Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5/17.2GCSEI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: REQUERIMENTO PARA ABERTURA DA INSTRUÇÃO
ASSISTENTE
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 01/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (JL DE SEIA – J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 283.º, 286.º E 287.º DO CPP
Sumário: I – No requerimento para abertura da instrução devem estar descritos todos os elementos típicos do crime que se imputa ao arguido, quer os elementos objectivos, quer os elementos subjectivos, sem a verificação dos quais não existe punição, de acordo com o princípio “nulla poena sine culpa”.

II - Quando a assistente verteu no RAI a narração dos factos, objectivos e subjectivos, que imputa à arguida, fundamentadores da aplicação de uma sanção penal, indicando as disposições legais aplicáveis, inexiste fundamento para a sua rejeição por inadmissibilidade legal da instrução.

Decisão Texto Integral:          






Acordam na Secção Criminal da Relação de Coimbra

Nos autos de instrução criminal supra identificados que corre termos na comarca da Guarda o Exmo Juiz de Instrução, em despacho de 9/05/2017 decidiu rejeitar, o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente, A... , por inadmissibilidade legal de instrução (por falta de objecto de instrução) – cfr artº 287º, nº 2 e 303 do CPP.

Inconformado com o despacho de rejeição de abertura de instrução dele interpôs recurso a assistente, A... , concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1. Refere o Despacho recorrido que o requerimento de abertura de instrução formulado pela Assistente não enumera os factos concretos e objectivos que considera terem sido praticados pela denunciada, bem como enuncia ainda ser completamente omisso quanto ao elemento subjectivo referente ao crime e à conduta imputada à denunciada.

2. Pugna pela falta da imputação objectiva e subjectiva dos factos ao seu autor, pelo que a realização da instrução constituiria um acto inútil, o que é proibido por lei, bem como fundamenta mediante o Ac. Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2005, não haver sequer lugar a despacho convite de aperfeiçoamento.

3. Contudo, não pode a Assistente concordar com tal juízo.

4. É que o requerimento para abertura da instrução por si formulado, independentemente dos estilos, cumpre todos os requisitos legais, quer formais quer substantivos.

5. Aliás, o que nem por motivos esquemáticos foge ao quadro geral comum deste tipo de actos.

6. Independentemente disso, estabelece a lei, no art. 287.º, n.º2 do C.P.P., que o requerimento para abertura da instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como sempre que disso for o caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável no requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do art. 283.º.

7. Certo é que o requerimento para abertura da instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução, conforme giza o n.º 3 do art. 287.º do C.P.P.

 Não ocorrendo no caso concreto nenhuma dessas situações.

8. Nem tão pouco se pode concordar com a imputação das deficiências do requerimento para abertura de instrução, maxime a não enumeração de factos concretos e objectivos que se considere terem sido praticados pela arguida, nem a omissão completa quanto ao elemento subjectivo.

9. É que o artigo 26 do Requerimento para abertura de instrução, que aqui se transcreve, giza o seguinte:

“26.        Com as acções de dia 2/12/2016, quando eram 17h.30min., no interior da Escola x..., junto à saída do estabelecimento de ensino referido, a arguida ter agarrado o braço da filha da requerente com força considerável, ao mesmo tempo que a fazia abanar de um lado para o outro e dizendo-lhe “eu sei que foste tu que roubas-te as miniaturas à B...” E de dia 5/01/2017, cerca das 16h.30 min., quando a menor C... esperava junto da escola acima referida, o transporte que efectuaria o seu regresso a casa, a mesma arguida lhe desferiu uma palmada na parte lateral esquerda da face/cabeça, tendo por efeito a queda da menor ao chão, ao mesmo tempo que lhe proferiu a expressão “porque é que roubas-te os óculos à B...”, demonstra-se que arguida agiu de forma livre, consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e pretendendo, como logrou, ao menos, ofender a integridade física da menor C..., filha menor da assistente.”

10. Por outro lado, o artigo 28 do mesmo Requerimento estabelece que: “Com os tais comportamentos, acima acabados de identificar, a arguida praticou dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p.p. no art. 145.º do C.P. (V. art. 132.º, n.º2, alínea c), do C.P., aplicável por remissão do art. 145.º do C.P., quanto à qualificação do tipo);”

11. Pelo que jamais se pode concordar com a fundamentação do despacho recorrido e no qual rejeitou assim o requerimento formulado pela Assistente.

12. Os elementos objectivos e subjectivos do tipo incriminador constam claramente do requerimento de abertura de instrução, pelo que fenece de sentido o que decidiu o Meritíssimo Juiz de Instrução.

13.  A decisão recorrida é ILEGAL, violando assim as disposições dos arts. 69.º, n.º2, alínea a); 287.º, n.º2, n.º3; 286.º, ambos do C.P.P., e bem assim o disposto no art. 20.º da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V.Exas., doutamente suprirão, deve revogar-se a decisão recorrida, substituindo-a por outra que admita a abertura da instrução, ordene a realização dos actos instrutórios requeridos, bem como o obrigatório debate instrutório por forma aferir da pronúncia ou não da arguida, pois só assim se realiza Justiça e se faz cumprir a Lei.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela procedência do recurso.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

É este o despacho recorrido:

A assistente A... veio requerer, a fls. 46 e seguintes, a abertura de instrução.

 Nos termos do artigo 286.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, a instrução tem como finalidade a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.

e o juiz de instrução decidir que a causa deve ser submetida a julgamento, aceitando as razões apresentadas pelo assistente, isso significa que recebe a acusação implícita no requerimento para abertura da instrução, pronunciando o arguido em conformidade com ela.

Assim, o requerimento apresentado pelo assistente para abertura de instrução há-de conter, substancialmente, uma verdadeira acusação, como resulta desde logo do n.º 2 do artigo 287.º do Código de Processo Penal, que remete para as alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º do mesmo diploma legal.

Nos termos das alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal a acusação contém, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada e ainda a indicação das disposições legais aplicáveis.

Como comenta Maia Gonçalves, o requerimento do assistente para abertura da instrução “deverá, a par dos requisitos do nº 1, revestir os de uma acusação, que serão necessários para possibilitar a realização da instrução, particularmente no tocante ao funcionamento do princípio do contraditório, e a elaboração da decisão instrutória” - in "Código de Processo Penal Anotado", 1999, 11ª Edição, pág. 552.

Neste sentido o Acórdão da Relação de Coimbra de 24 de Novembro de 1993, in CJ, T. IV, 61, ou seja, se no “requerimento de abertura de instrução em causa não se faz qualquer enumeração dos factos concretos que se pretende estarem indiciados nos autos, não se faz uma descrição da conduta do arguido.

Não compete ao Juiz de instrução perscrutar os autos para fazer a enumeração e descrição dos factos que se poderão indiciar como cometidos pelo arguido, pois, se assim fosse, estar-se-ia a transferir para o Juiz o exercício da acção penal, com violação dos princípios constitucionais e legais vigentes”.

Nesse mesmo sentido se pronunciou mais recentemente o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22/5/2013, no Processo n.º 22/10.3TACBR: “O requerimento de abertura da instrução apresentado pelo assistente há-de conter, necessariamente, a concretização precisa e concisa quer dos factos - objectivos e subjectivos conformadores do ilícito penal em causa - quer do direito, realidade não compatível com remissões, designadamente, para a “participação”.

Não existindo presunções de dolo, os princípios da vinculação temática e da garantia de defesa do arguido impõem ao assistente, requerente da abertura da instrução, entre outros, o dever de afirmar factualmente qual o tipo de atitude ético-pessoal do agente perante o bem jurídico-penal lesado pela conduta proibida.

Sendo o requerimento para abertura da instrução omisso em relação aos factos consubstanciadores do tipo objectivo e subjectivo de um determinado crime, tem de ser rejeitado, por inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do artigo 287.º, n.º 3, do CPP” (sublinhado nosso).

Assim, o requerimento para abertura de instrução deverá respeitar os requisitos exigidos para a acusação pública, isto é, deve conter não só a identificação completa do arguido, mas também a narração dos factos que lhe são imputados e a subsunção dos mesmos aos preceitos legais que constituem os ilícitos criminais respectivos. Isto é um pressuposto da instrução, uma vez que, desta forma se fixam os poderes de cognição do juiz. Sem tais elementos não poderá o juiz abrir tal fase processual.

Com efeito, tendo o requerimento de abertura de instrução por parte do assistente de configurar uma acusação é esta que condicionará a actividade de investigação do Juiz e a decisão instrutória, tal como flui, claramente, do disposto nos artigos 303.º, n.º 1 e 309.º, n.º1 do Código de Processo Penal, sendo que a decisão instrutória que viesse a pronunciar o arguido por factos não constantes daquele requerimento, estaria ferida de nulidade.

Apreciemos, pois, o requerimento de abertura de instrução apresentado pela assistente. O requerimento de abertura de instrução em causa contém os motivos de discordância do despacho de arquivamento, relata os factos que levaram a assistente a apresentar a queixa, descrevendo ainda a queixa apresentava – de modo conclusivo -, ou seja, recomeça a contar os factos ab initio, contudo não enumera os factos concretos e objectivos que considera terem sido praticados pela denunciada em forma de acusação, e por outro é completamento omisso quanto ao elemento subjectivo.

Sendo o processo penal enformado pelo princípio do acusatório, do qual resulta a indisponibilidade do objecto e do conteúdo do processo (princípio este que encontra acolhimento no art. 32.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa), constitui pressuposto processual da instrução, para além do mais e já supra referido, que haja uma imputação subjectiva dos elementos objectivos aos suspeitos da prática de qualquer facto que possa construir crime, ou tenha relevância penal, em última instância, não estando tal tarefa na disponibilidade do juiz de instrução, sob pena de incorrer na prática de uma nulidade caso se viesse a substituir à tarefe que incumbe à assistente.

Assim, e embora exista referência ao crime que supostamente a denunciada terá praticado, há uma omissão relativamente ao elemento subjectivo referente ao crime e a cada conduta que é imputada à denunciada.

 Nos termos do n.º 3 do art. 287.º do Código de Processo Penal, o requerimento de abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal.

In casu, entendemos que estamos perante uma situação de inadmissibilidade legal, sendo que esta causa de rejeição é de conhecimento oficioso.

Na verdade, a realização da instrução constituiria um acto inútil, na medida em que, finda a mesma, sempre o tribunal ficaria sem saber quem haveria de pronunciar e a que título, pois o preenchimento de um tipo legal de crime faz-se pela imputação objectiva e subjectiva dos fatos ao seu autor, e no caso concreto inexiste qualquer imputação subjectiva, e no processo não é lícita a prática de actos inúteis – art. 137.º Código de Processo Penal.

Neste sentido vd Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 6/12/2010, Processo 121/09.4TAAVV: “O dolo constitui matéria de facto e, por isso, têm de ser devidamente alegados os factos donde tal se possa concluir

Assim sendo, não é legítimo afirmar o dolo simplesmente a partir das circunstâncias externas da acção concreta pois, a não ser assim, o arguido estaria impedido de se defender cabalmente por ignorar a modalidade do dolo.

Admitir um requerimento de instrução completamente omisso quanto ao elemento subjectivo do crime imputado ao arguido e prosseguir com a instrução estando o juiz limitado nos seus poderes cognitivos por esse requerimento, seria praticar acto inútil, o que é proibido por lei – artº137º do Cód. Proc. Civil, ex vi do artº4º do C.P.P.”

O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 7/2005, em situação análoga veio declarar que “Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido.


*

Nestes termos, decide-se rejeitar o presente requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal da instrução.

Cumpre decidir:

Dispõe:

- o art 286 nº 1 do CPP “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir a acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”.

- o art 287 nº 2 do CPP “o requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do nº 3 do art 283”.

  - o art 283 nº 3 b) “ a acusação contém, sob pena de nulidade a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada”;

  - al c) “a indicação das disposições legais aplicáveis”

  -art 287 nº 3 “ o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução”.

  - 309 nº 1 “A decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Mº Pº ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução”.

  A assistente, A... , requereu abertura da instrução, na sequência do arquivamento pelo MºPº, quanto aos factos por que aquela apresentou queixa potencialmente constitutiva do crime de ofensa á integridade física. Ou seja, o objectivo da assistente é o de levar a arguida a julgamento por factos pelos quais o Ministério Público entendeu não deduzir acusação – v. artigo 287º, nº 1, alínea b), CPP.

O requerimento de abertura da instrução e de acordo com as normas acima citadas constituirá, o elemento fundamental para a definição e determinação do âmbito e dos limites da intervenção do juiz de instrução: investigação autónoma, mas autónoma dentro do tema factual que lhe é proposto através do requerimento de abertura da instrução.

 No caso de requerimento de instrução do assistente, «o pressuposto da vinculação temática do processo só pode ser constituído pelos termos desse requerimento, que há-de definir as bases de facto e de direito da questão a submeter ao juiz. Na definição do objecto processual que vai ser submetido ao conhecimento e decisão do juiz há, assim, uma similitude funcional entre a acusação do Ministério Público e o requerimento do assistente para a abertura da instrução no caso de não ter sido deduzida acusação» - ac. do STJ de 24-09-2003, proc. 2299/03, http://www.dgsi,pt/.

Segundo as palavras do Prof. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, III, pág. 139., formalmente, o assistente indica como o M.º P.º deveria ter atuado, ou seja, que «não deveria arquivar, mas acusar e em que termos o deveria ter feito», invocando razões daquela dupla vertente, sendo imprescindível que do requerimento de abertura de instrução conste a narração dos factos constitutivos do crime ou crimes imputados a cada um dos arguidos e das disposições legais.

E neste sentido também se pronunciou o TC, In Acórdão n.º 358/2004, proferido no processo n.º 358/2004, publicado no DR II série, n.º 150, de 28 de Junho de 2004, aí defendendo que o objecto da instrução tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa e que tal definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis, o que decorre de princípios fundamentais do processo penal, designadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória.

Ora, a descrição factual mencionada deve conter os factos concretos susceptíveis de integrar todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo criminal que o assistente considere terem sido preenchidos – ac. deste TRC de 6.7.2011, proc. nº 212/10.9TAFND.C1, onde é referenciada outra jurisprudência no mesmo sentido: acórdãos da RL de 30.03.2003, (CJ, II, pág. 131); da RP de 07.01.2009, proc. 0846210 e de 11.10.2006, proc. 0416501; da RG de 14.02.2005 (CJ, I, pág. 299); da RP de 23.05.2001 (CJ, III; pág. 238), e os Ac. da RP de 07.01.2009, proc. 0846210 e de 11.10.2006, proc. 0416501, estes dois últimos no que tange à necessidade de constar do RAI o elemento subjectivo do tipo de crime. Efectivamente, do requerimento de abertura de instrução devem estar descritos todos os elementos típicos do crime que se imputa ao arguido, quer os elementos objectivos, quer os elementos subjectivos, sem a verificação dos quais não existe punição, de acordo com o princípio “nulla poena sine culpa”

No caso vertente, o RAI não se encontra devidamente elaborado, em termos semelhantes ao de uma acusação, mas a lei também, não o exige – artº 287º nº 2 do CPP.

Assim, podemos verificar que, embora de forma incompleta, a arguida está identificada e, após tecer algumas considerações quanto à discordância do despacho de arquivamento são descritos os factos imputados à arguida, com alusão à data, local e demais circunstâncias das ocorrências – “Com as acções do dia 1/12.2016, quando eram 17h.30min., no interior da Escola x..., junto á saída do estabelecimento de ensino referido, a arguida ter agarrado o braço da filha da requerente com força considerável, ao mesmo tempo que a fazia abanar de um lado para o outro, e dizendo-lhe “eu sei que foste tu que roubas-te as miniaturas à B...” e de dia 5/01/2017, cerca das 16h.30 min., quando a menor C... esperava junto da escola acima referida, o transporte que efectuaria o seu regresso a casa, a mesma arguida lhe desferiu uma palmada na parte lateral esquerda da face/cabeça, tendo por efeito a queda da menor ao chão, ao mesmo tempo que lhe proferiu a expressão “porque é que roubas-te os óculos à B...”.(ponto. 26) -, o elemento subjectivo“…demonstra-se que a arguida agiu de forma livre, consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e pretendendo, como logrou, ao menos, ofender a integridade física da menor C..., filha menor da assistente” (ponto 26.) e as normas legais incriminadoras – “Com tais comportamentos, acima acabados de identificar, a arguida praticou dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, p.p. no art. 145º do C.P. (V. art. 132º, n.º 2, al. c), do C.P. aplicável por remissão do art. 145. do C.P., quanto á qualificação do tipo” (ponto 28.), pedindo, a final, que seja proferido despacho de pronuncia.

                                                                               Assim e ao contrário do constante no despacho recorrido, a assistente verteu no RAI a narração dos factos, objectivos e subjectivos, que imputa à arguida, fundamentadores da aplicação de uma sanção penal, indicando as disposições legais aplicáveis, pelo que o mesmo não é nulo, nos termos do art. 283º, n.º 3 do C.P.Penal, inexistindo fundamento para a sua rejeição por inadmissibilidade legal da instrução.

  Nestes termos, se decide julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que admita a instrução.

 Sem custas.

                                                            

Coimbra, 17 de janeiro de 2018

                                                            

Alice Santos (relatora)

                                                                              

Abílio Ramalho (adjunto)