Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
887/10.9GCLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CACILDA SENA
Descritores: JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
ARGUIDO
REGIME
PRISÃO
Data do Acordão: 11/27/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA (1.º JUÍZO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 332.º, 333.º E 119.º, ALÍNEA C), DO CPP
Sumário: Constitui nulidade insanável da alínea c) do artigo 119.º do CPP a realização da audiência de julgamento na ausência do arguido, que nela não compareceu por ter sido preso em momento posterior ao da respectiva notificação na morada indicada no TIR.
Decisão Texto Integral:  Acordam, em conferência, na 5ª secção, criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO
No processo supra identificado, foram submetidos a julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, A...; B... e C... , todos completamente identificados nos autos, vindo a final, e na procedência parcial da acusação, a ser e condenados como coautores de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos arts 203º nº1, 204º nº2, al. e), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão, cada um (foram todos absolvidos da prática de um crime de furto qualificado e C... de um crime de detenção de arma proibida de que estavam também acusados).
Os arguidos A... e B..., foram ainda condenados como coautores da prática de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido pelo artº 86º nº1, al. d), conjugado com os arts 2º nº1, als. a), m) e o), e 3º, nº2, als f), h) e j), e 4º da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei 17/2009, de 06 de Maio, na pena de 9 (nove) meses de prisão.
Operando o cúmulo jurídico das penas acabadas de impor a estes dois arguidos, foi, cada um, condenado na pena única de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão.
As penas aplicadas aos arguidos foram suspensas na sua execução pelo período de 3 (três) anos ao arguido C..., e pelo período de 3 (três) anos e 3 (três) meses aos arguidos A... e B...
*
Inconformado com o assim decidido, veio recorrer o Magistrado do Ministério Público, extraindo da respectiva motivação as seguintes
Conclusões:
1- Recorre-se do acórdão deste Tribunal de Círculo de Leiria, de 24-09-2012, constante dos autos de Processo Comum Colectivo nº 887/10.9GCLA do 1º Juízo, do Tribunal Judicial de Leiria.
2 - Nas partes em que, existindo indícios da prática, por C... de um crime de furto qualificado, previsto pelo art 204º nº 2 a) e e) do C.P, o absolveu do seu cometimento e, quanto ao mesmo, não procedendo a condenação por furto, existindo indícios da prática de um crime de receptação, não accionou o mecanismo previsto no artº 359º do CPP, relativamente ao arguido C... e quanto a todos os arguidos, na parte em que decidiu suspender a execução das penas de prisão que lhes foram aplicadas.
3 - O facto do arguido C... ter sido encontrado em poder de bens retirados da empresa E... (e de outros retirados da empresa D...), aliado ao facto de ambos os assaltos ilustrarem o mesmo modus operandi, a sua proximidade temporal e geográfica, do arguido ser o condutor habitual da viatura utilizada no furto da D... e de nesta terem sido encontrados artigos relacionados com a prática de crimes ( luvas, gorro, lanterna, picareta, pés de cabra, chaves de fendas, serra e tesoura de corte) permite, em termos de lógica e causalidade, de funcionamento das regras da experiência comum, entender que o arguido C... participou no furto ocorrido em 24-1 1-2010, na empresa E... E..., Lda..
Caso assim não se entenda considero que:
4 - Da leitura dos pontos 10, 17 e 23 dos factos dados como provados extrai-se que o Tribunal Colectivo considerou que o arguido C... detinha artigos furtados (berbequim e nível) sabendo da sua proveniência ilícita, como subtraídos da empresa E..., Lda., conforme pontos 10 a 14 daqueles.
5 - Ao estar na posse, guardando-os na sua casa, de bens que sabia terem sido subtraídos ao seu legitimo titular, indicia-se a prática de um crime de receptação pelo possuidor, previsto no art. 231º do C.Penal.
6 - Tal consideração obrigava a que o Tribunal procedesse a uma alteração substancial dos factos constantes da acusação, nos termos do
art. 359º
do CPP, comunicando-a ao arguido. Não o tendo feito creio ter ocorrido uma nulidade de sentença por omissão de pronúncia, prevista no art. 379º do CPP.
7 - O Tribunal, ao considerar que não tinha sido esclarecido como os bens entraram em poder de C... (tê-los-ia furtado ou recebido de terceiro?) - na minha óptica mal pois creio que foi feita prova da implicação daquele no mencionado crime de furto, como acima defendi -, não equacionou a possível prática de crime de receptação, colocando assim em zona cinzenta um comportamento penalmente censurável. Na verdade, considero que quando o agente não prove os termos da aquisição do objecto obtido ilicitamente, que lhe foi encontrado, sempre se pode afirmar que a detenção ilícita assume uma formulação autónoma á qual se liga um acto anterior de recepção, de entrada no património, na disponibilidade daquele que permite considerar preenchido o elemento do tipo penal da receptação. Impõe-se aqui valorizar a materialidade da detenção injustificada, ilícita e consciente de tal por parte do agente em detrimento da forma de aquisição do bem obtido ilegalmente.
8 - O arguido C... foi condenado em 3 anos de pena de prisão por prática de um crime de furto qualificado. Os arguidos A... e B... foram condenados em 3 anos e 3 meses de prisão por prática de crimes de furto qualificado e detenção de arma proibida, nos termos definidos no Acórdão recorrido
9 - O Tribunal Colectivo, valorizando a situação - única a constar da matéria de facto provada - dos arguidos não terem antecedentes criminais entendeu suspender a execução das penas acima referidas.
10 - Creio que a matéria de facto dada como provada não permite fundamentar a opção feita pela suspensão da execução das penas de prisão, assim se verificando uma situação/ vicio de insuficiência da matéria de facto provada para a decisão, prevista no art. 410 n.º 2 a) do CPP.
11 Com efeito existe um conjunto de aspectos que apontam no do contrário do acolhido pelo Tribunal Colectivo, a saber: a inexistência de antecedentes criminais não se mostra muito importante pois os arguidos são de nacionalidade romena, desconhecendo-se o tempo de permanência em Portugal; não existe qualquer informação sobre a personalidade daqueles e grau de integração social; os mesmos encontram-se ausentes em local incerto, após abandonarem o País; não foi referenciada qualquer actividade profissional certa e regular enquanto aqui permaneceram; no interior da viatura em que se deslocavam foram encontrados instrumentos (luvas, gorro, lanterna, pés de cabra, chaves de fendas, picareta, serra, tesoura de corte) conotados com a prática de furtos; nas buscas efectuadas a suas residências foram encontrados - além dos relativos ao crime porque foram condenados – vários artigos de origem duvidosa, relacionáveis com outras situações de furto denunciadas e existentes em Ourém, Caldas da Rainha e
Lisboa;
o “modus operandi” utilizado (destruição de sistemas de segurança e acesso por arrombamento, prática de actos longe da residência); os valores angariados, no caso, 3.947€, reflectem um forte empenhamento dos arguidos na criminalidade, não se revelando que o seu envolvimento com a criminalidade fosse pontual.
12 - Não existe e não foi dado como provado qualquer facto – sólido e bastante -que permita fazer um juízo positivo quanto á suficiência da censura do facto, nos termos previstos no art. 50º do C. Penal.
13- O Tribunal Colectivo não fez uma correcta interpretação de elementos factuais existentes nos autos, alguns dados como provados, os quais obrigavam a afastar a possibilidade de suspender a execução das penas de prisão fixadas no Acórdão.
14- O Tribuna Colectivo ao decidir como consta do acórdão não considerou de forma correcta a aplicação dos arts. 50º nº1, 70º, 204º nº2, a) e e) e 231º do C.Penal e 359º do CPP.
Termos em que deve o presente recurso ser provido, reformando-se o douto acórdão recorrido conforme o proposto, assim se suprindo os vícios supra assinalados.
*
Apenas a arguida A... veio apresentar resposta, defendendo o acerto do acórdão recorrido na parte em que decidiu suspender a execução da pena que lhe foi aplicada, conclusão 1 a 14, e nas demais conclusões, 15 a 19, vem arguir a nulidade decorrente da ausência da arguida a julgamento, nos termos que a seguir se reproduzem:
- Sucede que a Recorrida A... não esteve presente na audiência de discussão e julgamento porque se encontrava presa preventivamente no estabelecimento prisional de Tires desde 18.02.2012, à ordem do Processo nº 65/123.2GCSLB do 3º juízo do Tribunal de Instrução criminal de Lisboa, tendo aquela sido realizada, com base no pressuposto de que estaria regularmente notificada para o efeito, dado que prestou termos de Identidade e Residência,
- Pressuposto que se revelou estar errado. A arguida está presa preventivamente à ordem do Processo nº 65/12.2GCSLB do 3º juízo do Tribunal de Instrução criminal de Lisboa desde 18.02.2012, pelo que deveria ter sido notificada nos termos do nº1 do artº 114º do Código de Processo Penal, onde se determina que “a notificação de pessoa que se encontrar presa é requisitada ao director do estabelecimento prisional respectivo e efectuada na pessoa do notificado por funcionário para o efeito designado”.
- Esta obstrução ao exercício do princípio do contraditório violou a Constituição da República Portuguesa (artº 32º e 20º nº4) constituindo por isso, uma nulidade insanável, nos termos do disposto no artº 11º, al. c) do Código de Processo Penal “a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”.
- A notificação foi enviada para a morada constante do termo de identidade e residência, pelo que, atento o disposto no artº 196º nº2 e 3, al. c) e d), a arguida estaria notificada para julgamento. Contudo a notificação foi remetida num momento em que o Estado Português sabia que a arguida já aí não residia, uma vez que se encontrava presa preventivamente desde 18.02.2012 à ordem de outro processo.
- Não tendo a arguida estado presente na audiência de julgamento donde resultou o acórdão condenatório, dúvidas não existem de que se está perante a nulidade prevista na alínea c), do artº 119º do CPP, que deveria ter sido oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, importando a anulação do julgamento e do subsequente processado com ele relacionado (artº 122º nº1), o que não sucedeu e se invoca nesta sede.
*
O recurso foi recebido, e enviados a esta Relação.
Já neste tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, louvando-se nos fundamentos invocados pelo recorrente, Ministério Público em primeira instância, emitiu Parecer, no sentido do provimento do recurso.
*
Corridos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir
*
Questão prévia:
Antes de conhecer do mérito do recurso, tem este tribunal de se debruçar acerca da questão prévia levantada pela recorrida A..., que consiste na falta da sua notificação para o julgamento com a consequente restrição dos seus direitos de defesa.
E visto que nenhum dos arguidos compareceu ao julgamento, verificar também quanto a eles se foram devidamente notificados.
É que, a verificarem-se as nulidades decorrentes da falta de comparência do arguidos, artº 119º al. c) do CPP, estas invalidades são insanáveis, e por isso podem ser invocadas e conhecidas oficiosamente, em qualquer fase do processo.
Na dilucidação desta questão temos de ter em conta os seguintes elementos vertidos nos autos:
1 – Recolhidos indícios acerca do cometimento por parte dos arguidos dos crimes pelos quais vieram a ser julgados - veio A... a ser constituída arguida, fls. 93, a ser interrogada como tal pela PSP, fls. 94 e a ser-lhe aplicado por esta autoridade policial, em 18 de Novembro de 2011,Termo de Identidade e Residência, junto 95
2 - Não foi possível ouvir os outros dois arguidos que haviam residido na mesma morada da arguida, havendo informação de que se teriam ausentado do nosso país, C... teria regressado à Roménia e B..., teria ido viver para a Itália, encontrando-se ambos em parte incerta, fls 148, e como tal não foi também possível constituí-los como arguidos ou sujeita-los às obrigações decorrentes do Termo de Identidade e Residência.
3 - Findo o inquérito, em 06 de Março de 2012, fls. 149 e seg., foi deduzida acusação contra todos os arguidos.
4 - A arguida foi notificada via posta para a morada constante do TIR, fls.169, e175, guia de depósito de 16.03.2012, fls. 182.
5 - Prosseguindo o processo seus termos normais, foi recebida a acusação e designada data para o julgamento, sendo feitas as notificações atinentes aos actos praticados no processo, sempre na morada constante do TIR.
6 – Pelo menos desde 14 de Novembro de 2011, existe nos autos informação de que os aos B... e C..., não viviam nas moradas que constam do processo, fls 91. Resultando infrutíferas as diligências feitas no sentido de saber os respectivos paradeiros
7 - Em 21.08.2012m a Dir. Geral de Reinserção Social, informou não ser possível proceder à elaboração do relatório social por a arguida não ter comparecido informando que na esquadra da PSP onde a mesma cumpria obrigação de apresentação que a mesma se havia apresentado a última vez em 16.02.2012, desconhecendo-se qual o paradeiro da mesma., fls. 242.
8 – Em 17.09.2012, procedeu-se ao julgamento na ausência dos arguidos, de cuja presença se prescindiu tendo-se consignado na respectiva acta que os mesmos se encontravam regularmente notificados, considerando o MºPº injustificadas as faltas de todos eles ao julgamento dado terem sido notificados nas moradas constantes dos respectivos TIR.
9 – Finda a produção de prova, foi designado o dia 24.09.2012, para a leitura da sentença.
10 – Em 19 de Setembro de 2012, chegou ao tribunal de Leiria o telefax de fls. 260, que tem carimbo de entrada de 20 de Setembro de 2012, no qual se informa que a arguida se encontra presa preventivamente à ordem do processo nº 6512.25GLSB, do 3º juízo do TIC de Lisboa, desde 18 de Fevereiro de 2012. – fls. 260 e 261.
11. - Em 24 de Setembro de 2012, foi proferido o acórdão condenatório supra referido, fls. 264 e 284, que foi depositado nesse mesmo dia, fls. 285.
12 – O recurso do MºPº foi interposto em 3 de Outubro de 2012, fls. 291.
13 – A arguida foi notificada da sentença condenatória no EP em 15 de Outubro de 2012, fls. 323.
14 – Em 30 de Outubro de 2012, o Defensor oficioso da arguida fez chegar aos autos o requerimento inserto a fls. 324, onde invoca que a falta da arguida ao julgamento integra a nulidade a que se reporta o art 119º al. c) do CPP, por a arguida não ter sido notificada para o julgamento, por se encontrar detida desde 18 de Fevereiro de 2012, facto que é do conhecimento do tribunal desde19 de Setembro de 2012, requerendo em conformidade a anulação do julgamento e do subsequente processado com ele relacionado nos termos do disposto no artº 122º nº1 do CPP.
15- Em 5 de Novembro de 2012, deu entrada no tribunal a quo um requerimento assinado pela arguida onde dá conta da sua detenção, e da falta de notificação para o julgamento, com o qual junta uma declaração do EP, datado de 23 de Outubro de 2012, onde se atesta a sua reclusão desde 18 de Fevereiro de 2012 fls. 326 e 328.
16 – Sobre o requerimento referido em 13, incidiu despacho judicial inserto a fls. 335, que corroborou a promoção que lhe antecedeu, com o seguinte teor: “A arguida A... veio arguir a nulidade por ausência irregular à audiência de julgamento, alegando estar presa preventivamente à ordem de outro processo e ter sido notificada na morada constante do TIR onde não se encontrava.
O Ministério Público promoveu no sentido do indeferimento, por falta de fundamento legal.
Importa considerar que o julgamento já se concluiu e foi proferido acórdão condenatório, sendo certo que já se esgotou o poder jurisdicional quanto ao objecto do processo, podendo as questões posteriores à leitura da decisão ser levantadas em sede de recurso.
Refira-se que pese embora o tribunal possa suprir nulidades (artº666º-1-2 do COC), resulta dos autos que, à data, o tribunal verificou a regularidade da notificação da arguida na morada por si indicada no TIR prestado nos autos e julgou-a regularmente notificada (fls. 249), seno certo que nenhuma circunstância foi invocada pelo seu il. Defensor aquando do início da audiência de julgamento (vd. fls. 256), o qual se iniciou com base em pressupostos conhecidos na data de 17.09.2012 (fls. 255). Vindo apenas a informação de que a arguida se encontrava presa em 20.09.2012 (fls. 260), portanto, em momento posterior, sem que se vislumbre que essa circunstância invalide, em i, a realização do julgamento, processualmente válido, verificando-se que a requerente foi entretanto, notificada pessoalmente do acórdão condenatório (fls. 323).
Nesta medida, por falta de fundamento legal, indefere-se a invocada nulidade”.
17 - Posteriormente a este despacho o processo seguiu com a instrução do recurso entretanto já interposto pelo Ministério Público, e a que fizemos referência no início desta peça.
*
Perante esta resenha factual que dizer?

Começando pelo despacho da Ex.ma Juiz referido em 15:
Factualmente, não pode deixar de se dar razão ao despacho recorrido quando nele se diz que aquando do julgamento se procedeu à notificação da arguida na morada constante do TIR por ela prestado, desconhecendo-se a situação e presa.
Efectivamente, até à informação de fls., 260, que note-se foi junta aos autos depois da produção da prova, mas antes da sentença, aliás foi trazida ao autos pela DGRS a quem se pediu relatório para a elaboração da decisão, nada mais havia a fazer face à falta da arguida. Tudo foi feito de harmonia com o disposto no artº333º nº1 do CPP, e AUJ nº 9/2012 de 8/03/2012, publicado no DR. de 10.12.12, que o interpretou.
Mas, a partir daí, estamos certos que outro devia ter sido o comportamento do Tribunal “a quo” a bem da celeridade processual e da economia de meios.
Com efeito, como decorre do disposto nos artº 332º e seg. do CPP, a presença do arguida a julgamento é em regra obrigatória, pois corresponde ao mais elementar direito de defesa de quem é acusado em processo criminal, com consagração expressa artº 32º da Constituição.
Daqui decorre que o julgamento só poderá ser realizado sem a presença do arguido, qualquer que seja o momento em que essa presença se venha a verificar, nos casos especificamente referidos nos artºs 332º, 333º e 334º do CPP, pressupondo sempre a sua notificação por qualquer dos meios admissíveis no código.
Um deles consiste na notificação na morada constante do TIR, artº 113º, 196º, 333º do CPP, cujo regime, nos termos em que hoje está acolhido, foi desenhada pela reforma feita ao Processo Penal pela Lei 59/98 de 25.08, que visou acabar com as faltas indetermináveis dos arguidos ao julgamento, decorrentes da versão inicial do Código que acolhia, quase sem limites, o direito de os arguidos estarem presentes em julgamento e consequentemente de os adiarem quase a seu bel prazer, com evidentes prejuízos para os restantes intervenientes processuais e para a eficiência dos tribunais, cujo prestígio, até hoje, se ressente daquela fase de má memória.
Apesar de a lei actual estar digamos “blindada” contra aqueles abusos, não pode, como nos parece óbvio, descurar o direito constitucional de defesa dos arguidos, o que acontece sempre que o arguido não compareça por razões que lhe não podem ser imputadas, como aconteceu no caso dos autos relativamente à arguida, que se viu impossibilitada de se defender em julgamento por se encontrar presa à ordem de outro processo.
E se é verdade que não era exigível ao tribunal que face ao termo de identidade que esta prestou, perante a sua falta, fizesse outras diligências, também não se pode sacrificar o direito, constitucional, repete-se, da arguida impondo-lhe uma condição que vai muito para além do TIR, qual seja a de ter de informar o tribunal da sua detenção. E no confronto entre estes dois termos da equação, parece-nos que temos de conferir prevalência ao direito da arguida estar presente e imputar, não ao tribunal, mas ao sistema a culpa na não notificação.
Com efeito, na era da informática é lamentável que não exista uma base de dados que de modo rápido permita aos tribunais saber quem se encontra detido à ordem de que processos, evitando demoras e soluções tão drásticas como aquela que se deixa adivinhar no caso em concreto.
Ora, não podendo a falta de notificação ser imputada à arguida, a sua ausência no julgamento integra a nulidade a que se reporta a al. c) do 119º do CPP, que como resulta da própria epígrafe do preceito pertence à classe da nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, (sublinhado nosso).
Decorre daqui que mal andou o Tribunal “a quo”, quando não colmatou a nulidade quando teve conhecimento dela, e quando ainda podia reabrir a audiência para ouvir o que a arguida tinha para dizer, fazendo as diligências, ou repetindo testemunhos que, eventualmente, o seu interrogatório viesse a mostrar pertinentes, só depois proferindo sentença em conformidade.
Não tendo optado por este caminho, resta a este tribunal de recurso, declarar a nulidade e mandar repetir o julgamento da arguida, com observância dos preceitos legais atinentes, designadamente o que resulta do artº 40º do CPP.
No que tange aos restantes arguidos, a situação apresenta-se mais grave. É que os dois arguidos nem sequer deviam ter sido submetidos a julgamento, por nunca terem sido, de algum modo, informados da existência deste processo onde nunca foram interrogados e consequentemente nunca lhes foi tomado TIR, como erradamente se fez constar da respectiva acta de fls. 255, remetendo-se para os comprovativos de depósito das cartas enviadas para as moradas que foram chegando aos autos.
A nulidade decorrente da falta de notificação dos dois arguidos, além de constituir nulidade insanável e como tal invalidar o julgamento, nos termos supra referidos para a arguida A..., tem como consequência, a menos que entretanto venham a ser encontrados e notificados, a observância dos trâmites legais estabelecidos para situações como esta, os referidos no artºs 335º do CPP, com a necessária separação de processos, artº 335º nº 4 do CPP.
Em consequência das nulidades declaradas, fica prejudicado o conhecimento do recurso.
*
III – DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em declarar a nulidade resultante da omissão de notificação de todos os arguidos para comparecerem ao julgamento – artº 119º, al. c) do CPP, e nessa conformidade, declara-se inválida a audiência de discussão e julgamento bem como todos os actos que se lhe seguiram e, consequentemente, determina-se:
I - Relativamente ao arguidos B... e C..., que se tenha em consideração que não prestaram TIR nos autos, e que, portanto, não se podem considerar notificados nas moradas para onde foram enviadas as respectiva notificação para julgamento, e sem prejuízo de se realizarem outras diligências que entretanto se venham a mostrar pertinentes, se dê cumprimento ao disposto no artigo 335º do CPP.
II - Que se proceda a novo julgamento da arguida A... depois de colmatar a nulidade cometida.
*
Sem tributação
*
Coimbra, 27 de Novembro de 2013


(Cacilda Sena - Relatora)

(Elisa Sales)