Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ABÍLIO RAMALHO | ||
Descritores: | TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES MEDIDA DA PENA PERDA A FAVOR DO ESTADO | ||
Data do Acordão: | 02/15/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | 3.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA MARINHA GRANDE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | ALTERADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 40º Nº 1 E 71º NºS 1 E 2 CP, 21º Nº 1 DO DECRETO-LEI Nº 15/93, DE 22 DE JANEIRO, 7º Nº 1 E 9º DA LEI 5/2002, DE 11 DE JANEIRO | ||
Sumário: | 1. - Sendo o crime cometido pelo arguido punido com a pena de 4 a 12 anos de prisão (artigo 21º nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro), e uma vez que a medida concreta da pena deve ser encontrada em função da culpa do agente e da prevenção, atenta a enorme quantidade de haxixe movimentada pelo arguido em 11/05/2010 (57 kgs.), a qual reunia potencialidade à divisão por pelo menos cerca de 11.400 doses diárias, e, como tal, à proporcional disseminação por correspondente número de respetivos usuários, a que acresce o facto do arguido ter persistido, pelo menos até 31/05/2010, altura em que foi de novo encontrado na posse de mais 19,13 gramas de haxixe e de € 275,00 euros (em notas de 5 euros e de 10 euros) de imediata origem injustificada, e demais circunstâncias do caso, tem-se como adequada a pena de prisão de 6 anos e 6 meses. 2.- Não havendo o arguido ilidido a presunção estabelecida no artº 7º nº 1 da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, a que se encontrava onerado pelo artº 9º do mesmo diploma, deve ser declarado o perdimento a favor do Estado da importância pecuniária que oportunamente lhe fora apreendida. | ||
Decisão Texto Integral: | TÍTULO I – RELATÓRIO 1 – Recorre o MINISTÉRIO PÚBLICO da vertente da deliberação judicial (de tribunal colectivo) – documentada no acórdão certificado a fls. 24/63 – que, na sequência de pertinente julgamento, condenou, entre outros, o sujeito-arguido A... à reacção penal conjunta/unitária de 5 (cinco) ANOS DE PRISÃO, suspensa na respectiva execução por idêntico período de 5 (cinco) anos, a título punitivo do acumulativo (em concurso efectivo) cometimento dum crime de tráfico de substâncias tóxicas, (p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do D. L. n.º 15/93, de 22/01), e dum outro de resistência e coacção sobre funcionário, (p. e p. pelo art.º 347.º, n.º 1, do Código Penal), correspondentemente sancionados com penas de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão e de 6 (seis) meses de prisão, pugnando pelo agravamento quer da pena respeitante ao enunciado crime de tráfico de droga, quer, por consequência, da conjunta/unitária, e pela determinação do seu efectivo cumprimento, bem como pelo decretamento do perdimento a favor do Estado da importância pecuniária de € 275,00 que lhe fora apreendida, fundando-se, para tanto, na argumentação aduzida na correspondente peça motivacional documentada a fls. 66/70 v.º deste processo incidental, (nesta sede tida por reproduzida), de cujo conteúdo extraiu o seguinte quadro-conclusivo (por transcrição): «[…] 1°) – Dos factos provados resulta que o arguido A... transportava aquando da sua intercepção por militares da G.N.R., 57 quilogramas de haxixe e, posteriormente, aquando da sua detenção, foi-lhe a apreendida, ainda, 19,13 gramas do mesmo produto; 2°) – Tal estupefaciente, caso não tivesse sido apreendido pelas autoridades policiais, era susceptível de ser difundido por um elevado número de consumidores, representado mais de 22.800 doses individuais; 3°) – Em face da elevada ilicitude dos factos e da culpa correspondente, com dolo intenso, impunha-se que o arguido A... fosse condenado numa pena não inferior a cinco anos de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21° do D.L. nº 15/93 de 22/01; 4°) – Considerando a natureza deste ilícito, as suas consequências em termos de saúde pública e a criminalidade que lhe anda associada, bem como, as necessidades de prevenção geral no combate ao narcotráfico, não deve a pena de prisão ser suspensa mesmo que inferior a cinco anos; 5°) – A tal suspensão se opõe, também a inexistência, do elenco dos factos provados, de factores relativos quer à personalidade do arguido, quer à sua conduta posterior aos crimes, mormente ausência de arrependimento ou de auto-censura dos factos, bem como das suas condições de vida, que permitam concluir com um mínimo de certeza provável de que o mesmo não voltará a cometer crimes e que a simples ameaça da prisão é suficiente para o dissuadir de comportamentos desviantes; 6°) – Ao condenar este arguido na pena de 4 anos e 9 meses de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes e, ao suspender a execução da pena de prisão que aplicou em cúmulo, o tribunal a quo infringiu o disposto nos arts. 40º nº 1 e 50º nº l e 71º nºs 1 e 2 do C. Penal; 7°) – A quantia monetária apreendida ao arguido A... porque incompatível com o seu rendimento médio mensal e respectivos encargos, decorrentes, nomeadamente, do consumo diário de estupefacientes, deveria ter sido declarada perdida a favor do Estado, tanto mais que, o arguido não logrou provar a proveniência lícita da mesma, nos termos do disposto no art. 9º da Lei n° 05/2002 de 11/01; 8°) – Ao mandar restituir tal quantia ao arguido, o colectivo infringiu o disposto nos arts. 7º nº 1 e 9º, conjugados com o art. 1° alínea a) do citado diploma legal. 9°) – Deve o acórdão recorrido ser revogado nesta parte e, consequentemente: – ser o arguido A... condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no arte 21° do D.L. nº 15/93 de 22/01 numa pena não inferior a cinco anos de prisão, ou, se inferior, considerando o cúmulo jurídico a efectuar com a pena de seis meses de prisão em que foi condenado pelo crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. no arte 347º nº 1 do C. Penal, não deve a mesma ser suspensa na sua execução; – ser declarada perdida a favor do Estado a quantia de € 275,00 apreendida a este arguido. […]» 2 – Respondeu o id.º arguido, pronunciando-se pela respectiva insubsistência argumentativa e consequente improcedência, (vide peça de fls. 82/96-97/102 v.º – telecópia e respectivo original –, cujos dizeres nesta sede se têm identicamente por reproduzidos). 3 – Nesta Relação foi emitido douto parecer por Ex.mo magistrado do mesmo órgão da administração da justiça (M.º P.º), em sentido concordante com a tese e pretensões recursórias, (vd. peça de fls. 112/113). 4 – Realizados os pertinentes actos/formalidades legais, e mantendo-se a regularidade da instância, nada obsta à legal prossecução processual. TÍTULO II – FUNDAMENTAÇÃO
CAPÍTULO I – CONTEXTUALIZAÇÃO
Com vista à cabal avaliação da suscitada ilegalidade das enunciadas vertentes deliberativas concernentes ao id.º arguido, importa reter a essencialidade do tangente enunciado fáctico tido por adquirido pelo colégio julgador, firmado no respectivo quadro do questionado acórdão (factos provados, vertente jurídico-processual que, no texto, por comodidade e simplificação, também denominaremos por asserto e/ou assertório)[1]: «1. No dia 11.05.2010, cerca das 2h45m, os arguidos A... e B..., faziam-se transportar no veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..., marca …, cor branca. 2. A referida viatura era conduzida pelo arguido A.... 3. Quando circulavam na Rua … – Marinha Grande, os arguidos foram interceptados pelos Militares da G.N.R. C... e D..., no decurso de uma fiscalização de trânsito. 4. A certa altura da fiscalização, foi solicitado ao condutor (que se havia identificado como A...), que saísse do carro. 5. De imediato, o arguido iniciou a marcha do veículo, guinando repentinamente e bruscamente para esquerda, abalroando dessa forma o Militar da G.N.R. C..., que o fiscalizava, e que, com o impacto da pancada do espelho retrovisor do carro, caiu ao chão. 6. Acto contínuo, os referidos agentes da G.N.R. seguiram o mencionado automóvel, que veio a ser abandonado pelos arguidos, algumas centenas de metros adiante, quando ficaram encurralados numa rua sem saída. 7. Os arguidos fugiram a pé, tentando levar consigo um fardo de haxixe, que acabaram por abandonar logo de seguida, face à aproximação dos Militares da G.N.R.. 8. O fardo deixado pelos arguidos foi recuperado e apreendido pela G.N.R.. 9. No interior do veículo de matrícula ..., foi encontrado e apreendido um outro fardo de haxixe. 10. Os dois fardos de haxixe apreendidos têm o peso total de 57 quilos. 11. Ao fugirem, os arguidos deixaram perdido um telemóvel … . 12. No dia 31.05.2010, na … , Marinha Grande, encontravam-se, em tal residência, os arguidos A..., B..., E... e F.... 13. No interior da residência, encontravam-se, além do mais: - um telemóvel Samsung E1120; - um telemóvel Vodafone 235; - um computador portátil ACER; - um computador portátil Fujitsu Siemens. 14. No quarto do arguido E..., encontravam-se 580 euros (em notas de 100 euros, 50 euros, 20 euros e 10 euros) e um telemóvel Nokia N73, que lhe pertenciam; 15. No quarto do arguido B..., encontravam-se 62 gramas de haxixe, 10 gramas de cocaína (crack), 650 euros (em notas de 20 euros, 10 euros e 5 euros), 33 gramas de heroína, 1750 euros (em notas de 50 euros, 20 euros e 10 euros), 22 gramas de cocaína, uma balança de precisão de marca Diamond 500, 1217 gramas de haxixe em placas. 16. Na garagem, encontravam-se uma balança, um telemóvel Sony Ericsson T303, um telemóvel Nokia 1112, um telemóvel Vodafone 235. 17. Nessa data, o arguido A... detinha na sua posse: 19,13 gramas de haxixe, 275 euros (em notas de 5 euros e de 10 euros), e um telemóvel de marca LG, tudo objectos que lhe pertenciam. […] 22. Na residência da família do arguido A..., sita na Rua … , foram apreendidas 13 plantas de Cannabis. 23. O arguido B... não tem carta de condução, sendo conduzido, por vezes, nas suas deslocações pelos arguidos A... e F.... […] 25. Em todas as supra referidas circunstâncias de tempo, modo e lugar, os arguidos A... […] conheciam a natureza e características daqueles produtos estupefacientes que lhes foram, respectivamente, apreendidos e sabiam que a sua detenção e/ou transporte eram proibidos e punidos por lei. 26. Agiram tais três arguidos livre, deliberada e conscientemente, em comunhão de esforços e interesses os arguidos A...e B... aquando do transporte, no veículo automóvel, dos dois identificados fardos de haxixe, conhecendo os arguidos Tiago, […] a qualidade e natureza dos produtos estupefacientes que detinham e/ou transportavam, bem sabendo que os produtos estupefacientes são prejudiciais à saúde e nocivos à comunidade e que as suas condutas eram proibidas por lei. 27. O arguido A..., sabia que ao reagir à fiscalização dos Militares da G.N.R. da forma supra descrita, para a impedir, iria atentar contra o bem estar físico do Militar da G.N.R. que abalroou (provocando assim a sua queda ao solo), o que não o demoveu de o fazer. 28. Determinou a sua conduta com o objectivo de obstar à fiscalização do interior do veículo de matrícula ..., pelos agentes de autoridade. 29. Sabia que quem o abordou eram Militares da Guarda Nacional Republicana, que se encontravam no exercício das suas funções. 30. Em todas as supra referidas circunstâncias de tempo, modo e lugar, os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente, com perfeita consciência de que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. 31. Aquando da prática dos factos supra descritos, o arguido A... fazia serviços, como empregado de mesa, num restaurante, auferindo um rendimento de cerca de € 200,00 mensais. 32. Também fazia tais serviços em casamentos e baptizados, com o que auferia € 80,00 por dia, fazendo uma média de um ou dois desses serviços por mês. 33. O arguido A..., antes de ser detido à ordem destes autos, vivia em casa dos seus pais. 34. O arguido tinha a seu cargo uma prestação relativa a um crédito bancário contraído para a aquisição de um veículo automóvel, de marca Audi, modelo A3, sendo o valor da amortização mensal de € 280,00, estando tal crédito, neste momento, totalmente liquidado com a ajuda do pai do arguido. 35. O arguido A..., aquando da prática dos factos, era consumidor de heroína e de haxixe, consumindo 0,5 gramas de heroína por dia e fumando três ou quatro cigarros de haxixe por dia. 36. No relatório social do arguido A... consta escrito, além do mais, que: «A... nasceu no seio de um agregado constituído pelos pais e 6 filhos. A família de origem apresentava sinais de disfuncionalidade e negligência no que respeita às condições habitacionais e ao acompanhamento dos filhos. O pai consumiu bebidas alcoólicas em excesso durante vários anos, e a mãe era considerada demitida das suas responsabilidades parentais e uma figura tendencialmente agressiva e hostil. O início da escolaridade de A... registava falta de aproveitamento e um elevado absentismo, situação que, aliada às condições familiares referidas, motivou a sua colocação no Internato masculino de Leiria, quando contava cerca de 9 anos de idade, e onde se manteve até ao final do ano lectivo 2004/2003, contava então 17 anos de idade. Nesta altura, foi de férias para casa dos pais, como habitualmente, e não regressou dado que, alguns dias antes havia assumido comportamentos inadequados na Instituição, que originaram um processo (…). No Internato prosseguiu a escolaridade e concluiu o curso de Formação profissional de Hotelaria que lhe conferiu o 9º ano. Posteriormente foi integrado num estágio profissional, num restaurante da cidade de Leiria, onde apenas permaneceu um mês, alegadamente por o trabalho que executava não ser do seu do seu agrado, preferindo ficar inactivo. Quando abandonou a Instituição, A... reintegrou o agregado dos pais, que permanecia com características de disfuncionalidade. Apesar do pai já não revelar hábitos alcoólicos há alguns anos, devido a problemas de saúde, o ambiente familiar e as condições habitacional, não sofreram melhorias. Neste contexto o arguido optou por procurar outra situação habitacional, passando a residir sozinho em apartamento arrendado, mas decorrido algum tempo voltou para casa dos pais. Após um período de cerca de um ano de inactividade, trabalhou numa fábrica de candeeiros por 6 meses, a que se seguiram várias tarefas, sobretudo no sector de pisaria, restauração e padaria, actividades temporárias mas que executa com regularidade, assegurando a sua manutenção económica. (…) À data dos factos pelos quais se encontra indiciado, A... vivia com os pais e um irmão mais velho, num ambiente familiar algo disfuncional sem conflitos relacionais significativos. O arguido desenvolvia actividade laboral, no sector da hotelaria, mas com carácter temporário. Auferia o salário mínimo nacional. Consumia substâncias estupefacientes, haxixe e heroína e, convivia com pares com o mesmo problema aditivo, embora os seus convívios fossem extensivos a outros jovens não conotados com o consumo de estupefacientes, incluindo a namorada. No meio social não são registadas referências negativas (…)». 37. No Certificado de Registo Criminal do arguido A..., nada consta. […]» CAPÍTULO II – AVALIAÇÃO
§ 1.º – RIGOR PUNITIVO: 1 – Como antes se deu pertinente conta, pugna o Ministério Público pelo agravamento da definida medida punitiva (de 4 anos e 9 meses de prisão) do reconhecido cometimento pelo id.º arguido A... dum crime – de trato sucessivo – de tráfico de substâncias tóxicas, (p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do D. L. n.º 15/93, de 22/01), e, consequentemente, por efeito da necessária unificação, em cúmulo jurídico, com a referente à concorrente infracção criminal de resistência e coacção sobre funcionário (6 meses de prisão), da resultante pena conjunta/unitária, em nuclear razão da respectiva inadequação à exigente censurabilidade comportamental e à premente salvaguarda dos legais desideratos preventivos, (vide, máxime, conclusões 1.ª a 5.ª). 2 – Para melhor dilucidação de tal problemática, retenhamos a essencialidade da particular justificação deliberativa: 3 – Com o devido respeito, mal se compreende, de facto, como assisadamente observado pelo Ex.mo magistrado recorrente, a fixação da medida punitiva da conhecida realização pelo id.º cidadão-arguido A... dos caracterizados actos comportamentais representativos do tipo-de-ilícito de tráfico de droga prevenido no n.º 1 do art.º 21.º do D.L. n.º 15/93 (de 22/01) em valor chocantemente próximo do limite mínimo da respectiva moldura penal abstracta (de 4 a 12 anos de prisão), dessarte injustificadamente parcimoniosa e manifestamente desproporcionada à assaz acentuada carga de censura da concernente postura vivencial e inadequada à ideal salvaguarda dos legais desideratos punitivos, de reprovação dos respectivos comportamentos delitivos, de pessoal sensibilização para a futura observância das regras e valores de regular convívio em sociedade, (prevenção especial), e de prevenção geral da criminalidade, pelo exemplo e reforço da confiança da comunidade que da condenação tome conhecimento no funcionamento do direito e das instituições, máxime judiciárias, (cfr. arts. 40.º, n.º 1, e 71.º, n.º 1, máxime, do Código Penal). A alarmante disseminação da droga, no nosso país e por todo o globo, conduz, por sistema, à apropriadamente considerada praga ou flagelo social da toxicomania ou toxicodependência que, por seu turno, motiva o constante desenvolvimento de todo um outro vasto tipo de criminalidade, nomeadamente contra a propriedade, o património, a liberdade, integridade física, ou mesmo a própria vida alheia, como forma de angariação pelos respectivos agentes de recursos económicos adequados à dispendiosa satisfação da dependência tóxica, geradora, por si, das nefastas consequências por demais conhecidas – degradação física e psíquica e, frequentemente, a morte da população consumidora. Nos tempos que correm, com pertinácia, impõe a lei aos julgadores a missão de, nos limites penais, tentar alcançar aqueles objectivos, máxime de prevenção geral da criminalidade, procurando refrear tão inquietante evolução delitiva de narcotráfico e fenómenos associados, preocupação basilar da comunidade internacional, assente em diversificados instrumentos jurídicos (designadamente sucessivas recomendações do Conselho da Europa) que, por despiciendo e de presumível conhecimento geral, ora nos dispensamos de identificar. No caso em apreço, o id.º indivíduo A..., pessoa aparentemente dotada de normal capacidade de entendimento dos valores fundamentais e das regras de conduta relacionais basilares instituídas no país, que a liberdade pessoal de todos e a sua própria disciplinam/limitam, determinou-se livremente (escolheu/optou) à persistente e relevantíssima contribuição ao abjecto desenvolvimento de tais marginais realidades e respectivas sequelas, seguramente movido por egoísticos interesses pessoais, e em detrimento de quaisquer outros, máxime dos associados à saúde pública. A enorme quantidade de droga – haxixe [preparado psicotrópico rico em tetraidrocanabinol (THC), à base de resina de cannabis][2] – movimentada pelos dois sujeitos-arguidos A... e B... em 11/05/2010 (57 kgs.!), posto que integrasse em média cerca de 10% do respectivo princípio activo THC, ou seja, cerca de 5.700 gramas, tendo por referência os critérios normativo-regulamentares estabelecidos no art.º 9.º da Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, e seu mapa anexo – dose diária máxima equivalente a 0,5 gramas do respectivo princípio activo THC –, reunia objectiva potencialidade à divisão por pelo menos cerca de 11.400 (onze mil e quatrocentas) doses diárias, e, como tal, à proporcional disseminação por correspondente número de respectivos usuários (!). Porém a reconhecida postura criminal delitiva do id.º sujeito A... aí não se quedou, antes por tal senda criminal temerariamente persistindo, pelo menos até 31/05/2010, altura em que, como firmado sob os pontos 12 e 17 do assertório, em circunstâncias disso deveras significativas, foi de novo encontrado na posse de mais 19,13 gramas de haxixe e de € 275,00 euros (em notas de 5 euros e de 10 euros) de imediata origem injustificada. Por conseguinte, muito mal se compreende, com o devido respeito, o abusivo/infundado salto lógico do órgão julgador, pela conjectural e de todo inconsentida suposição de que tal assaz gravosa e censurável atitude comportamental de 11/05/2010 se teria afinal resolvido em mero episódio isolado na sua linha vivencial, o que, obviamente, é de todo contrariado pelo próprio quadro fáctico-assertivo, máxime pelo subordinado aos referidos pontos-de-facto 12 e 17, assim indevidamente desconsiderado. Tudo inculca, pois, da significativa relevância do dito sujeito A... no respectivo circuito mercantilista e, decorrentemente, na proliferação da toxicomania/toxicodependência e das preocupantes sequelas a tal marginal fenómeno associadas. É, pois, e naturalmente, sujeito de incontornável juízo de superlativa culpa e, por conseguinte, objecto de acentuada censura ético-jurídica, demandante de enérgica medida punitiva, de necessária função reprovativa do pessoal comportamento delitivo e desmotivadora de eventuais futuras ilícitas (idênticas ou diversas) cogitações/volições, cujo valor evidentemente se deverá significativamente afastar do limite mínimo da moldura penal abstracta correspondente à respectiva figura-de-delito – 4 a 12 anos de prisão –, nada, aliás, juridicamente suportando a dispensada condescendência do julgador, mormente a despropositada e ilegal enfatização da natureza de droga leve do movimentado/possuído haxixe, de modo algum permitida pelo quadro legal aplicável (citado n.º 1 do art.º 21.º do D. L. n.º 15/93), antes inequivocamente postulante de idêntica punibilidade, sem qualquer reserva, de qualquer agente de actos comportamentais subsumíveis à respectiva previsão típica, independentemente de se reportarem a quaisquer das substâncias ou preparados inscritos nas diversas tabelas I a III anexas ao D.L. n.º 15/93, de 22/01, em que se incluem, designadamente, a heroína, a cocaína e o haxixe, drogas cuja traficância o colégio julgador no plano jurídico injustificada e marcadamente relativizou. Destarte, efectuando a pertinente ponderação da utilidade do adquirido quadro-fáctico pelos critérios de individualização das penas previstos nos normativos 40.º, n.º 1 e 71.º, n.º 1, do Código Penal, entende este Tribunal (da Relação de Coimbra) como idónea à prossecução daqueles objectivos, repressivos e preventivos, e proporcionais ao desvalor comportamental, respectivo nexo de imputação (dolo directo) e culpa pessoal, a cominação ao identificado arguido, pela comissão da definida infracção criminal – de trato sucessivo – de tráfico de droga, da pena de 6 (seis) ANOS e 6 (seis) MESES DE PRISÃO. 4 – Encontrando-se o cometimento – pelo id.º arguido A... – de tal infracção criminal de tráfico de droga em relação de acumulação ou concurso jurídico efectivo com a de resistência e coacção sobre funcionário já (inalteravelmente) definida em primeira instância, (cfr. art.º 30.º, n.º 1, do C. Penal), impor-se-á a unificação, em cúmulo jurídico, das correspondentes penas, por forma ao encontro/definição de reacção penal conjunta/unitária, (cfr. art.º 77.º, n.º 1, do mesmo compêndio legal). A respectiva medida – a localizar entre o limite mínimo de 6 anos e 6 meses e o máximo de 7 anos de prisão, [respectivamente valor da pena parcelar mais elevada, e resultado da sua adição com aqueloutra de 6 meses de prisão, cominada pelo crime de resistência e coacção sobre funcionário, (cfr. citado art.º 77.º, n.º 2, do C. Penal)] –, que deverá conter potencialidade à realização das antes mencionadas finalidades (reprovativa dos conhecidos comportamentos delitivos e inibitória de eventuais/futuras volições criminógenas do respectivo sujeito/agente, sem descurar, outrossim, o exigível reforço da confiança da comunidade na ordem jurídica – e nas instituições judiciárias), haverá que ser individualizada ainda em função da valoração global de todos os elementos factuais de cariz objectivo coligidos e da própria personalidade/carácter do agente, culpado, (cfr. normativos 40.º, n.º 1, 41.º, n.º 1 e 77.º, ns. 1 e 2). Deste modo, considerando-se o demais expendido, cuja filosofia se mantém, (vd. anterior ponto 3), e ponderando-se, outrossim, a evidente má-formação, incivilidade e insensibilidade pessoal do dito indivíduo, mormente pelos valores da autoridade e da integridade física alheias, características esclarecedoramente ilustradas pelo deveras criticável e desrespeitoso abalroamento dum bem identificado elemento policial, indiferente às respectivas consequências para a sua pessoa (do vitimado policial), tem este mesmo colégio decisor como adequada à salvaguarda das referidas finalidades punitivas a fixação/imposição ao identificado arguido da pena conjunta/unitária de 7 (sete) ANOS DE PRISÃO – necessariamente efectiva, (cfr. art.º 50.º, n.º 1, em sentido inverso, do C. Penal). § 2.º – DESTINO DO PECÚLIO QUE LHE FORA APREENDIDO: Também neste particular se não pode deixar de reconhecer o acerto jurídico da argumentação do recorrente: «[…] A este arguido foi apreendida no âmbito das diligências de inquérito […] a quantia de € 275,00, juntamente com produto estupefaciente. O colectivo ordenou a sua restituição por se não ter provado que a mesma era proveniente da venda de estupefacientes. Salvo o devido respeito, também aqui o tribunal não procedeu em conformidade com a lei. É que nos termos do disposto no art.7º nº 1 conjugado com o art. 1º da Lei nº 05/2002 de 11/01, em caso de condenação pela prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art. 21º do D.L. nº 15/93 de 22/01, presume-se constituir vantagem da actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito. Ora, do elenco dos factos provados não resulta que o arguido auferisse rendimentos do trabalho consentâneos com a posse lícita daquela quantia monetária. Na realidade, o que se provou foi que o arguido trabalhava esporadicamente, sem regularidade, obtendo um rendimento médio mensal de € 200,00 e, uma ou duas vezes por mês, € 80,00 em serviços de casamentos e baptizados (cfr. factos nºs 31 e 32). Além disso, tinha um encargo mensal com empréstimo bancário na aquisição de viatura no montante de € 280,00 (facto nº 34). Esse rendimento deduzido desse encargo, a que acresce o dispêndio diário para a aquisição de 0,5 gramas de heroína e 3 ou 4 ciganos de haxixe (cfr. facto nº 35) não é de forma alguma compatível com a obtenção lícita da aludida quantia monetária apreendida. Para além disso, a mesma foi apreendida no âmbito de uma busca domiciliária qual foram apreendidos outros bens relacionados com actividade de tráfico tais como produtos estupefacientes e balanças de precisão e vários telemóveis (cfr. factos nºs 12 a 20). De todo o modo, era ao arguido que competia provar a origem lícita de tal quantia monetária, face ao disposto no art. 9º da citada lei, o que não logrou fazer, e não o inverso, conforme decidiu o colectivo. […]» Nada mais rigoroso. De facto, não havendo o id.º arguido A... logrado ilidir a presunção estabelecida no convocado art.º 7.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002, de 11/01, a que se encontrava onerado pelo preceito normativo ínsito no art.º 9.º do mesmo diploma, mal se compreende a ordenada restituição do pecúlio de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) que lhe fora apreendido no acto da referida busca e pessoal detenção. Impor-se-á, pois, também neste conspecto a procedência recursória. Pelo exposto, o órgão colegial judicial reunido para o efeito em conferência neste Tribunal da Relação de Coimbra, concedendo provimento ao avaliando recurso do MINISTÉRIO PÚBLICO, delibera: 1 – A condenação do identificado sujeito-arguido A...: 1.1 – À reacção penal de 6 (seis) ANOS e 6 (seis) MESES DE PRISÃO pelo conhecido cometimento entre 11/05/2010 e 31/05/2010 duma infracção criminal – de trato sucessivo – de tráfico de substâncias (preparados) tóxicas, (p. e p. pelo n.º 1 do art.º 21.º do D.L. n.º 15/93, de 22/01); 1.2 – À pena conjunta/unitária – final – de 7 (sete) ANOS DE PRISÃO. 2 – O decretamento do perdimento a favor do Estado da importância pecuniária de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) que oportunamente lhe fora apreendida. *** Sem tributação, (cfr. art.º 513.º, n.º 1, em sentido inverso, do C. P. Penal, na redacção introduzida pelo D.L. n.º 34/2008, de 26/02). *** Abílio Ramalho ( relator)
Luís Ramos
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