Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9/13.4TBCLB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
AUTO-ESTRADA
ANIMAL
CONCESSIONÁRIA
DEVER DE SEGURANÇA
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO DE CULPA
Data do Acordão: 04/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - CELORICO BEIRA - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: DL Nº 24/2007 DE 18/, DL Nº 142-A/2001 DE 24/4
Sumário: 1. Para que se mostre satisfeito o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, contido nº1 do artigo 12º do DL 24/2007, não é exigível a prova do concreto evento que levou à intromissão do animal na via e que tal processo lhe foi inteiramente alheio, sob pena de deturpação da natureza culposa da responsabilidade que incide sobre a concessionária.
2. Mas também não basta uma prova genérica do cumprimento de tais deveres de segurança, impondo-se a prova de terem cumprido, em concreto, os deveres de tráfego ajustados aos riscos que lhe cabe gerir: inspeções periódicas da rede de vedação seguidas das imediatas reparações que se apresentem necessárias, patrulhamentos permanentes de vigilância e rápida remoção de quaisquer obstáculos à circulação, controlo dos nós de acesso e entrada na autoestrada, etc..

3. Só no caso de se alcançar tal concreta prova do cumprimento dos seus deveres, o risco dos acidentes de causa ignorada correrá por conta dos utentes.

4. Esta exigência probatória não se satisfaz com a demonstração de que a vedação no sublanço onde ocorreu não apresentava ruturas à data do sinistro, ou que as patrulhas procederam a passagens no local sem terem detetado a presença de qualquer animal, sendo necessário algo mais, sobretudo atendendo à circunstância de os nós de acesso não terem qualquer barreira física.

Decisão Texto Integral:                                                                                                

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

C (…) intentou a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra A (…), S.A., para efetivação da responsabilidade civil por dano emergente de acidente de viação,

pedindo a condenação da ré no pagamento ao autor dos danos materiais com a reparação do veículo, no montante de 5.279,40 €, e utilização de veículo de substituição no valor de 483,30 €, bem como  em montante não inferior a 1.500,00 € pelos danos morais sofridos pelo autor,

alegando, para tal e em síntese, que no dia 18 de janeiro de 2010, o veículo do autor circulava na faixa direita da A25, quando embateu num javali que se encontrava na faixa de rodagem, o qual já tinha sido atropelado pelo veículo ligeiro de mercadorias que seguia à sua frente na faixa de rodagem, acidente que ficou a dever-se, única e exclusivamente, à omissão por parte da Ré, Concessionária da A25, do seu dever de vigilância, manutenção e conservação.

A Ré contesta alegando, em síntese, que a explicação mais plausível para a presença do animal na via, prende-se com o facto de o mesmo ter ingressado na autoestrada através de um dos nós ou ramos daquela, concretamente pelo nó de Celorico, cujo eixo se situa muito perto do local do acidente, concluindo com a afirmação de que procedeu com toda a diligência e cuidado que lhe era exigível, não lhe podendo, por isso, ser assacada qualquer culpa na produção do acidente em causa, pelo que deve a mesma ser absolvida do pedido.

Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, a julgar a ação parcialmente procedente, condenando a Ré, A (…)– Auto-Estradas (....), S.A., no pagamento ao autor da quantia total de 5.489,40 €.

Não se conformando com a mesma, a ré dela interpôs recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

(…)

O autor apresenta contra-alegações no sentido da manutenção do decidido.
Cumpridos que foram os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo[1] –, as questões a decidir são unicamente as seguintes:
1. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
3. Se a Ré logrou elidir a presunção de incumprimento dos deveres de segurança.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Defende a apelante que, sendo a sentença omissa quanto à matéria de facto por si alegada no art. 34º da sua contestação, não tendo considerado tais factos como “provados” ou como “não provados”, enferma da nulidade prevista no artigo 615º, nº1, al. d), do CPC.

A circunstância de o juiz não selecionar determinados factos alegados por uma das partes, para o efeito de os dar como provados ou não provados, por os considerar irrelevantes, por conterem expressões conclusivas, ou, até, porque deles não se apercebeu, não integra qualquer nulidade da sentença, nulidade que só se verificará num dos casos taxativamente previstos no artigo 615º do CPC.

Haverá, uma vez mais, que explicitar o sentido da nulidade prevista na al. d) do artigo 615º, que ocorre quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

“Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e todas as exceções invocadas ou as que oficiosamente lhe cabe conhecer, o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da sentença, que as partes hajam invocado[2]”.

Assim delimitado o âmbito da invocada nulidade, consistente na omissão de pronúncia, ter-se-á de concluir que a alegada circunstância de o facto de o juiz a quo não ter tido em consideração a matéria em causa – dando-a como provada, ou como não provada – (desconhecendo-se se, por o mesmo ter entendido tratar-se de matéria irrelevante, se por a achar conclusiva ou por integrar matéria de direito), não integrará a invocada nulidade.

Decidir se determinado facto é, ou não, relevante para algumas das soluções possíveis de direito, fará parte da apreciação de mérito da causa, contendendo com discordâncias de fundo relativamente à apreciação de direito efetuada pelo juiz a quo.

De qualquer modo, atentar-se-á em que o reconhecimento da nulidade com base em tal fundamento importaria, tão-somente, que este tribunal conhecesse da “questão” cuja apreciação foi omitida pelo juiz a quo, em conformidade com o disposto no nº1 do artigo 665º do CPC.

A circunstância de o tribunal a quo não ter considerado determinados factos, dando-os como “provados” ou como “não provados”, levará, nesta sede, não à nulidade da decisão ao abrigo do disposto na al. d), do nº1 do artigo 615º do CPC, mas sim, caso se venha a considerar tais factos como relevantes, que este tribunal deles conheça, ou à nulidade do julgamento para ampliação da matéria de facto, caso o processo não contenha os elementos necessários para a apreciação de tal matéria.

Não se verifica, assim, a invocada nulidade.

2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Insurge-se a Ré/apelante contra a decisão tomada pelo tribunal a quo relativamente ao facto constante do número 16 dos factos “provados”, com o seguinte teor:

“16. A vedação da A25, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1), e nas imediações do local encontrava-se sem falhas, ruturas ou abertas.”

Segundo a Apelante, o depoimento da testemunha (…) impunha que o tribunal fosse bem mais longe do que foi, concretizando a extensão da vedação da A25 que se encontrava em boas condições de segurança e conservação, dando-se a seguinte resposta à matéria por si alegada nos arts. 23 e 24 da sua contestação:

A vedação da A25 encontrava-se, na data do sinistro, e numa extensão de cerca de 12 km, correspondente a toda a extensão do sub-lanço onde eclodiu o acidente, em ambos os sentidos de marcha daquela A25, em boas condições de segurança e conservação, ou seja, sem falhas, ruturas e/ou aberturas”.

Antes de mais, haverá que salientar que, encontrando-se em causa a matéria alegada nos arts. 23º e 24º da contestação da Ré/Apelante Ascendi, o juiz a quo deu inteiramente como provada a matéria neles contante[3].

O juiz a quo fundamentou pelo seguinte modo por si dada a tal ponto da matéria de facto:

Relativamente ao facto constante do ponto 16) resultou o mesmo do depoimento da testemunha (…) que vistoriou a vedação no próprio dia do acidente, após a ocorrência do mesmo, não tendo encontrado quaisquer anomalias na vedação, o que foi depois confirmado dois ou três dias depois, pelo funcionário da ré, (…) o qual se deslocou ao local, já de dia, e chegou à mesma conclusão.”

 Vejamos, então, se da conjugação dos dois referidos depoimentos se pode extrair uma resposta mais precisa do que a dada como provada pelo tribunal a quo, indo além do alegado pela própria parte.

A testemunha (…) auxiliar de conservação, afirmou que, não se tendo deslocado ao local do acidente quanto o mesmo ocorreu, foi chamado dois ou três dias depois para fiscalizar a vedação e que fizeram a pé todo o percurso de 12 km, partindo do meio do troço que vai de Celorico a Fornos, num sentido e noutro e não viram anomalia nenhuma, estava tudo bem. Contudo, tal verificação ocorreu, não no dia do acidente, mas 2 ou 3 dias depois; por outro lado, tal verificação ocorreu, não a partir do local do acidente (o que permitiria uma maior atenção ao espaço envolvente), mas do meio do troço. Ora, quanto ao observado no próprio dia do acidente, a testemunha (…)oficial de serviços de vigilância da Ré, afirmou que juntamento com o agente da BT, fizeram uma inspeção às vedações na altura, mais ou menos 500 m a partir do sítio onde estava o animal, 500m para a frente e 500 m para trás, caminhando a pé junto à vedação e as vedações estavam boas. Quanto ao agente da GNR que elaborou a participação dos acidentes, (…), afirmou não se lembrar se verificaram as vedações. Por fim, estranha-se, neste caso, a ausência de junção aos autos do auto de ocorrência a elaborar pela concessionária, do qual ficam normalmente a constar os procedimentos e inspeções então efetuados, auto que é dado a assinar igualmente aos intervenientes no acidente.

Concluindo, entendemos que a prova produzida nos autos não nos permitira ir mais além do que foi o juiz a quo, não nos merecendo a resposta por aquele dada ao ponto 16, qualquer censura.

Pretende o Apelante ver ainda aditada a matéria constante do art. 34º da sua contestação, com fundamento em que a mesma se mostra provada da conjugação do doc. por si junto como doc. 1, com o depoimento da testemunha (…)

É o seguinte o teor do art. 34º da contestação, cuja matéria o autor pretende ver aqui aditada:

A concessionária aqui Ré, obrigou-se, regra geral, i.e., em condições normais, a efetuar passagens de vigilância no mesmo local com o intervalo máximo de 3 (três) horas, salvo, naturalmente, se as condições de tráfego/circulação ou a eclosão de acidentes ou outro tipo de ocorrências o não permitirem”.

Sendo tal matéria confirmada pela testemunha (…) em conjugação com o teor do Manual de Procedimentos, Circulação e Segurança, proceder-se-á ao seu aditamento (embora a relevância da mesma seja relativa uma vez que respeita, não aos procedimentos adotados pela Ré, mas aos procedimentos a que esta “se obrigou”, quando o que poderia ter interesse era apurar se, nomeadamente no dia em causa, adotou, ou não, tais procedimentos).

Por fim, pretende a ainda a ré o aditamento dos seguintes factos, alegando tratar-se de factos instrumentais que o tribunal a quo deveria ter considerado, ao abrigo do disposto no artigo 5º, nº2, al. a), do CPC.

a) A colisão com o javali que se encontrava na via da direita da A25, nas circunstâncias de tempo e de lugar referidas em 1) e 2) ocorreu a uma distância de cerca de 30 a 50 metros do local onde estava imobilizado nessa via direita e com os quatro “piscas” ligados o veículo ligeiro de mercadorias a que se alude em 2);

b) Naquela ocasião não circulava qualquer outro veículo naquele local da A25, particularmente na via da esquerda, considerando o sentido de marcha Celorico da Beira/Fornos de Algodres.

Com os factos que a apelante pretende ver aditados – ponto do local de embate, local onde se encontrava imobilizada a outra viatura e ausência de trânsito na via da esquerda – pretende a Apelante demonstrar que o autor se podia ou devia ter imobilizado ou contornado o animal, evitando assim o acidente. Assim sendo, tendo sido dado como provado, nos pontos 6) e 8) da matéria de facto, que “o autor só se apercebeu do javali aquando da colisão do mesmo com o veículo por si conduzido, tendo de seguida imobilizado o veículo no lado direito da via”, e que não existia iluminação, factos estes que não foram objeto de qualquer impugnação, a matéria que a Apelante pretende ver aditada afigura-se irrelevante. Se o autor não se apercebeu do animal antes de lhe passar por cima, é óbvio que não lhe era exigível que imobilizasse o seu veículo ou o desviasse a fim de evitar o embate, tornando-se indiferente que a faixa da esquerda se encontrasse livre e desimpedida.

Concluindo, indefere-se a requerida apreciação da prova para fins de aditamento de tais factos.

*
A. Matéria de Facto
São os seguintes os factos dados como provados pelo juiz a quo, com o aditamento aqui introduzido relativamente ao ponto 21.a:
1) No dia 18/01/2010, pelas 19h20m, C (…) conduzia o veículo ligeiro de passageiros, marca Volvo, modelo VL/S60, com a matrícula (....)VX, na A25, no sentido Celorico da Beira/Fornos de Algodres, ao KM 132,900.
2) Circulava na faixa da direita da referida A25, no sentido Celorico da Beira/Fornos de Algodres, atrás de um veículo ligeiro de mercadorias.
3) Com as luzes dos médios acesas.
4) Na data, hora e local referidos em 1), encontrava-se um javali na faixa de rodagem onde circulava o veículo com a matrícula (....)VX e o veículo ligeiro de mercadorias.
5) O veículo ligeiro de mercadorias, que seguia à frente do autor, embateu no animal, sendo que o veículo do autor não se apercebeu da situação e embateu igualmente no referido animal.
6) O autor, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1) e 2), apenas se apercebeu do javali aquando da colisão do mesmo com o veículo por si conduzido, tendo de seguida imobilizado o veículo no lado direito da via.
7) E, por tal razão, não conseguiu imobilizar o veículo antes do embate.
8) Não existia iluminação.
9) Após o embate compareceram no local referido em 1) os funcionários da Ré, que recolheram um javali já morto, e a GNR que elaborou o auto de ocorrência junto a fls. 14 e segs.
10) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1) existiam, próximo do local do embate, os nós de Celorico.
11) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1), existiam vedações, em rede, que ladeavam a A25 nos dois sentidos Aveiro/Guarda e Guarda/Aveiro.
12) Nas circunstâncias de tempo referidas em 1), a A25 era uma auto-estrada sem custos para o utilizador, vulgo, sem portagens.
13) Nas circunstâncias de tempo referidas em 1), os nós de entrada e saída da A25 não eram fechados com barreiras físicas, nomeadamente, barreiras de portagem.
14) Os nós da A25, nas circunstâncias de tempo referidas em 1), permitiam a ligação daquela AE a estradas nacionais ou municipais, vias estas que não são vedadas.
15) A vedação da A25, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1), era uma vedação de malha progressiva (em arame), com fiadas de arame farpado nas suas partes inferior e superior, encontrando-se presa a prumos de madeira cravados no solo.
16) A vedação da A25, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1), e nas imediações do local encontrava-se sem falhas, ruturas e/ou aberturas.
17) Na data referida em 1), os funcionários da ré efetuaram mais do que um patrulhamento a toda a extensão da A25.
18) Um dos quais entre as 17h26m e as 18h25m.
19) Passaram mais do que uma vez no local referido em 1).
20) E não detetaram qualquer animal, designadamente um javali, nas imediações daquele local.
21) Os patrulhamentos referidos em 17) são efetuados pelos funcionários da ré, em regime de turnos, durante as 24 horas de cada dia e em todos os dias de cada ano.
21.a. A concessionária aqui Ré, obrigou-se, regra geral, i.e., em condições normais, a efetuar passagens de vigilância no mesmo local com o intervalo máximo de 3 (três) horas, salvo, naturalmente, se as condições de tráfego/circulação ou a eclosão de acidentes ou outro tipo de ocorrências o não permitirem.
22) A brigada de trânsito (BT) da GNR em serviço na rede da ré e/ou qualquer utente não comunicaram à central de comunicações da ré, na data referida em 1), a presença de algum cão nas imediações do local do sinistro.
23) Em consequência do embate, o veículo com a matrícula (....)VX teve de ser retirado da A25 através de reboque, por estar impedido de circular.
24) Em consequência do embate, o veículo com a matrícula (....)VX sofreu estragos, designadamente, na chapa de matrícula, na blindagem, no farol de nevoeiro, no farol esquerdo, na cobertura e reforço pára-choques e nos radiadores.
25) A sua reparação importou a quantia de 5.279,40€, paga pelo autor.
26) O veículo esteve imobilizado para reparação e impedido de circular durante cerca de três semanas.
27) No período de tempo referido em 26), o veículo não pôde ser utilizado.
28) Tal veículo era utilizado, diariamente, pelo autor, sendo que, cerca de 3 a 4 dias por semana no exercício da sua atividade profissional.
29) O autor não possuía outra viatura para substituir o veículo com a matrícula (....)VX durante o período de tempo referido em 26).
30) Em virtude do acidente, e desde a ocorrência do mesmo, o autor evita conduzir no local onde o acidente teve lugar.
31) Em virtude do acidente, e desde a ocorrência do mesmo, o autor evita conduzir de noite.
32) Na data referida em 1), a ré A (....)havia transferido, até ao limite de trinta milhões de euros, para a chamada (…), S.A. – Sucursal em Portugal, a sua responsabilidade civil pelos eventuais danos causados a terceiros em virtude da sua atividade, nos termos da apólice nº (....), conforme condições particulares e gerais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
33) Nos termos das condições particulares da apólice referida em 32), foi convencionado que, na anuidade de 2009/2010, por cada sinistro participado, a ré A (....)suportaria uma franquia de 5.000,00€.
*
B. O Direito

 1. Responsabilidade da Ré/Concessionária da A25.

Em sede de subsunção dos factos ao direito, a única discordância suscitada pela Ré/concessionária, nas suas alegações de recurso, respeita à sua responsabilidade relativamente ao acidente ocorrido na A25 na sequência de um embate entre a viatura do autor e um javali.

A sentença recorrida julgou verificada tal responsabilidade, considerando, em síntese, que a concessionária não conseguiu elidir a presunção de culpa que sobre si impendia por força do artigo 12º da Lei nº24/2007, de 18 de Julho, para cuja elisão não será suficiente a prova de procedimentos genéricos, exigindo-se a demonstração da forma como o animal se introduziu na via e que tudo fez para evitar o acidente.

Insurge-se a Ré contra tal entendimento, defendendo que o nº1 do artigo 12º da citada Lei não estabelece uma presunção de culpa em desfavor das concessionárias, implicando, tão só, uma inversão do ónus da prova que agora impende sobre as concessionárias, ónus da prova que no seu entendimento se mostra cumprido.

Com o presente recurso discute-se, assim, tão só, se a Ré A (....)logrou fazer a prova “do cumprimento das obrigações de segurança”, tal como é exigido pelo artigo 12º, nº1, da Lei nº 24/2007, de 18 de Junho.

Antes de respondermos a tal questão, faremos um breve enquadramento do tratamento que a jurisprudência e doutrina têm vindo a dar à questão em apreço.

 A responsabilidade civil das concessionárias de autoestradas por acidentes de viação ocorridos por falha objetiva de condições de segurança (na qual se incluem, quer os acidente ocorridos na sequência de introdução de animais, quer por objetos caídos na mesma) foi sendo objeto de larga indagação jurisprudencial e doutrinária, com inúmeras soluções jurídicas, desde os que optam pela responsabilidade contratual[4] (a partir da existência de um contrato inominado entre o utente e a Brisa, ou através da figura do contrato a favor de terceiro), aos que optam pela responsabilidade extracontratual [5](uns considerando que ao lesado incumbe a prova da culpa do autor da lesão, e outros defendendo a aplicação da presunção legal de culpa do nº1 do artigo 493º do CC), e ainda, por fim, aos que defendem a verificação de um concurso aparente de responsabilidades, extracontratual e contratual, conferindo ao lesado a possibilidade de optar por um ou por outro[6].

Tal discussão perdeu, contudo, algum do seu interesse, face à publicação da Lei nº 24/2007, de 18 de Junho, que entrou em vigor a 19 de Julho de 2007 e que veio definir os direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais ou itinerários complementares.

Dispõe no artigo 12º, nº1, do citado diploma:

1. Nas autoestradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário com consequências danosas para as pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, quando a respetiva causa diga respeito a:

a) Objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem;

b) Atravessamento de animais;

c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.

2. (…)

3. São excluídos do número anterior os casos de força maior, que diretamente afetem as atividades da concessionária e não imputáveis ao concessionário, resultantes de:

a) Condições climatéricas manifestamente excecionais, designadamente, graves inundações, ciclones ou sismos;

b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio;

c) Tumulto, subversão, actos de terrorismo, rebelião ou guerra.

Não tomando qualquer opção sobre a natureza obrigacional ou delitual da responsabilidade, a citada norma pôs a cargo das concessionárias o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, sempre que os acidentes digam respeito a objetos arremessados para a via ou existentes na faixa de rodagem [alínea a)], atravessamento de animais [alínea b)] e líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais [alínea c)].

Perante a referida norma, é agora líquido que, no caso de acidente de viação em autoestrada concessionada causado por alguma das circunstâncias descritas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 12º, cabe à concessionária o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança e não ao lesado demonstrar que tais obrigações não foram observadas.

Tal ónus da prova contém uma presunção indireta de incumprimento das obrigações de segurança por parte da concessionária, quanto aos acidentes causados pelos fatores de risco que lhe compete dominar.

A doutrina tem divergido sobre a natureza desta presunção – presunção de ilicitude, presunção de culpa ou mesmo ambas –, o que não é indiferente à solução final a dar ao caso em apreço, por contender com diferentes padrões de cuidado a exigir às concessionárias.

Menezes Cordeiro[7] referindo-se à opção do legislador de não recorrer ao termo civil comum (presunção de culpa), quer da responsabilidade obrigacional quer da delitual (artigos 799º, nº1 e 493º, do CC), sustenta que a presunção de incumprimento perante determinados factos configura algo de muito próximo da responsabilidade objetiva ou pelo risco: a menos que se exiba um “culpado”, relativamente ao qual qualquer prevenção fosse impossível, não se alcança como arcar com o “ónus da prova do cumprimento”.

Pedro Pires Fernandes[8] encara a inversão do ónus da prova a que se chegou do ponto da obrigação de meios: para se exonerar de responsabilidades, à concessionária bastará provar que cumpriu todas as obrigações que para si advêm do contrato de concessão ou, por outro lado, demonstrar que o incumprimento se ficou a dever a uma causa que lhe é de todo alheia. Segundo tal autor, tal presunção de incumprimento não envolve a imputação à concessionária de uma presunção de culpa na ocorrência do sinistro, uma vez que se tivesse sido essa a opção do legislador, a exoneração da concessionária só poderia ocorrer, sem contar com as possibilidades previstas no nº3, no caso de se provar o evento causal que conduziu à produção do acidente.

Para Rui Paulo Coutinho de Mascarenhas Ataíde[9], o nº1 do artigo 12 consagra uma presunção de ilicitude sobre a concessionária: cabe-lhe, agora, comprovar a correspondência entre a idoneidade das medidas que adotou para prevenir este tipo de acidentes ou remover as suas consequências e as exigências ditadas pelo critério do bonus pater familas. Em sua opinião, a Lei nº 24/2007 não contém um regime de responsabilidade civil objetiva, podendo a concessionária fazer a prova da ausência de culpa e não apenas nos casos de força maior. Os danos sofridos em consequência de sinistros causados por atravessamento de animais, manchas de óleo, pneus rebentados ou objetos espalhados nas vias de circulação, sendo todos eles inerentes à normal utilização das autoestradas, encontram-se sujeitos à presunção de culpa contida no art. 493º do CC[10] (pelos danos causados por coisas detidas pelas pessoas com o dever de as vigiar). A elisão de tal presunção faz-se mediante a demonstração de terem sido respeitados os deveres de comportamento exigíveis, sem que seja necessário provar o facto estranho que desencadeou o sinistro, uma vez que tais deveres fixam a medida do risco permitido.

Vejamos, então, se no caso em apreço, a Ré, enquanto concessionária da A25 deverá, ou não, ser civilmente responsabilizada pelos danos decorrentes do acidente em questão.

Os termos da concessão da construção, conservação e exploração de autoestrada designada por Beira Litoral/Beira Alta, eram, à data do acidente, os constantes do Anexo ao Decreto-Lei nº 142-A/2001, de 24 de Abril[11], das quais se destacam as seguintes:

“Base XXX, nº4. al. a) -  Vedação — a Auto-Estrada será vedada em toda a sua extensão, utilizando-se para o efeito tipos de vedações a aprovar pelo IEP. As passagens superiores em que o tráfego de peões seja exclusivo ou importante serão também vedadas lateralmente em toda a sua extensão;

Base XLV

1 - A Concessionária deverá manter as Autoestradas em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, realizando os trabalhos necessários para que a mesma satisfaça cabal e permanentemente o fim a que se destina.

(…) 4- A concessionária deverá respeitar os padrões de qualidade, designadamente para a regularidade e aderência do pavimento, conservação da sinalização e do equipamento de segurança e apoio aos utentes, fixados no Manual de Operação e Manutenção e no plano de controlo de qualidade”;

Base LIII nº2- A concessionária deverá estudar e implementar os mecanismos necessários para garantir a monitorização do tráfego, a identificação das condições climatéricas adversas à circulação, a deteção de acidentes e a consequente e sistemática informação de alerta ao utente, no âmbito da concessão (…)”.

Tem vindo a ser entendido que o dever da concessionária de “assegurar a circulação em boas condições de segurança e comodidade”, aliado ao dever de colocar vedações em toda a extensão da autoestrada e de assegurar a sua manutenção, legitima que, perante a presença de um animal na autoestrada, se possa presumir o incumprimento de tais deveres por parte da concessionária.

No caso em apreço, provada a ocorrência do acidente devido à existência de um javali na estrada, sem prova de culpa do condutor, encontram-se provados os seguintes factos, com interesse para o eventual afastamento da presunção de que o mesmo ocorreu por incumprimento dos deveres da Ré/concessionária:

4) Na data, hora e local referidos em 1), encontrava-se um javali na faixa de rodagem onde circulava o veículo com a matrícula (....)VX e o veículo ligeiro de mercadorias.

5) O veículo ligeiro de mercadorias, que seguia à frente do autor, embateu no animal, sendo que o veículo do autor não se apercebeu da situação e embateu igualmente no referido animal.

6) O autor, nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1) e 2), apenas se apercebeu do javali aquando da colisão do mesmo com o veículo por si conduzido, tendo de seguida imobilizado o veículo no lado direito da via.

7) E, por tal razão, não conseguiu imobilizar o veículo antes do embate.

8) Não existia iluminação.

9) Após o embate compareceram no local referido em 1) os funcionários da Ré, que recolheram um javali já morto, e a GNR que elaborou o auto de ocorrência junto a fls. 14 e segs.

10) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1) existiam, próximo do local do embate, os nós de Celorico.

11) Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1), existiam vedações, em rede, que ladeavam a A25 nos dois sentidos Aveiro/Guarda e Guarda/Aveiro.

12) Nas circunstâncias de tempo referidas em 1), a A25 era uma auto-estrada sem custos para o utilizador, vulgo, sem portagens.

13) Nas circunstâncias de tempo referidas em 1), os nós de entrada e saída da A25 não eram fechados com barreiras físicas, nomeadamente, barreiras de portagem.

14) Os nós da A25, nas circunstâncias de tempo referidas em 1), permitiam a ligação daquela AE a estradas nacionais ou municipais, vias estas que não são vedadas.

15) A vedação da A25, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1), era uma vedação de malha progressiva (em arame), com fiadas de arame farpado nas suas partes inferior e superior, encontrando-se presa a prumos de madeira cravados no solo.

16) A vedação da A25, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1), e nas imediações do local encontrava-se sem falhas, ruturas e/ou aberturas.

17) Na data referida em 1), os funcionários da ré efetuaram mais do que um patrulhamento a toda a extensão da A25.

18) Um dos quais entre as 17h26m e as 18h25m.

19) Passaram mais do que uma vez no local referido em 1).

20) E não detetaram qualquer animal, designadamente um javali, nas imediações daquele local.

21) Os patrulhamentos referidos em 17) são efetuados pelos funcionários da ré, em regime de turnos, durante as 24 horas de cada dia e em todos os dias de cada ano.

21.a. A concessionária aqui Ré, obrigou-se, regra geral, i.e., em condições normais, a efetuar passagens de vigilância no mesmo local com o intervalo máximo de 3 (três) horas, salvo, naturalmente, se as condições de tráfego/circulação ou a eclosão de acidentes ou outro tipo de ocorrências o não permitirem.

22) A brigada de trânsito (BT) da GNR em serviço na rede da ré e/ou qualquer utente não comunicaram à central de comunicações da ré, na data referida em 1), a presença de algum cão nas imediações do local do sinistro.

A jurisprudência e a doutrina têm vindo a divergir quanto ao grau de exigência da prova a efetuar pela concessionária com vista à elisão da presunção de incumprimento dos seus deveres.

A jurisprudência maioritária dos tribunais superiores[12], nomeadamente ao nível desta relação tem vindo a considerar não bastar à concessionária a demonstração de que foi diligente, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto que levou à intromissão do animal na via e que tal processo lhe foi inteiramente alheio.

Pela nossa parte, e embora reconhecendo serem as concessionárias quem em melhores condições se encontram para averiguar das circunstancias que rodeiam os acidentes com obstáculos na via, tarefa facilitada pela obrigatoriedade de confirmação das causas do acidente pelas autoridades policiais prevista no nº2 do art. 12º, da Lei nº 24/2007, não iremos tão longe, sob pena de estarmos agora a transferir agora a concessionária a tal prova diabólica ou impossível que anteriormente se atribuía ao lesado, deturpando a natureza culposa da responsabilidade que impende sobre aquela[13].

É entendimento comum na jurisprudência que não basta a prova genérica do cumprimento dos deveres de segurança para afastar a presunção de incumprimento contida no nº1 do artigo 12º[14].

E sobretudo, não satisfará esse ónus quando, como se afirmou já por este tribunal da relação[15], a concessionária se limita a alegar e a provar medidas gerais de segurança, isto é, medidas que não tiveram como fim específico prevenir a entrada de animais na via ou detetar a sua presença nela depois da entrada deles.

Como refere Rui Mascarenhas Ataíde, “compete, pois à concessionária comprovar que cumpriu os deveres no tráfego ajustados aos riscos que lhe cabe gerir: inspeções periódicas da rede de vedação seguidas das imediatas reparações que se apresentem necessárias, patrulhamentos permanentes de vigilância e rápida remoção de quaisquer obstáculos à circulação, controlo dos nós de acesso e entrada na autoestrada, etc.. Feita a prova de se terem cumprido em concreto os deveres impostos pela diligência normativa, o risco dos acidentes de causa ignorada corre, forçosamente, por conta dos utentes[16]”.

É óbvio que a obrigação de “assegurar permanentemente a circulação da AE em boas condições de segurança e comodidade”, não pode ter o sentido de lhe ser exigível uma omnipresença na autoestrada, bastando-nos a prova de comportamentos preventivos ou reparadores situados na faixa delimitada por aquilo que, de acordo com as circunstancias, seja razoavelmente exigível, “pode mostrar-se relevante a demonstração de um esforço que exteriorizem designadamente, os meios humanos e técnicos postos ao serviço das referidas obrigações de segurança, o modo como foram concretamente aplicados, a previsibilidade dos fenómenos causadores de risco para a circulação, as cautelas adotadas tendo em conta a maior ou menor previsibilidade ou os alertas que tenham sido dados[17]”.

Quanto ao modo como cumpriu os deveres impostos pela concessão, a concessionária alegou e provou que nas imediações do local do acidente, a vedação se encontrava sem falhas, ruturas ou aberturas e que nessa data efetuaram mais do que um patrulhamento a toda a extensão da A25, um dos quais entre as 17h e 26 e as 18h 25, bem como a periodicidade com que, em regra, procedem a tais patrulhamentos.

Ora, o certo é que, apesar da ausência de falhas na vedação e do patrulhamento efetuado, o animal se introduziu na Autoestrada, desconhecendo-se por onde o mesmo terá entrado e há quanto tempo já por lá andava, sendo que, nem sequer se encontra demonstrado que os referidos procedimentos genéricos adotados pela ré fossem adequados e suficientes para evitar a introdução de animais na via e à sua rápida remoção.

Os procedimentos exigíveis e o grau de cuidado necessário – tipo de vedação a adotar, periodicidade das inspeções às vedações, bem como a periodicidade dos patrulhamentos, etc. –, terão de ser aferidos em função das características da zona e do tipo de animais aí existentes.

É a concessionária quem em melhores condições se encontra para avaliar o risco de introdução de animais naquele troço da A25 – nomeadamente de animais de grande porte, como os javalis, com maior facilidade e capacidade para destruir ou contornar, ainda que por baixo, as redes de vedação –, e em consequência, tomar as providências necessárias a diminuir ao mínimo as hipóteses da sua introdução na autoestrada, alegando quais as providências por si tomadas, a fim de o tribunal apreciar se as mesmas são abstratamente adequadas a remover eficazmente o perigo de introdução e circulação de tais animais.

Tendo o acidente ocorrido numa zona onde é frequente o aparecimento de javalis (o que ressalta dos inúmeros recursos instaurados nesta relação conexionados com a responsabilidade da A (....) pela introdução de javalis na A25[18]), impunha-se à concessionária o ónus da prova de que os seus procedimentos são adequados ao risco acrescido para a circulação daí decorrente (através do eventual reforço ou adaptação da vedação às características destes animais, de um encurtamento dos períodos de inspeção e reparação das mesmas, da aposição de câmaras de vigilância nalguns dos locais de maior perigo como o são os de inexistência de redes nas zonas envolventes aos nós de entrada e de saídas).    

Por outro lado, a circunstância de se tratar de uma via sem portagens (ou com portagens virtuais), não comportando, nesses locais quaisquer barreiras físicas que possam impedir a entrada de animais nos nós de entrada e de saída, não isenta a ré de providenciar, nesses locais, por recursos aptos à deteção de animais ou ao afugentamento dos mesmos, de modo a prevenir a sua entrada[19].

Como se afirma no Acórdão deste tribunal de 09-03-2010[20], se é situação recorrente a entrada de animais na autoestrada, a concessionária não pode deixar de estudar as razões que determinaram a sua entrada e tomar as medidas necessárias para evitar que tal suceda, nomeadamente projetando e implantando uma rede que impeça a entrada de animais na autoestrada.

Ou como se escreve, igualmente a tal respeito, num outro acórdão deste tribunal[21], esta exigência probatória não se satisfaz com a demonstração de que a vedação no sublanço onde ocorreu não apresentava ruturas à data do sinistro, ou que os patrulheiros procederam a passagens no local sem terem detetado a presença de qualquer animal, sendo necessário mais, sobretudo atendendo à circunstância de os nós de acesso não terem qualquer barreira física.

Encontrando-se em causa a introdução de um javali na via, impunha-se-lhe a alegação e prova de quais as medidas de segurança específicas por si tomadas para evitar a entrada deste tipo de animais que, como foi salientado no decurso da audiência de julgamento, percorrem com facilidade vários quilómetros, vindo muitas vezes a aparecer longe do local por onde entraram, sendo insuficiente, quanto a tal aspeto, a aprova de que a rede nas imediações não apresentava estragos e qual o tipo de rede por si usada.

Não se mostrando ilidida a presunção de incumprimento, sobre a Ré/A (....) impende o dever de indemnizar, tal como foi decidido pelo tribunal recorrido.

A apelação será de improceder, confirmando-se a sentença recorrida.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pelo Apelante.

                                                                            Coimbra, 14 de abril de 2015

Maria João Areias ( Relatora)

Fernando Monteiro

Inês Moura


  
V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº7 do CPC.
1. Para que se mostre satisfeito o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, contido nº1 do artigo 12º do DL 24/2007, não é exigível a prova do concreto evento que levou à intromissão do animal na via e que tal processo lhe foi inteiramente alheio, sob pena de deturpação da natureza culposa da responsabilidade que incide sobre a concessionária.
2. Mas também não basta uma prova genérica do cumprimento de tais deveres de segurança, impondo-se a prova de terem cumprido, em concreto, os deveres de tráfego ajustados aos riscos que lhe cabe gerir: inspeções periódicas da rede de vedação seguidas das imediatas reparações que se apresentem necessárias, patrulhamentos permanentes de vigilância e rápida remoção de quaisquer obstáculos à circulação, controlo dos nós de acesso e entrada na autoestrada, etc..
3. Só no caso de se alcançar tal concreta prova do cumprimento dos seus deveres, o risco dos acidentes de causa ignorada correrá por conta dos utentes.
4. Esta exigência probatória não se satisfaz com a demonstração de que a vedação no sublanço onde ocorreu não apresentava ruturas à data do sinistro, ou que as patrulhas procederam a passagens no local sem terem detetado a presença de qualquer animal, sendo necessário algo mais, sobretudo atendendo à circunstância de os nós de acesso não terem qualquer barreira física.


[1] Tratando-se de decisão proferida após a entrada em vigor do novo código, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em ação instaurada depois de 1 de Janeiro de 2008, aplicar-se-á o regime de recursos constante do novo código, de acordo com o art. 5º, nº1 do citado diploma – cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina 2013, pág. 16.
[2] José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., pág. 704.
[3] Os quais apresentavam a seguinte redação:
“23. Sublinhe-se que a vedação da A25 encontrava-se, na data do sinistro, e nas imediações do local onde este terá eclodido, em boas condições de segurança e conservação.
24.As ditas vedações apresentavam-se sem quaisquer falhas, ruturas, aberturas, deficiências ou anomalias de qualquer espécie”.
[4] Cfr., entre outros, na doutrina, Menezes Cordeiro, “Igualdade Rodoviária e Acidentes de Viação nas Auto-Estradas, Estudo de Direito Civil Português”, Almedina 2004, pag. 56, e Carneiro da Frada, “Sobre a Responsabilidade Civil das Concessionárias por acidentes ocorridos em Autoestradas”, in ROA, 2005, Vol. II, págs. 407 e ss; na jurisprudência, cfr., Acórdão do STJ de 22-06-2004, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0 e Acórdão do TRC de 12-04-2005, disponível in http://www.dgsi.pt/nsf/c3.
[5] Cfr., entre outros, e a título meramente exemplificativo, na doutrina, Cardona Ferreira, “Acidentes de Viação em Auto-Estrada – Casos de Responsabilidade Contratual”, Coimbra Editora 2004; na jurisprudência, cfr., Acórdão do STJ de 14-04-2004, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0, Acórdão do TRL de 15-05-2007, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33, e Acórdão do TRC de 20-11-2007, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3.
[6] Cfr., Acórdão do TRC de 10-01-2006, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf, e estudo do Prof. Sinde Monteiro, no qual defende ser possível perspetivar os factos, face ao nosso Código Civil e à legislação específica do direito estradal, de molde a justificar, a mais do que um título (e quer ao nível da responsabilidade extracontratual, quer no âmbito da responsabilidade contratual), a inversão do ónus da prova da culpa – RLJ Anos 131 e 132, anotação ao Acórdão do STJ de 12 de Novembro de 1996.
[7] “A Lei dos direitos dos utentes das auto-estradas e a Constituição (Lei nº 24/2007, de 18 de Julho)”, in Revista da Ordem dos Advogados, 2007, Ano 67, Vol. II, págs. 551 a 572.
[8] “Responsabilidade das Concessionárias por acidentes de viação ocorridos em Auto-Estradas”, in Estudos Sobre o Incumprimento do Contrato”, Coimbra Editora, Coordenação de Maria Olinda Garcia, págs. 152 e 153.
[9] “Acidentes em Auto-Estradas: Natureza e Regime Jurídico da Responsabilidade dos Concessionários”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Carlos Ferreira de Almeida, Vol. II, Almedina, págs. 159 e 195.
[10] Cfr., Artigo e local citados, em especial pág. 170.
[11] Contrato que veio a ser objeto de alterações pelo Dec. Lei nº44-D/2010, de 5 de Maio, procedeu à republicação das respetivas Bases.
[12] Cfr., neste sentido, entre outros, Acórdãos do STJ de 09-09-2008, relatado por Garcia Calejo, de 08.02.2011, relatado por Paulo Sá, do TRC de 17.07.2014, relatado por Freitas Neto, do TRP de 09.12.2012, relatado por José Igreja de Matos, de 12-01-2015, relatado por Manuel Domingos Fernandes, do TRL de 29-05-214, relatado por Maria José Mouro, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[13][13] Cfr., neste sentido, Acórdão do TRC de 10.01.2006, relatado por Jorge Arcanjo.
[14] Cfr., entre outros, Acórdão do TRG de 13.09.2012, relatado por Isabel Rocha, e Acórdãos do TRL de 17.05.2012, relatado por Teresa Soares, e de 26-06-2012, relatado por Cristina Coelho.
[15] Cfr. Acórdão do TRC de 16-09-2014, relatado por Emídio Francisco Santos, disponível in www.dgsi.pt.
[16] “Acidentes em Auto-Estradas: Natureza e Regime Jurídico (…)”, local citado, pág. 177.
[17] Cfr., Acórdão do STJ de 14.03.2013, relatado por Abrantes Geraldes, disponível in www.dgsi.pt.
[18] O que, por si só, aponta já no sentido de que os tais procedimentos genéricos que a Ré tem vindo a adotar se têm vindo a mostrar insuficientes para prevenção e remoção do perigo.
[19] Cfr., neste sentido, Acórdão do TRC de 18.11.2014, relatado por Anabela Luna de Carvalho, disponível in www.dgsi.pt.
[20] Acórdão relatado por Jacinto Meca, disponível in www.dgsi.pt.
[21] Acórdão do TRC de 24.02.2015, relatado por Maria Domingas Simões, disponível in www.dgsi.pt.