apuramento de matéria de facto – resultante da acusação, da contestação, da discussão da causa ou que o Tribunal tivesse o dever de investigar oficiosamente dentro objecto do processo e da aplicação da pena.
21- Trata-se do caso em que a matéria de facto dada como provada é insuficiente ou não suporta um adequado enquadramento jurídico-penal. Ou, usando a terminologia C. Civil (art.341º) quando o tribunal não apura os factos "constitutivos do direito alegado". O que, tratando-se aqui de responsabilidade criminal, equivale a dizer quando a matéria de facto apurada não é suficiente para o apuramento dos pressupostos da responsabilidade criminal e aplicação da pena adequada.
22- Resulta de o tribunal não ter esgotado os seus poderes de indagação da descoberta da verdade material, deixando por investigar factos essenciais cujo apuramento permitiria alcançar a solução legal e justa - cfr. AC. STJ 14.11.1998 citado por Simas Santos / Leal Henriques, Recursos, cit., p. 63; ou "da omissão de pronuncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não tendo dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou tenham resultado da discussão" - AC. STJ de 30.06.99, citado por Simas Santos/ Leal Henriques no seu CPP Anotado, 2ª Ed., 2º vol., p. 759.
23- Como referem Simas Santos/Leal Henriques (Recursos em Processo Penal, 5ª ed. p. 61), "Trata-se de uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher",
24- Radica em o Tribunal não ter investigado, podendo fazê-lo, factos aduzidos pela acusação e a defesa, ou resultantes da discussão da causa, relevantes para a definição dos elementos do tipo objectivo ou subjectivo do crime ou para a determinação da medida da pena.
25- Devendo ser perspectivada a sua apreciação dentro do âmbito dos poderes de cognição/investigação do tribunal e do objecto do processo penal. E "apreciado em função da solução ou resolução adoptada para o caso, ou seja, da decisão proferida" – AC. RC de 21.03.1997, publicado na CJ, tomo II/97, p. 48.
26- No caso dos autos, verifica-se que, como se vê da reprodução da sentença efectuada, não foi apurado - nem investigado - qualquer facto relativo à situação socioeconómica do arguido
27- No entanto, tendo sido aplicada pena de natureza patrimonial, a matéria em causa surge como relevante para a definição da respectiva taxa diária.
28- Com efeito, estabelece o artigo 47º do C Penal:
1. A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no nº 1 do art. 7lº
2. Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 5,00 e 500,00 euros, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
29 - Por sua vez o art. 71º nº 2 do C.P., para que remete o art. 47Q, estabelece que:
"Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele nomeadamente (…) f) - condições pessoais do agente e sua condição económica (…).
30- De onde resulta que a necessidade de apuramento de matéria de facto è restrita à determinação do quantitativo diário da multa. É certo que o arguido não arrolou meios de prova que importasse produzir nem alegou factor que carecessem de investigação.
31- De qualquer forma em matéria de pena, como se viu, sobre o tribunal incide o especial dever de investigar, oficiosamente, a matéria de facto pertinente, designadamente a falada situação económica e financeira do arguido, para dosear a taxa diária da multa.
32- Resultando da sentença que não foi investigado nenhum facto nesse âmbito. E ainda dos autos (designadamente a acta da audiência) que nenhuma diligencia foi efectuada nesse sentido.
33- O que redunda no referido vicio de insuficiência previsto no art. 4109 do CPP.
34- Sobre as consequências dos vícios previstos no nº 2 do art. 410º do CPP postula o art. 426º, nº 1 do mesmo diploma "Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do nº 2 do art. 4109, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.
35-lmpondo-se assim o reenvio do processo restrito ao apuramento da matéria em falta.
36- Normas violadas: artigos: 999-A, nº 1 da Lei 17/2009; 2º, nº 4; 47º e 77º do Código Penal.
Assim, sem menosprezo pela douta Sentença de que se recorre e sempre com o mui douto, suprimento de VV Exas, o presente Recurso deve ser julgado totalmente procedente e, absolver o arguido do crime de detenção de arma proibida, determinar a moldura penal do concurso, e encontrar a medida da pena única, fixar a taxa diária de multa em € 5,00 (cinco euros), em substituição da de €7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos] que lhe vinha fixada na sentença, ou caso assim não se entenda, preceder ao reenvio do processo restrito ao apuramento da matéria em falta (situação económico financeira do arguido).

O M.P. respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do parcial provimento do recurso, por a soma das penas de multa aplicadas exceder o máximo de pena de multa permitido e por face à situação socioeconómica do arguido apurada pelas declarações deste em audiência, a taxa não dever exceder o mínimo legal.

Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.
No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, há que decidir as seguintes questões:
- Descriminalização da conduta do arguido no que concerne ao crime de arma proibida;
- Erro na determinação da moldura penal do concurso;
- Impugnação da matéria de facto;
- Erro na apreciação da prova;
- Excesso da taxa diária considerada para a pena de multa em função das condições socioeconómicas do arguido;
- Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

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II - FUNDAMENTAÇÃO:

Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos:
1. No dia 22 de Abril de 2008, cerca das 17 horas, o arguido C... dirigiu-se à residência de sua sogra M......, sita na Rua …, Pombal, onde se encontrava a viver a sua mulher e seus filhos.
2. Uma vez aí, entrou na cozinha, agarrou na mesa da cozinha e virou-a e, acto contínuo, agarrou a lesada M… por um braço e empurrou-a para o solo, o que lhe provocou a queda. De seguida, deu-lhe pelo menos um pontapé, atingindo-a na cabeça.
3. Em virtude de tal agressão, a ofendida foi assistida no Hospital de Pombal, tendo sido submetida a perícia de avaliação do dano corporal, no Gabinete Médico-Legal da Figueira da Foz, apresentando lesões no crânio, nomeadamente equimose com hematoma frontal direito com 4 cm x 3 cm, e uma escoriação no cotovelo direito com 1 cm de diâmetro.
4. Estas lesões determinaram-lhe 5 dias para cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional.
5. Nessa mesma ocasião, quando saía da residência da ofendida, após ter perpetrado a agressão descrita, dirigiu-se ao cunhado J... e, em tom sério e convincente, disse-lhe: “cabrão”, “filho da puta”, “vou a casa buscar a espingarda e mato-te a ti e à tua mãe, tens os dias contados” e “ponho um ramo de flores a ti e à tua mãe”.
6. Tais expressões chegaram ao conhecimento da ofendida M…, tal como pretendia o arguido e conseguiu.
7. Após estes factos e com medo que o arguido atentasse contra as suas vidas ou integridade física, a mulher do arguido E…, os seus dois filhos, e os ofendidos M......e J... passaram a dormir temporariamente, durante um mês, em casa da vizinha L....
8. Em data não concretamente apurada de Maio de 2008, cerca de um mês depois daqueles factos de 22 de Abril, da parte da tarde, o arguido deslocou-se de novo à residência de sua sogra, encontrando-se exaltado, dirigiu-se a sua sogra e sua mulher e afirmou “não tarda estão no cemitério, tenho lá uma arma em casa”.
9. Tais afirmações causaram grande receio nas ofendidas, por saberem que o arguido guardava na residência uma arma tipo caçadeira e por considerarem que o mesmo a podia vir a utilizar na concretização das ameaças proferidas.
10. Efectivamente, até ao dia 11 de Junho de 2008, data em que foi efectuada uma busca e apreensão na residência do arguido, o mesmo guardava no interior da sua habitação sita em Casais Novos, Y..., Pombal, uma arma de caça com o n.º 97118281, marca Baikal, com 73 cm de cano de alma lisa, calibre 12 mm, e uma caixa de papel com três cartuchos de caça de calibre 12 mm, para além de uma carteira com documentos de arma de caça: um livrete de manifesto com o n.º M35701 relativo à arma de caça e licença de uso e porte de arma de caça n.º 520, a qual havia caducado em 20 de Março de 2003.
11. O arguido agiu com o intuito de molestar sua sogra M…r, bem sabendo que a atingia na sua integridade física e que lhe causava padecimento, o que queria e conseguiu.
12. Ao actuar da forma descrita fê-lo ainda com o propósito de causar medo e inquietação a J..., M......e E…, bem como de lhes prejudicar a respectiva liberdade de determinação, o que conseguiu.
13. O arguido sabia ainda que não podia ter na sua posse a arma e respectivas munições apreendidas nos autos, uma vez que a licença de uso e porte de arma havia caducado no ano de 2003.
14. O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas.
15. O demandante civil J... é uma pessoa honesta, de comportamento irrepreensível e de sensibilidade moral, tendo sentido medo que o arguido concretizasse as suas ameaças, tal o tom de seriedade com que foram proferidas.
16. Sentiu ainda medo pela sua integridade física, bem como sobressalto e angústia.
17. O demandante civil J... sentiu-se privado da sua liberdade de movimentos, porquanto deixou de sair à noite.
18. É uma pessoa pacífica, educada e séria.
19. A demandante civil M...... é igualmente pessoa honesta, de comportamento irrepreensível e de sensibilidade moral, tendo sentido medo pela sua integridade física e vida.
20. Sentiu dores na altura da agressão.
21. É uma pessoa pacífica, educada e séria.
22. O arguido é considerado pelos vizinhos que com ele convivem como pessoa honesta e sociável.
23. Casado, mora em casa de seus pais com sua mãe, mulher (doméstica) e dois filhos (de 13 e de 6 anos de idade).
24. Trabalha por conta de outrem na construção civil, como canalizador, auferindo rendimento mensal não concretamente apurado.
25. Tem como habilitações literárias o 6.º ano de escolaridade.
26. O arguido foi condenado por sentença de 27 de Novembro de 2007, proferida no âmbito do Processo Sumário n.º 287/07.8PAPBL, que correu termos neste Tribunal e Juízo, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 5 €, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1 do Código Penal.
27. Foi ainda condenado por sentença de 18 de Janeiro de 2008, proferida no âmbito do Processo Sumário n.º 526/07.5GTLRA, que correu termos no 3.º Juízo deste Tribunal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 5 €, de novo pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1 do Código Penal.

Relativamente ao não provado foi consignado o seguinte:
Por sua vez, não resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa:
1. Em data não concretamente apurada, após o dia 22 de Abril de 2008 e antes do dia 24 de Maio de 2008, o arguido C... deslocou-se à residência da ofendida M...... e dirigindo-se ao cunhado J... disse-lhe que o havia de esperar durante a noite e que o matava.
2. Em Maio de 2008, quando se dirigiu a casa de sua sogra, o arguido encontrava-se com indícios de embriaguez, tendo dito à sua mulher E… “és uma puta, uma vaca e uma bêbeda”.
3. De seguida, dirigiu-se à sua sogra M......dizendo “és uma bêbeda, uma filha da puta”.

A convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos:
O Tribunal alicerçou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida, desde logo nas declarações do arguido C..., o qual confirmou ter agarrado sua sogra e tê-la empurrado ao chão, negando que lhe tivesse desferido quaisquer pontapés e ressalvando não se recordar, no essencial, dos demais factos constantes da acusação, à excepção dos atinentes à detenção da arma e munições que foram encontradas na sua residência, admitindo que a sua licença de uso e porte de arma havia caducado, não dando explicação plausível para, tendo sido possuidor de tal licença, afirmar que desconhecia essa obrigatoriedade legal, ainda que o tivesse feito com algum embaraço, de forma lacónica, sem contar com a incongruência de tal versão, que levou o Tribunal a formar, nesta parte, a sua convicção quanto ao carácter culposo da conduta do arguido.
No mais, revelaram-se decisivas as declarações da demandante civil M......, sogra do arguido, que apesar das suas dificuldades naturais de expressão, logrou demonstrar objectividade e isenção na reconstituição da forma como foi agarrada, empurrada para o chão pelo arguido e pontapeada, no dia 22 de Abril de 2008, tendo denotado imparcialidade ao reconhecer ter perdido os sentidos nessa ocasião, apesar de ter revelado suficiente certeza quanto ao facto de o mesmo ainda lhe ter desferido pelo menos um pontapé na cabeça, factos que em conformidade lograram ver-se provados.
Por outro lado, não revelou qualquer hesitação quanto à assistência hospitalar que revelou ter recebido, à circunstância de ter residido temporariamente em casa de sua vizinha com receio do arguido e posteriormente, cerca de um mês depois daqueles primeiros factos (sendo que na impossibilidade de se alcançar com precisão esta nova data, deu o Tribunal como provado apenas o decurso de tal período temporal), revelou com imparcialidade não se recordar de ter sido insultada, nem sua filha (mulher do arguido) por seu genro, tendo os epítetos que constavam da acusação e cuja verbalização era imputada ao arguido, referentes a tal dia, sido transpostos para a matéria de facto não provada.
Diferentemente, apesar de inicialmente ter revelado que o arguido não se lhe dirigiu neste segundo momento, nem a sua filha, com palavras ameaçadoras, acabou depois por de forma mais esclarecida, peremptória e segura indicar com precisão as expressões de cariz ameaçador que nesse dia lhe foram directamente dirigidas, assim como a sua filha E…, tendo demonstrado segurança suficiente para que o Tribunal tivesse ficado convencido quanto à veracidade de tais acontecimentos.
Contribuiu ainda, pelo modo descomprometido como prestou declarações, para o apuramento do carácter de seu filho J... e das consequências nefastas advenientes para o mesmo por força da conduta do arguido.
Ora, tal demandante civil J... prestou também declarações de forma tranquila, serena, revelando inequívoca segurança, descrevendo com minúcia o modo como o arguido o enfrentou no dia 22 de Abril de 2008, as concretas expressões que lhe dirigiu e a circunstância de ter feito também alusão a sua mãe, revelando espontaneamente que lhe deu conhecimento de tais expressões, factos que pela forma convicta como foram transmitidos mereceram a devida transposição para a factualidade apurada.
O mesmo se diga, aliás, da assistência hospitalar prestada a sua mãe, as dores por esta sofridas e as consequências físicas da lesão, a circunstância de ter passado a residir temporariamente em casa de vizinha e os motivos dessa mudança (entre os quais, o conhecimento que a família dispunha sobre a existência de uma arma na posse do arguido). Aliás, o lesado revelou isenção e imparcialidade ao longo das suas declarações, sendo exemplo disso o facto de ter negado que o arguido lhe tivesse dito que “o havia de esperar durante a noite e que o matava”, facto este que ficou por demonstrar.
Por seu turno, a testemunha L... demonstrou uma postura grave e suficientemente distanciada ao longo do seu depoimento, atestando espontaneamente o período de tempo em que as ofendidas e os filhos do arguido ficaram a morar em sua casa, assim como as expressões que terão sido proferidas pelo arguido directamente ao ofendido J... (o qual terá deixado de sair à noite, conforme afiançou com evidente segurança) mas também com referência à ofendida M…, cujas lesões descreveu prontamente, assim como o período subsequente de doença, contribuindo para reforçar a convicção do Tribunal quanto a essa matéria, o mesmo podendo dizer-se do estado psicológico em que ficaram os ofendidos após a prática dos factos pelo arguido.
Também a testemunha I…s se encontrava presente, no dia 22 de Abril de 2008, junto à residência de M…, tendo por via disso tido oportunidade para ouvir as expressões que o arguido ali dirigiu ao lesado J..., as quais enunciou com suficiente rigor, denotando descomprometimento, evidenciando também conhecimentos pessoais e directos quanto ao estado de saúde daquela ofendida.
Tais expressões foram também realçadas, através de um discurso fluente, pela testemunha L…, que acorreu igualmente ao local, corroborando por via do seu depoimento seguro e espontâneo a convicção do Tribunal quanto a tais concretos pontos de facto e quanto ao apuramento do receio sentido pelos lesados nos autos.
Diferentemente, a testemunha S…. não teve qualquer contributo relevante para o apuramento dos factos em discussão, dada a forma vaga e abstracta como reconstituiu os acontecimentos por si observados, não tendo revelado capacidade para concretizá-los nem para dar a conhecer quaisquer acontecimentos que ainda carecessem de esclarecimento, revelando parcos conhecimentos pessoais sobre o objecto do processo.
Por sua vez, a testemunha G… produziu um depoimento mais preciso, absolutamente isento e objectivo, dando conta da forma como a mesa da cozinha da residência da ofendida M......se encontrava tombada e das sequelas que esta apresentava quando, no exercício das suas funções de militar da G.N.R., acorreu ao local, tendo revelado com imparcialidade não ter ouvido o arguido a proferir quaisquer expressões que pudessem amedrontar os ofendidos.
Já as testemunhas MF… e MB…a, vizinhos do arguido, contribuíram pelos seus depoimentos, prestados de forma suficientemente descomprometida, para o apuramento da consideração que àquele é devida no local onde reside.
Relativamente às condições económicas, familiares e profissionais do arguido relevaram as suas próprias declarações, prestadas nesta parte com maior naturalidade.
Devidamente conjugados com as declarações e depoimentos anteriores, baseou-se o Tribunal no relatório médico de fls. 11 a 13 (no que respeita às concretas lesões apresentadas pela ofendida M......e subsequente período de doença, sem incapacidade para o trabalho), no auto de apreensão de fls. 52 a 53 e de exame de fls. 54 a 55 (quanto à identificação das armas e munições apreendidas ao arguido, o local onde foram encontradas e respectiva data), para além dos documentos de fls. 115 (relativamente à descrição da licença para uso e porte de arma de caça e livrete pertencentes ao arguido, bem como à data em que caducou a validade daquela licença).
Finalmente, tomou o Tribunal em consideração o C.R.C. do arguido junto aos autos no que respeita aos seus antecedentes criminais.

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A primeira das questões suscitadas no recurso prende-se com a suposta descriminalização da conduta relativa ao crime de arma proibida. A sentença recorrida condenou o arguido e ora recorrente, pela autoria de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 260 dias de multa à taxa diária de € 7,50. Segundo o recorrente, essa condenação encontra obstáculo na entrada em vigor da Lei nº 17/2009, de 6 de Maio, que alterou a Lei nº 5/2006, consagrando no art. 99º-A uma violação especifica de norma de conduta atinente à renovação da licença de uso e porte de arma, preenchendo assim a sua conduta este último tipo legal, punível em sede meramente contra-ordenacional.
Vejamos então:
Provou-se que até ao dia 11 de Junho de 2008, data em que foi efectuada uma busca e apreensão na residência do arguido, este guardava no interior da sua habitação uma arma de caça com o n.º 97118281, marca Baikal, com 73 cm de cano de alma lisa, calibre 12 mm, e uma caixa de papel com três cartuchos de caça de calibre 12 mm, sendo certo que a licença de uso e porte de arma de caça n.º 520 de que fora titular, havia caducado em 20 de Março de 2003.
A arma detida pelo arguido enquadra-se na categoria D, visto tratar-se de arma de fogo longa, de tiro a tiro, de cano de alma lisa [art. 3º, nº 6, al. c), da Lei nº 5/2006, de 23/02].
A detenção daquela arma pressupõe a titularidade de licença de uso e porte de arma das classes C ou D [art. 8º, nº 2, al. a), do mesmo diploma].
Nos termos do disposto no art. 86º, nº 1, al. c), da Lei nº 5/2006, a detenção de armas da classe D fora das condições legais, é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
O art. 99º-A da Lei 5/2006, introduzido pela Lei nº 17/2009, de 6 de Maio, não contempla qualquer excepção à situação prevista no art. 86º, nº 1, al. c), da Lei nº 5/2006, que alterou, nem descriminalizou a conduta descrita nos autos. Bem pelo contrário, o respectivo nº 2 dispõe expressamente que “a detenção de arma, verificada a caducidade da licença de uso e porte de arma sem que tenha sido promovida a sua renovação, requerida nova licença aplicável no prazo previsto no nº 1 do art. 29º ou solicitada a sua titularidade ao abrigo de outra licença aplicável, conforme o disposto no nº 3 do art. 29º, é considerada detenção de arma fora das condições legais, para efeitos do disposto no nº 1 do art. 86º e do art. 97º”.
Nesta medida e uma vez que se provou também o elemento subjectivo do tipo de ilícito em questão, dúvidas não há de que o arguido cometeu o crime de detenção de arma proibida pelo qual foi condenado.

O recorrente prossegue a motivação do seu recurso sustentando a verificação de erro na determinação da moldura penal do concurso, uma vez que o limite superior da moldura penal para o concurso de penas de multa é de 900 dias de multa e o julgador, no caso vertente, considerou um limite de 990 dias, superior àquele máximo legal.
É manifesta a razão que neste particular aspecto assiste ao recorrente. A sentença recorrida incorre em erro considerável ao considerar que o limite superior da pena em caso de concurso de crimes seria de 990 dias de multa, correspondente à soma das penas parcelares, já que descurou o limite máximo de 900 dias previsto no art. 77º, nº 2, do Código Penal. Consequentemente, haverá que proceder ao cúmulo das penas parcelares considerando o limite legalmente previsto.
O tribunal fixou – e não foram impugnadas em sede de recurso – as penas parcelares de multa correspondentes a 210 dias de multa relativamente ao crime de ofensa à integridade física simples, de 130 dias de multa para cada um dos quatro crimes de ameaça e de 260 dias de multa relativamente ao crime de detenção de arma proibida. A moldura penal a considerar em sede de concurso de crimes tem como limite mínimo 260 dias de multa (a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes) e como limite máximo 900 dias de multa, já que a soma das penas parcelares excede o máximo legal – cfr. o art. 77º, nº 2, do Código Penal. O critério previsto no art. 77º, nºs 1, parte final, do Código Penal, aponta para a concretização da medida da pena única através da ponderação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente. Os factos que há que ponderar aqui são aqueles que constam da fundamentação fáctica enumerada supra, para onde remetemos, visando a referência à personalidade do agente a ponderação da sua personalidade tal como ficou expressa nos factos que consubstanciam os elementos objectivos e subjectivos dos crimes cometidos, temperada ainda por recurso a outros elementos que da audiência tenham resultado com interesse para essa valoração. Assim sendo, ponderados no seu conjunto os factos provados relativos aos crimes cometidos e à personalidade do agente, revela-se adequada a concretização da pena única em 520 dias de multa.

O recorrente impugna também a matéria de facto provada, sustentando que o tribunal a quo errou ao dar como assente que o arguido aufere rendimento mensal não concretamente apurado, entendendo que a prova produzida impunha que se tivesse como provado que o arguido aufere como rendimento mensal o salário mínimo. Funda-se, para o efeito, no facto de, questionado pelo Mmº Juiz sobre o montante salarial, ter respondido “… o salário mínimo”.
Como é óbvio, do simples facto de o arguido ter declarado que auferia o salário mínimo não se segue a obrigação de o tribunal ter como fiável essa declaração e de a dar como provada. Aliás, o simples facto de o arguido responder que aufere “… o salário mínimo”, em vez de referir o montante que concretamente aufere, é de molde a suscitar reservas sobre essa declaração. O que está em causa quanto a este particular aspecto a formação da livre convicção do julgador, nos termos previstos no art. 127º do CPP, e o que se teve como provado quanto ao salário auferido pelo arguido, face à escassez da prova produzida, significa apenas e tão-só que o tribunal não se convenceu da veracidade da afirmação do arguido. Daí que tenha fixado o provado quanto ao salário auferido pelo arguido nos termos em que o fez, para não correr o risco de ter como assente um facto que se lhe afigurou não corresponder à verdade. Vistas as coisas por este prisma, não se poderá ter como verificado o erro na apreciação da prova suscitado pelo recorrente.

Também não ocorre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, igualmente invocado pelo recorrente. Este vício, com sede legal na al. a) do nº 2 do art. 410º do CPP, pressupõe a respectiva verificação por recurso ao texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e traduz-se numa insuficiência dos factos provados para a conclusão que deles se extraiu, verificando-se quando a solução de direito, seja ela condenatória ou absolutória, não tenha suporte seguro nos elementos de facto provados, devendo concluir-se que tais factos não consentem a decisão encontrada - Vício que não se confunde, no entanto, com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, questão que se situa no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, com sede legal no art. 127º do CPP.. Não é esse o caso dos autos, já que o texto da sentença recorrida, ainda que conjugada com as máximas da experiência, não evidencia uma insuficiência do provado para a decisão de direito encontrada.

O que na verdade está em causa – e este é mais um aspecto em que haverá que reconhecer razão ao recorrente – é uma desadequação da taxa que veio a ser considerada para a pena de multa, face ao provado relativamente às condições económicas e financeiras do recorrente. Contudo, esta é uma questão de direito, respeitando directamente à concretização do critério apontado no nº 2 do art. 47º do Código Penal, que prevê que “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”. Concede-se que a prova não tenha permitido ao tribunal a quo ir mais longe na averiguação das condições respeitantes ao estatuto económico do arguido. Mas, a ser assim, a taxa fixada não se poderá afastar dos mínimos previstos na lei. A amplitude estabelecida no preceito acima transcrito quanto ao quantitativo diário da multa teve em vista eliminar ou, pelo menos, esbater, as diferenças de sacrifício que o seu pagamento implica entre os arguidos possuidores de diferentes meios de a solver, realizando assim o princípio da igualdade de ónus e de sacrifícios - Cfr. Maia Gonçalves, ob. cit., págs. 198/199 e Figueiredo Dias, “Direito Penal Português”, pág. 126 e ss., sem, por outro lado, esvaziar a noção de pena, que enquanto censura social de um comportamento desconforme com o pressuposto pela ordem jurídica, há-de implicar necessariamente um sacrifício para o condenado, de forma a fazê-lo sentir esse juízo de censura, cumprindo assim a função preventiva que qualquer pena envolve. Ora, no condicionalismo que se teve como provado, a taxa diária de € 5,00 revela-se como a mais ajustada.

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III – DISPOSITIVO:

Nos termos apontados, concede-se parcial provimento ao recurso, alterando-se, consequentemente, a pena única resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares em que o arguido foi condenado, para 520 (quinhentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), num total de € 2600 (dois mil e seiscentos euros).
Em tudo o mais, nega-se provimento ao recurso.
Por ter decaído parcialmente no recurso que interpôs, pagará o recorrente a taxa de justiça, já reduzida a metade, de 3 UC.

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Coimbra, ____________
(texto processado pelo relator e
revisto por todos os signatários)




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(Jorge Miranda Jacob)




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(Maria Pilar de Oliveira)