Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
681/12.2PEAVR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: MEDIDA DE COAÇÃO
ALTERAÇÃO
AUDIÇÃO PRÉVIA DO ARGUIDO
Data do Acordão: 01/30/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA- AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS194, Nº3 E 213, Nº3 DO CPP E ARTS.28º, Nº1 E 32º, NºS 1, 2 E 5 DA CRP
Sumário: 1.- A alteração da medida de coação deve por princípio e regra ser precedida da prévia audição do arguido;
2.- Só assim não será quando é o próprio arguido que a vem requerer, pedindo medida mais suave, ou pedindo que se suavize a aplicada.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra
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No processo supra identificado, o arguido A... veio requerer a alteração da medida de coação.
Na sequência, foi proferido despacho, do seguinte teor:
Os arguidos A... e B... vêm requerer a alteração da medida de coação, no sentido de ser mais espaçado temporalmente o cumprimento das apresentações periódicas que lhes foram aplicadas.
O Ministério Público, opôs-se ao deferimento de tal pretensão, por entender que se mantêm inalterados os fundamentos fáctico-jurídicos que presidiram ao decretamento das mesmas.
Cumpre decidir.
Convocando o estatuído no art. 212 n.º 3, do cód. proc. penal, vemos que só é de determinar uma forma menos gravosa de cumprimento da medida de coação, in casu as apresentações periódicas se se verificar - comprovadamente - uma atenuação das exigências cautelares.
Ora, compulsando os autos, não se compreende qualquer diminuição das exigências cautelares que foram tidas em consideração aquando da fixação das medidas de coação, e que a estas serviram de fundamento. Aliás, atrevemo-nos a afirmar que o comportamento ordeiro, cumpridor, obediente e zeloso que os arguidos alegam ter vindo a manter, se deve diretamente à ação dissuasora das medidas de coação a que estão adstritos.
Assim, e porque não se vislumbra qualquer atenuação das exigências cautelares ao caso reconhecidas, decide-se indeferir ao requerido, mantendo-se integralmente os termos do estatuto coativo que em tempo foi fixado aos arguidos.
Notifique.
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Inconformado, o arguido A... interpôs recurso deste despacho, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto:
A - O arguido apresentou o seguinte requerimento:
"B..., melhor identificado nos autos em epígrafe referenciados, vem - mui respeitosamente, requerer a alteração da medida de coação de apresentações periódicas, nos termos e para os efeitos do art. 212 do C.P. P., com os seguintes fundamentos legais:
1- Com o decurso do tempo (desde quando foi aplicada a medida de coação de apresentações periódicas) não houve qualquer incidente, bem antes pelo contrário, o arguido mostrou-se ordeiro, cumpridor, obediente e zeloso dos seus deveres, razão pela qual, reputamos adequado, necessário e legalmente imprescindível, na esteira do art. 212 do C.P.P. ex vi 193 do C.P.P., que as apresentações periódicas sejam mais espaçadas no tempo, permitindo uma maior liberdade ao arguido, ainda que rigorosamente controlada, de forma a satisfazer (sempre) as necessidades cautelares que determinam a aplicação da medida de coação e bem como as exigências gerais e especiais.
NESTES TERMOS E MELHORES DE DIREITO, que V. Excelência mui doutamente suprirá, deverá proceder o presente pedido e em sua conformidade, ser alterada a medida de coação para apresentações periódicas, mais espaçadas no tempo, como se requer.
REQUER-SE a audição do arguido, a fim de provar-se a sua conduta tida até então, e a sua postura processual, no presente momento.
B- Nos presentes autos foi mantida a medida de coação aplicada ao arguido por não se vislumbrar uma atenuação das exigências cautelares, embora se admita que existe um comportamento ordeiro, cumpridor, obediente e zeloso (tanto que erroneamente se diz "devido à ação dissuasora da medida de coação").

C- Primus: existe, salvo melhor entendimento, uma crassa contradição, pois admite-se que existe um comportamento ordeiro, cumpridor, obediente e zeloso (tanto que erroneamente se diz devido à ação dissuasora da medida de coação) mas em seu paradoxo, afirma-se que não se vislumbra nenhuma atenuação das exigências cautelares.
D- Secundus: Admite-se um comportamento ordeiro, cumpridor, obediente e zeloso e tal facto não é valorado? É indiferente? Se este comportamento não releva, nunca poderemos saber se a medida de coação deixa de ser necessária, pois "o mais" necessariamente comporta "o menos" e se fosse irrelevante, nunca se poderia alterar a medida de coação.
E- Tertíus: A medida de coação foi aplicada aquando da (alegada) prática de crime -então e as exigências cautelares quando se comete (alegadamente) um crime são as mesmas que aquando de um comportamento ordeiro, cumpridor, obediente e zeloso?
F- Quartus: Salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo deveria assumir a alteração e se assim entendesse, não alterar a medida de coação, por se considerar que tal alteração não seria eventualmente suficiente; não poderia SMO afirmar que não vislumbra a atenuação - pois tem de vislumbrar - podendo naturalmente considera-la insuficiente e neste caso devia (o que não fez) fundamentar.
G- Quíntus: o comportamento invocado não é devido à medida de coação, mas é devido ao arguido, sendo que com a atenuação da medida de coação o comportamento seria o mesmo, como não resulta dos presentes autos nenhuma prova em seu contrário.
H- Sextus: o arguido manifestou a vontade de prestar declarações, sendo que tal não foi sequer apreciado nem nada se disse a esse respeito.
I- Estamos aqui perante uma efetiva omissão de pronúncia relativamente ao requerimento apresentado pelo arguido, que constitui uma nulidade nos termos do art. 379, n.º 1 alínea c) do CPP.
J- O presente despacho violou assim o artigo 212 ex vi 193 do CPP, 27 e 32 da CRP.
Deverá proceder o recurso e em conformidade ser alterada a medida de coação para apresentações periódicas, mais espaçadas no tempo, como se requer.
Respondeu o Magistrado do Mº Pº, concluindo:
1º-Nos termos do preceituado no artigo 212, n.º 3, do Código de Processo Penal a substituição pelo juiz de uma medida de coação por outra menos grave, ou a determinação de uma forma menos gravosa da sua execução, só se verifica quando em concreto se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação.
2°-Assim, a decisão que impõe a aplicação de uma medida de coação, apesar de não ser definitiva, é intocável e imodificável enquanto não se verificar uma alteração, em termos atenuativos, das circunstâncias que a fundamentaram.
3º-No caso em apreço, não resulta dos autos nenhum elemento de facto novo que ponha em causa as exigências cautelares que se fazem sentir, atenuando-as.
4º-Mantendo-se inalterados os fundamentos de facto e de direito que justificaram a sua aplicação, a satisfação das exigências cautelares só serão plenamente asseguradas se mantiver aplicação da medida de coação de obrigação de apresentação periódica.
5º-Pelo que, bem andou a Meritíssima Juiz ao indeferir o requerimento do arguido e em consequência decidir pela manutenção da medida de coação de obrigação de apresentação periódica, com carácter diário, o que se revela necessário, adequado, proporcional.
6°-Por outro lado, a audição do arguido, no caso em apreço revela-se desnecessária, porquanto, aquele no seu requerimento explanou as razões de facto e de direito com base nas quais considera que deverá ter lugar a referida alteração.
7º-Donde, a sua audição pela Meritíssima Juiz nada de novo acrescentaria aos autos, revelando-se tal audição um ato processual inútil.
8°-Todavia, caso assim não se entenda, a referida omissão apenas constitui urna irregularidade processual, nos termos conjugados dos artigos 118, n.° 1 e n.º 2, 119, 120 e 123, todos do Código de Processo Penal.
Irregularidade processual essa que teria de ser invocada pelo arguido nos três dias seguintes após o conhecimento da sua prática, o que não sucedeu (art. 123, n.º 1 do C.P.P).
10°-Nessa medida, encontra-se prec1udido o prazo legal para o exercício de tal direito e em consequência a aludida irregularidade sanada (art. 123, n.º 1 do C.P.P.).
Deve o recurso sobre o qual incide a presente resposta ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.
Nesta instância o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, emite parecer no sentido da improcedência total do recurso.
Foi cumprido o disposto no art. 417, n.º 2, do Cód. Proc. Penal.
Não foi apresentada resposta.
Foram colhidos os vistos legais.
Realizada a conferência, cumpre-nos decidir.
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Conhecendo:
Em causa no recurso, o pedido de alteração da medida de coação que havia sido fixada em apresentações diárias no O.P.C..
Entende também o arguido que se verifica a nulidade da falta de audição ao arguido, prévia à decisão, enquanto o Mº Pº entende que se trata de mera irregularidade não arguida atempadamente.
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A aplicação inicial de medida de coação, com exceção do termo de identidade e residência, bem como no reexame oficioso, ou na imposição de outra mais grave, deve por princípio e regra ser precedida da prévia audição do arguido - arts.194, nº3 e 213, nº3 do CPP e arts.28º, nº1 e 32º, nºs 1, 2 e 5 da CRP.
E compreende-se que assim seja. Trata-se de cumprir o princípio do contraditório, concedendo ao arguido a oportunidade de defesa, nomeadamente com vista, a querendo, apresentar a sua versão sobre os factos, refutar a necessidade de aplicação de outra medida mais grave e até esgrimir argumentos sobre a inadequação ou desproporcionalidade da medida preconizada.
Situação que não se verifica quando é o arguido que vem requerer a alteração da medida, pedindo medida mais suave, ou pedindo que se suavize a aplicada, como é o caso.
Sendo o arguido que vem pedir a suavização da medida, certo é que no seu requerimento se pronuncia, esgrime todos os argumentos que lhe possam ser favoráveis.
Se a audição do arguido tem em vista que o mesmo não seja apanhado de surpresa e possa pronunciar-se (apresentar a sua versão) sobre os factos, em suma dar-lhe oportunidade de defesa, ao pretender-se que lhe seja dada novamente oportunidade de se pronunciar seria convidá-lo a pronunciar-se sobre os factos que ele próprio alegou.
Assim que se entende que sendo o arguido o requerente, o despacho se pronuncia sobre o requerimento apresentado e fundamentos do mesmo, não havendo lugar a “nova” audição. O arguido só deve ser ouvido no caso de não ser o requerente.
Assim que se entenda que o processo não enferma de nulidade nem de irregularidade.
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Por outro lado, para haver alteração da medida de coação é necessário que ocorra facto novo relevante que sirva de fundamento para à alteração da medida de coação vigente.
O art. 212 do C.P.P. refere os casos de revogação das medidas de coação e da sua substituição por outras menos gravosas (podendo consistir na alteração, dentro da mesma medida, para situação mais benévola ao arguido – forma menos gravosa de execução).
Aí se dispõe nos seu nºs 1 e 3:
1. As medidas de coação são imediatamente revogadas, por despacho do juiz, sempre que se verificar.
a) Terem sido aplicadas fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou
b) Terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação.
3. Quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coação, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução.
No caso vertente apenas se verifica alegado que:
- O requerente/recorrente tem cumprido o estipulado na medida de coação (não houve qualquer incidente).
- O arguido mostra-se ordeiro e cumpridor, obediente e zeloso dos seus deveres.
Daqui não resulta qualquer facto novo que justifique que a obrigação de apresentação deve ser executada de forma menos gravosa.
Nem existe qualquer contradição no facto de no despacho recorrido se referir que o comportamento do arguido, alegado no requerimento, “se deve diretamente à ação dissuasora da medida de coação”.
Antes se interroga, se a atenuação das exigências cautelares não implicariam que o arguido deixasse de ter o comportamento ordeiro, cumpridor, obediente e zeloso que alega vem mantendo.
Por outro lado, cumprir com o determinado pela medida de coação não pode nem é fundamento de atenuação das “exigências cautelares”. O contrário (incumprimento) é que pode determinar a alteração e aplicação de medida de coação mais gravosa.
A agravação da medida de coação é consentida se se verificar incumprimento pelo arguido das obrigações resultantes da sujeição a essa medida ou o incumprimento dos deveres processuais que a aplicação de tal medida visa acautelar - ou, no mínimo, o perigo e/ou eminência da sua violação - ou alteração das circunstâncias (cf., neste sentido, o acórdão da Relação do Porto de 17.12.2003, in rec.44780/03 e o acórdão da Relação de Lisboa de 1.2.2005, in rec.685/2005 -5, acessíveis in www.dgsi.pt).
Como se refere no Ac. da Rel. de Guimarães de 19-09-2005, no proc. 1214/05-2, “O simples facto de um arguido não estar a repetir os factos indiciados e estar a cumprir a medida de coação que lhe foi imposta, no caso a de apresentações periódicas, não justifica que se altere tal medida, a saber, alterando a periodicidade das apresentações”.
“Ora não demonstrando os autos qualquer atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua aplicação é evidente que a medida aplicada inicialmente terá de ser mantida”.
E, no Ac. desta Relação de 15-12-2009, no processo 135/09.4PAPBL-A.CI, “a decisão assumida no processo e transitada em julgado deve manter-se, no âmbito do processo, salva a alteração, superveniente, dos seus pressupostos, ainda que obrigando à revisão dos pressupostos, ex oficio, por estarem em causa meras exigências cautelares atentatórias de direitos fundamentais”.
Face ao exposto, julgam-se improcedentes as conclusões do recurso e, consequentemente este.
Decisão:
Acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em julgar não provido o recurso e, em consequência mantem-se o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 Ucs.
Coimbra,