Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
476/06.2TBANS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FRANCISCO CAETANO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS FUTUROS
FACTO MODIFICATIVO
Data do Acordão: 02/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 564º E 566.º, N.º 1 DO CC
Sumário: a) – É adequada a indemnização no valor de € 25.000,00 por danos futuros a lesado estudante de 17 anos de idade à data do acidente de viação de que foi vítima, embora sem exercer, ainda, qualquer actividade profissional, fixada com recurso a fórmula de tabela financeira, com cálculo de capital produtor de rendimento para se esgotar na final previsível da vida activa do lesado (70 anos), temperada com juízos de equidade;

b) – A matéria constante da fundamentação da decisão da matéria de facto não pode servir de base à sentença, porque se não trata de matéria de facto sujeita ao julgamento, isto é, submetida ao contraditório e prova;

c) – Como factos modificativos do direito, produzidos após propositura da acção, às partes incumbia aportá-los ao processo mediante o pertinente articulado superveniente.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

A..., com o benefício do apoio judiciário, propos no Tribunal Judicial da comarca de Ansião contra “B.... – Companhia de Seguros, SA acção com forma de processo ordinário, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de € 124.648,43, acrescida dos juros legais vincendos desde a citação, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

Alegou, para tanto, em resumo, ter sido vítima de um acidente de viação, em 11.12.03, quando, com observância das regras estradais, conduzia o motociclo, sua pertença, então sendo embatido pelo veículo automóvel de matrícula 00-00-IJ, conduzido por C.... e segurado na Ré, a velocidade inadequada e sem dar àquele prioridade de passagem e, portanto, com culpa exclusiva.

Em consequência do embate o motociclo ficou irrecuperável e o A. sofreu lesões físicas graves que demandaram internamento hospitalar e intervenções cirúrgicas e períodos de incapacidade temporária e permanente de 45%, para cuja reparação peticiona a importância de € 90.000,00, além do mais considerando a sua idade de 17 anos e o salário mínimo nacional, uma vez que à data era estudante, peticionando também, pelas dores e sequelas de ordem estética a quantia de € 30.000,00 e despesas em medicamentos, taxas moderadoras e deslocações € 1.648,43 e € 3.000,00 do valor do motociclo.

O Centro Hospitalar de .... veio deduzir a sua intervenção principal espontânea com vista ao ressarcimento pela Ré seguradora da importância de € 10.558,33, correspondente à assistência hospitalar prestada ao A.

Na contestação oferecida, a seguradora impugnou a factualidade atinente ao acidente, cuja culpa imputou em exclusivo ao A., por circular a velocidade superior à permitida e sem ceder prioridade de passagem ao veículo ligeiro, concluindo pela improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.

Com os mesmos fundamentos se opos ao incidente de intervenção, por cuja improcedência concluiu.

No despacho saneador foi admitida a intervenção principal do Centro Hospitalar de .... e, seleccionada a matéria de facto e organizada a base instrutória, houve lugar a reclamação da Ré, que foi deferida.

Na sequência da realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, que não sofreu reclamação.

Proferida sentença veio a acção a ser julgada parcialmente procedente e a Ré seguradora condenada a pagar ao A. a quantia que vier a ser liquidada quanto ao valor do motociclo e as quantias de € 321,13 a título de danos patrimoniais acrescida de juros de mora desde 7.12.06, à taxa anual de 4%, € 25.000,00 a título de danos futuros e de € 15.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora à mesma taxa desde a data da sentença.

Condenou também a mesma seguradora no pagamento da importância de € 10.558,33 ao interveniente Centro Hospitalar de .....

Inconformada com o assim decidido, recorreu a Ré seguradora, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:

a) – O recurso a uma fórmula matemática em sede de cálculo de danos futuros é inadequado, por introduzir elementos rígidos em campo naturalmente hipotético, incerto e variável;

            b) – Neste domínio há que respeitar o que prescreve o n.º 3 do art.º 566.º do Cód. Civil, impondo o recurso a juízos de equidade;

            c) – No caso, ignoraram-se dados apurados em julgamento, constantes da acta de resposta à matéria de facto;

            d) – Procedeu-se a uma correcção, para mais, não fundamentada e claramente excessiva;

            e) – Foi violado o disposto no n.º 3 do art.º 566.º do Cód. Civil e ofendido o princípio do recurso à equidade;

            f) – No caso vertente a indemnização por danos patrimoniais (danos futuros) deve ser inferior ao montante calculado de € 20.000,00 e nunca de € 25.000,00, não fundamentada e excessiva.

O A. respondeu a pugnar pela manutenção da sentença.

Cumpre decidir, sendo questões únicas a apreciar:

- Qual o critério para determinar o valor indemnizatório por danos futuros e qual o montante concreto devido a esse título, face à factualidade apurada na presente acção, concretamente estando em causa um lesado que à data do acidente de viação tinha 17 anos de idade, era estudante e não exercia qualquer actividade remunerada, ficando afectado de uma IPP de 10%?

Vejamos, antes de mais, os factos considerados como provados e que nesta sede não mereceram impugnação.


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II. Fundamentação

1. De facto

            Foi, pois, a seguinte a factualidade dada como provada pela 1.ª instância:

a) – No dia 11 de Dezembro de 2003, cerca das 13 horas e 35 minutos, na E. M. 348, na localidade de Ribeiro da Vide, freguesia e concelho de Ansião, ocorreu um embate;

b) – Nele foram intervenientes o motociclo matrícula 00-00-QD propriedade do ora A. A... e o veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula 00-00-IJ, propriedade de C...;

c) – O veículo 00-00-QD seguia no sentido S. João de Brito/Ansião e o veículo 00-00-IJ circulava na Avenida Nova - Ribeiro de Vide, freguesia e concelho de Ansião, no sentido Nascente - Poente;

d) – O local referido no ponto anterior apresenta-se como um cruzamento com rotunda;

e) – No local do embate o piso é em asfalto e em bom estado de conservação;

f) – No dia e hora referidos na alín. a) estava bom tempo;

g) – Quando o A. chegou ao cruzamento referido na alín. d), não circulava qualquer veículo na rotunda;

h) – O motociclo QD circulava por forma a dar a sua esquerda à parte central da rotunda;

i) – Quando o motociclo se encontrava a circular na parte final da rotunda, ocorreu o embate entre a lateral direita do motociclo e a frente esquerda do IJ;

j) – O condutor do veículo 00-00-IJ entrou na rotunda sem antes se certificar se na mesma circulava qualquer veículo;

l) – Nem parou no sinal de trânsito B1 que se apresentava à sua direita, antes da entrada na rotunda, atento o sentido de marcha em que seguia;

m) – Por força do embate referido na alín. a) o motociclo foi projectado de nascente para poente, indo imobilizar-se na berma do lado esquerdo, atento o sentido de marcha S. João de Brito/Ansião;

n) – Em consequência do embate referido na alín. a) o A. foi projectado do motociclo para uma distância superior a 20 m do local do embate;

o) – E o motociclo imobilizou-se com a traseira a cerca de 0,90 m do muro que ladeia a E. M. 348 e com a frente a cerca de 2 m de distância de um pilar ali existente;

p) – E a cerca de 20 m do local do embate;

q) – O A. A... nasceu a 23 de Março de 1986;

r) – Em virtude da assistência que foi prestada ao A., em consequência das lesões sofridas no embate referido na alín. a), o Centro Hospitalar de .... suportou encargos que ascenderam ao montante de € 10.558,33;

s) – Na data referida na alín. a) a responsabilidade civil pelos danos causados pelo veículo 00-00-IJ encontrava-se transferida para a R. através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º .....;

t) – Consta do respectivo livrete que o veículo de matrícula 00-00-QDé um motociclo com cilindrada de 124;

u) – Consta da carta de condução n.º ....., de que é titular o A. que a mesma é válida, para além do mais, para a categoria A1 desde 24.6.02;

v) – Com o embate o QD ficou irrecuperável;

x) – Em consequência do embate o A. foi transportado ao Hospital ...., onde lhe foram prestados os primeiros socorros;

z) – E daí enviado ao Centro Hospitalar de ...., onde lhe foi diagnosticado laceração traumática do meso e perfuração do ílio;

aa) – E fractura exposta de grau I do fémur direito;

bb) – Tendo sido submetido a cirurgia para correcção da laceração traumática do meso e perfuração do ílio;

cc) – E dali transportado para o Hospital da Universidade de ...., onde fez uma aortografia, que revelou a presença de laceração traumática a nível do istmo aórtico;

dd) – Tendo sido operado para isolamento da aorta a nível do arco e da aorta descendente, com clampagem da aorta a nível do arco entre a carótida esquerda e a subclávia esquerda;

ee) – E aí ficou internado até 16 de Dezembro de 2003;

ff) – Data em que voltou ao Centro Hospitalar de .... e onde foi internado no serviço de Ortotraumatologia até 7.1.04;

gg) – No dia 29 de Dezembro de 2003 o A. foi submetido a nova intervenção cirúrgica, com placa recta, mais parafusos de compressão interfragmentar da fractura do fémur direito;

hh) – E observado em consultas externas nos dias 10.2.04, 27.4.04, 15.6.04 e 17.8.04;

ii) – Data em que lhe foi dada alta clínica;

jj) – No período em que esteve internado, o A. esteve sempre deitado e apenas se podia deslocar em cadeira de rodas e com a ajuda de terceiros;

ll) – E quando regressou a casa esteve 3 meses deitado por não poder mexer o membro inferior direito;

mm) – Em Maio de 2004 começou a locomover-se com o auxílio de canadianas;

nn) – E só em Novembro de 2004 começou a dar os primeiros passos sem canadianas;

oo)- Em consequência do embate o A. apresenta actualmente:

- cicatriz linear na face externa da coxa direita, medindo mais de 20 cm de comprimento;

- atrofia de 1 cm do quadricípede direito;

- cicatriz vertical no abdómen com 20 cm de comprimento;

- cicatriz desde a região dorsal até à face superior da axila esquerda;

pp) – Como consequência das sequelas referidas na alín. anterior o A. não tem no membro inferior direito a mesma força e agilidade que tinha antes;

qq) – Quando faz esforços físicos sente dor na perna direita e na grelha costal esquerda;

rr) – O A. nunca mais conseguiu andar de motociclo;

ss) – E tem de fazer esforços acrescidos no desempenho das funções básicas do seu dia-a-dia, tais como andar, permanecer de pé, baixar-se, flectir ou mover o membro inferior direito;

tt) – É provável que o A. necessite de ser submetido a nova intervenção cirúrgica para remoção dos ferros aplicados no membro inferior direito;

uu) – O A. ficou a padecer de uma incapacidade permanente parcial de 10%;

vv) – À data do embate o A. era um jovem saudável, robusto, trabalhador e com boa apresentação;

xx) – E tinha uma grande alegria de viver e uma constante boa disposição;

zz) – As sequelas referidas diminuem o seu grau de apresentação e porte estético, sentindo-se diminuído psíquica e fisicamente;

aaa) – E inibido de usar roupas curtas, cações ou fatos de banho e de frequentar prais ou piscinas;

bbb) – Como consequência das lesões e dos tratamentos e cirurgias a que teve de se sujeitar, o A. teve muitas dores;

ccc) – O A. efectuou várias deslocações ao hospital, cujo preço ascende a € 248,40;

ddd) – O A. efectuou exames médicos cujo pagamento ascende a € 72,73.


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            2. De direito

            Como é sabido, nos termos do disposto dos art.ºs 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1, do CPC, o âmbito do recurso é fixado pelas conclusões das alegações da recorrente e que, no caso, restringiu, como dissemos, à questão do modo de cálculo e do montante devido a título de danos futuros emergentes do acidente de viação por cujas consequências é responsável, em que foi lesado o recorrido, estudante, de 17 anos de idade, sem desempenhar qualquer actividade remunerada àquela data e de que lhe resultou uma IPP de 10%.

            Vejamos, então.

            a) – Começa a recorrente por sustentar que o recurso a uma fórmula matemática de cálculo do valor dos danos futuros é inadequada, por introduzir elementos rígidos em campo hipotético, incerto e invariável, havendo que respeitar o disposto no n.º 3 do art.º 566.º do Cód. Civil (como os demais artigos a indicar), ou seja, o recurso a juízos de equidade.

            Fazendo um rápido enquadramento jurídico da questão, diremos que nos termos do art.º 562.º a obrigação de indemnizar deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

            O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão e na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que previsíveis (…) (art.º 564.º).

            Não sendo possível a reconstituição natural, que não repare integralmente os danos ou se for excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro (art.º 566.º, n.º 1).

            O montante da indemnização pecuniária mede-se pela diferença entre a situação real em que o lesado se encontra e a situação hipotética em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano, no caso o acidente de viação e deverá reportar-se à data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (idem, n.º 2).

            Caso não possa ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará segundo juízos de equidade, o que ocorre designadamente quando forem imprecisos os elementos de cálculo (idem, n.º 3).

            Daqui decorre que a lei civil não impõe qualquer critério rígido determinativo da valorização pecuniária dos danos futuros por incapacidade parcial permanente em acidentes de viação, assente seja em fórmulas de tabelas financeiras, seja em bases técnicas legalmente fixadas, como assim ocorre para os acidentes laborais (art.º 17.º, n.º 1, alín. c) da Lei n.º 100/97 de 13.9 – LAT – art.º 57.º da Lei n.º 143/97 de 30.4 e Portaria n.º 11/2000 de 13.1.)[1].

            Todavia, com vista a arredar arbitrariedades, limitar subjectivismos e procurar critérios uniformes para fixação do valor, desde há muito que a jurisprudência tem lançado mão seja daqueles mecanismos de cálculo do direito laboral a propósito da remição de pensões devidas por incapacidades permanentes parciais (IPP), seja, quiçá com maior frequência, actualidade e justiça, de fórmulas com varáveis que determinem um capital produtor de rendimento que o lesado não irá auferir e que se esgote no final provável do seu período de vida activa.

            Uma das variáveis consiste na idade e cujo limite de vida activa se ficciona actualmente em 70 anos[2], outra o salário e que, não sendo auferido seja porque se não ingressou, ainda, no mercado de trabalho, seja porque simplesmente se não exerce actividade remunerada, se deve atender ao salário mínimo nacional.[3]

            Cumpre salientar a este propósito que são indemnizáveis os danos patrimoniais futuros ainda que o lesado não exerça qualquer actividade profissional à data do acidente de viação, uma vez que o dano patrimonial se não esgota nem se confunde com a perda ou diminuição da capacidade de ganho.

            Outra variável comummente usada respeita às taxas de juro valorativas do capital, no caso 6 e 5%, e cuja oscilação, conjuntural, é do conhecimento geral, taxas que se mantêm na fórmula usada, face ao período significativo de “antecipação” do capital (52 anos) e à incerteza de por quanto tempo se manterão em baixa.

            Concorda-se, assim, em consonância com a doutrina e jurisprudência pacíficas, que os critérios matemáticos usados na determinação do montante indemnizatório não são de aceitar cegamente, com a certeza absoluta própria de um cálculo matemático, antes como elementos informadores e adjuvantes da liquidação judicial a ser corrigida com recurso à equidade, se desajustamentos houver no concreto caso.[4]

            Voltando ao caso concreto, a sentença recorrida usou a fórmula matemática como mero referencial, jurisprudencialmente seguido, logo temperando o valor alcançado em concordância com o referido n.º 3 do art.º 566.º em termos que merecem a nossa aceitação.

            Tendo, pois, a sentença recorrida temperado o valor alcançado, com a fórmula matemática, com juízos de equidade, arbitrando cerca de € 4.000,00 para o diferencial do salário mínimo nacional (et pour cause) que serviu de base de cálculo e o salário que futuramente o lesado acrescidamente auferiria, em termos de normalidade, não merece censura o método seguido, nem, obviamente, o valor indemnizatório a que chegou.

            É isso mesmo a equidade. Tendo-se provado que à data do acidente o lesado era um jovem de 17 anos, saudável, robusto, trabalhador, com boa apresentação, com grande alegria de viver e constante boa disposição, num quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, considerando o curso normal das coisas, era expectável vir a auferir salário superior ao mínimo legal, que só assim se considerou como e para base de cálculo à falta de outro e que se impunha “majorar” de acordo com a equidade.


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            b) – “A não consideração de dados apurados em julgamento” constantes da “Acta de Resposta à Matéria de Facto”.

            - Sustenta a recorrente que se consignou na “acta de resposta à matéria de facto” que “o depoimento da mãe do A. também permitiu apurar que o A. terminou o curso que frequentava aquando do acidente, embora cerca de cinco meses mais tarde do que o previsto e que tem trabalhado, embora em áreas diferentes da formação obtida”.

            Já acima dissemos que, no cálculo da indemnização, o n.º 2 do art.º 566.º manda atender à data mais recente.

            Conforme salienta, aliás, a propósito dos lucros cessantes, Antunes Varela[5] no cálculo da situação patrimonial hipotética há que utilizar todas as circunstâncias conhecidas à data em que se faz o confronto ordenado no n.º 2 daquele preceito e não, apenas, as conhecidas ao tempo em que o facto se verificou.

            E sendo judicial a liquidação da indemnização, o momento relevante (a data mais recente a que o tribunal pode atender) é a do encerramento da discussão em 1.ª instância, nos termos do n.º 1 do art.º 663.º do CPC.[6]

            À luz deste preceito legal tratar-se-ia de factos modificativos posteriores à propositura da acção.

            Todavia, não se tratando de matéria de conhecimento notório e/ou oficioso, antes, no cumprimento do princípio do dispositivo, às partes cabia aportá-la ao processo através do pertinente articulado superveniente (art.ºs 506.º e 507.º, do CPC).

            Porque o não fizeram, nada há (nem havia) a conhecer.

            E o facto de na fundamentação da decisão da matéria de facto se haver feito referência a que o lesado acabou o curso que frequentava (qual?), embora 5 meses  mais tarde que o previsto e que “ tem trabalhado, embora em áreas diferentes da formação obtida”, tal não podia servir de base à sentença, porque pura e simplesmente não se tratou de matéria de facto submetida ao contraditório.

            Aliás, não compreendemos bem a alegação da recorrente, na medida em que as considerações, a beneficiar alguém, seria o recorrido.

            O ter terminado o curso e vir trabalhando (embora noutra área), tal, poderia implicar maior capital indemnizatório, desde logo em função do possível maior montante salarial auferido…

            Em suma, soçobram as conclusões recursivas.


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            3. Resumindo e concluindo

            a) – É adequada a indemnização no valor de € 25.000,00 por danos futuros a lesado estudante de 17 anos de idade à data do acidente de viação de que foi vítima, embora sem exercer, ainda, qualquer actividade profissional, fixada com recurso a fórmula de tabela financeira, com cálculo de capital produtor de rendimento para se esgotar na final previsível da vida activa do lesado (70 anos), temperada com juízos de equidade;

            b) – A matéria constante da fundamentação da decisão da matéria de facto não pode servir de base à sentença, porque se não trata de matéria de facto sujeita ao julgamento, isto é, submetida ao contraditório e prova;

            c) – Como factos modificativos do direito, produzidos após propositura da acção, às partes incumbia aportá-los ao processo mediante o pertinente articulado superveniente.


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            III. Decisão

            Face a todo o exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e manter a sentença recorrida, no respeitante à parte impugnada, do valor dos danos futuros, que se consideram, pois, fixados em € 25.000,00

            Custas pela apelante.


[1] V., quanto à aplicação analógica das regras laborais, P. Lima e A. Varela, “Cód. Civil, Anot.”, I, 4.ª ed., pág. 583.
[2] V. g., Ac. STJ de 2.10.07, CJ/STJ, 2007, 3.º, pág. 68.
[3] V. Acs. STJ de 25.5.99, Proc. 99A335, 27.5.99, Revista 339/99-2.ª secção, sumariado em Freitas Rangel, “A Reparação Judicial dos Danos na Responsabilidade Civil – Um Olhar sobre a Jurisprudência”, 3.ª ed., Almedina, pág. 198, RP de de 23.5.02, JTR00034018/ITIJ e STJ de 16.9.08, Proc. 08B939/ITIJ.
V, contudo, o Ac. STJ de 2.10.07, CJ/STJ, 2007, 3.º, pág. 68 que se reporta a um salário médio previsível.
[4] V. Freitas Rangel, ob. cit., pág. 32.
V. Acs. STJ de 25.5.99 acima citado, de 7.7.99, Revista 53/00-6.ª secção, sumariado em Freitas Rangel, ob. cit. pág. 199, 6.7.00, CJ/STJ, 2000, 2.º, pág. 144 e 30.4.02, JSTJ 00002052/ITIJ.
[5] “Das Obrigações em Geral”, 2.ª ed., pág. 766.
[6] Ob. cit., nota 2 de pág. 764.