Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1467/11.7PBAVR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
ALTERAÇÃO
RESIDÊNCIA
COMUNICAÇÃO
Data do Acordão: 02/26/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 196º Nº 3 B) E C) DO CPP
Sumário: Cumpre, de modo válido, o arguido, a obrigação de comunicação de mudança de residência que lhe é imposta na al. b), n.º3, art.196.º do Código de Processo Penal, quando perante a advertência em julgamento de responder com verdade sobre a sua “identificação”, sob pena de praticar um crime de falsas declarações, comunica presencialmente em audiência de julgamento, ao Tribunal, a sua nova residência.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

        Relatório

            Por despacho de 26 de Setembro de 2013, a Ex.ma Juíza da Comarca do baixo Vouga, Ílhavo - Juízo de Pequena Instância Criminal, indeferiu o requerimento datado de 25 de Setembro de 2013, em que o arguido A... requeria a declaração de nulidade de diversas notificações que lhe foram dirigidas após a audiência de julgamento e que, consequentemente, fosse declarado inválido o despacho de 30 de Maio de 2013 e ordenada a sua libertação e, subsidiariamente, requeria para efeitos de extinção da sua responsabilidade criminal, que lhe fosse permitido o pagamento da multa no valor de € 1 980,00, através da emissão das respectivas guias.

          Por despacho de 30 de Setembro de 2013, o mesmo Tribunal, perante um novo requerimento do arguido, de 27 de Setembro de 2013 - apresentado “em complemento” do antecedente requerimento, em que informa que a falta de pagamento da multa não procedeu de culpa sua -, decidiu que não havia nada a determinar, dando por reproduzido o despacho proferido a 26 de Setembro de 2013, que se mantém válido.

           Inconformado com os despachos de 26 e de 30 de Setembro de 2013 deles interpôs recurso o arguido A...., concluindo a sua motivação do modo seguinte:

I - Compulsados os autos após a prisão do arguido, verifica-se que, não obstante o arguido ter indicado uma morada, para efeitos de ser notificado nos termos das disposições combinadas das normas dos art.ºs 196°-2, 196°-3/c, 113°-l/c e 113°-3 do CPP, as notificações por via postal simples que o tribunal a quo lhe dirigiu (incluindo aquela através da qual pretendia dar-se conhecimento ao arguido do despacho de 30/05/2013), não foram remetidas para a morada que ele havia escolhido para esse efeito, e que nesses termos foi feita constar no TIR prestado em 16/07/2013.

II- Não obstante na Audiência de Julgamento que teve lugar em 26/07/2011, o arguido ter referiu residir em outra morada, dessa sua declaração não pode concluir-se ter ele pretendido alterar a morada para efeitos de notificação, nos termos previstos no art.° 113°-l/c-3 do CPP.

III- Por outro lado, essa menção de residência feita em Audiência de Julgamento não cumpria as formalidades que para tanto são exigidas por lei (cfr. art.° 196°-3/c do CPP).

IV- No caso vertente, o arguido não procedeu nos termos previstos na segunda parte daquele art.° 196°-3/c do CPP, nem na Acta da Audiência de Julgamento consta ter ele pretendido alterar a anterior indicação da morada para efeitos de notificação por via postal simples.

V- Assim, todas as notificações que pelo tribunal dirigidas ao arguido foram efectuadas para morada que não aquela que para o efeito havia sido indicada pelo arguido, tendo, pois, sido feitas em violação do disposto nas normas dos art.ºs 196°-2, 196°-3/c, 113º- 1/c e 113°-3 do CPP, pelo que essas notificações se encontram enfermas de nulidade.

VI - Não podiam, consequentemente, ter-se por legalmente efectuadas todas aquelas notificações que o Tribunal dirigiu ao arguido, e, designadamente, não podia ter sido proferido o douto despacho de 30/05/2013, que, por não ter sido efectuado o pagamento da multa e ter sido considerada como inviável a execução coerciva da mesma, determinou «o cumprimento da pena de prisão aplicada» ao arguido.

VII- Caso efectivamente tivesse recebido as notificações que haviam sido enviadas para morada que não era a constante no TIR, o arguido não teria deixado de informar em juízo que o não pagamento da multa não procedia de culpa sua.

VIII- É que, se à data do julgamento o arguido se encontrava empregado, ele veio entretanto a perder esse emprego, sem ter logrado conseguir outra ocupação (sendo que essa situação de desemprego era já conhecida nos autos).

IX- Se os rendimentos que o arguido auferia à data do julgamento já eram modestos, e dificilmente permitiam pagar as despesas do seu agregado familiar, a partir do momento em que o arguido foi despedido, e estando a sua companheira também desempregada, o subsídio de desemprego que aquele auferia era a única fonte, ainda assim insuficiente, de rendimentos de toda a família, pelo que o arguido deixou de ter meios que lhe permitissem pagar a multa.

X- Deveria, assim o tribunal a quo ter concluído que a falta de pagamento da multa não havia procedido de culpa do arguido, com os efeitos legais, designadamente os previstos no art.° 49°-3 do CP, conforme o arguido requereu em 27/09/2013.

XI- A decisão recorrida de 26/09/2013, ao ter considerado validamente efectuadas as notificações que foram dirigidas ao arguido para uma morada que não era aquela que para esse efeito o arguido indicara no TIR, para além de ter consubstanciado um desrespeito pela norma do art.° 196°-3/c do CPP, não teve o cuidado de acautelar das consequências dessa mesma decisão: sendo tidas por legalmente efectuadas essas notificações, veio a ser mantida a prisão do arguido, sem que haja efectiva certeza de que o arguido havia tomado conhecimento de todos os actos processuais que através dessas notificações postais se pretendia fossem levados ao seu conhecimento.

XII- Ora, não pode na realidade ter-se por certo que ao arguido haja sido dado conhecimento, designadamente: (i) de que, no despacho de 21/03/2012, havia sido decidido autorizar o pagamento pelo arguido da multa em que foi condenado em 10 (dez) prestações mensais e sucessivas; (ii) de que, não tendo sido pagas aquelas prestações (porquanto o arguido não tinha efectivamente recebido a respectiva notificação) havia sido decidido, em despacho de 04/10/2012, que ele deveria providenciar pelo pagamento atempado da multa, sob pena de se recorrer à cobrança coercitiva da mesma e de, em última instância, se converter a multa em prisão subsidiária; (iii) de que, por erroneamente ter sido considerado que, embora lhe tivesse sido deferido o pedido de pagamento em prestações, o arguido não tinha procedido ao pagamento da multa, nem tinha apresentado qualquer justificação para tanto, no despacho proferido em 30/05/2013 havia sido determinado o cumprimento da pena de prisão aplicada.

XIII - No entanto, ainda que se viesse a considerar que, com a menção da morada que fez em Audiência de Julgamento, o arguido pretendeu alterar a morada que, para efeitos de notificação por via postal simples, havia indicado aquando da prestação do TIR, mesmo assim deveriam ser revogadas as decisões recorridas.

XIV- Na verdade, por via do trânsito em julgado da decisão condenatória, extinguiu-se a medida de coacção aplicada ao arguido (TIR), ex vi do disposto no art.° 214°-l/e do CPP.

XV- Por via dessa extinção do TIR, o arguido condenado, para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea art.° 113º-l/c do CPP, deixa de estar obrigado a indicar a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha ou a mudança.

XVI- Cessada por essa via a obrigação que até então pendia sobre o arguido de comunicar ao tribunal onde se encontrava, ou se havia mudado de residência, o tribunal deixou de ter a certeza, que resultava da obrigação legal imposta pela medida de coacção entretanto extinta, que o arguido ainda residia no mesmo local e que podia notificá-lo através de via postal simples com prova de depósito.

XVII-  Assim, o tribunal deveria ter-se munido de especiais cautelas, optando por outra forma de levar ao conhecimento do condenado o conteúdo da decisão que o afectava - designadamente através da notificação pessoal do arguido (cfr. art.° 113º- 1/a).

XVIII- Do exposto resulta que todas as notificações posteriores à extinção do termo de identidade e residência devem ser efectuadas através de uma via que garanta a certeza de que o condenado teve conhecimento da decisão que afecta os seus direitos, liberdades e garantias, como é o caso, designadamente, da decisão que declara inviável a cobrança da multa, e ordena o cumprimento da pena de prisão.

XIX- No art.49° do CP, prevê-se a substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano por multa ou outra pena não privativa da liberdade, estabelecendo o art.° 43°-2 do CP que, no caso de a multa não ser paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença, determinando a aplicação do regime previsto no art. 49°-3 do CP.

XX- Em razão da importância daquele despacho, designadamente pelo facto de constituir uma modificação do conteúdo decisório da sentença condenatória proferida nos autos, com repercussão na liberdade do arguido condenado (valor que num Estado de Direito Democrático que é mester salvaguardar), deve entender-se que a notificação do indicado despacho deve ser efectuada ao defensor e ao arguido.

XXI- Com efeito, nos casos em que posteriormente ao trânsito em julgado da sentença condenatória, a decisão versa sobre a não execução da pena de substituição, e o cumprimento da pena de prisão aplicada, é ainda a sentença condenatória que está presente, tratando-se da sua execução, pelo que deve tal decisão ser notificada ao defensor e ao arguido, tal como sucede com aquela sentença.

XXII- Ora, estando excluída a notificação por editais e anúncios, por via postal simples ou por via postal registada, restava a possibilidade de notificação pessoal do condenado (cfr. art.113.º-l/a).

XXIII- Por conseguinte, tendo as supostas notificações ao arguido sido feitas por via postal simples, ainda para mais para morada diversa da que para o efeito aquele havia indicado, todas essas notificações são nulas (cfr. art.ºs 196°-2-3/c e 113°-l/c-3, art.ºs 113.º-l/a, 113.°-9, 214°-l/e, 61° e 120° do CPP e art.ºs 43°-2 e 49°-3 do CP), com os efeitos legais.

XXIV- Caso assim se não entendesse, e viessem a ser interpretadas e aplicadas as normas dos art.ºs 196°-2-3/c e 113°-l/c-3, art.ºs 113°-l/a, 113°-9, 214º-l/e, 61° e 120° do CPP e art.ºs 43°-2 e 49°-3 do CP no sentido de que, não obstante terem sido enviadas para morada diversa da indicada pelo arguido nos termos previstos nos art.ºs 196°-2-3/c e 113°-l/c-3 do CPP, sem que este tenha previamente, nos termos previstos na segunda parte daquele art.° 196°-3/c, indicado outra morada, são válidas todas as notificações remetidas ao arguido até à prisão deste, então sempre teriam de ter-se por violados princípios basilares do processo penal (desde logo, o princípio do contraditório) e os direitos dos arguidos que encontram consagrados no art.° 61° do CPP, e direitos de defesa e princípios que se encontram constitucionalmente consagrados (cfr. art.° 32° da CRP), também com os efeitos daí decorrentes

Nestes termos, nos melhores de direito, e com o sempre douto suprimento de V. Exas, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, deverão ser revogadas as decisões recorridas, com os efeitos legais, com o que se fará a habitual Justiça!

O Ministério Público na Comarca do Baixo Vouga respondeu ao recurso interposto pelo arguido A...., pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção integral dos dois despachos recorridos.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder, mantendo-se integralmente as decisões recorridas.

            Foi dado cumprimento ao disposto no art.417.º, n.º 2 do C.P.P..

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            O requerimento do arguido, datado de 25 de Setembro de 2013 e constante de folhas 148 a 151 dos autos, tem o seguinte teor:

« 1.°- O arguido foi detido e conduzido ao EPR de Aveiro no dia de ontem, 23/09/2013, em cumprimento de mandado de detenção para cumprimento de pena emitido em 04/09/2013.

2.°- O arguido havia sido condenado na pena de onze meses de prisão., substituída por 330 dias de multa, à taxa diária de 6,00€, num total de €1.980,00, multa esta que até ao presente não foi paga.

3.°- O aludido mandado foi emitido em cumprimento do determinado no douto despacho proferido em 30/05/2013, no qual, por não ter sido efectuado o pagamento da multa e ter sido considerada como inviável a execução coerciva da mesma, se determinou «o cumprimento da pena de prisão aplicada» ao arguido.

4.°- Sucede que, salvo o devido respeito, que é muito, tal decisão não podia ter sido proferida.

VEJAMOS:

5.°- No Termo de Identidade e Residência (TIR) que prestou em 16/07/2013, e cujo teor aqui se dá por reproduzido, encontra-se indicada como morada do arguido «Urbanização Quinta do Olho de água, BL A 7, 5º B», como o código postal «3800 320 AVEIRO» (cfr. fls. 5).

6.°- Na parte do mesmo TIR destinada à indicação da «Morada para notificações», conforme o previsto no art.196.º-2 do CPP, consta a menção «A mesma» (cfr. fls 5).

7.°- Daí resulta que o arguido indicou como sua morada, para efeitos de ser notificado nos termos das disposições combinadas das normas dos art.ºs 196.°-2, 196.º-3/c, 113.°-l/c e 113.°-3 do CPP, a «Urbanização Quinta do Olho de água, BLA 7, 5°B» «3800 320 AVEIRO».

8.°- Todavia, compulsados os autos após a prisão do arguido, verifica-se que todas as notificações que este Tribunal dirigiu ao arguido - incluindo aquela através da qual pretendia dar-se conhecimento ao arguido do despacho de 30/05/2013, conforme resulta do teor de fls. 137 — não foram remetidas para a morada por ele escolhida para esse efeito, mas antes para «Bloco A 3, 6o Andar, C, Urbanização Quinta do Olho de Água» «3800-000 Esgueira - Aveiro».

9°- É certo que, na Audiência de Julgamento que teve lugar em 26/07/2011, o arguido referiu residir nesta última morada: «Bloco A 3, 6º Andar, C, Urbanização Quinta do Olho de Água, 3800 Esgueira - Aveiro» - cfr. Acta dessa Audiência de Julgamento, que aqui se dá por reproduzida.

10.º-  Todavia, essa indicação de morada feita em Audiência de Julgamento, nos termos em que foi feita, não só não se destinava a alterar a morada do arguido para efeitos de notificação, como, de todo o modo, não cumpria as formalidades que para tanto são exigidas por lei.

11.°- Com efeito, preceitua o art.° 196°-3/c do CPP que do TIR deve constar ter sido dado conhecimento ao arguido «[d]e que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada n.º n°2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento».

12.°- Ora, no caso dos autos, o arguido não procedeu nos termos previstos na segunda parte daquele art.° 196°-37c do CPP,

13.°- nem na Acta da Audiência de Julgamento consta ter o arguido pretendido alterar a anterior indicação da morada para efeitos de notificação por via postal simples.

14.°- Do exposto resulta que todas as notificações peio tribunal dirigidas ao arguido, designadamente (i) a datada de 14/11/2011 (cfr. fls. 55), através da qual se pretendia notificar o arguido do douto despacho de 11/11/2011; (ii) a datada de 04/01/2012, através da qual se pretendia notificar o arguido do douto despacho de 20/12/2012; (iii) a datada de 22/03/2013 (cfr. fls. 108), através da qual se pretendia notificar o arguido do douto despacho de 21/03/2012, a fls. 94-95; (iv) a datada de 08/10/2012 (cfr. fls. 116), através da qual, designadamente, se pretendia notificar o arguido do douto despacho de 04/10/2012, a fls. 113; (v) a datada de 31/05/2013 (cfr. fls. 137), através da qual se pretendia notificar o arguido do douto despacho de 30/05/2013; foram efectuadas para morada que não aquela que para o efeito havia sido indicada pelo arguido, em violação, pois, do disposto nas normas dos art.ºs 196°-2, 196°-3/c, 113º-l/c e 113°-3 do CPP, pelo que as mesmas se encontram enfermas de nulidade, que aqui expressamente se requer seja conhecida e declarada, com os efeitos legais.

15.°- Assim, tendo em consideração o que vem de ser alegado, não podem ter-se por legalmente efectuadas todas aquelas notificações que o Tribunal dirigiu ao arguido, pelo que, designadamente, não podia ter sido proferido o douto despacho de 30/05/2013, que determinou «o cumprimento da pena de prisão aplicada» ao arguido, por não ter sido efectuado o pagamento da multa e ter sido considerada como inviável a execução coerciva da mesma, devendo consequentemente ser essa decisão declarada inválido, e ordenada a libertação do arguido.

16.°- Para além dos 3 filhos menores que tinha aquando da realização da Audiência de Julgamento e da prolação da Sentença de 27/07/2011 (cfr. resulta do teor do ponto 7 dos factos julgados provados nessa Sentença, que aqui se dá por reproduzida), o arguido é actualmente pai de mais uma criança, um recém-nascido com apenas duas semanas de vida.

17.°- O seu agregado familiar, é assim, composto por ele próprio, pela sua companheira, e pelos 4 (quatro) filhos menores de ambos.

18.°- O subsídio de desemprego que o arguido aufere é a única fonte de rendimentos da sua família, porquanto a sua companheira está desempregada.

19.°- Caso tenha efectivamente que cumprir a pena de prisão, o arguido perderá o direito a receber o referido subsídio de desemprego, e a sua família, que já vivi a precariamente, ver-se-á privada de quaisquer meios de subsistência, e cairá na mais absoluta miséria.

20.°- É intenção do arguido, caso tal lhe venha a ser permitido, pagar de imediato a multa de € 61.980,00 que lhe havia sido aplicada em substituição da pena de prisão.

21.°- Para obter meios para tanto, o arguido solicitou a ajuda de familiares seus residentes no Reino Unido e no Brasil, e os fundos que assim solicitou ser-lhe-ão disponibilizados nos próximos dias.

22.°- Termos nos quais, subsidiariamente, e sem prescindir da nulidade supra arguida, requer a V. Ex.ª se digne ordenar, para efeitos de extinção da responsabilidade criminal, lhe seja permitido efectuar o pagamento da multa no valor de €1.980,00, para o que deverão ser emitidas as respectivas guias.»

Sobre este requerimento recaiu o despacho de 26 de Setembro de 2013, com o seguinte teor:

      « Fls. 148

No que respeita à regularidade das notificações operadas ao arguido, temos que o mesmo comunicou nova morada aos autos, ainda que não o tenha feito por escrito.

Como tal, pressupõe-se que deixou de residir na morada que indicou aquando da prestação de TIR.

Para além disso, na audiência de discussão e julgamento (a cuja audição se procedeu nessa parte), não foi referido pelo arguido que pretendesse continuar a receber as notificações na morada do TIR - sendo que nesse acto estava devidamente representado pelo respectivo defensor.

A lei não pressupõe que, comunicada nova morada aos autos, seja por que via for, tenha de ser prestado novo TIR (aliás decorre da própria medida de coacção que há obrigatoriedade de comunicação de alteração de morada se essa mudança ocorrer por período superior a cinco dias).

Todos os despachos proferidos nos autos foram igualmente notificados ao Ilustre defensor.

Em face do exposto, temos que os autos não padecem de qualquer nulidade ou irregularidade, razão pela qual se indefere o requerido nesta parte.

Quanto ao demais requerido, temos que o arguido regularmente notificado da revogação da pena de substituição teve ainda o prazo de 30 dias (correspondente ao período de trânsito em julgado) para proceder ao pagamento da pena de substituição e nada fez (já para não referir a dilação temporal ocorrida desde a data em que requereu o pagamento da pena em prestações, o que foi deferido, e a data em que foi revogada a pena substitutiva).

Por outro lado, temos que sendo a pena principal a de prisão, que foi substituída por multa, aquela não tem o mesmo tratamento que a prisão subsidiária no que tange ao incumprimento.

Ainda que se pudesse entender de forma diferente, haverá que referir que, para além da jurisprudência citada na promoção que antecede, foi já uniformizada jurisprudência pelo STJ (acórdão datado de 18-09-2013, ainda não transitado em julgado) que esclarece a questão ao determinar que:

“transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, nos termos do artigo 43°, n°s 1 e 2 do CP, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no n.°2 do artigo 49° do CP'.

Em face de todo o exposto, indefere-se o requerido pelo arguido, determinando-se que o mesmo cumpra o período de 11 meses de prisão à ordem dos presentes autos.

Notifique.

Após abra vista para efeitos de contagem do tempo de prisão. ».

Em 27 de Setembro de 2013 o arguido A.... apresentou um novo requerimento, constante de folhas 163 a 165 dos autos, em que expôs e requereu o seguinte:

« 1.°- Sem prescindir do que alegou quanto à nulidade das notificações que lhe foram dirigidas após a Audiência de Julgamento, as quais efectivamente não foram por si recebidas, o arguido vem informar que, de todo o modo, a sua situação económica não lhe teria permitido efectuar o pagamento da multa de 61.980,00,

2.°- Caso efectivamente tivesse recebido tais notificações, o arguido não teria deixado de, designadamente, informar em juízo que o não pagamento da multa não procedia de culpa sua.

3.°- Com efeito, se à data do julgamento o arguido era funcionário da sociedade “FUNFRAP - FUNDIÇÃO PORTUGUESA, S.A.”, a verdade é que veio a perder esse emprego, sem que tenha logrado obter outro trabalho.

4.°- Aliás, tal resulta dos elementos obtidos por consulta às bases de dados da Segurança Social em 12/04/2013, a fLs. dos autos, aí constando, enquanto «Situação do Beneficiário», a menção «Com subsidio de desemprego: Sim».

5.°- Ora, se os rendimentos que auferia à data do julgamento já eram modestos, e dificilmente permitiam pagar as despesas do seu agregado familiar (o qual, conforme se referiu, é composto por ele próprio, pela sua companheira, e pelos 4 filhos menores de ambos),

6.°- A partir do momento em que o arguido foi despedido, e estando a sua companheira também desempregada, o subsídio de desemprego que aquele auferia era a única fonte - ainda assim insuficiente - de rendimentos de toda a família, pelo que o arguido deixou de ter meios que lhe permitissem pagar a multa.

7.°- Por todo o exposto, deverá concluir-se que a falta de pagamento da multa não procedeu de culpa do arguido, com os efeitos legais - designadamente os previstos no art.° 49°-3 do CP.

8.°- Apenas com a ajuda dos seus familiares residentes no Reino Unido e no Brasil é que o arguido poderá dispor de condições para efectuar o pagamento da multa, o que aqui se novamente se requer,

9.°- Sendo certo que, como antes se afirmou, caso o arguido tenha efectivamente que cumprir a pena de prisão, perderá o direito a receber o referido subsídio de desemprego, e a sua família, que já vivia precariamente, ver-se-á privada de quaisquer meios de subsistência, e cairá na mais absoluta miséria.

Assim,     em complemento do alegado no requerimento que antecede, consigna-se que a falta de pagamento da multa não procedeu de culpa do arguido (o que poderá ser comprovado, designadamente, através da diligência probatória infra requerida), no mais se concluindo nos termos constantes do requerimento do arguido ajuizado em 24/09/2013.

P. a V. Ex.n deferimento,

Sobre este requerimento recaiu o despacho de 30 de Setembro de 2013, em que se consigna:

« Fls. 163: nada a determinar, dando-se por reproduzido o despacho proferido a fls. 158, que se mantém válido.».

*
                                                                        *
                                                  
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso .

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do arguido A.... as  questões a decidir são as seguintes:

- se todas as notificações dirigidas pelo Tribunal ao arguido,  após a audiência de julgamento , enfermam de nulidade, por haverem sido efectuadas para morada que não aquela que para o efeito havia sido indicada pelo arguido;  

-  se, tendo-se extinguido a medida de coacção aplicada ao arguido (TIR), por via do trânsito em julgado da decisão condenatória, restava ao tribunal a possibilidade de notificação pessoal do arguido para levar ao seu conhecimento o conteúdo da decisão que o afectava; e

- se o tribunal a quo, em face do requerimento do arguido de 27/09/2013, deveria ter concluído que a falta de pagamento da multa não havia procedido de culpa deste o arguido, com os efeitos legais, designadamente os previstos no art.49.°, n.º3 do CP, e ter permitido o pagamento da multa.

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            Passemos ao conhecimento da primeira questão.

            A decisão deste questão impõe, antes do mais, que se façam algumas considerações sobre as normas jurídicas pretensamente violadas nos despachos recorridos e sobre o disposto no art.342.º do Código de Processo Penal, uma vez que foi em audiência de julgamento, no âmbito da identificação do arguido, que este indicou uma outra residência, que não a que constava do TIR.

O art.196.º, do Código de Processo Penal, sob a epigrafe “ Termo de identidade e residência”, estabelece, nomeadamente o seguinte:

« 1 - A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.º

2 - Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.

3 - Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:

a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;

b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;

c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento; ».

Com este preceito visa-se fixar no processo a “identidade” e “residência” do arguido, com a consequente colocação do mesmo à disposição do Tribunal.

Entre as obrigações do arguido realçamos, com interesse para a decisão em apreciação, a obrigação do mesmo não mudar de residência sem comunicação do lugar onde pode ser encontrado.

Neste âmbito, o n.º2 do art.196º do C.P.P., introduzido pela Lei n.º 59/98, de 25/8, permite ao  arguido que possa ser notificado em local diferente do da sua residência.  O DL n.º320-C/2000, de 15/12, apesar de ter dado uma nova redacção ao mencionado preceito na redacção dada pela Lei n.º 59/98, manteve aquela faculdade concedida ao arguido.

Uma vez que as notificações posteriores à prestação do TIR serão feitas por via postal simples para a morada indicada pelo arguido como sendo a sua residência ou para outro domicilio à sua escolha, o legislador tomou particulares cautelas no modo de comunicação da mudança de  direcção ou domicílio fixadas no TIR, exigindo que seja feita por requerimento entregue na secretaria ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento.

Deste modo assegura-se que o Juiz e ao Ministério Público têm conhecimento real, e não apenas presumido, de que o arguido mudou a sua residência ou indicou outro domicilio à sua escolha, para onde serão dirigidas as comunicações das decisões que resultam do seu estatuto de arguido.

Em complemento ao referenciado no n.º2 do art.196.º, o art.113.º, do mesmo Código, estabelece sob a epigrafe “Regras gerais sobre notificações”, nomeadamente, o seguinte:

« 1 - As notificações efectuam-se mediante:

    a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;

    b) Via postal registada, por meio de carta ou aviso registados;

    c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos; ou

    d) Editais e anúncios, nos casos em que a lei expressamente o admitir.

  (…)

3 - Quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota no processo com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa de correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, considerando-se a notificação efectuada no 5.º dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal, cominação esta que deverá constar do acto de notificação.

8 - O notificando pode indicar pessoa, com residência ou domicílio profissional situados na área de competência territorial do tribunal, para o efeito de receber notificações. Neste caso, as notificações, levadas a cabo com observância do formalismo previsto nos números anteriores, consideram-se como tendo sido feitas ao próprio notificando.».

Por fim, o Código de Processo Penal, na redacção vigente à data da realização da audiência de julgamento - 26 de Julho de 2011 -, dispunha no seu art.342.º, epigrafado “identificação do arguido”, o seguinte:

   «1 - O presidente começa por perguntar ao arguido pelo seu nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, local de trabalho e residência, sobre a existência de processos pendentes e, se necessário, pede-lhe a exibição de documento oficial bastante de identificação.

    2 - O presidente adverte o arguido de que a falta de resposta às perguntas feitas ou a falsidade da mesma o pode fazer incorrer em responsabilidade penal.».

Com a revisão do Código de Processo Penal levada a cabo pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, foi eliminado do texto do n.º1 do art. 342.º, a referência à “existência de processos pendentes”, pelo que o dever de identificação do arguido deixou de incluir os seus antecedentes criminais.

A falsidade das declarações pelo arguido, em audiência de julgamento, sobre, designadamente, a sua residência, integra a prática do crime p. e p. pelo art.359.º do Código Penal. 

Na perspectiva do arguido A.... todas as notificações dirigidas pelo Tribunal ao arguido, após a audiência de julgamento, foram feitas em violação do disposto nos artigos 196.°, n.º 2, 196.°, n.º 3, al. c), 113.º, n.ºs 1, alínea a) e c), 3 e 9 do C.P.P., alegando para este efeito e em síntese, o seguinte:

- O arguido prestou TIR em 16 de Julho de 2011 ( por lapso refere o ano de 2013) e, conforme resulta de folhas 5 dos autos, indicou como morada a «Urbanização Quinta do Olho de água, BL A 7, 5º B», como o código postal «3800 320 AVEIRO»;

Na parte do mesmo TIR destinada à indicação da «Morada para notificações», conforme o previsto no art.196.º-2 do CPP, consta a menção «A mesma»;

- Na audiência de Julgamento que teve lugar em 26/07/2011, o arguido referiu residir em «Bloco A 3, 6º Andar, C, Urbanização Quinta do Olho de Água, 3800 Esgueira - Aveiro», como se verifica da acta dessa audiência;

- Todavia, essa indicação de morada, não só não se destinava a alterar a morada do arguido para efeitos de notificação, como não cumpria as formalidades que para tanto são exigidas por lei, uma vez que o art.196°, n.º 3, al.c) do C.P.P. estabelece que a comunicação de outra morada deve ser realizada « através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrarem a correr nesse momento»;

- Do exposto resulta que todas as notificações peio tribunal dirigidas ao arguido para a morada referida na audiência de julgamento - designadamente a datada de 14/11/2011 (cfr. fls. 55), através da qual se pretendia notificar o arguido do douto despacho de 11/11/2011; a datada de 04/01/2012, através da qual se pretendia notificar o arguido do douto despacho de 20/12/2012; a datada de 22/03/2013 (cfr. fls. 108), através da qual se pretendia notificar o arguido do douto despacho de 21/03/2012, a fls. 94-95; a datada de 08/10/2012 (cfr. fls. 116), através da qual, designadamente, se pretendia notificar o arguido do douto despacho de 04/10/2012, a fls. 113; e a datada de 31/05/2013 (cfr. fls. 137), através da qual se pretendia notificar o arguido do douto despacho de 30/05/2013 - enfermam de nulidade , uma vez que foram efectuadas para morada que não aquela que para o efeito havia sido indicada pelo arguido;

- Consequentemente, sendo inválido o douto despacho de 30/05/2013, que determinou «o cumprimento da pena de prisão aplicada» ao arguido por não ter sido efectuado o pagamento da multa e ter sido considerada como inviável a execução coerciva da mesma, deve ser ordenada a libertação do arguido.

Vejamos.

Já atrás se deixou expresso que, no entendimento deste Tribunal da Relação, o art.196.º, n.º 3, alínea c), do C.P.P., pretendeu assegurar, através da entrega do requerimento de mudança de residência na secretaria ou da sua remessa por via postal registada para a secretaria onde se encontram os autos, que fica assegurado o conhecimento real, e não apenas presumido, daquela comunicação de mudança, uma vez que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada pelo próprio arguido.

Compulsados os presentes autos de recurso, deles resulta que o arguido Pedro Roberto indicou  no TIR, como sua morada, a «Urbanização Quinta do Olho de água, BL A 7, 5º B», com o código postal «3800 320 AVEIRO. Mais consta do TIR ter indicado para efeitos de notificações como morada « a mesma ».

No entanto, presencialmente, em audiência de julgamento, que teve lugar em 26/07/2011, o arguido comunicou ao Tribunal que residia em «Bloco A 3, 6º Andar, C, Urbanização Quinta do Olho de Água, 3800 Esgueira - Aveiro».

Ou seja, o arguido A...., que não havia comunicado a mudança de residência indicada no TIR - quer através de entrega do requerimento de mudança de residência na secretaria, quer da sua remessa por via postal registada -, perante a advertência em julgamento de de responder com verdade sobre a sua “identificação”, sob pena de praticar um crime de falsas declarações , comunicou presencialmente ao Tribunal a sua nova residência.

Ao assim proceder, o arguido cumpriu, de modo válido, a obrigação de comunicação de mudança de residência que lhe era imposta na al.b), n.º3, art.196.º do Código de Processo Penal.

Feita esta alteração da mudança de residência, e referindo o arguido no TIR que pretendia ser notificado na “mesma morada” onde residia, não podia o Tribunal e a secretaria judicial, como qualquer declaratário normal, deixarem de atender a esta comunicação do arguido para efeitos das posteriores notificações a efectuar por via postal simples.

O que não seria razoável e violaria o espírito da lei, seria o Tribunal e a secretaria judicial, ignorarem comunicação de alteração da residência e, sem que o arguido tenha escolhido um outro domicilio que não o mencionado na audiência de julgamento, continuarem a fazer-se as posteriores notificações para a primitiva morada, onde o arguido comunicou já não residir.

Perante o exposto, entendemos que as notificações dirigidas pelo Tribunal a quo ao arguido A...., após a audiência de julgamento - designadamente a datada de 14/11/2011 (cfr. fls. 55), para o notificar do douto despacho de 11/11/2011; a datada de 04/01/2012, para o notificar do douto despacho de 20/12/2012; a datada de 22/03/2013 (cfr. fls. 108), para o notificar do douto despacho de 21/03/2012, a fls. 94-95; a datada de 08/10/2012 (cfr. fls. 116), para o notificar o do douto despacho de 04/10/2012, a fls. 113; e a datada de 31/05/2013 (cfr. fls. 137), para o notificar do douto despacho de 30/05/2013 -, não foram feitas em violação do disposto nos artigos 196.°, n.º 2, 196.°, n.º 3, al. c), 113.º, n.ºs 1, alínea a) e c), 3 e 9 do C.P.P., nem, consequentemente, enfermam de nulidade.

Improcede, assim esta primeira questão.

-

Segunda questão.

Ainda no âmbito da validade das notificações que lhe foram efectuadas, defende o arguido A.... que ainda que se viesse a considerar que com a referência à nova morada, feita em audiência de julgamento, se alterou a morada para efeitos de notificação, devem os despachos recorridos serem revogados.  

Alega para o efeito, que face ao disposto no art.214.º, n.º1, al.e), do C.P.P., por via do trânsito em julgado da decisão condenatória, extinguiu-se a medida de coacção de TIR aplicada ao arguido. Tendo cessado a obrigação de comunicar ao tribunal onde se encontrava, ou se havia mudado de residência, o tribunal deixou de ter a certeza que o arguido ainda residia no mesmo local e que podia notificá-lo através de via postal simples com prova de depósito.

Assim, o tribunal deveria ter-se munido de especiais cautelas, optando por outra forma de levar ao conhecimento do condenado o conteúdo da decisão que o afectava através da notificação pessoal do arguido a que alude o art.113.º, n.º1, alínea a), do C.P.P..

Caso viessem a ser interpretadas e aplicadas as normas dos art.ºs 196°-2-3/c e 113°-l/c-3, art.ºs 113°-l/a, 113°-9, 214º-l/e, 61° e 120° do CPP e art.ºs 43°-2 e 49°-3 do CP no sentido de que, não obstante terem sido enviadas para morada diversa da indicada pelo arguido nos termos previstos nos art.ºs 196°-2-3/c e 113°-l/c-3 do CPP, sem que este tenha previamente, nos termos previstos na segunda parte daquele art.° 196°-3/c, indicado outra morada, são válidas todas as notificações remetidas ao arguido até à prisão deste, então sempre teriam de ter-se por violados princípios basilares do processo penal, desde logo, o princípio do contraditório e os direitos dos arguidos que encontram consagrados no art.61.° do C.P.P., e direitos de defesa e princípios que se encontram constitucionalmente consagrados no art.32.° da CRP, também com os efeitos daí decorrentes.

Vejamos.

O art.113.º, n.º 9 do Código de Processo Penal, estabelece que « As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.».

Resulta desta norma que, em regra, as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas apenas ao respectivo defensor ou advogado.

Já os actos abrangidos na ressalva da segunda parte da norma, têm de ser notificados quer ao respectivo sujeito processual quer ao respectivo defensor ou advogado.

A razão de ser da exigência de notificação da sentença, tanto ao arguido como ao seu defensor, é garantir um efectivo conhecimento do seu conteúdo ao arguido independentemente da obrigação do seu defensor lho comunicar, em ordem a decidir se a impugna ou não a decisão. 

No caso em apreciação, os despachos judiciais de 11/11/2011, de 20/12/2012, de 21/03/2012, de 04/10/2012, e de 30/05/2013, não constituem uma decisão instrutória, designação de dia para julgamento ou sentença, nem respeitam à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial, pelo que prima facie, poderia entender-se que não necessitariam de ser notificados ao arguido, para além da notificação que deles foi feita ao seu defensor.

Entendemos, porém, que as razões em que encontra fundamento a exigência de notificação da sentença são transponíveis pelo menos para o despacho de 30/05/2013, que determina o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, em vista das consequências que implicam para o arguido condenado.

Dado o paralelismo entre a sentença condenatória e o despacho que determina o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, deve fazer-se uma interpretação extensiva do termo “sentença” mencionado no n.º9 do art.113.º do C.P.P., de modo a abranger aquela decisão gravosa para a liberdade do arguido.

O Tribunal a quo também assim o deverá ter entendido, uma vez que o teor dos despachos em causa, posteriores à sentença, foram notificados ao Ex.mo Defensor do arguido, e ainda enviados por via postal simples quer ao arguido, para a nova morada que o mesmo indicou ao Tribunal em audiência de julgamento.

Posto isto, importa decidir se a notificação dos despachos em causa, designadamente o despacho de 30/05/2013, tinha de ser notificado ao arguido pessoalmente por se haver extinguido a medida de coacção aplicada ao arguido (TIR), por via do trânsito em julgado da decisão condenatória.

O art.214.º, do mesmo Código, estabelecia à data da prolação da sentença, designadamente o seguinte: 

« 1 - As medidas de coacção extinguem-se de imediato:

       e) Com o trânsito em julgado da sentença condenatória

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2010, de 21/5, in DR nº99, 1ª Série de 21-05-2010, proferido a propósito da decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão, fixou a seguinte jurisprudência:

« I. Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado. II. O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de «as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada»). III. A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de «contacto pessoal» como a «via postal registada, por meio de carta ou aviso registados» ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Penal]

Considerou-se aí, nomeadamente, que sendo « o TIR uma medida de coacção enquanto fonte de restrições à liberdade do arguido, ao desaparecer enquanto medida de coacção com o trânsito em julgado da condenação, o que desaparecem são aquelas restrições à liberdade, mas não necessariamente o resto; a partir do momento em que alguém assumiu a condição de arguido, enquanto ela se mantiver (como arguido indiciado, acusado, pronunciado ou condenado), ou seja até ao fim do processo, ele sabe que as notificações serão para a última morada que indicou exactamente com esse propósito; daí ser perfeitamente possível sustentar que a última morada (não modificada) constante do TIR, continua a ser aquela para onde deve ser notificado, mesmo que, aquilo que de medida de coação existia no TIR, se tivesse extinto; e porque a revogação da suspensão da execução da pena se integra ainda, apesar de tudo, num procedimento de notificação da sentença, é para aí que o arguido deve ser notificado e por via postal simples»”,

O Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 109/2012, decidiu já « Não julgar inconstitucional a norma dos artigos 113.º, n.º 3, e 196.º, n.º 3, alíneas c) e d) do CPP, interpretados no sentido de que a notificação do despacho revogatório da suspensão [da execução da pena de prisão, condicionada à frequência do programa STOP, aplicada por crime de condução em estado de embriaguez] ao arguido, por via postal simples, com depósito na morada fornecida aquando da prestação de termo de identidade e residência, a par da notificação ao defensor nomeado, é suficiente para desencadear o prazo dos meios de reação contra o despacho revogatório.».[4]

O Tribunal da Relação subscreve este entendimento jurisprudencial pelas razões aduzidas quer no acórdão do STJ n.º 6/2010, quer no acórdão do TC n.º 109/2012 e, pelo paralelismo que existe com a situação do arguido a quem foi aplicada na sentença uma pena de prisão substituída por multa, entendemos, tal como as decisões recorridas, que enquanto a mesma não for declarada extinta, embora desapareçam com a prolação da sentença as restrições à liberdade que resultam da medida coactiva de TIR, mantém-se obrigações até à extinção da pena, como a de informação do local onde o arguido pode ser notificado por via postal simples.[5] 

Esta posição jurisprudencial veio a ter consagração legal no art.214.º, n.º1, Código de Processo Penal, através da alteração nele introduzida pela Lei n.º 20013, de 21 de Fevereiro, que passou a estabelecer, na sua alínea e), que as medidas de coacção se extinguem de imediato «Com o trânsito em julgado da sentença condenatória, à exceção do termo de identidade e residência que só se extinguirá com a extinção da pena.».

A alteração legal reforça o entendimento de que, mesmo na redacção vigente à data da comunicação da mudança de morada por parte do arguido, era adequado, em face da letra e do espírito da lei, considerar-se que o arguido condenado em pena de prisão substituída por multa continuava afecto, quando foi ordenado o cumprimento da prisão aplicada na sentença, à obrigação de indicar a morada para onde seriam feitas, por via postal simples, as notificações que lhe devem ser dirigidas. 

As notificações dos despachos proferidas após a leitura da sentença, foram feitas ao próprio arguido A.... – para além de terem sido feitas ao seu Ex.mo Defensor –, por via postal simples, para a nova morada que o mesmo indicou presencialmente ao Tribunal em audiência de julgamento.

Uma vez que a lei processual penal não exige a notificação de tais despachos por contacto pessoal e admite a sua notificação ao arguido por «via postal simples» nos termos dos artigos 113.º, n.º1, al. c), 196.º, n.º 3, al. c) e 214.º, n.º1, al. e), do C.P.P., o Tribunal da Relação não  reconhece a violação destes ou outros preceitos ou princípios constitucionais indicados pelo recorrente nas conclusões da motivação como pretensamente violados pelos despachos recorridos.

Improcede, deste modo a segunda questão.

-

            Terceira questão.

Por fim, o recorrente A.... sustenta que o Tribunal a quo deveria ter concluído , conforme requereu em 27/09/2013, que a falta de pagamento da multa não havia procedido de culpa do arguido, com os efeitos legais, designadamente os previstos no art.49.°, n.º3 do CP, pelo que deveria ter permitido o pagamento da multa.

Também aqui não podemos reconhecer razão ao arguido.

No art.49.° do Código Penal, prevê-se a substituição da pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano por multa ou outra pena não privativa da liberdade, estabelecendo o art.43.°, n.º 2 do CP que, no caso de a multa não ser paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença, determinando a aplicação do regime previsto no art. 49.°, n.º3 do CP.

Como o primeiro dos despachos recorridos assinala, foi uniformizada jurisprudência, pelo acórdão STJ, de 18-09-2013, no sentido de que «Transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, nos termos do artigo 43°, n°s 1 e 2 do CP, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no n.°2 do artigo 49° do C.P.».

O arguido A.... regularmente notificado do despacho de 30 de Maio de 2013, constante de folhas 134, que ordenou o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, nos termos do artigo 43°, n°s 1 e 2 do Código Penal, deixou transitar em julgado esta decisão.

Tendo transitado em julgado o despacho de 30 de Maio de 2013 em data anterior àquelas em que o arguido formulou o seu requerimento de 25 de Setembro de 2013, complementado pelo requerimento de 27 de Setembro de 2013, não merece qualquer censura o indeferimento do pedido de pagamento da multa determinado nos despachos recorridos, respectivamente, de 26 e 30 de Setembro de 2013, pois nestas datas era já irrelevante o pagamento posterior da multa de substituição por forma a evitar o cumprimento da pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no n.°2 do artigo 49° do C.P..

Assim, improcedendo também esta questão, mais não resta que manter os doutos despachos recorridos e negar provimento ao recurso.

            Decisão

       

             Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A.... e manter os doutos despachos recorridos.

             Custas pelo recorrente, fixando em 5 Ucs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

                                                                         *

Orlando Gonçalves - Relator

Alice Santos


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4] in D.R. n.º 72, Série II de 2012-04-11 

[5] O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15/05/2013, proc. n.º 36/10.3PTCBR.C1, decidiu, a propósito da conversão da pena de multa, aplicada a título de pena principal, em prisão subsidiária, que « A lei processual penal não impossibilita, antes permite, a notificação ao condenado, de despacho que, nos termos do disposto no artigo 49.º, n.ºs 1 e 4, do CP, determina o cumprimento, pelo mesmo, de prisão subsidiária, por via postal simples, na morada indicada no TIR.» - in www.dgsi.pt/trc.