Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1067/20.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: ACOMPANHAMENTO DE MAIOR
SAÚDE
DEFICIÊNCIA
SUPRIMENTO DE CONSENTIMENTO
ACOMPANHANTE
INTERESSE IMPERIOSO DO BENEFICIÁRIO
Data do Acordão: 09/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 138.º, 141.º, 143.º, 2133.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I) O novo regime do maior acompanhado visa a máxima preservação da capacidade do individuo, assente em medidas a adoptar casuisticamente e periodicamente revistas, reduzindo a intervenção ao necessário e suficiente de molde a garantir, sempre que possível, a autodeterminação e a capacidade da pessoa maior incapacitada.

II) Tal regime optou por um alargamento dos casos em que pode ter lugar o acompanhamento de maior, relativamente ao anterior regime taxativo da interdição e inabilitação.

III) Os conceitos de “saúde” e “deficiência” a que alude o artigo 138.º do Código Civil não se cingem à saúde ou deficiência mental ou intelectual, mas abrangem também a saúde e a deficiência física que afectem um cidadão maior e o impeçam de exercer plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou o impeçam de cumprir os seus deveres, também de forma plena, pessoal e consciente.

IV) Justifica-se o suprimento do consentimento para a proposição da acção de acompanhamento de maior quando o requerido/beneficiário não consegue, sozinho, acautelar os seus direitos necessitando de ajuda de terceiros para tal desiderato, encontrando-se nessa situação aquele que apresenta irreversível atraso de desenvolvimento, com atraso mental, decorrente em termos causais de doença metabólica, galactosémia clássica, classificada em avaliação psicológica psicométrica com atraso mental ligeiro (QI total de 61).

V) Na designação do acompanhante é de preferir a escolha formulada pelo próprio acompanhado e, na falta dela, a nomeação deve recair sobre a pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário.

Decisão Texto Integral:


Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- RELATÓRIO:

A… intentou a presente acção de acompanhamento de maior, em benefício de:

B…, solteiro, maior, nascido a 05 de Junho de 1996, filho da requerente e de C…, actualmente com domicílio em …, Leiria.

Alegou, em síntese, que é mãe do requerido/beneficiário o qual desde a infância revelou problemas de saúde, tendo-lhe sido diagnosticado aos sete dias de idade Galactosemia, que é uma doença hereditária do metabolismo dos hidratos de carbono, com incidência no fígado e rins, olhos e sistema nervoso central, que obriga o paciente a seguir uma dieta alimentar própria.

É portador também de perturbação do desenvolvimento e aprendizagem por disfunção frontoparietal cerebelosa secundária a Galactosemia.

Tem ainda um atraso cognitivo global com défices acrescidos nas funções executivas, apresentando também défices significativos nos processos atencionais e significativa lentificação do processo de informação, com alterações nos processos mnésicos.

Em matéria de comunicação verbal o requerido/beneficiário tem articulação deficiente e vocabulário reduzido, sendo que na escrita consegue escrever o nome, embora de modo pouco legível, lendo no espaço público apenas as palavras que já conhece, e no referente a cálculo matemático só faz operações muito simples.

Não utiliza de forma autónoma transportes públicos, demonstrando dificuldades em distinguir direita de esquerda, bem assim tem dificuldades em distinguir as estações do ano, os meses e por vezes o dia do mês.

Está assim impossibilitado por motivo de doença de exercer de forma plena, pessoal e conscientemente os seus direitos, e bem assim de cumprir os seus deveres.

Durante a infância e até fazer 18 anos o requerido/beneficiário viveu com a mãe, sendo que aos 18 anos passou a viver com o pai em Leiria.

Termina peticionando sejam aplicadas as medidas de representação geral, administração geral de bens, autorização pessoal prévia para a prática de actos pessoais previstos no artigo 147º nº2 do CC; a saber, casar, constituir situações de união, perfilhar e adoptar, escolher profissão, deslocar-se no país ou no estrangeiro, fixar domicílio ou residência e testar.

Mais deverão ser-lhe aplicadas medidas de bem-estar e recuperação, que enumera. Indica que será sobre a mãe que deverá recair a função de acompanhante, fixando-se a residência com a mesma e prevendo-se períodos de permanência do requerido/beneficiário com o pai.

Aponta nomes para o conselho de família, solicitando ainda o suprimento de autorização do beneficiário e pedindo a aplicação de medida provisória e urgente, tendente a fixar períodos para o requerido/beneficiário poder estar com a mãe.

Ordenou-se a citação do requerido/beneficiário, e bem assim a publicitação da acção.

Em 23 de Março de 2020 foi certificada a não citação do requerido/beneficiário nos termos que constam da respectiva certidão onde se deixou escrito “certifico que não levei a efeito a citação do acompanhado… uma vez que o mesmo não entendeu o teor da mesma, nem se mostrou capaz de providenciar pela sua execução. Do contacto tido com B…, resultou que o mesmo respondeu com muita dificuldade a perguntas sobre a sua identificação, o nome dos seus progenitores, sua data de nascimento e quanto à sua localização no espaço e no tempo”.

Posteriormente foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 21º nº2 do CPC por via do disposto no artigo 895º nº2 do CPC.

Durante o período para eventual resposta do Ministério Público, veio o requerido/beneficiário juntar aos autos procuração a favor de mandatária, pedindo lhe fosse concedido prazo para apresentação de resposta. Foi declarada cessada a representação por parte do Ministério Público e concedido ao requerido/beneficiário prazo legal para se pronunciar.

Em 28 de Abril de 2020 veio a requerente solicitar exame pericial para averiguação da capacidade do requerido/beneficiário para conferir mandato e intervir no processo, mantendo e reiterando a aplicação de medida provisória já anteriormente pedida. Em 07 de Maio de 2020 foi apresentada a resposta do requerido/beneficiário ao pedido formulado nestes autos.

Nesta conclui o mesmo:

“- Dever a acção ser jugada improcedente por não provada;

- ser ordenada a sua audição pessoal;

- ser deferida a capacidade pessoal para conferir mandato forense e constituir mandatário consubstanciada na procuração forense junta ao processo;

- ser indeferido o pedido de suprimento de autorização requerida pela requerente;

- serem indeferidas as medidas de acompanhamento provisórias pedidas;

- ser conferido ao progenitor a título cautelar e a final as funções de acompanhante;

- ser indeferida a constituição de conselho de família nos termos propostos pela requerente.

Em suma, o requerido/beneficiário entende que o seu pai lhe presta todo o cuidado necessário aos seus problemas de saúde, pelo que não deverá haver intervenção ao nível das medidas pedidas pela requerente, e sendo aplicada alguma medida a mesma deverá ser de âmbito leve, sendo certo que ele requerente tem capacidades que foram melhorando ao longo do tempo, tendo apoios a vários níveis, educacionais, de saúde e desportivos.

Arrolou prova.

A requerente respondeu à resposta do requerido/beneficiário, pedindo de novo; realização de exame pericial para averiguar a capacidade de conferir mandato judicial; seja suprida a autorização do requerido/beneficiário; a fixação de medidas urgentes que de novo são indicadas.

De novo respondeu o requerido/beneficiário juntando elementos documentais. Foi proferido despacho em 19 de Junho de 2020 a solicitar a realização de exame pericial à pessoa do requerido/beneficiário. O requerido/beneficiário juntou novos elementos documentais em 28 de Julho de 2020.

Em 24 de Novembro de 2020 veio a requerente solicitar a aplicação de medidas provisórias como fossem: disponibilização ao requerido/beneficiário de contacto autónomo por telemóvel com ligação ao facebook e instagram; proibição de comportamentos cerceadores das comunicações do acompanhado com a mãe designadamente no que toca à presença intimidatória do pai quando dos telefonemas do acompanhado com a mãe, estabelecimento de dias semanais de permanência com a mãe, bem como períodos de estadia em casa desta, sujeição de todas as actividades formativas e de lazer do acompanhado à decisão de ambos os progenitores. Foram juntos elementos documentais. Respondeu o requerido/beneficiário juntando elementos documentais, e em 3 novos requerimentos juntou mais elementos documentais.

Por despacho de 15 de Dezembro de 2021 (do signatário) admitiram-se os elementos documentais nos autos com a condenação em multa processual à requerente e ao requerido/beneficiário. Indeferiram-se as medidas provisórias solicitadas pela requerente.

Relegou-se para a sentença a apreciação do pedido de suprimento de autorização do beneficiário, bem assim a capacidade do requerido/beneficiário para constituir mandatário como constituiu.

Foi junto em 03 de Fevereiro de 2021 o relatório pericial, o qual foi notificado aos sujeitos processuais. Por despacho de 25 de Fevereiro de 2021 foi marcado para 12 de Março de 2021 (de modo presencial) a audição do requerido/beneficiário, da requerente, e do pai do requerido/beneficiário, indeferindo-se a demais prova testemunhal que havia sido arrolada (artigos 897º e 898 ambos do CPC). Procedeu-se à audição do requerido/beneficiário, da requerente e do pai do requerido/beneficiário no dia 12 de Março de 2021.

O Juízo Local Cível de Leiria julga a acção e, consequentemente, decide:

I- Determinar o acompanhamento de B…, solteiro, maior, nascido a 05 de Junho de 1996, filho de A… e de C…, actualmente com domicílio em …, Leiria.

II- Nomear, para o cargo de acompanhante, B…, ao qual incumbirá exercer as funções de representante geral daquele, com poderes de administração total dos seus bens, devendo zelar pela saúde e bem-estar do B…, e entre o mais providenciar pelo seu acompanhamento em consultas médicas e outras que se revelem necessárias (psicologia, terapia da fala) podendo ainda o mesmo manter-se integrado nas valências em que está, a saber; centro de explicações, clube de ténis, equitação, informática, natação, aulas de incentivo pessoal.

Caberá também ao acompanhante incentivar de forma activa o convívio do B… com a mãe, inibindo-se o primeiro da prática de actos que o impeçam.

III- Designar, como membros do conselho de família com as atribuições constantes do artigo 1954º do Código Civil:

i- A… – vogal com funções de fiscalização permanente da acção do acompanhante (artigo 1955º nº1 do Código Civil) e bem assim das funções a que alude o artigo 1956º do Código Civil.

ii- D…- vogal.

IV- Declarar que o requerido/beneficiário B… não poderá perfilhar, adoptar, doar e testar.

V- Fixar o momento em que a medida de acompanhamento se tornou conveniente, desde pelo menos 05 de Junho de 2014.

V- A presente decisão deverá ser revista de cinco em cinco anos.

Valor da causa (€ 30.000,01)

Sem custas (artigo 4º nº1 alínea l) e n2º alínea h) do RCP).

Registe e Notifique os mandatários da requerente, do requerido/beneficiário, do pai e o Ministério Público.

Notifique a presente decisão ao acompanhante B…, informando-o expressamente de que foi nomeado nessa qualidade, incumbindo-lhe exercer as funções de representante geral de B…, com poderes de administração total dos seus bens, devendo ainda zelar pela saúde e bem-estar daquele e providenciar pelo seu acompanhamento em consultas médicas e outras que se revelem necessárias (psicologia, terapia da fala) podendo ainda o mesmo manter-se integrado nas valências em que está, a saber; centro de explicações, clube de ténis, equitação, informática, natação, aulas de incentivo pessoal. Cabe-lhe também a ele acompanhante incentivar de forma activa o convívio do B… com a mãe, inibindo-se o primeiro da prática de actos que o impeçam.

Notifique os membros designados para o cargo de vogais do conselho de família, indicando-lhes que foram nomeados nessa condição, tendo os poderes a que alude o artigo 1954º do Código Civil, e quanto à vogal A… (requerente), também com as funções de fiscalização permanente da acção da acompanhante (artigo 1955º nº1 do Código Civil) e bem assim das funções a que alude o artigo 1956º do Código Civil.

Após trânsito: - Comunique o teor da presente decisão à Conservatória de Registo Civil competente. - Comunique a presente decisão à Segurança Social (artigo 21º da lei nº 49/2018 de 14 de Agosto).

- Decorrido o período de cinco anos, a partir do trânsito em julgado da presente decisão, faça os autos com Vista ao Exmo. Magistrado do Ministério Público, seguida de conclusão, para efeitos de revisão das medidas de acompanhamento ora decretadas. 

A requerente, A…, não se conformando com a decisão, interpõe o seu recurso, assim concluindo:

1.Ao concluir pela capacidade judiciária do Beneficiário para o presente processo e pela consequente validade da procuração forense por ele conferida, a douta sentença recorrida fez errada apreciação da prova, concretamente do Relatório Médico-Legal dos autos, e violou o disposto nos arts. 141 n. 2 do Código Civil e 15 n. 2 do Código de Processo Civil.

2.Ao deixar de submeter a escolha de domicílio e residência por parte do Beneficiário a autorização prévia, a douta sentença recorrida fez errada apreciação da prova, designadamente do Relatório Médico-Legal dos autos, e violou o disposto no art. 85 ns. 4 e 5 do Código Civil.

3.Ao deixar de definir medidas instrumentais para o acompanhamento, tal como preconizadas na petição inicial e nas alegações de recurso, a douta sentença recorrida violou o disposto nos arts. 140 n. 1 e 145 n. 2  e), ambos  do Código Civil.

4.Ao designar o Pai do Beneficiário para as funções de Acompanhante, e não a Mãe, conforme preconizado na petição inicial, a douta sentença recorrida violou o disposto no art. 143 n. 2 do Código Civil.

5.A procedência da conclusão 4 determina a alteração da composição do Conselho de Família, que deverá ser a preconizada no art. 38 da petição inicial.

6.Pelo exposto, deverá a apelação ser julgada procedente, revogando-se a douta sentença recorrida nas partes abrangidas nas conclusões que antecedem e decidindo-se as mesmas questões no sentido aí defendido, que é o seguinte:

a)Declarar o Beneficiário incapaz para intervir por si no processo, julgando inválida a procuração por ele conferida;

b)Sujeitar a autorização prévia a escolha de domicílio e residência pelo Beneficiário;

c)Definir medidas instrumentais para o acompanhamento, cometendo ao Acompanhante a tarefa de apresentar ao Conselho de Família, para aprovação, em prazo a fixar pelo Tribunal, um plano de actividades de aprendizagem e formação a realizar pelo Beneficiário, privilegiando as que se ajustem às suas características pessoais e possam dar acesso ao exercício de uma profissão e suprimindo as que constituam afectação inconsequente de tempo e esforço, desinserida de um plano coerente de actividades com obediência aos parâmetros acima indicados.

d)Designar a Requerente para o exercício das funções de Acompanhante, fixando a composição do Conselho de Família nos termos preconizados no art. 38 da petição inicial. 

Também o requerido, B…, não se conformando com a decisão, interpõe o seu recurso, assim concluindo:

1ª - Conforme consta, e bem, do ponto 18 da matéria de facto dada por assente, “A extensão da incapacidade cognitiva” do Recorrente “é ligeira, sendo dependente apenas para realização de tarefas mais complexas da sua vida diária”.

2ª - O Recorrente considera, porém, que os pontos 15, 17 e 26 da matéria de facto foram incorretamente julgados e, principalmente, incorretamente interpretados pelo Tribunal “ a quo”, em contradição evidente (no sentido que deles é extraído pela Douta Sentença recorrida).

3ª Passam-se a indicar tais pontos (640º, nº 1, a) do CPC:

PONTO 15: “ Apresenta um irreversível atraso de desenvolvimento, com atraso mental, decorrente em termos causais de doença metabólica, galatosémia clássica, classificada em avaliação psicológica, psicométrica com atraso mental ligeiro (QI total de 61”;

PONTO 17: “ O quadro clínico é crónico e irreversível, tendo tendência para se manter ao longo da vida”.

PONTO 26: “A sua atenção é fixável, mas a memória de curto e de longo prazo estão prejudicadas.”.

4ª - Dos referidos pontos da matéria de facto, levou o Tribunal “ a quo” a considerar da seguinte forma na Douta Sentença recorrrida, referindo-se ao Recorrente: - “A sua situação de saúde e de vida torna-o portador de insuficiência que o impede de efectuar algumas tarefas (…) o que, em síntese, nos permite concluir que o mesmo se encontra impossibilitado total e definitivamente de exercer de forma plena, pessoal e completamente consciente, todos os seus direitos (..) e deveres”.

5ª - Esta ilação retirada de tais pontos, revela o manifesto erro em que o Tribunal “ a quo” incorreu no julgamento dos pontos 15, 17 e 26 da matéria de facto  provada.

6ª - Efectivamente, a “irreversibilidade” apresentada pelo perito médico respeita à sua doença: a galatosémia e à “ligeira deficiência cognitiva” que esta doença lhe determinou.

7ª - Coisa diferente, porém, é a possibilidade de – DENTRO DAS SUAS CAPACIDADES, ATENTO O GRAU LIGEIRO QUE A SUA DEFICIÊNCIA COGNITIVA APRESENTA (vide ponto 18 da matéria provada) – o Recorrente poder evoluir na forma e aptidões de reger a sua pessoa e seus bens, na obtenção de conhecimentos e estratégias que lhe confiram cada vez uma maior autonomia e confiança.

8ª - A consideração isolada dos pontos da matéria de facto impugnados determina que – como, aliás fez o Tribunal “ a quo” – se possa erradamente crer que o Recorrente não possa melhorar as suas aptidões pessoais: em termos de desenvoltura no discurso, melhorar processos de cálculo, aprender uma profissão etc.

9ª - E é por não se explicar devidamente em que consta a “irreversibilidade” apontada nos mesmos pontos, que o teor dos mesmos se afigura obscuro, enganador, logo, erradamente julgado.

10ª - A galactesomia de que padece o Recorrente – é uma doença do foro metabólioco, e não do foro psiquiátrico (veja-se, a este respeito, a notícia da Revista Sábado cuja cópia se junta, para melhor esclarecimento – requerendo seja admitida junção, face à especial necessidade de esclarecer este concreto tema, para plena compreensão da “irreversibilidade” que consta dos temas de prova em análise (DOC. Nº 1).

11ª - Da análise dos elementos juntos aos autos, afere-se facilmente que o Recorrente se encontra em processo de formação e melhoria das suas aptidões e capacidades, acreditando este e os técnicos que o acompanham que tais aptidões e capacidades vão melhorar (a doença é irreversível, a consequência para o defit cognitivo também o será, mas a exploração da sua capacidade cognitiva e maximização das suas capacidades encontra-se em curso – contrariando a ideia de ireeversibilidade das limitação a valências individuas sentenciada).

12ª Apontam-se, assim, os seguintes meios probatórios, para efeitos de comprovar o erro de julgamento da matéria de facto que inquina a Douta Sentença recorrida:

a) Relatório da Psicóloga Dra. E…, datado de 04/12/2020 (técnica que acompanha regularmente o Recorrente, presencialmente), cujo teor aqui se dá por reproduzido e do qual consta o mesmo frequentar educação especial e terapia da fala “denotando-se evolução positiva em ambos os contextos”;

b) Relatório da Técnica Superior de Educação Especial e Reabilitação F…, de 03/12/2020, cujo teor também se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta o seguinte: “ Tem evoluído na precisão e fluência leitora, na interpretação oral de textos e notícias da actualidade bem como em conceitos de geografia funcional como informações acerca do País, Distritos e Concelhos. Tem também evoluído na forma como se expressa e fala acerca dos temas trabalhados.Consegue interpretar textos funcionais como ementas e textos relacionados com temas da actualidade (exº: Covid 19). No domínio da matemática, tem melhorado o cálculo mental que lhe permite ser mais ágil na utilização do dinheiro. Este trabalho tem sido desenvolvido em articulação com o Centro de Estudos e Terapeuta da Fala”;

c) Relatório de Avaliação do Recorrente realizado pela Professora G…, de 01/12/2020, cujo teor também se dá por reproduzido: - “ ao nível da oralidade, o B… demonstrou uma clara evolução, tendo vindo a conseguir construir, paulatinamente, um discurso cada vez mais coerente e complexo. O domínio e extensão do seu vocabulário vai-se alargando com o tempo, e o mesmo se passa ao nível sintático (…). Ao nível da leitura, esta tem-se tornado cada vez mais fluente (…). Quando lê (…) o B… não apenas decifra o código alfabético como compreende o que está a ler, o que tem resultado em melhorias significativas ao nível da sua autonomia para a realização de tarefas de leitura, escrita e de análise e compreensão de textos; - Referindo-se ao raciocínio lógico matemático, esta professora refere também os progressos do Recorrente: “Esta foi a área em que o B… o apresentou uma maior evolução, pois, inicialmente” (leia-se, quando iniciou a sua formação intensiva em Leiria, quando veio viver para esta cidade) só conhecia algumas tabuadas sem reconhecer o seu valor para a vida quotidiana e sabia operar com números pequenos.”

c) Relatório da Psicomotricista H… de 08/12/2020, cujo teor igualmente se dá por reproduzido e revela o seguinte: “ Actividades como o maneio (limpeza) do cavalo têm ajudado o B… a melhorar a sua destreza manual, a sua coordenação motora e tem-se promovido também a memória e sequencialização de tarefas. Já na condução do cavalo com rédeas, tem sido possível o B… melhorar a sua dissociação motora, lateralidade e organização espacial”;

d) Relatório do Treinador I…, de Dezembro de 2020: - “Fico muito feliz ao ver a evolução do B… (…) no que diz respeito à sua evolução técnica ele esta´com um jogo mais consistente e já apresenta domínio técnico de algumas pancadas de ténis, sendo a direita mais segura com top-spin e uma pancada esquerda com eficácia. (…) mostra muito interesse em aprender (…) ama o ténis.”;- Expressa ainda este técnico a possibilidade clara do B… realizar o seu sonho de ser monitor de ténis ou até professor adjunto da modalidade, o que, aliás, o Recorrente expressou em Juízo corresponder ao seu desejo de realização profissional.

e) PROVA GRAVADA: Recorrente Acompanhado B…, gravado na audiência de 12-03-2021, entre as 10:31:54 e as 10:32:31, que, em seguida, parcialmente se transcreve: [Minutos 00:00:17 a 00:00:31] – DOC. Nº 2. Declarações do Recorrente agora transcritas, ao minuto 00:00:17 a 00:00:31 da sua inquirição pela Mandatária signatária, perguntado sobre o que gostaria um dia de fazer para ganhar a vida, para trabalhar, este responde de forma clara e assertiva, devendo este aspecto da prova gravada ser devidamente apreciado e  valorizada pelo Tribunal de Recurso, como revelando uma grande motivação e consciência por parte do Recorrente no sentido de superar as suas dificuldades e alcançar um objectivo profissional para a sua vida (que contrasta com as considerações de “irreversibilidade das suas capacidades sentenciada pelo Tribunal “ a quo”), a saber 00:00:17 ADVOGADA: … o que é que tu queres fazer um dia como trabalho, para ganhar a vida e te realizares profissionalmente? O que é que tu gostavas? 00:00:27 ACOMPANHADO: Eu gostava de ser professor de ténis.

13ª - Todos os elementos probatórios, atrás indicados, evidenciam um processo de evolução em curso por parte do Recorrente, um processo de aprendizagens e aquisição de valências em curso que determinam não possam ser consideradas “irreversíveis” as limitações que a sua doença ainda hoje lhe determina – sendo que a Requerente, ora Recorrida, se limita a juntar aos autos documentos não actuais ou até produzidos por técnicos que reconhecem nunca terem sequer estado com o Recorrente.

14ª - E os pontos da matéria de facto que foram apontados como incorrectamente julgados deverão, em conformidade, esclarecer que, apesar da galectosémia de que padece ser irreversível, as suas aptidões e valências actuais podem, desde que  seguida estratégia de formação em curso, ser melhoradas, que as suas limitações podem efectivamente ser diminuídas.

15ª – Deverá, em face do exposto, ser alterada a decisão proferida sobre os pontos da matéria de facto impugnados nos seguintes termos: - PONTO 15: “ Apresenta um irreversível atraso de desenvolvimento, com atraso mental, decorrente em termos causais de doença metabólica, galatosémia clássica, classificada em avaliação psicológica, psicométrica com atraso mental ligeiro (QI total de 61”, podendo as suas capacidades ser incrementadas com mecanismos de aprendizagem, treino e formação, por forma a diminuir as limitações que apresenta, conforme revela a vontade expressa do Recorrente nesse sentido e permite o seu déficit cognitivo ligeiro, conjugado com as diligências de formação que frequenta;

- PONTO 17: “ O quadro clínico de galectosemia é crónico e irreversível, tendo tendência para se manter ao longo da vida”.

PONTO 26: “A sua atenção é fixável, mas a memória de curto e de longo prazo estão prejudicadas.”, podendo as suas capacidades ser incrementadas com mecanismos de aprendizagem, treino e formação, por forma a diminuir as limitações que apresenta, conforme revela a vontade expressa do Recorrente nesse sentido e permite o seu déficit cognitivo ligeiro, conjugado com as diligências de formação que frequenta;

16ª - A matéria alegada nas conclusões anteriores também pode ser analisada numa perspectiva de erro de julgamento, de aplicação do Direito aos factos dados por assentes, ou seja, mesmo que não sejam alterados os pontos da matéria de facto impugnados, nunca o tribunal “ a quo” deveria ter concluído da seguinte forma, que consta da Douta Sentença recorrida: - “A sua situação de saúde e de vida torna-o portador de insuficiência que o impede de efectuar algumas tarefas (…) o que, em síntese, nos permite concluir que o mesmo se encontra impossibilitado total e definitivamente de exercer de forma plena, pessoal e completamente consciente, todos os seus direitos (..) e deveres”.

17ª - Efectivamente, a “irreversibilidade” apresentada pelo perito médico respeita à sua doença: a galatosémia e à “ligeira deficiência cognitiva” que esta doença lhe determinou: Coisa diferente, porém, é a possibilidade de – MESMO SOFRENDO DA DOENÇA, COMO APRESENTA UM DEFICIT COGNITIVO MERAMENTE “LIGEIRO”– o Recorrente poder evoluir na forma e aptidões de reger a sua pessoa e seus bens, na obtenção de conhecimentos e estratégias que lhe confiram cada vez uma maior autonomia e confiança.

18ª - O Tribunal “ a quo” errou, não percebeu devidamente sobre o que trata a doença de que padece o Recorrente e sentenciou uma irreversibilidade  relativamente às aptidões e capacidades daquele completamente desfasada da realidade dinâmica e de superação que se encontra documentada nos autos.

19ª - O Tribunal “ a quo” errou também ao retirar da situação clínica do Recorrente os fundamentos para suprir a autorização do Recorrente para propor a acção de acompanhamento, ao abrigo dos artºs 141º e 2133º do C. Civil. – fundamentando tal suprimento apenas no relatório médico, de forma desenquadrada e sem ter compreendido em que consite da doença de que padece o Recorrente nos termos indicados em tal relatório: - É óbvio quase de experiência comum que quem padece apenas de uma incapacidade congnitiva ligeira consegue ajuizar por si se necessita ou não de uma medida de acompanhamento… sendo que, não resulta do processo qualquer dificuldade de subsistência ou falta de qualquer tipo de apoio, ou qualquer vicissitude sequer (necessidade de fazer negócios, mudança de estilo de vida, etc) que justifique qualquer “suprimento” ou “necessidade de protecção”.

20ª - Bem andou, assim, a Douta Sentença recorrida, ao considerar que “ … Não cabe no âmbito destes autos criar qualquer regime de «visitas» entre a requerente e o requerido/beneficiário, pois este é maior e não pode ser compelido a ver ou estar com pessoas, devendo poder fazê-lo se assim o entender…”.

21ª - Porém, mal andou o Tribunal “ a quo” ao acrescentar à afirmação acima transcrita a seguinte determinação, em sentido manifestamente contraditório, que também se passa a transcrever: - “Caberá também ao acompanhante incentivar de forma activa o convício do…” Recorrente “… com a mãe…”.

22ª - O Recorrente é maior e, conforme consta da Douta Sentença recorrida e do Relatório do IML que consta dos autos bem como do teor do seu depoimento, a sua incapacidade congnitiva é apenas ligeira, pelo que não aceita, por isso, nem ser coarctado, nem incentivado, nem coagido, nem influenciado para estar com o seu pai ou com a sua mãe: a decisão de estar com cada um dos seus progenitores, conforme lhe aprouver e for da melhor conveniência para eles e para o Recorrente deve competir a ele, Recorrente, nos termos em que decidir, sem qualquer razão legal para o Tribunal se imiscuir em tal matéria.

23ª - A imposição realizada na Douta Sentença recorrida, no sentido de “dever ser incentivado”, para além de coactar a liberdade individual de forma ilegítima (em violação das normas atrás referidas) apresentar-se, além do mais, em manifesta contradição com a proibição de o tratar como menor e impor “regime de visitas” que o próprio Tribual “ a quo” reconhece e viola artºs 147º do C. Civil, 13º da Constituição da República Portuguesa e 19º b) e 20º da da Convenção de Nova Iorque Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ratificada pelo Estado Português).

24ª – A Douta Sentença recorrida violou igualmente o caracter de subsidariedade e necessidade que impõem as normas dos artºs 138º a 145º do C. Civil, como pressuposto para aplicação do regime de acompanhamento de maiores.

25ª – Efectivamente, transpondo estes princípios de subsidariedade e necessidade para o caso em análise, retiramos as seguintes ilações: a) O Recorrente padece de galactosemia, que é uma doença metabólica;b) Tal doença determina-lhe uma deficiência cognitiva meramente ligeira (vg.Ponto 18 matéria provada);c) O Recorrente está em processo de formação, desempenhando uma série de actividades para incrementar as suas competências físicas e psicológicas no  sentido de tentar, um dia, ser monitor ou professor de ténis;d) Apenas necessita de apoio para a execução de tarefas complexas; e) Porém, da rotina que se encontra exaustivamente plasmada nos autos não decorre que, no quadro actual da sua vida, em processo de formação e com o apoio incondicional de seus progenitores (como reconhece o Tribunal), seja expectável que vá desempenhar alguma “tarefa complexa” ;f) Nada ficou provado nos autos no sentido de ser necessária, pelo menos actualmente, a fixação de qualquer medida de acompanhamento ao Recorrente: pelo contrário, ficou assente que o Recorrente reside com seu pai e tia e que ambos os progenitores estão disponíveis para lhe disponibilizar assistência; g) O único diferendo que ficou provado nos autos diz respeito às dificuldades de relacionamento entre seus pais e a tentativa da Recorrida, sua mãe, lhe impor um regime de visitas, tal como se ele fosse menor, insistindo – até de forma iníqua – em o menorizar, persistindo em quer dar-lhe ordens e tratar o Recorrente como se de um menor de tenra idade se tratasse, que lhe devesse subordinação total e obediência.

26º - De tudo quanto ficou alegado nas anteriores alíneas a) a g) resulta que:

I - Não se verificam in casu os pressupostos para ser suprida a sua autorização para propor a presente acção de acompanhamento – pelo que a Douta Sentença recorrida viola os artºs 141º e 2.133º do C. Civil;

II - Não se verificam in casu os pressupostos para aplicação de qualquer medida de acompanhamento do Recorrente, por não se verificarem quaisquer circunstâncias que a tornem necessária, atento o quadro de vida actual do Recorrente que se encontra descrito nos autos conjugado com a forma ligeira de da sua incapacidade cognitiva e o processo de desenvolvimento das suas aptidões em curso – pelo que se encontram violados os princípios de subsidiariedade e necessidade que enformam o regime legal dos artºs 138º a 145º do C. Civil, também por isso objectivamente violados pela Douta Sentença Recorrida;

III - O Tribunal “a quo” viola os direitos de personalidade do Recorrente, não o respeitando como maior, ao determinar “incentivos” à sua conduta de visita a um ou outro progenitor – de forma completamente falha de qualquer fundamentação legal, menorizando de forma ilegítima o Recorrente, sem levar em consideração que a sua doença é meramente de caracter metabólico e que a incapacidade cognitiva que o afecta é meramente ligeira – como, aliás, se encontra provado nos autos.

27ª – A Douta Sentença recorrida – quer na parte em que determina suprimento da autorização do Recorrente para instauração de acção de acompanhamento, quer na parte em que determina aplicação da medida propriamente dita, e ainda na parte em que emite ordem de o Recorrente se ver sujeito aos “incentivos” ordenados ao seu acompanhante – viola as normas jurídicas dos artºs 138º a 147º e 2.133º do C. Civil, artº 13º da Constituição da República Portuguesa e artº 20º da Convenção de Nova Iorque Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ratificada pelo Estado Português), as quais deveria ter interpretado e aplicado por forma a concluir conforme anteriores conclusões 1ª a 26º, não admitindo o suprimento referido nem aplicando medida de acompanhamento; não deveria igualmente ter determinado qualquer “dever de incentivo ao seu acompanhante”, pois tal sujeição do Recorrente a “incentivo” menoriza-o e discrimina-o, nos termos atrás expostos, e viola os seus mais elementares direitos de personalidade;

28ª – Deve, assim, tal Sentença ser integralmente revogada, julgando-se totalmente improcedente a acção instaurada pela Recorrida.

As partes produziram contra-alegações.

2. Do objecto do recurso/ questões a decidir:

                       

(…)

O Juízo Local Cível de Leiria assentou, assim, a sua matéria de facto:

a. Provados:

Dos elementos constantes dos autos (documentais e audições) estão provados os seguintes factos:
1- B…, nasceu a 05 de Junho de 1996, e encontra-se registado como filho de C… e de A….

2- Desde o nascimento, e até meados de 2015, viveu primeiro com os progenitores, e após separação dos mesmos em inicio de 1998, com a progenitora.

3- Em meados de 2015, B…, passou a viver com o pai e com uma tia, irmã do pai, em Leiria.

4- A mãe visitava o B… umas vezes deslocando-se a Leiria, outras vezes deslocando-se o filho a Lisboa.

5- Desde inícios de 2020 tem sido mais esparsas as visitas, sendo que a última vez que a progenitora esteve com o seu filho, deslocando-se de Lisboa a Leiria, foi em Janeiro de 2021.

6- Entre os progenitores, o relacionamento existente pauta-se, por vezes, por dificuldades de comunicação entre ambos, no que tange ao que seja melhor para o B….

7- O B… tem frequência do 9º ano do regime especial.

8- Encontra-se matriculado em centro de explicações na cidade de Leiria, onde lhe são ministradas entre outras, aulas de Português.

9- Os seus colegas no centro de explicações têm idades compreendidas entre os 12 e 14 anos.

10- Durante a semana tem aulas de natação, ténis, terapia da fala, informática, equitação, técnicas de equipa onde lhe são explicados alguns jogos e textos.

11- Algumas das actividades indicadas em 10, estão suspensas por via da situação pandémica.

12- O B… tem ainda aulas de incentivo pessoal, designadas por “coaching”, 1 vez por semana de 15 em 15 dias.

13- Frequenta consultas de psicologia desde há cerca de 1 ano.

14- Recebe a quantia de € 280,00 de apoios da segurança social.

15- Apresenta um irreversível atraso de desenvolvimento, com atraso mental, decorrente em termos causais de doença metabólica, galactosémia clássica, classificada em avaliação psicológica psicométrica com atraso mental ligeiro (QI total de 61).

16- Tal situação clínica tem como consequências directas, a incapacidade para vida autónoma sem supervisão, sendo dependente de terceiros na gestão das tarefas mais complexas da vida diária.

17- O quadro clínico é crónico e irreversível, tendo tendência para se manter ao longo da vida.

18- A extensão da incapacidade cognitiva é ligeira estando, contudo, o funcionamento social e autonomia prejudicados.

19- O quadro clínico acima referido está presente desde o nascimento, mas melhor quantificado aquando do ingresso do B… na escola primária.

20- Apresenta dificuldades na expressão oral, sendo o seu discurso pobre.

21- Apesenta dificuldades em executar tarefas relacionadas com o troco de dinheiro e operações aritméticas a ele associados.

22- Está orientado no tempo.

23- Desconhece o que quer dizer o provérbio “em casa de ferreiro espeto de pau” sabendo o que quer dizer o provérbio “grão a grão enche a galinha o papo”.

24- Come por mão própria e trata da sua higiene pessoal.

25- Tem algumas dificuldades em orientar-se espacialmente, embora consiga ir sozinho a alguns locais que já conhece.

26- A sua atenção é fixável, mas a memória de curto e longo prazo estão prejudicadas.

27- Não toma medicação de forma regular.

28- Tanto o pai como a mãe demonstram interesse no B…  e no seu bem-estar, qualquer deles tendo condições para as funções de acompanhante.

29- O B… pretende continuar a viver em Leiria com o pai.

*

Factos não provados:

Com relevância para a boa decisão da causa, inexistem. 

E motivou-a assim:

“A prova dos factos 1º a 29º resulta do seguinte:

- assento de nascimento (junto com a petição inicial como documento nº1);

- documentos juntos com a contestação/oposição (nenhum deles numerado) mormente: relatório de terapia da fala de Novembro de 2015; relatório da Academia da Matemática e das Línguas de 12 de Março de 2020; declaração do centro de Ténis de Leiria de Fevereiro de 2020; declaração de centro de explicações “K…” datado de 17 de Fevereiro de 2020;

- perícia efectuada pelo INML e posterior relatório, remetido a este processo em 03 de Fevereiro de 2021; - audição do requerido/beneficiário, da requerente A… e de C… levados a cabo neste Tribunal no dia 13 de Março de 2021 (vide acta que antecede);

Da conjugação de todos aqueles elementos probatórios, bem assim da concatenação dos vários requerimentos apresentados pelos sujeitos processuais onde fica demonstrada a existência de difíceis relações entre os progenitores, resultam assentes, sem margem para qualquer dúvida, os factos acima aludidos”.

(…)

I. Do recurso da requerente:

a) Da validade da procuração forense subscrita pelo Beneficiário;

A 1.ª instância relegou, e bem, para a decisão final do procedimento, a apreciação do pedido de suprimento de autorização do beneficiário, bem assim a capacidade do requerido/beneficiário para constituir mandatário como constituiu.

Pegando nas suas palavras:

“Pois bem, atente-se no relatório pericial junto aos autos a 03 de Fevereiro de 2021 o qual nas suas conclusões é claro ao referir, e passa-se a citar:

“1- O examinado apresenta um irreversível atraso de desenvolvimento, com atraso mental, decorrente em termos causais de doença metabólica, galactosémia clássica, classificada em avaliação psicológica psicométrica com atraso mental ligeiro (QI total de 61). 2- A situação clínica nos termos acima mencionados, tem como consequências diretas a incapacidade para vida autónoma sem supervisão, sendo dependente de terceiros na gestão das tarefas mais complexas.

3- (…)

4- A extensão da incapacidade cognitiva é ligeira, sendo que a descrição da entrevista, a informação fornecida pelos pais a par da observação psiquiátrica, são suficientemente eloquentes permitindo afirmar estar o funcionamento social e autonomia prejudicados”.

(…) Da capacidade para outorgar procuração a favor de mandatário por parte do requerido/beneficiário.

Voltando ao relatório acima referido e ao seu ponto 4, verifica-se que a extensão da incapacidade cognitiva é ligeira, demonstrativo assim que o requerido/beneficiário tem alguma capacidade de decisão, de compreensão e de discernimento.

Pelo que, e se é certo necessitar de ajuda de terceiros tal qual resulta do relatório pericial, não se pode concluir que no momento em que outorgou procuração a favor de mandatário, ainda que coadjuvado na escolha do mesmo pelo seu pai, conforme disse, não soubesse o que estaria a fazer.

Assim, não há razões para concluir pela invalidade da procuração ou de que não esteja devidamente representado.

Pelo que está o requerido/beneficiário devidamente representado em juízo”.

De facto, a prova científica dá-nos, neste momento, esta certeza: “A extensão da incapacidade cognitiva” do Recorrente “é ligeira, sendo dependente apenas para realização de tarefas mais complexas da sua vida diária” - ponto 18 da matéria de facto dada por assente.

Os tribunais e todos os intervenientes na feitura da Justiça, não podem arredar a nova filosofia, terrivelmente humanista, do novo regime do maior acompanhado: visa a máxima preservação da capacidade do individuo, assente em medidas a adotar casuisticamente e periodicamente revistas, reduzindo a intervenção ao mínimo possível, isto é, ao necessário e suficiente de molde a garantir, sempre que possível, a autodeterminação e a capacidade da pessoa maior incapacitada; proteger sem incapacitar – nas felizes palavras do Prof. Pinto Monteiro, in “Das Incapacidades ao Maior Acompanhado – Breve Apresentação da Lei nº. 49/2018”, in cadernos do CEJ – “O Novo Regime Jurídico do maior Acompanhado -, pág. 31”.

Coloca-se um ponto final no sistema da total incapacidade da pessoa humana, própria do anterior instituto da interdição, parte-se do princípio que todo o ser humano maior é capaz do exercício dos seus direitos, sejam pessoais ou patrimoniais, flexibiliza-se o sistema no sentido de se adaptar a ablação dessa capacidade à incapacidade própria da pessoa concreta, estabelece-se que essa ablação visa a satisfação dos interesses da própria pessoa com incapacidade e procura-se que esta, na medida do possível, isto é, na exata medida em que as suas capacidades e incapacidades o permitam fazer, participe na tomada das decisões relativamente à sua pessoa e/ou património e tenha a última palavra sobre esses assuntos, não sendo aquela, pura e simplesmente, “substituída”, mas sim tratada de acordo com o seu estatuto de pessoa humana, com dignidade própria e, por isso, sujeito de direitos e obrigações e com o direito à liberdade e autodeterminação. Por outro lado, limita-se à intervenção ao mínimo possível, isto é, ao necessário e suficiente a garantir a autodeterminação e a capacidade da pessoa maior incapacitada, dentro dos circunstancialismos concretos, máxime, das suas capacidades e incapacidades – neste sentido, por ex., os acórdãos desta Relação de 04.06.2019 e 10.12.2019; da Relação do Porto de 29.4.2021 – relator desembargador Filipe Caroço, disponíveis, em www.dgsi.pt.

No seguimento do conhecimento desta questão, haverá que apreciar, desde já, esta outra - alegada pelo apelante pai:

O Tribunal “a quo” errou ao retirar da situação clínica do Recorrente os fundamentos para suprir a autorização do Recorrente para propor a acção de acompanhamento, ao abrigo dos artºs 141.º e 2133.º do Código Civil?

Alega o apelante que a “Sentença recorrida violou igualmente o caracter de subsidariedade e necessidade que impõem as normas dos artºs 138º a 145º do C. Civil, como pressuposto para aplicação do regime de acompanhamento de maiores. Efectivamente, transpondo estes princípios de subsidariedade e necessidade para o caso em análise, retiramos as seguintes ilações: a) O Recorrente padece de galactosemia, que é uma doença metabólica;b) Tal doença determina-lhe uma deficiência cognitiva meramente ligeira (vg.Ponto 18 matéria provada);c) O Recorrente está em processo de formação, desempenhando uma série de actividades para incrementar as suas competências físicas e psicológicas no  sentido de tentar, um dia, ser monitor ou professor de ténis;d) Apenas necessita de apoio para a execução de tarefas complexas;e) Porém, da rotina que se encontra exaustivamente plasmada nos autos não decorre que, no quadro actual da sua vida, em processo de formação e com o apoio incondicional de seus progenitores (como reconhece o Tribunal), seja expectável que vá desempenhar alguma “tarefa complexa” ;f) Nada ficou provado nos autos no sentido de ser necessária, pelo menos actualmente, a fixação de qualquer medida de acompanhamento ao Recorrente: pelo contrário, ficou assente que o Recorrente reside com seu pai e tia e que ambos os progenitores estão disponíveis para lhe disponibilizar assistência; g) O único diferendo que ficou provado nos autos diz respeito às dificuldades de relacionamento entre seus pais e a tentativa da Recorrida, sua mãe, lhe impor um regime de visitas, tal como se ele fosse menor, insistindo – até de forma iníqua – em o menorizar, persistindo em quer dar-lhe ordens e tratar o Recorrente como se de um menor de tenra idade se tratasse, que lhe devesse subordinação total e obediência.

Conclui: “De tudo quanto ficou alegado nas anteriores alíneas a) a g) resulta que: I - Não se verificam in casu os pressupostos para ser suprida a sua autorização para propor a presente acção de acompanhamento – pelo que a Douta Sentença recorrida viola os artºs 141º e 2.133º do C. Civil”.

Ou seja, na perspectiva do apelante, não estão verificados os pressupostos para aplicação de qualquer medida de acompanhamento do Recorrente, por não se verificarem quaisquer circunstâncias que a tornem necessária, atento o quadro de vida actual do Recorrente que se encontra descrito nos autos conjugado com a forma ligeira de da sua incapacidade cognitiva e o processo de desenvolvimento das suas aptidões em curso.

Será assim?

O artigo 138º do Código Civil determina: “O maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código.”

Como sabemos, o estatuto jurídico do maior acompanhado afastou-se do anterior sistema das interdições e inabilitações. Neste o acento tónico era colocado, na interdição, na incapacidade de os interditos governarem “suas pessoas e bens”  - art.º 138º, nº 1, na redacção anterior à introduzida pela Lei nº 49/2018, de 14-08 -  e na incapacidade de os inabilitados “se mostrarem incapazes de reger convenientemente o seu património”  - art.º 152º, também na versão primitiva.

Na legislação aplicável ao maior B…, releva a (im)possibilidade de exercer os seus direitos ou de cumprir os seus deveres, o que pode ocorrer por razões de saúde, por deficiência ou pelo comportamento. Se necessita de apoio de terceira pessoa nas actividades da vida diária, tal significa que não consegue exercer plena e pessoalmente os seus direitos - A Lei n.º49/2018 optou por um alargamento dos casos em que pode ter lugar o acompanhamento de maior, relativamente ao anterior regime taxativo da interdição e inabilitação; os conceitos de “saúde” e “deficiência” a que alude o art.º 138.º do Código Civil, não se cingem à saúde ou deficiência mental ou intelectual, mas abrangem também a saúde e a deficiência física que afetem um cidadão maior e o impeçam de exercer plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos; ou o impeçam de cumprir os seus deveres, também de forma plena, pessoal e consciente. O nº 2 do artigo 140º apenas exclui o acompanhamento sempre que o seu objectivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam.

Como escreve a apelada mãe: 

“Tem vindo a ser orientação constante da jurisprudência que a decretação da medida de acompanhamento de maior tem dois pressupostos: Um positivo - a necessidade, designadamente quanto a alguma das medidas previstas no art. 145.º n.º 2 do Código Civil; Outro negativo – a subsidiariedade – consagrado no art. 140.º n.º 2 do citado Código.

Ora, no caso vertente, o Relatório da Perícia Médico-Legal comina expressamente, nas suas conclusões:7. Em função do supra descrito, do ponto de vista estritamente clínico ao examinando deverá ser atribuído um regime de representação geral.8. Do ponto de vista estritamente médico-legal e em razão da funcionalidade e cognição supra descritas, o examinando necessita ainda da medida de acompanhamento prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 145.º do C.C., ou seja, da administração total de bens.14. Face ao exposto, somos do parecer que o examinando globalmente cumpre os pressupostos médico-legais previstos no art. 138.º do Código Civil para beneficiar do regime de maior acompanhado. As conclusões da Perícia Médico-Legal preconizam, por conseguinte, a aplicação dos regimes de representação geral e de administração total de bens.

Na sua formulação, o regime de representação geral deverá ser fixado, do ponto de vista estritamente clínico.

E o regime de administração total de bens constitui uma necessidade do examinando, do ponto de vista estritamente médico-legal e em razão da funcionalidade e cognição supra descritas.

Significa isto que, do ponto de vista médico-legal, a aplicação dos regimes de representação geral e de administração parcial de bens constitui uma necessidade do Beneficiário. Ora é do ponto de vista médico-legal que a questão da necessidade tem de ser aferida para que, depois, possa ser judicialmente decidida. É ainda de salientar que estes dois regimes – a representação e a administração de bens – foram indicados como necessários na maior extensão em que a lei os prevê: a representação geral e a administração total de bens. Por outro lado, não é pressuposto da necessidade que a celebração de negócios jurídicos de relevo faça parte do quotidiano do Beneficiário, já que tal não faz parte do quotidiano da generalidade das pessoas.E sobre o suposto carácter ligeiro da incapacidade cognitiva e os juízos sobre a possibilidade de evolução positiva das consequências da doença já acima se afastou a pertinência e o fundamento de tal argumentação.Mas recorde-se, mais uma vez, a súmula já feita das conclusões do Relatório Pericial:- O Atraso de Desenvolvimento, com atraso mental, é irreversível (ccl 1);- A situação clínica tem como consequências directas incapacidade para a vida autónoma sem supervisão, sendo dependente de terceiros na gestão de tarefas mais complexas (ccl. 2);- O quadro clínico é crónico e irreversível e deverá, pois, manter-se ao longo da vida (ccl. 3); - O funcionamento social e a autonomia estão prejudicados (ccl. 4);- O quadro clínico descrito tende à estabilidade (ccl. 6);- Ao examinando deverá ser atribuído um regime de representação geral (ccl. 7);- O examinando necessita ainda da medida de acompanhamento de administração total de bens (ccl. 8);- A responsabilidade de aceitar ou recusar tratamentos não lhe deve ser confiada, uma vez que a sua imaturidade pode prejudicar a decisão (ccl. 9);- O examinando cumpre os pressupostos médico-legais para beneficiar do regime de maior acompanhado (ccl. 14).Este conjunto de conclusões, em sede de perícia forense psiquiátrica, é incompatível com outra conclusão que não seja a da necessidade da aplicação da medida de acompanhamento de maior, com os regimes de representação geral e administração total de bens. Vista a ocorrência do pressuposto positivo da necessidade, vejamos o que os autos revelam quanto ao pressuposto negativo da subsidiariedade. Atente-se, neste âmbito, ao teor do n.º 2 do art. 140.º do Código Civil:

2- A medida não tem lugar sempre que o seu objectivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam.

A letra do preceito é unívoca: para que a aplicação da medida, quando necessária, seja afastada, é preciso que o seu objectivo – a protecção do Beneficiário – esteja garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam.

Aqui, há que recorrer, mais uma vez, ao Relatório Pericial.

A incapacidade para a vida autónoma sem supervisão, a dependência de terceiros para as tarefas mais complexas, o carácter crónico e irreversível da doença, o funcionamento social e a autonomia afectados, o não poder ser-lhe confiada a responsabilidade de aceitar ou recusar tratamentos, tudo são limitações cujo suprimento não fica garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam.

A estas conclusões do exame médico-legal acrescem os factos dados como provados:

- tem dificuldades na expressão oral e discurso pobre (20);

- tem dificuldades em executar tarefas relacionadas com o troco de dinheiro e operações aritméticas a ele associadas (21);

- não interpreta alguns provérbios correntes (23);

- tem dificuldades em orientar-se espacialmente (25);

- a atenção é fixável, mas a memória de curto e longo prazo estão prejudicadas (26);

A incapacidade do Beneficiário abrange aspectos relevantes da sua vida quotidiana, dos cuidados com a sua saúde, do seu relacionamento social e da própria subsistência, cujo suprimento não está garantido através do simples funcionamento de apoios familiares ou da colectividade, visto que estes apoios, mesmo quando existem, não permitem suprir a vontade do Beneficiário relativamente às questões que se lhe colocarem e que ele mesmo não esteja apto a avaliar e decidir”.

Por isso, bem andou a 1.ª instância quando escreve:

“A requerente é mãe do requerido/beneficiário e, portanto, sua parente sucessível (artigo 2133º do Código Civil), tendo solicitado o suprimento do consentimento, por no seu entendimento aquele não o poder dar de forma livre e conscientemente em virtude das limitações decorrentes da doença de que é portador.

O requerido/beneficiário entende não ser de suprir o seu consentimento o que equivale a referir estar contra a acção.

Pois bem, atente-se no relatório pericial junto aos autos a 03 de Fevereiro de 2021 o qual nas suas conclusões é claro ao referir, e passa-se a citar:

1- O examinado apresenta um irreversível atraso de desenvolvimento, com atraso mental, decorrente em termos causais de doença metabólica, galactosémia clássica, classificada em avaliação psicológica psicométrica com atraso mental ligeiro (QI total de 61). 2- A situação clínica nos termos acima mencionados, tem como consequências diretas a incapacidade para vida autónoma sem supervisão, sendo dependente de terceiros na gestão das tarefas mais complexas.

3- (…)

4- A extensão da incapacidade cognitiva é ligeira, sendo que a descrição da entrevista, a informação fornecida pelos pais a par da observação psiquiátrica, são suficientemente eloquentes permitindo afirmar estar o funcionamento social e autonomia prejudicados”.

É evidente portanto, a existência de um interesse atendível na manutenção desta acção a qual visa acautelar os direitos do requerido/beneficiário, o qual sozinho o não consegue necessitando de ajuda de terceiros para tal desiderato.

Deste modo, ao abrigo dos artigos 141º e 2133º ambos do Código Civil decide-se:

- suprir a autorização de B…, e nessa sequência considerar a requerente A… legitimada a propor a presente acção de acompanhamento de maior, e a nela prosseguir”.

Assim sendo, o Juízo Local Cível de Leiria ao determinar o acompanhamento do Beneficiário, não violou qualquer disposição legal, designadamente as indicadas pelo Apelante.  

Avançando.

b) A 1.ª instância errou ao não limitar o exercício do direito de fixação de domicílio e residência por parte do Beneficiário e não definir medidas instrumentais de protecção do Beneficiário em sede de aprendizagem e formação?

Seguindo o raciocínio do recorrido:

 “O Tribunal “a quo” – contrariamente ao que alega a Recorrente – não se limitou a assentar o seu Juízo relativamente ao Recorrido no relatório médico-legal. Conforme consta da “Motivação” da Douta Senteça recorrida, o Tribunal “ a quo” levou em consideração, além do Relatório do IML:

- Os “documentos juntos com a contestação” (relatórios de exame do Recorrido por técnicos que lhe prestam formação em várias actividades) e audição do Requerido e seus progenitores.

(…) Porém, tal Relatório Médico Legal ( não impugnado pela Recorrente nos autos) conclui da seguinte forma assertiva e clara: a) “Ao examinado não deverá ser restringido o direito de fixar domicílio ou residência”; b) “Ao examinado não deverá ser restringido o direito de escolher profissão”; c) “Relativamente à presença em Tribunal, fora de uma eventual doença superveniente, poderá ser presente em Tribunal para testemunhar ou dar a sua opinião, (…) sem prejuízo de ponderação em função do nível cognitivo”; d) “Ao executado deve ser mantido o direito de executar livremente negócios da sua vida corrente”.

O Tribunal “a quo”, ouviu o Recorrido em Juízo – conforme recomendado pelo IML na alínea c) – tendo ponderado também o teor de tal audição antes de proferir a Douta Sentença recorrida (…) Porém, a propósito destas conclusões, a recorrente traz agora matéria nova aos autos, a saber: “Os  condicionamentos que o Beneficiário sofre ao nível da motricidade e expressão oral são suficientes para excluir uma actividade profissional que implica destreza manual, movimentação ágil e rápida e ainda capacidade de colocação e projecção de voz com interlocutores em movimento, à distância e em espaços abertos”.

Acrescentando que a escolha de uma actividade profissional e plano de formação deverá caber ao Conselho de Família. Estas afirmações violam manifestamente o Parecer do IML que se encontra junto aos autos. E violam grosseiramente os artºs 19º e 20º da Convenção de Nova Iorque Para as Pessoas com Deficiência (ratificada pelo Estado Português) e o regime jurídico em causa nos autos, cujo espírito é, justamente, o de cultivar autonomias e respeitar o mais escrupulosamente possível a individualidade e vontade das pessoas cujos direitos visa garantir (…)Porém, a propósito destas conclusões, a recorrente traz agora matéria nova aos autos, a saber: “Os  condicionamentos que o Beneficiário sofre ao nível da motricidade e expressão oral são suficientes para excluir uma actividade profissional que implica destreza manual, movimentação ágil e rápida e ainda capacidade de colocação e projecção de voz com interlocutores em movimento, à distância e em espaços abertos”.

Acrescentando que a escolha de uma actividade profissional e plano de formação deverá caber ao Conselho de Família. Estas afirmações violam manifestamente o Parecer do IML que se encontra junto aos autos. E violam grosseiramente os artºs 19º e 20º da Convenção de Nova Iorque Para as Pessoas com Deficiência (ratificada pelo Estado Português) e o regime jurídico em causa nos autos, cujo espírito é, justamente, o de cultivar autonomias e respeitar o mais escrupulosamente possível a individualidade e vontade das pessoas cujos direitos visa garantir.

Apresentando tais afirmações caracter inovatório, deverá ser dada a possibilidade de o Recorrido as contraditar, o que faz nos seguintes termos:

Mais uma vez decaem, assim, todos os argumentos da recorrente”.

Por isso, correcta a decisão do Juízo Local Cível de Leiria, que a foi beber, além do mais, à prova científica levada aos autos - os factos cuja percepção /apreciação reclame conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos especializados, não acessíveis ao julgador médio, apenas podem ser infirmados ou rebatidos com fundamentos da mesma natureza aos utilizados pelos peritos.  

c) Errou ao nomear para o exercício das funções de Acompanhante o Pai do Beneficiário?

Determina o artigo 143.º, n.º 1, do Código Civil, que:

“1 - O acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente.

2 - Na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respetivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente:

a) Ao cônjuge não separado, judicialmente ou de facto;

b) Ao unido de facto;

c) A qualquer dos pais;

d) À pessoa designada pelos pais ou pela pessoa que exerça as responsabilidades parentais, em testamento ou em documento autêntico ou autenticado;

e) Aos filhos maiores;

f) A qualquer dos avós;

g) À pessoa indicada pela instituição em que o acompanhado esteja integrado;

h) Ao mandatário a quem o acompanhado tenha conferido poderes de representação;

i) A outra pessoa idónea.

3 - Podem ser designados vários acompanhantes com diferentes funções, especificando-se as atribuições de cada um, com observância dos números anteriores”.

Conforme resulta da análise do regime legal enunciado, o acompanhante é sempre designado judicialmente, devendo recair a nomeação sobre pessoa maior e no pleno exercício dos seus direitos.

Quanto aos critérios a observar pelo tribunal na designação do acompanhante, verifica-se que a lei atribui preferência à escolha formulada pelo próprio acompanhado, prevendo ainda, como critério supletivo a adotar na falta de escolha por parte do próprio beneficiário, que a nomeação deve recair sobre a pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário.

Neste particular, e para justificar a sua escolha, escreveu a 1.ª instância:

“Na falta de escolha, o acompanhamento é deferido, no respectivo processo, à pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso do beneficiário, designadamente: aos expressamente indicados no nº2 do artigo 143º do Código Civil. O acompanhante, no exercício das suas funções, deve privilegiar o bem-estar e a recuperação do acompanhado, mantendo com ele um contacto permanente, a quem deverá visitar, no mínimo, com uma periodicidade mensal, ou outra, que o Tribunal julgue mais adequada – cfr. artigo 146.º do Código Civil.

Em face das normas enunciadas, o cargo de acompanhante deve ser deferido a C…, pai do requerido/beneficiário com quem este vive, e com quem, foi isso que resultou das suas declarações, pretende continuar a viver, o qual tem todas as condições para o encargo que irá desempenhar, o que aliás tem vindo a fazer”.

A lei enumera pessoas que, em princípio, mantêm relacionamento afetivo com a pessoa acompanhada, por força de vínculo conjugal, de união de facto ou relação familiar de parentesco, mantendo-se, contudo, uma válvula de escape para o caso de não haver soluções concordes dentro da família – que só deverá colocar-se quando estiver totalmente arredada a possibilidade de nomear alguém do círculo pessoal e familiar do acompanhado e a escolha não possa senão recair em estranhos, sem ligação pessoal ou afectiva ao acompanhado.

Tal designação cabe ao tribunal, de acordo com o critério do imperioso interesse do beneficiário – a vontade pessoal, expressa ou presumível, do beneficiário quanto à opção ou escolha do seu acompanhante é o critério preferencial previsto na lei -, que poderá ou não confirmar a escolha do próprio acompanhado ou do seu representante legal.

O conceito de “imperioso interesse do beneficiário” é um conceito indeterminado, que se reporta aos direitos fundamentais da pessoa, nomeadamente, aos seus direitos à solidariedade e ao apoio, bem como à ampliação da sua autonomia.

O acompanhante deve estar em condições de exercer um conjunto de poderes-deveres de cuidado e diligência, dirigidos a promover, nos termos do artigo 146.º, n.º 1, do Código Civil, o bem-estar e a recuperação do acompanhado, na concreta situação considerada.

Por isso, atendendo aos autos, nomeadamente, que desde o nascimento, e até meados de 2015, viveu primeiro com os progenitores, e após separação dos mesmos em inicio de 1998, com a progenitora e que em meados de 2015, B…, passou a viver com o pai em Leiria - e com quem, foi isso que resultou das suas declarações, pretende continuar a viver -, outra não poderia ser a escolha actual do Tribunal.

E não se diga, como o faz a apelada,  que “os factos referidos no número anterior evidenciam um padrão de comportamento constante e deliberado de desconsideração do bem-estar do Beneficiário, privado de forma repetida e abrupta do convívio com a Mãe, fazendo prevalecer sobre a protecção desse bem-estar os interesses pessoais do Pai e causando perturbação grave e reiterada no relacionamento da Mãe com o Filho; Os comportamentos descritos demonstram que o Pai não tem revelado a maturidade emocional e a consciência das obrigações paternais em grau adequado ao exercício das funções de Acompanhante“, uma vez que a 1.ª instância não os arrumando na fixação da sua matéria de facto, configurariam factos novos para esta instância de recurso, que, por causa disso, os não pode conhecer.

II. Do recurso do apelante pai

a) Mal andou o Tribunal “a quo” ao determinar que: - “Caberá também ao acompanhante incentivar de forma activa o convívio do…” Recorrente “… com a mãe…”?

Diz-nos o recorrente:

“Bem andou, assim, a Douta Sentença recorrida, ao considerar que “… Não cabe no âmbito destes autos criar qualquer regime de «visitas» entre a requerente e o requerido/beneficiário, pois este é maior e não pode ser compelido a ver ou estar com pessoas, devendo poder fazê-lo se assim o entender…”. Porém, mal andou o Tribunal “ a quo” ao acrescentar à afirmação acima transcrita a seguinte determinação, em sentido manifestamente contraditório, que também se passa a transcrever: - “Caberá também ao acompanhante incentivar de forma activa o convício do…” Recorrente “… com a mãe…”.

O Recorrente é maior e, conforme consta da Douta Sentença recorrida e do Relatório do IML que consta dos autos bem como do teor do seu depoimento, a sua incapacidade congnitiva é apenas ligeira, pelo que não aceita, por isso, nem ser coarctado, nem incentivado, nem coagido, nem influenciado para estar com o seu pai ou com a sua mãe: a decisão de estar com cada um dos seus progenitores, conforme lhe aprouver e for da melhor conveniência para eles e para o Recorrente deve competir a ele, Recorrente, nos termos em que decidir, sem qualquer razão legal para o Tribunal se imiscuir em tal matéria.

 A imposição realizada na Douta Sentença recorrida, no sentido de “dever ser incentivado”, para além de coactar a liberdade individual de forma ilegítima (em violação das normas atrás referidas) apresentar-se, além do mais, em manifesta contradição com a proibição de o tratar como menor e impor “regime de visitas” que o próprio Tribual “ a quo” reconhece e viola artºs 147º do C. Civil, 13º da Constituição da República Portuguesa e 19º b) e 20º da da Convenção de Nova Iorque Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ratificada pelo Estado Português).

Salvo o devido respeito, entendemos que carece de razão.

A decisão da 1.ª instância, quanto aos deveres do Acompanhante, determina o seguinte:

“Caberá também ao acompanhante incentivar de forma activa o convívio do B… com a mãe, inibindo-se o primeiro da prática de actos que o impeçam”.

Ou seja, vai buscar tal determinação ao facto de entre os progenitores, o relacionamento existente pautar-se, por vezes, por dificuldades de comunicação entre ambos, no que tange ao que seja melhor para o B….

Por isso, correcta está a decisão, até porque, como refere a apelada, “este comando é dirigido ao Acompanhante e não ao Beneficiário. Logo, o mesmo comando em nada afecta ou restringe a liberdade do Beneficiário, designadamente no que toca ao convívio com a Mãe (…).

“É um dever atribuído ao Acompanhante. E o conteúdo desse dever, tal como o seu eventual exercício, não constitui restrição ou lesão da liberdade do Beneficiário. A afirmação do Apelante de que “Não aceita ser coarctado ou incentivado por determinação judicial…” só pode provir de um lamentável equívoco. Coacção e incentivação não são sinónimos. Alterar a vontade de outrem pela força física ou psicológica é uma realidade absolutamente distinta de procurar alterar essa vontade pela persuasão. E basta pensar que ninguém questiona a legitimidade do Presidente da República quando incentiva os seus concidadãos ao cumprimento dos seus deveres cívicos, ou do professor que incentiva os seus alunos a estar com atenção à aula, para se poder concluir que incentivar ao cumprimento de deveres – como respeitar e estimar os seus ascendentes – é uma responsabilidade de quem exerce uma função tutelar: um magistrado, um professor ou um acompanhante. É, por isso, inteiramente descabido invocar, nesta sede, a violação do princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da CRP, ou a Convenção de Nova Iorque Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Logo, das alegações do Apelante não resulta argumentação susceptível de fundamentar a revogação da douta sentença recorrida, no que toca ao dever do Acompanhante de incentivar o convívio do Beneficiário com a Mãe”.

Por último:

Da litigância de má fé.

Além de alegações “robustas” e, diga-se, bem estruturadas, não estamos perante lide temerária ou pretensão/defesa manifestamente inviáveis, constitutivas do abuso do direito de acção, por isso, não vislumbramos que as partes estejam a litigar com má-fé - A condenação como litigante de má fé consubstancia uma penalização das partes por terem assumido em juízo um comportamento violador do principio de colaboração entre todos os intervenientes processuais que deve pautar todo o desenrolar do processo – sobre o tema, ver ABRANTES GERALDES, Temas Judiciários, I, 1998, p. 317.  

Improcedem, assim, as conclusões dos apelantes mantendo-se o decidido pelo Juízo Local Cível de Leiria.

(…)


3.Decisão
Assim, na improcedência dos recursos, mantemos a decisão proferida pelo Juízo Cível de Leiria – J3.

As custas ficam a cargo dos apelantes.

Coimbra, 7 de Setembro de 2021

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(António Freitas Neto- 1.º adjunto)

(Paulo Brandão – 2.º adjunto)