Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
725/11.5TBVNO-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
PROVA COMPLEMENTAR
MÚTUO
REQUERIMENTO EXECUTIVO
INEPTIDÃO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
JUROS
NULIDADE DE SENTENÇA
FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 11/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: OURÉM 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 45, 46, 50, 158, 668 CPC, 781 CC
Sumário: 1 - O cumprimento do dever de fundamentação da sentença não se confunde quer com o afastar, ponto por ponto, de todos os argumentos invocados pelas partes, quer com a inclusão na mesma de citações doutrinais e jurisprudenciais em abono da posição do julgador.

2 - Quando a obrigação exequenda exija cumulativamente vários documentos para a sua demonstração, podem tais documentos ter natureza diversa, complementando-se entre si e nos seus conteúdos para demonstração da existência do crédito exequendo.

3 - Nestas últimas situações, em que o exequente tem que fazer a prova complementar do título, mormente relativamente aos factos que integram o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação assumida, tem-se entendido que, não tendo o exequente efectuado tal prova no requerimento executivo, e havendo oposição, pode na contestação suprir o que ali faltou.

3 - Tendo o Exequente feito juntar aos autos documento discriminativo de todos os montantes em dívida e seus componentes, não pode o requerimento executivo considerar-se inepto.

4 - Instaurada a execução tendo por base as escrituras públicas de mútuo com hipoteca, e os documentos complementares que atestam as obrigações assumidas, bem como as sanções para o incumprimento, e tendo o exequente alegado no requerimento executivo a data até à qual as prestações foram cumpridas, invocando estarem em dívida as demais prestações e juros, era aos executados, que haviam alegado na oposição que nada deviam, que incumbia a prova de terem procedido ao pagamento das prestações vencidas desde a data indicada.

5 - Pretendendo o credor usar a faculdade de actuar o vencimento antecipado de todas as prestações em caso de incumprimento do contrato por falta de pagamento de uma delas, tem de proceder à interpelação do devedor.

6- Não o tendo feito extrajudicialmente, tal interpelação só pode considerar-se efectuada no momento da citação dos executados, com as inerentes consequências quanto à inexigibilidade dos juros de mora relativamente às prestações vencidas, os quais apenas serão devidos após a citação.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório
1. J (…) e mulher, M (…), por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe foi movida por Banco (…), S.A., deduziu a presente oposição, formulando os seguintes pedidos:
«1) Os Executados serem declarados partes ilegítimas na execução (…);
2) Se assim se não entender, deve:
a) Declarar-se sem força executiva, o título executivo apresentado pela Exequente à execução (…);
b) Declarar-se inepto o r.e. de execução, pois, no mesmo, não existe pedido e causa de pedir;
3) Se ainda assim se não entender, ser julgada totalmente procedente por provada a presente Oposição, e consequentemente os Executados absolvidos da instância e dos pedidos; a mesma seja julgada procedente por provada e, em consequência, a Oponente seja absolvida do pedido».
Para o efeito alegaram, em síntese, que:
- o requerimento executivo é inepto, pois que o exequente/oponido não indicou os factos em que funda a execução, nomeadamente o contrato celebrado, as condições e o tipo de serviço prestado, não se depreendendo qual a causa de pedir;
- o oponido não junta documento comprovativo do incumprimento por parte dos oponentes ou de interpelação para pagamento, já que uma escritura de mútuo com hipoteca tal como aquela que junta no requerimento executivo não faz qualquer prova da mora, ou do incumprimento dos executados, nem da sua interpelação para pagamento, devendo declarar-se nulo o título executivo;
- os oponentes nada devem à exequente porque pagaram todas as prestações vencidas;
- a taxa de juro aplicável é de 4% e não as taxas referidas no requerimento executivo.

2. O Banco exequente contestou, invocando que o documento dado à execução constitui título executivo, nos termos do disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil; que o ónus da prova do cumprimento do contrato de mútuo recai sobre os oponentes e não sobre o oponido, aduzindo que estes invocam o desconhecimento de elementos aos quais têm acesso, juntando as respectivas fichas de dívida; quanto à taxa de juros aplicada - a taxa contratual, à qual acresce, em caso de mora e a título de cláusula penal, uma sobretaxa de 4% -, aduz que a mesma se encontra prevista nos documentos complementares anexos às escrituras de mútuo com hipoteca juntas ao requerimento executivo.

3. Os Opoentes não se pronunciaram quanto aos documentos juntos pelo Opoído.

4. Foi elaborado despacho saneador (fls. 34 e ss.), no qual foi julgada improcedente a alegada ineptidão do requerimento executivo por falta de causa de pedir, procedendo-se a selecção da matéria de facto, elencando os factos assentes e a base instrutória, os quais não foram objecto de reclamação.

5. Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, após o que a matéria de facto foi respondida nos termos constantes do despacho de fls. 64.

6. Seguidamente foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição e determinou o prosseguimento da execução.

7. Inconformados com esta decisão os Executados/Opoentes interpuseram o presente recurso de apelação que finalizaram com as seguintes conclusões:
(…)
8. Pelo Banco recorrido foram apresentadas contra-alegações, que finalizou com as seguintes conclusões:
(…)
9. Após baixa dos autos para o efeito à primeira instância, a Mm.ª Juiz pronunciou-se no sentido de não se verificar a invocada nulidade da sentença proferida.
10. Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso[1].
As questões a apreciar no presente recurso de apelação, pela sua ordem lógica, são as seguintes:
- saber se a sentença é nula por falta de fundamentação de facto e de direito;
- se o requerimento executivo é inepto, e se o Exequente não fez prova nos autos do valor certo, exigível e líquido por si peticionado;
- se os artigos 1.º e 2.º da base instrutória não podiam ter sido considerados «não provados»;
- se tinha ou não que existir interpelação dos Recorrentes para o pagamento antecipado das prestações em dívida.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto:
Na decisão recorrida foram considerados assentes os seguintes factos:
1.º Por escritura pública realizada no Cartório Notarial de Ourém, em 10 de novembro de 2006, o “Banco (…), S.A.” concedeu a J (…) e M (…) um empréstimo no montante de 100.000,00€ - alínea A) dos factos assentes.
2.º Através da escritura pública referida em 1.º, J (…) e M (…) confessaram-se devedores da quantia de 100.000,00€ - alínea B) dos factos assentes.
3.º Por escritura pública realizada no Cartório Notarial de Ourém, em 10 de novembro de 2006, o “Banco (…), S.A.” concedeu a J (…) e M (…) um empréstimo no montante de 38.000,00€ - alínea C) dos factos assentes.
4.º Através da escritura pública referida em 3.º, J (…) e M (…) confessaram-se devedores da quantia de 38.000,00€ - alínea D) dos factos assentes.
5.º Os empréstimos referidos em 1.º e 3.º foram concedidos pelo prazo de 312 meses, amortizável em 312 prestações mensais e sucessivas com capital e juros – alínea E) dos factos assentes.
6.º Os empréstimos referidos em 1.º e 3.º vencem juros à taxa nominal anual igual à soma do indexante com o spread arredondado para o quarto ponto percentual imediatamente superior – alínea F) dos factos assentes.
7.º O indexante é a média das taxas Euribor a 12 meses de cada um dos dias úteis do calendário – alínea G) dos factos assentes.
8.º O spread acordado para o empréstimo referido em 1.º é de 0,8% e para o empréstimo referido em 3.º é de 0,9% - alínea I) dos factos assentes.
9.º No primeiro período de contagem dos juros a taxa nominal anual é de 4,5% e a taxa anual efetiva é de 4,594% - alínea J) dos factos assentes.
10.º Em caso de mora no pagamento das prestações, a taxa de juro nominal anual é acrescida de 4 pontos percentuais a título de cláusula penal – alínea K) dos factos assentes.
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Porque têm relevância para os termos da causa, devem ainda considerar-se provados por documentos os seguintes factos, que se aditam nos termos do artigo 659.º, n.º 3, do Código de Processo Civil[2], aplicável por força do disposto no artigo 713.º, n.º 2:
11. Em ambos os documentos complementares aos empréstimos referidos em 1.º e 3.º, consta a cláusula décima, onde no seu corpo e na alínea b) se estipula que “O Banco (…) poderá considerar os seus créditos vencidos e exigíveis e promover a execução da hipoteca se não forem liquidadas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento de todas”.  
12. No requerimento executivo entrado em juízo no dia 05-05-2011, o exequente invocou como título executivo as escrituras e aduziu os seguintes factos:
«A dívida resulta do incumprimento de dois empréstimos concedidos aos executados J (…) e mulher M (…), garantidos por hipoteca;
1. O primeiro empréstimo, no montante de € 100.000,00 (cem mil euros), foi concedido aos executados por escritura pública de mútuo com hipoteca outorgada no dia 10 de Novembro de 2006 no Cartório Notarial de Ourém exarada de fls. 90 a 91 verso do Livro de notas para escrituras diversas n.O 3-G (doc. 1);
a) Os executados pagaram ao Banco o capital e os juros devidos a que estavam obrigados, até à prestação vencida no dia 10/06/2008, deixando de pagar as prestações vencidas posteriormente e até ao momento presente, encontrando-se ainda em dívida o montante de capital de € 96.905,53 (noventa e seis mil, novecentos e cinco euros e cinquenta e três cêntimos);
b) Assim, o empréstimo venceu-se, tornando-se imediatamente exigível toda a dívida, nos termos do artigo 781º do Código Civil;
c) Os executados, devidamente interpelados pelo Banco Exequente para o pagamento, nada mais pagaram até ao momento;
d) Vencendo-se a obrigação, os executados entraram em mora e o Banco, nos termos acordados, exerceu o seu direito de contar juros dia a dia, sobre o referido capital em dívida, à taxa contratual de 2,024% ao ano, em vigor à data do incumprimento, acrescida de uma sobretaxa de 4% a título de cláusula penal.
2. O segundo empréstimo, no montante de € 38.000,00 (trinta e oito mil euros), foi concedido aos executados por escritura pública de mútuo com hipoteca outorgada no dia 10 de Novembro de 2006 no Cartório Notarial de Ourém exarada de fls. 88 a 89 verso do Livro de Notas para Escrituras diversas n.O 3-G (doc. 2);
a) Os executados pagaram ao Banco o capital e os juros devidos a que estavam obrigados, até à prestação vencida no dia 10/05/2008, deixando de pagar as prestações vencidas posteriormente e até ao momento presente, encontrando-se ainda em dívida o montante de capital de € 36.882,29 (trinta e seis mil, oitocentos e oitenta e dois euros e vinte e nove cêntimos);
b) Assim, o empréstimo venceu-se, tornando-se imediatamente exigível toda a dívida, nos termos do artigo 781º do Código Civil;
c) Os executados, devidamente interpelados para o pagamento, nada pagaram até ao momento;
d) Vencendo-se a obrigação, os executados entraram em mora e o Banco, nos termos acordados, exerceu o seu direito de contar juros dia a dia, sobre o referido capital em dívida, à taxa contratual de 2,024% ao ano, em vigor à data do incumprimento, acrescida de uma sobretaxa de 4% a título de cláusula penal».
13. Na parte do requerimento executivo atinente à liquidação da obrigação a exequente especificou o valor líquido e o valor dependente de cálculo aritmético, concretizando-os nos seguintes termos:
«1.º Empréstimo
€ 16.937,01 de juros de mora sobre o capital em dívida de €96.905,53, desde 10/06/2008, à taxa de 6,024% ao ano (2,024% + 4%), acrescidos de € 677,48 de imposto de selo, à taxa legal de 4%. Acrescem ainda juros vincendos até integral pagamento, bem como o respectivo imposto do selo.
2.º Empréstimo
€ 6.634,93 de juros de mora sobre o capital em dívida de €36.882,29, desde 10/05/2008, à taxa de 6,024% ao ano (2,024% + 4%), acrescidos de € 265,40 de imposto de selo, à taxa legal de 4%. Acrescem ainda juros vincendos até integral pagamento, bem como o respectivo imposto do selo».
14. O exequente juntou aos autos com a contestação dois documentos que denominou “fichas de dívida”, dos quais consta o cálculo do saldo devedor desde 10-07-2008, relativamente ao empréstimo referido em 1., e desde 10-06-2008, quanto ao empréstimo a que se alude em 3.
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III.2. - O mérito do recurso
III.2.1. Da nulidade da sentença
            Pretendem os apelantes que a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação, violando o preceituado nos artigos 668.º, alíneas c) e d) do CPC, e os artigos 202.º, 204.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa.
            Conforme supra se referiu, a Mm.ª Juíza pronunciou-se no sentido de não se verificarem as imputadas nulidades. E, com todo o acerto o fez, conforme se decidirá.
Comecemos pela apreciação da nulidade prevista no artigo 668.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil, em conformidade com o qual a sentença será nula quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”, ou seja, quanto exista contradição entre os fundamentos de facto e de direito e a decisão final proferida pelo tribunal; quando a motivação aponta para um determinado sentido e a decisão tomada foi em sentido oposto.
Como é também consabido e absolutamente pacífico, esta causa de nulidade só ocorre quando a construção da sentença é em si mesma, viciosa na respectiva estrutura. Significa isto, que a mesma se verifica quando “os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto”[3], Ou melhor, quando das premissas de facto e de direito que o julgador aduziu, venha a extrair na decisão final conclusão oposta àquela que logicamente deveria ter extraído.
Ora, analisando a decisão recorrida facilmente se depreende que a mesma não enferma de tal vício porquanto na elaboração do correspondente silogismo judiciário, não se detecta qualquer oposição ou contradição.
No caso em apreço, a julgadora disse o que na realidade queria dizer e expressou o seu pensamento claramente em termos perfeitamente coerentes e inequívocos. O que acontece é que os Recorrentes discordam dessa fundamentação e isso pode é constituir erro de julgamento que se pode reportar quer à matéria de facto quer de direito, mas que não configura a nulidade que lhe é assacada.
Iremos, portanto, apreciar infra, se se verifica ou não erro de julgamento, apreciando as questões suscitadas pelos Recorrentes que o poderão configurar.
            Apreciemos agora a nulidade por omissão de pronúncia.
Dispõe o referido preceito legal, na sua alínea d) que:
“É nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Esta causa de nulidade da sentença consiste, portanto, na omissão de pronúncia, sobre as questões que o tribunal devia conhecer; ou na pronúncia indevida, quanto a questões de que não podia tomar conhecimento[4].
É entendimento pacífico que esta nulidade está em correspondência directa com o preceituado no artigo 660.º, n.º 2, do CPC, que impõe ao juiz a resolução de todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras, não podendo, porém ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes (salvo as de conhecimento oficioso), constituindo, portanto, a sanção prevista na lei processual para a violação do estabelecido no referido artigo[5].
É também pacífico o entendimento de que as questões a que alude o preceito não se confundem com todas as considerações ou argumentos expendidos pelas partes em defesa da orientação preconizada[6].
“São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para a sua pretensão”[7].
“O dever imposto no artigo 660.º, n.º 2 do CPC diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado. E para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes (sujeitos), e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir, e a questão resolvida pelo juiz, identificada por estes mesmos elementos. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito. E é por isto mesmo, que já não o são os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos”[8].
Postos estes ensinamentos é linear concluir que a nulidade por omissão ou por excesso de pronúncia a que alude o artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do CPC, está configurada para a decisão de mérito do juiz que lavra a sentença sem decidir todas as questões que as partes lhe colocaram para resolução, ou decidindo questões que as mesmas não submeteram à respectiva apreciação, o que manifestamente não ocorre no presente caso em que a Mm.ª Juíza se pronunciou, elencando-as, sobre todas as questões suscitadas na oposição, decidindo-as.
Dizem os recorrentes que a sentença é «“economicista”, isto é, uma decisão onde apenas de forma simples e sintética foram apreciadas algumas das questões sem ter em conta os elementos constantes do processo; etc;».
Face ao exposto, parece que os Recorrentes, ainda que não o refiram, pretendem convocar a nulidade prevista no artigo 668.º n.º 1 al. b), tanto assim que aludem ao art.º 205 da CRP.
Em face do preceituado no artigo 668,º, n.º 1, al. b), do CPC é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A previsão desta nulidade encontra-se em harmonia com o disposto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa que impõe que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente sejam fundamentadas na forma prevista na lei, e com a consagração na lei ordinária do mesmo dever de fundamentação, por via da expressa previsão do artigo 158.º, n.º 1, do Código de Processo Civil[9], de acordo com o qual as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
A fundamentação consiste na expressão do conjunto das razões quer de facto quer de direito ou jurídicas, em que assenta a decisão; ou seja, na indicação dos motivos pelos quais se decide de determinada forma, com vista a permitir aos destinatários sindicar a motivação do julgador[10].
Como é pacífico, este vício da sentença ocorre quando houver falta absoluta dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão, e já não quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, incompleta, não convincente, medíocre ou até errada, porquanto essa situação determinará a sua revogação ou alteração por via de recurso mas não a respectiva nulidade[11].
Acresce que, atento o fundamento da norma, concordamos com o entendimento que defende ocorrer também esta nulidade “quando a fundamentação de facto ou de direito seja insuficiente e em termos tais que não permitam ao destinatário da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da decisão judicial[12].
Ora, se bem atentarmos no artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do CPC, facilmente compreendemos que o mesmo prevê esta sanção para o desrespeito ao disposto no artigo 659.º, n.ºs 2 e 3, da mesma codificação, que desenvolvendo os requisitos da sentença, impõe que o juiz especifique os respectivos fundamentos de facto e de direito, atenta a sua essencialidade para que seja apreendida a adequação dos factos demonstrados no caso particular que se decide à lei em que aqueles se enquadram, tendo as partes, mormente se ficam vencidas, o direito a saber por que razão a sentença lhes é desfavorável para efeitos de recurso, relevando ainda tal fundamentação para que, quando é interposto recurso, os tribunais superiores possam sindicar a bondade do decidido[13].
Reportando-se esta nulidade à omissão do dever de fundamentar a sentença, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do citado artigo 659.º, importa atentar que tal preceito se refere à estrutura da sentença, na qual o juiz deve discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Conjugando este número com o seguinte, devemos concluir que em matéria de fundamentação de facto, a sentença tem que discriminar os factos que o julgador considera provados, sendo estes não apenas os que o tribunal deu como provados na sequência da selecção da matéria de facto, mas também aqueles que hajam sido admitidos por acordo, e ainda os que se encontrem provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito.
Assim sendo, conforme facilmente se alcança das alegações de recurso e do preceito em referência, a referida nulidade não poderia verificar-se no caso em apreço, porquanto a sentença recorrida encerra toda a fundamentação de facto pertinente que já havia sido anteriormente considerada assente quer no momento da condensação quer na resposta à matéria de facto, conforme bem entenderam os Recorrentes que com a mesma não concordam, nada faltando quanto à fundamentação da sentença, tanto mais que quando estamos perante prova documental, o Tribunal pode sempre atender à mesma, quer o faça expressamente, como agora decidimos, aditando factos provados por documento em vista da decisão das questões suscitadas pelos recorrentes.
Ora, conforme supra se expendeu, a lei apenas considera nulidade para os efeitos do citado artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do CPC, a total ausência de fundamentos de facto e de direito ou a sua insuficiência em termos que não permitam compreender o que se decidiu, pelo que forçoso é concluir que o alegado vício de conteúdo não se encontra na sentença recorrida, como a sua simples leitura evidencia, não se verificando qualquer inconstitucionalidade porquanto a mesma foi devidamente fundamentada pela julgadora por forma a serem cabalmente entendidas as razões da decisão pelos destinatários.
De facto, o cumprimento do dever de fundamentação da sentença não se confunde quer com o afastar, ponto por ponto, de todos os argumentos invocados pelas partes, quer com a inclusão na mesma de citações doutrinais e jurisprudenciais em abono da posição do julgador.
Assim, a “simplicidade” que os Recorrentes assacam à sentença, em nada contende com o tratamento de todas as questões objecto do litígio, as quais foram decididas pela julgadora com fundamentação clara, discorrendo em termos perfeitamente perceptíveis, lógicos e sindicáveis, quer pelas partes quer pelos tribunais superiores.
Pelo exposto, improcedem todas as nulidades explícita ou implicitamente arguidas, as quais quando muito poderão constituir erro de julgamento, o que se apreciará infra.
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III.2.2. Ineptidão do requerimento executivo
            Apesar de já haver sido decidida esta questão aquando do despacho saneador proferido, no sentido da sua improcedência e com proficiente fundamentação, os Recorrentes voltam nas suas alegações recursórias a colocar a mesma repetindo que no requerimento executivo não constam os cálculos que estiveram na base e origem da quantia peticionada, não especificando quantas prestações estão em dívida, e qual o valor de cada, bem como se as quantias totais dizem apenas respeito ao capital em dívida ou aos juros remuneratórios do capital já incluídos na prestação, ou ainda aos encargos incluídos, nomeadamente os prémios de seguros.
            Salvo o devido respeito, esta alegação só pode imputar-se a um menor cuidado dos Executados na leitura do requerimento executivo, raiando a má fé processual.
            Para demonstrar isso mesmo, optámos por colocar na fundamentação de facto o teor do requerimento executivo.
E basta verificar os pontos aditados à matéria de facto sob os números 12 e 13 para concluir, sem necessidade de maiores considerações, que ao invés do alegado, o Exequente especificou claramente no requerimento executivo a causa de pedir - os contratos de mútuo com a obrigação de restituição em prestações, e a partir de que datas as mesmas não foram pagas - qual o montante de capital em dívida e desde quando se encontravam em dívida as prestações, tudo relativamente a cada um dos empréstimos, indicando ainda que exerceu o seu direito de contar juros dia a dia, sobre o capital em dívida, fazendo-o à taxa contratual em vigor à data do incumprimento, acrescida de uma sobretaxa de 4% a título de cláusula penal, especificando ainda qual foi o valor de imposto de selo e a que taxa, relativamente a cada um dos empréstimos. Portanto, nada liquidou de prémios de seguros.
            E mesmo admitindo que os Executados perante o requerimento executivo poderiam não ter logrado aperceber-se de tal, fazendo esta invocação em sede de oposição à execução, já não se compreende como persistem neste tipo de alegação após a junção dos documentos de fls. 28 e 29 da oposição, os quais - ao contrário do que também invocam nas alegações de recurso -, nem sequer impugnaram!
            Ora, nestes constam claramente especificados todos os cálculos efectuados pelo Exequente e todos os componentes incluídos nos mesmos, espelhando, parcela a parcela, os valores relativos ao capital, juros remuneratórios, comissões, juros de mora, imposto de selo, etc.
Conforme é sabido, os títulos executivos não têm que ser simples. Estamos perante títulos executivos simples quando a obrigação esteja incorporada num só documento ou num conjunto de documentos de idêntica natureza (de que constitui exemplo ilustrativo a execução fundada em várias letras de câmbio ou cheques, situação em que cada um dos títulos incorpora uma das prestações exequendas e todos eles juntos titulam a globalidade do crédito reclamado pelo exequente); e perante títulos executivos complexos quando a obrigação exequenda exija cumulativamente vários documentos para a sua demonstração, podendo tais documentos ter natureza diversa, complementando-se entre si e nos seus conteúdos para demonstração da existência do crédito exequendo (a título meramente exemplificativo deste tipo de título complexos, veja-se o título executivo previsto pelo artigo 15.º n.ºs 1 e 2 do Novo Regime do Arrendamento Urbano).
Nestas últimas situações, em que o exequente tem que fazer a prova complementar do título, mormente relativamente aos factos que integram o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação assumida, tem-se entendido que, não tendo o exequente efectuado tal prova no requerimento executivo, e havendo oposição, pode na contestação suprir o que ali faltou[14]. Tal foi o que aconteceu, in casu.
Pelo exposto, improcede a arguição de ineptidão do requerimento executivo.
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III.2.3. - Alteração da matéria de facto
Apesar de não o pedirem claramente a alteração da matéria de facto, insurgem-se os Recorrente contra o facto de a Mm.º Juiz a quo ter considerado não provados os factos constantes dos números 1 e 2 da base instrutória, onde se perguntava se relativamente a cada um dos empréstimos se os oponentes/mutuários pagaram ao exequente as prestações que se venceram posteriormente à data indicada em cada um dos artigos.
A este respeito, os ora Recorrentes haviam indicado testemunhas das quais prescindiram no início da audiência de julgamento, conforme resulta da acta da audiência, a fls. 64 e 65, tendo na sequência a julgadora considerado «não provados» tais factos, em face “da ausência de prova produzida ou qualquer meio de prova convincente e esclarecedor sobre os factos deles objecto”.
Desde logo, cumpre previamente afirmar que nos termos do disposto no artigo 712.º, n.º 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos de matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º- B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Por seu turno, o artigo 685.º- B do CPC, impõe ao Recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto o ónus de cumprir o estabelecido no seu n.º 1, por via do qual aquele, obrigatoriamente e sob pena de rejeição da impugnação da matéria de facto, deve especificar:
a)        Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)        Os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
Na verdade, as circunstâncias em que se inscreve a actuação da Relação com este fundamento, devem ser idênticas às que existiam aquando da prolação da decisão relativa à matéria de facto pela primeira instância, porquanto também a segunda instância tem que proceder a uma valoração autónoma de todos os meios de prova produzidos quanto à matéria impugnada, sujeitando-os ao princípio da livre apreciação da prova.
Efectivamente, os poderes conferidos por lei à Relação quanto ao princípio fundamental da livre apreciação das provas fixado no artigo 655.º, n.º 1, do CPC, têm amplitude idêntica à conferida ao tribunal de 1.ª instância, devendo a 2.ª instância expressar a respectiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo tribunal a quo[15].
            No caso dos autos a impugnação, como se disse, não foi efectuada nos termos do artigo 685.º.
            Porém, pode a Relação, mesmo oficiosamente, alterar a matéria de facto se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
De facto, encontrando esta possibilidade o seu arrimo na previsão ínsita no artigo 712.º, n.º 1, alínea b), do CPC – se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa – o respectivo limite decorre do segmento final do preceito quando afirma que tais elementos devem ser insusceptíveis de ser destruídos por quaisquer outras provas, ou seja, não podem ter sido produzidas outras provas capazes de destruir o efeito probatório decorrente de algum daqueles elementos[16].
Assim acontece quando, por exemplo, tiver sido junto ao processo um documento com valor probatório pleno relativamente a determinado facto nos termos previstos nos artigos 371.º, n.º 1, e 376.º, n.º 1, do CC, mas apesar disso, o julgador o tenha considerado como não provado; ou quando não tenha sido considerada uma declaração confessória constante de documento ou resultante do processo, em violação do preceituado nos artigos 358.º do CC, e 484.º, n.º 1, e 563.º, ambos do CPC; ou ainda quando não tenha sido atendido o acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto com o valor consagrado no artigo 490.º, n.º 2, do CPC, respondendo-se ao contrário de tal prova plena e atribuindo-se prevalência à livre convicção formada a partir de outros elementos probatórios, v.g., a prova testemunhal ou um documento particular em sentido diverso, que, nesse caso, não podiam ter sido atendidos.
Aliás, nas situações sobreditas, a alteração da matéria de facto assim respondida, nem sequer depende da iniciativa da parte, devendo oficiosamente ser levada a cabo pela Relação, face ao disposto no artigo 713.º, n.º 2, do CPC que manda atender na segunda instância ao preceituado, nomeadamente, no artigo 659.º, n.º 3, do CPC, pelo que, à semelhança da sentença, também o acórdão tomará sempre em consideração os factos admitidos por acordo e os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, devendo ainda, por força da remissão para o artigo 646.º, n.º 4, do CPC, declarar não escritas as respostas do tribunal dadas sobre factos que só possam provar-se por documentos e que tenham sido considerados provados, por exemplo, por acordo ou por confissão das partes.
Desta sorte, no caso em apreço, este tribunal apenas poderia alterar as respostas dadas pela Mm.ª Juiz a quo à matéria de facto, se verificasse que as mesmas violavam os ora referidos preceitos legais e tal situação manifestamente não acontece.
            Efectivamente, os Apelantes haviam alegado que nada deviam à exequente, mas não juntaram qualquer prova de terem efectuado o pagamento das prestações que se venceram posteriormente às datas indicadas no requerimento executivo.
            Ora, a execução tem por base duas escrituras relativas a contratos de “mútuo com hipoteca” nas quais os ora Recorrentes se confessaram devedores ao Recorrido do valor correspondente aos empréstimos concedidos.
            Parecem esquecer os Apelantes que ao confessarem em escritura pública, de forma inequívoca, serem devedores ao exequente da quantia global de € 138.000,00, fazendo-o no âmbito de documento autêntico e perante a parte contrária, em face da força probatória plena dos aludidos documentos, nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do CC, tal obriga ao reconhecimento de estar plenamente provado um mútuo de correspondente valor, porquanto se trata de facto desfavorável ao confitente, em face do preceituado no artigo 352.º do CC.
Assim, a existência do mútuo de tal valor global, apenas poderia ser contrariado através da prova do contrário a que alude o artigo 347.º do CC, prova que in casu seria o pagamento das prestações que o Exequente alegou não terem sido cumpridas, prova essa que pelos apelantes não foi efectuada, nos termos em que tal lhes competia, em face do disposto no artigo 342.º, n.º 2, do CC.
            Pelo exposto, não se vislumbra que, não tendo os Apelantes produzido qualquer prova à matéria dos artigos 1.º e 2.º da base instrutória, pudessem os mesmos legalmente obter outra resposta que não a dada pela julgadora: «não provado».
            Questão diversa, que os apelantes parecem confundir com esta, é a de saber se do título dado à execução resulta a exequibilidade de todas as quantias peticionadas pela Exequente.
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III.2.4. Do título executivo
Conforme é consabido, a acção executiva tem na sua base a existência de um título executivo pelo qual se determinam o seu fim e os respectivos limites subjectivos e objectivos (artigo 45.º, n.º 1, do CPC), não podendo as partes constituir títulos executivos para além dos legalmente previstos.
O título executivo é, portanto, “a peça necessária e suficiente à instauração da acção executiva ou, dito de outra forma, pressuposto ou condição geral de qualquer execução. Nulla exsecutio sine titulo”[17]. Por isso, o mesmo tem que ser documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia para servir de base ao processo executivo[18].
Ora, os documentos aos quais a lei reconhece tal eficácia encontram-se taxativamente elencados no artigo 46.º do CPC, do qual constam as espécies de títulos executivos que podem servir de base à execução.
Porém, o título executivo não se confunde com a causa de pedir na acção executiva, pois esta é um facto e o título executivo é o documento ou a obrigação documentada[19].
Na verdade, os “títulos executivos são os documentos (escritos) constitutivos ou certificativos de obrigações que, mercê da força probatória especial de que estão munidos, tornam dispensável o processo declaratório (ou novo processo declaratório) para certificar a existência do direito do portador”, sendo “constitutivo da relação obrigacional quando a obrigação tem no acto documentado a sua fonte” e “certificativo da obrigação quando, procedendo a constituição da dívida de um outro acto, o título apenas confirma a existência dela”. Concluindo, “o título executivo reside no documento e não no acto documentado, por ser na força probatória do escrito, atentas as formalidades para ele exigidas, que radica a eficácia executiva do título (quer o acto documentado subsista, quer não”[20].
Ou, por outras palavras, o título executivo é “o invólucro sem o qual não é possível executar a pretensão ou o direito que está dentro. Sem invólucro não há execução, embora aquilo que vai realizar-se coactivamente não seja o invólucro mas o que está dentro dele”[21].
            No caso dos autos, o Exequente instaurou a execução com base em duas escrituras comprovativas da celebração de “mútuo com hipoteca”, a restituir em prestações mensais, pelo que estamos no domínio dos títulos executivos previstos na alínea b) do artigo 46.º, de acordo com o qual podem servir de base à execução os documentos exarados ou autenticados por notário ou serviço com competência para a prática de actos de registo que importem a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação.
            Por seu turno, o artigo 50.º do CPC que rege sobre a exequibilidade dos documentos exarados ou autenticados por notário, como é o caso, estabelece que: “Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes.”
            No caso dos autos, estamos perante escrituras públicas que se referem à celebração de dois contratos de mútuo entre as partes ali identificadas, consubstanciados no empréstimo pelo Banco aos mutuários das quantias ali discriminadas, de que estes se declararam no mesmo acto devedores. Portanto, está demonstrado desde logo, por confissão, que aquela prestação correspondente ao empréstimo das quantias indicadas foi satisfeita.
            Mais declararam nesses documentos autênticos que os empréstimos ficam a reger-se pelas cláusulas dos documentos complementares que ficaram a fazer parte integrante das escrituras.
            Destes documentos complementares constam a forma de pagamento, em prestações a satisfazer no prazo indicado, os juros às taxas, prazos e condições ali previstos, a cláusula penal aplicável em caso de mora, e ainda as consequências para a falta de pagamento das prestações, estabelecendo-se designadamente que o Banco poderá considerar os seus créditos vencidos e exigíveis e promover a execução da hipoteca, se não forem liquidadas as prestações nas datas previstas, caso em que a falta de pagamento de uma delas importa o vencimento de todas.
            Portanto, os documentos complementares celebrados aquando da outorga da escritura atestam quer a forma do cumprimento quer as consequências para o não cumprimento das prestações nos mesmos convencionadas.
            Visto o requerimento executivo apresentado, conclui-se que no mesmo é convocada precisamente a concretização da possibilidade de, caso não fossem liquidadas as prestações nas datas previstas, o credor poder declarar o vencimento de todas, nos termos em que as cláusulas contratuais previam tal possibilidade a favor do Banco mutuante.
Daí que o Exequente logo indique que a dívida resulta do incumprimento pelos Executados de dois empréstimos, o primeiro, no montante de 100.000,00€, relativamente ao qual os executados apenas pagaram ao Banco o capital e os juros até à prestação vencida no dia 10/06/2008, e o segundo, no montante de 38.000,00€, cujo pagamento efectuaram até à prestação vencida em 10/05/2008.
            Invoca seguidamente que o empréstimo venceu-se, tornando-se imediatamente exigível toda a dívida, nos termos do artigo 781.º do Código Civil, sendo que os executados, devidamente interpelados pelo Banco Exequente para o pagamento, nada mais pagaram até ao momento.
            Ora, não sofrendo dúvidas que as escrituras públicas em apreço não contém em si todos os elementos para, por si só, constituírem título executivo, a formação do título é in casu complexa, integrando ainda os documentos complementares atestando as obrigações assumidas nos mesmos porquanto é destes que resultam as consequências para o incumprimento.
            No entanto, destes documentos também não decorre desde quando o incumprimento aconteceu e nem sequer que, nesse caso, o Exequente tenha que considerar vencida toda a dívida, a qual é claramente uma opção do credor, quer estejamos perante o disposto no artigo 781.º do Código Civil, quer o nosso olhar incida apenas sobre a referida cláusula contratual.
            Daí que, conforme o Exequente alegou no requerimento executivo, referindo que procedeu à necessária interpelação, houvesse in casu necessidade de interpelação dos executados para fixar o momento a partir do qual ocorreu esse incumprimento.
            Acontece, porém, que o Exequente, apesar de tal ter alegado, não demonstrou ter efectuado a interpelação extrajudicial dos Executados.
Efectivamente, apesar de tal ter sido logo invocado pelos Executados na oposição, o exequente apenas juntou os supra referidos documentos com a contestação, dos quais resulta que efectuou os cálculos relativos ao capital em dívida e juros, desde as datas que ali indicou, não juntando qualquer prova de haver efectuado a interpelação dos executados.
Portanto, a questão que se coloca é a de saber se podia o Exequente ter efectuado os cálculos nos termos dos documentos apresentados, sem ter previamente levado a cabo a interpelação dos Executados, em conformidade com o entendimento que aquele defende e que também foi sufragado pela sentença recorrida.
Ora, sendo pressuposto da acção executiva fundada em contrato de mútuo, o incumprimento da prestação devida, impõe-se que a obrigação exequenda se revista de todos os requisitos de exequibilidade intrínseca que permitam a sua realização coactiva, quais sejam, a certeza, a exigibilidade e a liquidez, as quais constituem condições processuais de prosseguimento da acção executiva instaurada e, evidentemente, são arvoradas em exigências complementares do título executivo sempre que dele não resultarem expressamente, como é o caso.
Daí que, para cumprir esse desiderato seja necessário, nalguns casos, desenvolver inclusivamente uma actividade processual preliminar dentro do próprio processo executivo[22] – cfr. artigos 802.º, 803.º, 804.º, 805.º, todos do CPC.
            Sendo certo que apenas se considera exigível a obrigação que se encontrar vencida, e que na situação em apreço os títulos dados à execução são os contratos de mútuo hipotecário onde os Executados se reconhecem devedores do Banco Exequente, os quais constituem o título executivo dado à execução – cfr. artigo 46, n.º1, alínea b), do CPC -, e não tendo os Executados na oposição deduzida provado terem efectuado o pagamento das prestações mensais estabelecidas para o reembolso dos referidos empréstimos bancários, quanto a capital e juros, a partir da data indicada pelo Exequente, em face da liquidação por este efectuada desde a data em que os mesmos deviam ter procedido ao pagamento dessas prestações e não o fizeram, encontra-se devidamente evidenciado quer o direito da Exequente à prestação - perante o contratualmente estipulado -, quer o incumprimento efectivo por parte dos Executados.
Acontece, porém, que não tendo havido interpelação dos Executados logo no momento em que se verificou o incumprimento, há que determinar quais as consequências do mesmo na extensão da obrigação exequenda.
Conforme resulta da cláusula contratual supra transcrita, em redacção em tudo semelhante à prevista no artigo 781.º, do Código Civil, preceito supletivo que se refere às dívidas liquidáveis a prestações, o mesmo é dizer, às obrigações cujo objecto, embora esteja globalmente fixado, se encontra repartido, quanto ao seu cumprimento, em várias fracções que se prolongam e renovam no tempo, o Exequente, considerou vencidas todas as obrigações e calculou os juros desde a data em que os Executados entraram em mora.
No entanto, conforme judiciosamente se expressou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 15-05-2012, «relativamente à interpretação da expressão legal “vencimento de todas” (…), discute-se na doutrina e na jurisprudência se o vencimento é imediato e automático, dispensando a interpelação do devedor, ou se o vencimento significa apenas exigibilidade imediata de todas as prestações, sendo necessária a interpelação do devedor».
Quer o Exequente quer a Mm.ª Juiz seguiram o entendimento que considera estarmos perante caso de vencimento imediato e automático, considerando que estamos perante obrigação com prazo certo.
Não partilhamos tal entendimento, isto por considerarmos que a expressão “vencimento de todas” significa “exigibilidade imediata”, ou seja, perda do benefício do prazo que havia sido estipulado para o cumprimento da obrigação de forma faseada no tempo, ou dito de outra forma, uma antecipação de exigibilidade.
Daí que, funcionando esta possibilidade da exigibilidade imediata de todas as prestações como uma espécie de “sanção” do devedor pelo incumprimento contratual, perdendo o benefício do prazo, não pode continuar a considerar-se, para este efeito, que o prazo escalonado no tempo para o cumprimento das prestações continua a existir como data indicativa do vencimento. De facto, tal prazo só se mantém actuante para os efeitos contratualmente estabelecidos enquanto o contrato for pontualmente cumprido, situação em que existe tal prazo indicativo para o cumprimento faseado da obrigação.  
Porém, não sendo a prestação cumprida na data estipulada conforme ocorreu in casu, a obrigação torna-se pura mercê do facto de a possibilidade concedida ao credor de actuar a exigibilidade imediata de cumprimento total do que havia sido prolongado no tempo, ser uma faculdade que este pode ou não actuar. Como tal, o vencimento antecipado de todas as prestações cujo cumprimento havia sido escalonado para o futuro com prazo certo indicativo, constitui um dado novo relativo à execução do contrato e, por tal, depende de interpelação porquanto deixa de existir o tal prazo mensal indicativo inicialmente estabelecido entre as partes.
Volvendo ao caso em apreço, verificamos que o Banco Exequente, por entender que estamos perante vencimento automático não interpelou os executados previamente à instauração da acção executiva de que estes autos constituem apenso, para o cumprimento antecipado de todas as restantes prestações - pelo menos não demonstrou tê-lo feito -, tendo optado, perante o incumprimento dos mesmos, por instaurar a acção executiva com base no contrato firmado, requerendo a citação daqueles para procederem ao pagamento da totalidade da dívida.
Os efeitos de tal comportamento, não tendo a virtualidade de beliscar a existência e exigibilidade do título executivo composto nos termos sobreditos, porquanto o Banco Exequente se encontra munido de título executivo idóneo a certificar o seu direito às prestações, sendo que o incumprimento destas encontra-se indubitavelmente demonstrado, uma vez que os Executados, ao invés do que alegaram, não lograram demonstrar haver efectuado o pagamento das prestações que o Exequente alegara terem em dívida, reflectem-se necessariamente no conteúdo da mesma, relativamente ao montante dos respectivos juros moratórios.
Efectivamente, ao invés do cálculo efectuado pelo Exequente, apenas a citação dos Executados pode relevar enquanto acto de interpelação destes quanto à manifestação de vontade daquele em actuar a exigibilidade imediata de todas as prestações devidas até final do prazo do contrato.
Por isso, contrariamente ao alegado pelo Exequente no requerimento inicial, o vencimento da totalidade da dívida ocorreu com a citação dos Executados e não nas datas indicadas como sendo a data do não pagamento das prestações. 
Deste modo, as consequências do comportamento da Exequente relativamente à obrigação exequenda não assumem os contornos de inexigibilidade total pretendidos pelos Recorrentes/executados, mas reflectem-se na extensão do título executivo quanto aos juros relativos às prestações vencidas à data da citação, relativamente às quais só serão devidos juros desde essa data.
Pelo exposto, procede parcialmente o presente recurso.
*****
III.3. Síntese conclusiva:
I - O cumprimento do dever de fundamentação da sentença não se confunde quer com o afastar, ponto por ponto, de todos os argumentos invocados pelas partes, quer com a inclusão na mesma de citações doutrinais e jurisprudenciais em abono da posição do julgador.
II - Quando a obrigação exequenda exija cumulativamente vários documentos para a sua demonstração, podem tais documentos ter natureza diversa, complementando-se entre si e nos seus conteúdos para demonstração da existência do crédito exequendo.
III - Nestas últimas situações, em que o exequente tem que fazer a prova complementar do título, mormente relativamente aos factos que integram o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação assumida, tem-se entendido que, não tendo o exequente efectuado tal prova no requerimento executivo, e havendo oposição, pode na contestação suprir o que ali faltou.
III - Tendo o Exequente feito juntar aos autos documento discriminativo de todos os montantes em dívida e seus componentes, não pode o requerimento executivo considerar-se inepto.
IV - Instaurada a execução tendo por base as escrituras públicas de mútuo com hipoteca, e os documentos complementares que atestam as obrigações assumidas, bem como as sanções para o incumprimento, e tendo o exequente alegado no requerimento executivo a data até à qual as prestações foram cumpridas, invocando estarem em dívida as demais prestações e juros, era aos executados, que haviam alegado na oposição que nada deviam, que incumbia a prova de terem procedido ao pagamento das prestações vencidas desde a data indicada.
V - Pretendendo o credor usar a faculdade de actuar o vencimento antecipado de todas as prestações em caso de incumprimento do contrato por falta de pagamento de uma delas, tem de proceder à interpelação do devedor.
VI - Não o tendo feito extrajudicialmente, tal interpelação só pode considerar-se efectuada no momento da citação dos executados, com as inerentes consequências quanto à inexigibilidade dos juros de mora relativamente às prestações vencidas, os quais apenas serão devidos após a citação.  
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IV - Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar parcialmente procedente a Apelação, declarando inexigível a obrigação exequenda relativa aos juros de mora, os quais apenas serão devidos no tocante às prestações vencidas após a citação, revogando-se nesta parte a sentença recorrida, com a consequente absolvição em conformidade dos Executados.
            Custas da oposição e do recurso pela Exequente e Executados, na proporção do respectivo decaimento.
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Coimbra, 12 de Novembro de 2013

  Albertina Pedroso ( Relatora )
Carvalho Martins
Carlos Moreira

[1] Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável aos autos, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Doravante abreviadamente designado CPC, aqui aplicável na redacção decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
[3] Cfr. neste sentido, Alberto dos Reis, ob cit. pág. 141.
[4] Cfr. José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, págs. 142 e ss; e Ac. STJ de 19-04-2012, processo n.º 9870/05.5TBBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Cfr. neste sentido, exemplificativamente, Ac. STJ de 12-01-2010, processo n.º 630/09.5YFLSB; Ac. TRL de 20-12-2010, processo n.º 1650/10.2TBOER-A.L1-1; e Ac. TRC de 29-02-2012, processo n.º 144732/10.9YIPRT.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Este entendimento jurisprudencial pacífico estriba-se na doutrina já defendida por José Alberto dos Reis, na obra e local citados, que a propósito do correspondente normativo, afirmava que se impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, resultando a nulidade, precisamente, da infracção pelo juiz desse dever que lhe está legalmente cometido. Mais recentemente, cfr. no mesmo sentido, Jorge Augusto Pais de Amaral, in Direito Processual Civil, 7.ª edição, Almedina 2008, pág. 391.
[6] Cfr. Jorge Augusto Pais de Amaral, ob. e loc. cit., pág. 392; e Acs. STJ, de 09-02-2012, processo n..º 47/07.6TBSTB-A.E1.S1; e de 24-04-2012, processo n.º 497/07.8TBODM-A.E1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[7] Cfr. José Alberto dos Reis, ob. e loc. cit., pág. 143.
[8] Ac. STJ de 24-04-2012, processo n.º 497/07.8TBODM-A.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Doravante abreviadamente designado CPC.
[10] Cfr. neste sentido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2.ª ed., pág. 688.
[11] Cfr. autores e obra citada, pág. 669; Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140, e abundante jurisprudência proferida nesse sentido pelos tribunais superiores e disponível em www.dgsi.pt, de que se retira a título meramente exemplificativo, os Acs. STJ de 03-05-2005, proferido no processo n.º 5A1086 e de 14-12-2006, proferido no processo n.º 6B4390, ambos acessíveis no indicado sítio.  
[12] Cfr. Ac. deste mesmo TRC de 17-04-2012, proferido no proc.º n.º 1483/09.9TBTMR.C1, e disponível em www.dgsi.pt.
[13] Cfr. Alberto dos Reis, loc. cit., pág. 139.
[14] Cfr. Ac. STJ de 04-02-2010, proferido no processo n.º 5943/07.8YYPRT-A.P1.S1 - 2ª SECÇÃO, disponível em www.dgsi.pt.
[15] Cfr. neste sentido, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª Edição Revista e Actualizada, pág. 313; e na jurisprudência de forma meramente exemplificativa, Ac. STJ de 24-05-2012, processo n.º 850/07.7TVLSB.L1.S2, disponível em www.dgsi.pt. 
[16] Cfr. neste sentido, Abrantes Geraldes, ob. e loc. cit., pág. 311.
[17] Cfr. Amâncio Ferreira, in Curso de Processo de Execução, 13.ª Edição, Almedina, 2010, pág. 23, citando Chiovenda..
[18] Cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora 1979, pág. 58.
[19] Cfr. citado Ac. STJ de 05-05-2011.
[20] Cfr. Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora 1985, págs. 78 e 79.
[21] Cfr. Ac. STJ de 19-02-2009, proferido no processo n.º 07B4427, e disponível em www.dgsi.pt.
[22] Cfr. Remédios Marques, in Curso de Processo Executivo Comum à Face do Código Revisto, Almedina, 2000, págs. 46/47.